Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
140866/14.9YIPRT.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: INJUNÇÃO
PRESCRIÇÃO
JUROS
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2016
Votação: UNANIMIDADE COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Como não pode ser ignorado (art.º 6º do Código Civil), a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, considerados na sua globalidade, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada” -de facto e mais exactamente, a solução ética e socialmente mais acertada -, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade, sendo que esses padrões não podem - ou, pelo menos, não devem - ser outros que não os que são típicos de um qualquer diligente bom pai (ou boa mãe) de família - art.º 487º n.º 2 do Código Civil).

2.As denominadas “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento em muitos contratos, como o dos autos, os contraentes associam uma indemnização tabelar, por cláusula penal, quando esse não cumprimento ocorre, constituem uma cláusula acessória do núcleo essencial do contrato (prestação de um serviço tendo como contrapartida o pagamento do preço do mesmo), sendo ética e socialmente inaceitável e, portanto, violador das regras de interpretação inscritas nos artºs 9º, 334º e 335º do Código Civil, configurar que possa existir um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal (art.º 10º n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) e um prazo prescricional geral de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela.

3.Os juros de mora correspondem a uma obrigação de indemnização causada necessária e adequadamente pela violação de uma das cláusulas contratuais assumidas pelas partes no contrato, ou seja, a falta de pagamento pela Ré da contraprestação monetária (preço) devida pelo serviço prestado pela Autora.

4.Não obstante o disposto no art.º 561º do Código Civil, porque a obrigação da Ré em indemnizar a Autora com o correspondente aos juros moratórios resulta directa e necessariamente da infracção pela primeira do dever de cumprimento do contrato de prestação de serviços de telecomunicações que celebrou com a segunda, isto é, porque a obrigação de juros surge em consequência da obrigação de capital, visto que representa o rendimento dele (ou se torna devida face ao incumprimento do dever de pagar essa obrigação), é igualmente ontologicamente incompreensível, pelas razões referidas em 1., conceber a existência dessa obrigação de juros quando o dever de que ela depende deixou de existir ou se tornou inexigível.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.-A sociedade “……… COMUNICAÇÕES, SA” deu entrada em 18/09/2014, no Balcão Nacional de Injunções, do requerimento de injunção que deu origem aos presentes autos nos quais é demandada a empresa “………. - ………………….., LDA” e que, por via da oposição apresentada por esta última, passaram a ser tramitados como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações prevista no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, e sob o n.º 140866/14.9YIPRT, tendo corrido termos pela Secção Cível - J9 da Instância Local da comarca de Lisboa/Lisboa.

E, apresentados pelas partes, os articulados previstos nesse diploma, foi, sem mais, proferida a sentença que ocupa fls. 156 a 169 do processo, cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se procedente a excepção peremptória de prescrição deduzida pela Ré CANOG - SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, UNIPESSOAL, LDA e consequentemente decido absolver a Ré do pedido contra si formulado pela NOS COMUNICAÇÕES, SA.
Custas pela Autora - artigo 527º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.” (sic - fls. 168 a 169).

Inconformada com essa decisão, a Requerente/Autora “……. COMUNICAÇÕES, SA” deduziu contra ela o presente recurso, rematando as suas alegações com dois pedidos algo contraditórios (fls. 183), isto é, pede, ao mesmo tempo, de que seja “…a decisão proferida … declarada nula e substituída por outra que julgue válida e tempestivamente reclamada a dívida da Apelante em relação aos juros de mora, outras quantias e cláusula penal …” (sic) e que seja “… concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida” (sic), formulando, para sustentar essas pretensões, as seguintes 14 conclusões que se encontram a fls. 181 a 183 dos presentes autos:
1.-Decidiu o Tribunal recorrido pela improcedência dos juros de mora e outras quantias e cláusula penal peticionados, por aplicação do art.º 10º da Lei 23/96, de 26.07 e considerando-os obrigações acessórias da obrigação prescrita.
2.-Tal solução não resulta da Lei; nem sequer resulta da doutrina que teorizou o princípio da acessoriedade.
3.-Em relação às “outras quantias” peticionadas, não se lhes aplicam os fundamentos de improcedência invocados na sentença: prazo de prescrição da Lei 23/96, de 26.07, nem a acessoriedade. Sendo-lhes, antes, aplicável o prazo de prescrição ordinário.
4.-Na data da injunção o prazo de prescrição das “outras quantias” não tinha decorrrido.
5.-De igual modo, em relação aos juros de mora: o prazo de prescrição é diverso e decorre, expressamente, dos artºs 310º, alínea d) e art.º 561º, ambos do CC.
6.-Constituindo o crédito de juros, este autonomiza-se da obrigação de capital: nos créditos que prescrevem em 6 meses os juros respectivos prescrevem em 5 anos; nos créditos que prescrevem em 20 anos são exigíveis juros dos últimos 5.
7.-Á data da injunção o prazo de prescrição dos juros de mora não tinha decorrrido.
8.-A cláusula penal peticionada é uma obrigação com natureza distinta do preço dos serviços.
9.-Não decorre da lei civil disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevem em igual prazo.
10.-Ao invés, decorrem da lei civil normas que prevêem prazos de prescrição distintos: art.º 10º da Lei 23/96, de 26.07 para o preço do serviço prestado, art.º 310º alínea d) para os juros convencionais ou legais.
11.-Não existindo disposição especial prevista para a cláusula penal, se o Legislador não a excecionou do regime geral do art.º 309º do CC, não poderá tal regime deixar de lhe ser aplicável.
12.-Tal decorre, desde logo, dos motivos que determinaram a estipulação do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96.
13.-Em relação à cláusula penal os fundamentos para um prazo de prescrição de 6 meses não existem, uma vez que (i) o utente dispõe, desde a celebração do contrato, de todas as condições para saber exactamente, qual é o montante que terá de suportar caso incumpra o período de fidelização, (ii) a obrigação constitui-se num momento único e por efeito de um comportamento único, pelo que evitá-la não é evitar um acumular de dívidas, é impedir a sua constituição.
14.-A aplicação, à cláusula penal, do prazo ordinário de prescrição e 20 anos constitui jurisprudência deste Tribunal que, por unanimidade, o consagrou em Acórdão proferido no processo 2360/06.0YXLSB.L1-7. “…uma coisa é o crédito do preço, próprio da execução do contrato; outra coisa, dessa diferente, o crédito de indemnização emergente do incumprimento do vínculo de fidelização; este com conteúdo estipulado em cláusula penal. A cláusula é acessória deste vínculo; não daquele crédito (do preço).”

De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos - violou os artºs 309º, 310º alínea d) e 561º, todos do CC; e o art.º 10º, n.ºs 1 e 4 da Lei 23/96, de 26.07.

A Requerida/Ré não contra-alegou, sendo estes os contornos da lide que a este Tribunal Superior cumpre aqui e agora julgar.

2.-Considerando o conteúdo das conclusões das alegações da apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias), por razões de ordem lógica e ontológica, a única questão a dirimir nesta instância de recurso é a seguinte:
- na decisão recorrida foi ou não violado o disposto nos artºs 309º, 310º, alínea d), e 561º do Código Civil e 10º nºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho?

De facto, considerando o texto das 14 conclusões supra transcritas, facilmente se constata que nenhuma menção é aí feita - ou, por sinal, no corpo da peça processual onde as mesmas estão inseridas - à potencial nulidade da sentença criticada(que, aliás, inexiste), forçoso se tornando concluir que a recorrente foi “vítima” do utensílio “copiar/colar” e que as duas palavras “declarada nula” mais não serão que um lapso de escrita, nesta nova modalidade, antes devendo aí estar escrito, em total consonância com a expressão escrita a final, “revogada”.

E sendo esta a matéria que compete apreciar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas, tendo sido oportunamente colhidos novos Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.

3.-Na decisão recorrida foram declarados provados os seguintes factos:
1.-O requerimento de injunção respeitante à presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos foi apresentado em 18 de Setembro de 2014 (conforme data aposta na folha inicial).
2.-A Autora peticionou o pagamento da quantia de € 11.584,98 de capital, acrescida de € 933,76 a título de juros de mora e de € 153,00 relativos ao montante pago pela apresentação do requerimento injuntivo, bem como € 60,00 a título de outras quantias (conforme teor do requerimento de injunção).
3.-Fundamentou a sua pretensão na rubrica relativa à causa de pedir indicando a existência de um “contrato de fornecimento de bens ou serviços”, referindo que a dívida respeita à prestação de bens e serviços de telecomunicações.

4.-A Autora emitiu em nome da Ré as seguintes facturas:
-n.º 002045980305139, de 8 de Maio de 2013, no valor de € 1.909,58 (mil e novecentos e nove Euros e cinquenta e oito cêntimos), com data limite de pagamento 28 de Maio de 2013;
-n.º 00205540670613, de 6 de Junho de 2013, no valor de € 1.205,38 (mil e duzentos e cinco Euros e trinta e oito cêntimos), com data limite de pagamento 26 de Junho de 2013;
-n.º 00206448860713, de 5 de Julho de 2013, no valor de € 1.872,88 (mil e oitocentos e setenta e dois Euros e oitenta e oito cêntimos), com data limite de pagamento 25 de Julho de 2013 e
-n.º 00207350830813, de 7 de Agosto de 2013, no valor de € 6.597,14 (seis mil e quinhentos e noventa e sete Euros e catorze cêntimos), com data limite de pagamento 27 de Agosto de 2013.

4.-Discussão jurídica da causa.
Na decisão recorrida foi ou não violado o disposto nos artºs 309º, 310º, alínea d), e 561º do Código Civil e 10º nºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho?
4.1.-Ao iniciar a análise crítica do recurso intentado pela apelante, importa sublinhar vivamente que esta sociedade apenas põe em causa a parte do sentenciamento recorrido através da qual foi declarada verificada a prescrição do direito invocado contra a apelada também no que tange aos juros de mora e outras quantias e cláusula penal peticionados e já não no que respeita à obrigação principal.

E porque assim é, torna-se, portanto, útil recordar o que foi escrito pelo Mmo Juiz a quo para fundamentar o seu decreto absolutório e que é o seguinte:

Da prescrição da cláusula penal:

Apesar da divergência jurisprudencial, aqui o cerne da questão está em sabermos se o direito a indemnização por incumprimento contratual, relativa à cláusula penal por incumprimento contratual tem, ou não, uma autonomia, face ao direito ao recebimento do preço do serviço, em sentido restrito, que permita afastá-la do prazo de prescrição estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96.
O núcleo do contrato de prestação do serviço de telecomunicações entre a Autora e a Ré, o seu objecto, é constituído pela prestação do serviço.
Esta é a prestação principal, prestação e contraprestação, incidindo sobre cada uma das partes no contrato.
A denominada “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento as partes associaram uma indemnização tabelar, por cláusula penal, em caso de incumprimento, é uma cláusula acessória daquele núcleo do contrato, que se pode classificar como um preço indirecto do serviço, ou, pelo menos, como um auxiliar do bom cumprimento da obrigação de pagamento do preço do serviço mas, em qualquer caso, como obrigação acessória da obrigação principal, porque fora do núcleo do contrato.
Na economia do contrato, a “cláusula de fidelização” em caso de incumprimento só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respectivo preço, fazendo parte deste sinalagma.
Não tem autonomia por si própria, não lhe correspondendo uma contraprestação directa a ela dirigida.
O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode, pois, deixar de abranger também esta, que é obrigação acessória.
De outro modo, aportaríamos à situação bizarra de termos um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal e um prazo prescricional geral, de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela.
Uma tal interpretação é, de todo, afastada pelo disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do qual o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
Solução de todo desacertada seria aquela em que prescrito, decorridos seis meses, o direito ao recebimento do preço de um serviço de telecomunicações, o consumidor desses serviços continuasse adstrito ao cumprimento dos seus deveres acessórios daquela prestação e às consequências do seu incumprimento, durante vinte anos.
Ora, a obrigação de pagamento de uma quantia estipulada pelas partes para efeitos de eventual incumprimento da obrigação principal por uma delas reveste a natureza de obrigação acessória da obrigação principal (nesse sentido, VAZ SERRA, PENA CONVENCIONAL, in BOLETIM n.º 67 e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, volume II, página 74 e 75), estando por conseguinte sujeita ao regime legal aplicável a esta.
Tal resulta aliás, relativamente à cláusula penal, do disposto no artigo 810.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que também as quantias devidas por via do funcionamento de cláusulas penais prescrevem pelo decurso do prazo de seis meses, prazo estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008).
Deste modo, também se julga procedente a excepção de prescrição invocada quanto ao crédito respeitante à cláusula penal devida pelo incumprimento contratual.

Da prescrição dos juros de mora e outras quantias:
Face à invocada excepção de prescrição, pretende a Autora que se considere, quanto aos juros de mora, o prazo previsto no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
Nesta parte, pode-se entender que o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se um sem o outro (artigo 561.º do Código Civil), que a autonomia dos juros tem um regime prescricional diferente do crédito principal e que se aplica o artigo 310.º, alínea d) do Código Civil, porque o 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008) não menciona os juros e não está demonstrada a vontade inequívoca do legislador em os abranger no prazo prescricional.
No entanto, pode ser entendido que a prescrição dos juros está abrangida pelo prazo prescricional do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008).
Quanto a nós, com o devido respeito pela posição contrária, acolhemos esta segunda orientação, pelos motivos que a seguir se elencam.
Não existem dúvidas que os juros se enquadram no âmbito das relações jurídicas obrigacionais ou creditórias inseridas no Livro II do Código Civil, o do Direito das Obrigações.
Como também não existem dúvidas que a obrigação de juros vem expressamente prevista nos artigos 559º a 561º, inseridos na Secção VII do Capítulo III, do Titulo I, do Livro do Direito das Obrigações.
E que, por vezes, é a própria lei que impõe a obrigação de pagar juros, como sucede, no que ao caso interessa, no artigo 806.º, do Código Civil, onde se lê “nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.

O conceito geral de obrigação é dado pelo artigo 397.º do Código Civil, e consiste no vínculo jurídico do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

Ou seja, “o termo obrigação abrange a relação no seu conjunto e não apenas, como sucede, na linguagem comum, o seu lado passivo: compreende, portanto, o dever de prestar, que recai sobre uma das partes, bem como o poder de exigir a prestação conferida a outra.
Quando se quer distinguir entre os dois lados da relação, que são duas faces da mesma realidade ou como o anverso e reverso da mesma medalha, chama-se crédito (direito de crédito) ao seu lado activo e débito (ou dívida) ao lado oposto.
À pessoa que tem o poder de exigir a prestação dá-se o nome genérico de credor, à outra sobre a qual incide o correlativo dever de prestar, chama-se devedor” (ANTUNES VARELA, DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL, I volume, página 56 e 57).

Tudo isto para concluir, que os juros legais decorrentes da mora do devedor assumem a natureza de um crédito e de débito, obrigação de prestar.

Ou seja, a fonte de obrigação da indemnização dos juros decorre directamente da violação por parte da Ré, em prestar à Autora, o pagamento do preço do serviço a que se vinculou, dentro de prazo certo, constituindo-se assim, em mora – artigos 806.º n.º 1 e 804.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil.

Daí que o direito da Autora aos juros estará sempre dependente da alegação e prova dos factos que o constituem, designadamente, a existência do contrato de prestação de serviços de telecomunicações entre ela e a Ré e a violação por parte desta do pagamento pontual do preço do serviço a que se obrigou, quando lhe era possível fazê-lo.

Esta conduta da Ré fá-la-á incorrer em mora e constitui-la-á na obrigação de indemnizar os danos causados à Autora (artigo 804.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil), indemnização essa que, por ter como fonte uma obrigação pecuniária - consiste no pagamento de uma quantia em dinheiro “pecunia” - corresponde aos juros a contar da data da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil).

Os juros corresponderão, assim, a uma obrigação de indemnização causada necessária e adequadamente pela violação de uma das cláusulas contratuais que foram assumidas pelas partes, ou seja, a falta de pagamento da contraprestação monetária pela Ré pelo serviço prestado pela Autora.

Com isto, queremos dizer que, no nosso sistema jurídico, a Autora só adquire o direito a ser indemnizado pelos danos causados pela falta de pagamento do preço dos serviços, se se verificar que a Ré não cumpriu a sua prestação, quando lhe era possível fazê-lo, no tempo devido.

Ou dito de outro modo, a obrigação da Ré em indemnizar a Autora, com o correspondente aos juros moratórios, resulta directa e necessariamente da sua infracção ao cumprimento do contrato de prestação de serviços de telecomunicações.

Esta obrigação da Ré tem como contrapartida para a Autora um direito à indemnização que, no caso, se configura como um direito de crédito.

Assim e com o devido respeito, não se poderá concluir, que a obrigação da Ré em indemnizar a Autora que, neste caso é constituída por juros - nos termos sobreditos, não resulta de um contrato de prestação de serviços de telecomunicações e da sua violação.

Tal interpretação levaria a que o direito de crédito a outro tipo de indemnizações fundadas na violação de uma das cláusulas contratuais, não configuraria um crédito resultante do contrato de prestação de serviços de telecomunicações e da sua violação.

Não ocorre assim justificação para distinguir em tal regime de prescrição especial os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime (especial).

Cremos que a autonomia dos juros em relação à obrigação principal não afasta este entendimento.

Vejamos, a obrigação de juros, num primeiro momento (antes da sua constituição) depende da obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituído autonomizar-se, nos casos previstos na lei.

Desde que a obrigação de juros se constitui, lê-se no artigo 561.º do Código Civil, “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.

Duma banda, a fonte que constitui aquela obrigação depende da verificação de crédito principal, enquanto que da outra, a autonomia da obrigação de juros em relação ao crédito principal, poderá ou não ocorrer, nos casos previstos na lei.

Ou seja, a obrigação de juros surge em consequência da obrigação de capital, visto que representa o rendimento dele: não se concebe, pois, sem uma obrigação de capital.

E a ligação entre um e outro crédito não se revela somente, neste aspecto, como resulta de algumas soluções legais.

Assim, cedendo-se o crédito principal, presume-se a transmissão do crédito de juros (artigo 582.º, n.º 1); o penhor (artigo 666.º, n.º 1) e a hipoteca (artigo 693.º, n.º 2 e n.º 3) constituídos para garantir o crédito principal abrangem os juros e, também o privilégio creditório os abrange (artigo 734.º) e, dando o credor quitação do capital sem reserva dos juros, presume-se o pagamento destes (artigo 786.º, n.º 1).

Todavia não se trata de uma dependência absoluta.

A lei permite que, depois de nascido, o crédito de juros possa vir a ter vida autónoma. Portanto os juros podem ser devidos a terceiro, o crédito de juros pode ser cedido sem o crédito principal, ou vice-versa (ALMEIDA COSTA, NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO CIVIL, página 99).

Como não se trata, diríamos nós, de uma autonomia absoluta.

É certo que o artigo 310.º, alínea d) do Código Civil contém uma das imposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra.

E, fá-lo de forma expressa.

Mas daqui, com o devido respeito, não se pode concluir que, não tendo o legislador previsto expressamente a autonomização e diferenciação dentre créditos de juros e de capital na área dos créditos dos serviços públicos essenciais, se deverá recorrer, às normas gerais que regulam esta matéria.

Desde logo porque inexiste uma norma geral e abstracta que imponha que o crédito de juros e o crédito principal se autonomizam em todo e qualquer caso, exceptuados os previstos na lei.

Desta feita, concluiu-se que, tendo a obrigação de juros a natureza de um crédito que decorre directa e necessariamente da violação de uma das cláusulas do contrato de prestação de serviços de telecomunicações, esse crédito também se encontra prescrito.

O mesmo se diga quanto à quantia peticionada a título de “Outras quantias”.

Para tanto, a Autora fundamenta o seu pedido no disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, com a epígrafe “INDEMNIZAÇÃO PELOS CUSTOS SUPORTADOS COM A COBRANÇA DA DÍVIDA”, o qual dispõe: “Quando se vençam juros de mora em transacções comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.”

Assim sendo, estando perante uma indemnização, a mesma segue o regime da obrigação principal, ou seja, o prazo prescricional de seis meses.” (sic - fls. 162 a 168).

E é esse julgamento que a este Tribunal Superior compete sindicar.

4.2.-Em cumprimento desse desiderato, não pode este Tribunal Superior deixar de recordar que litigar em Juízo é uma actividade não apenas de considerável intensidade ética mas também de imensa responsabilidade social, motivo pelo qual a dedução de pretensões perante os Tribunais deve ser antecedida de um estudo cuidadoso da Doutrina e a Jurisprudência conhecidas acerca da matéria em disputa (refere-se “conhecidas” porque, como é bem sabido, nem todas as decisões e deliberações judiciais proferidas pelos vários Tribunais, em todas as instâncias, são publicadas, circunstância que pode permitir a conclusão que poderão existir desconhecidas opiniões jurídicas diversas dessas maioritárias, tudo isto quando também não pode ser ignorado que o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm (von) Leibniz, que viveu entre 1646 e 1716, já demonstrou inequivocamente que não existem certezas absolutas mas apenas certezas probabilísticas).
Atenção, estudo não obrigatoriamente destinado a aquilatar da conformidade dessa pretensão ou desígnio com as posições doutrinais e jurisprudenciais maioritárias, clarifica-se, pois o demandante pode legitimamente considerar que essas interpretações são/estão erradas e querer pô-las em causa, mas sim para tomar conhecimento dessas posições - pois só estudando as fraquezas conceptuais dessas opiniões ou argumentações podem as mesmas ser contestadas e, se o forem com êxito, afastadas e substituídas.

Outrossim e ainda à guisa de introdução, relembra-se que, como não pode ser ignorado (art.º 6º do Código Civil), a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, considerados na sua globalidade, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada” - de facto e mais exactamente, a solução ética e socialmente mais acertada -, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade, sendo que esses padrões não podem - ou, pelo menos, não devem - ser outros que não os que são típicos de um qualquer diligente bom pai (ou boa mãe) de família ou, o que conceptualmente é o mesmo, de um qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário - artºs 487º n.º 2 e 236º n.º 1 do Código Civil).

E esses critérios são mais relevantes do que aquele enunciado expressa no n.º 3 do art.º 8º do Código Civil, no qual se pode ler o seguinte: Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, ou até do que o ensinamento consubstanciado no vetusto mas perene brocardo latino ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a Lei não distingue, não deve/não pode o intérprete fazê-lo).

Ora, como bem afirma o Mmo Juiz a quo, se a obrigação de juros surge em consequência da obrigação de capital, visto que representa o rendimento dele (ou se torna devida face ao incumprimento do dever de pagar essa obrigação), é ontologicamente incompreensível conceber a existência dessa obrigação de juros quando o dever de que ela depende deixou de existir ou se tornou inexigível.

E o mesmo vale para as demais obrigações dependentes dessa obrigação principal pois de outro modo estar-se-ia a pôr em causa a segurança e a confiança jurídicas(legal certainty), as quais constituem Valores ético-sociais da maior relevância, pois a segurança e a confiança são condições indispensáveis ao normal funcionamento do comércio jurídico e, mais do que isso, da própria vida em sociedade.

A Requerente/Autora dispunha de um prazo certo para exigir o pagamento do preço dos serviços que prestou à Requerida/Ré (e bem assim o cumprimento por esta dos demais deveres assessórios legal e contratualmente fixados) e não actuou nesse prazo.

Tem, portanto, que responsavelmente assumir todas as consequências dessa sua conduta omissiva - ou mais exactamente, da sua incúria.

E, por estas razões é a supra transcrita justificação escrita pelo Mmo Juiz a quo aqui acolhida e sufragada expressis verbispor esta Relação.

O que basta para dirimir o litígio que constitui o objecto deste recurso, julgando, nessa conformidade, improcedente a apelação.

4.3.-E, por tudo o exposto, julgam-se improcedentes as conclusões das alegações de recurso da apelante e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta
*

5.-Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julgam-se globalmente improcedentes as conclusões das alegações de recurso da apelante e consequentemente confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

                                                                                                        Lisboa, 20/12/2016
                                                                                                                        
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)         
                                                                                                               
                                                                                                                                                                                                                           
(Paulo Jorge Rijo Ferreira - Voto a decisão, ficando vencido quanto ao juros de mora porquanto entendo que estes são autónomos da dívida de capital e são devidos desde a constituição em mora até à data da prescrição da dívida de capital.)