Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5408/2007-2
Relator: LÚCIA SOUSA
Descritores: CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
DESPACHO SANEADOR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Não é possível cumular o pedido de indemnização resultante da resolução por incumprimento contratual com a relativa aos prejuízos sofridos com o não cumprimento do contrato, por esta pressupor o cumprimento contratual e não a sua resolução
II- Depois de proferido o despacho saneador, mesmo que tabelar, não é possível apreciar a questão da ineptidão da petição inicial, por a tal se opor o disposto no nº 2, do artigo 206º do Código de Processo Civil.
III- Existindo uma única causa de pedir com dois pedidos incompatíveis, há que conhecer do pedido correspondente à causa de pedir alegada, rejeitando-se o outro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

V, LDª., instaurou acção com processo ordinário, contra R LDª. e BANCO S.A., actualmente , pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe a quantia de 4.800.000$00 e ainda que seja a 1ª Ré também condenada a pagar-lhe o montante de 18.734.725$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às relações comerciais, a contar da citação e até integral pagamento, bem como a devolver-lhe toda a documentação, sinalização e literatura sobre os produtos da marca V em seu poder.
Alegou para tanto e resumidamente, que se dedica ao comércio de óleos e lubrificantes e, no exercício dessa sua actividade celebrou com a 1ª Ré, que se dedica ao comercio de automóveis, peças e aceesórios e indústria de reparação de veículos, o contrato junto aos autos, pelo qual esta se obrigou a comprar-lhe durante a vigência do contrato a quantia de 50.000 litros de produtos V, na quantidade mínima anual de 10.000 litros e na pproporção de 94% de produtos Super X e de 6% de produto Synthetic Z.
A Ré incumpriu o contrato não adquirindo as quantidades a que se obrigou, o que levou a Autora a resolvê-lo.
Por virtude do incumprimento contratual a Autora sofreu um prejuízo de 16.334.725$00, devendo ainda a 1ª Ré pagar-lhe a cláusula penal estipulada que se cifra em 2.400.000$00.
O 2ª Ré emitiu a favor da Autora uma garantia bancária relativas ao pagamento das quantias devidas pela 1ª Ré em consequência do contrato, estando a mesma, à data da resolução, reduzida ao valor de 4.800.000$00.
Contestaram os Réus, tendo replicado a Autora, ampliando o pedido relativamente aos 4.800.000$00 que passou para 6.000.000$00, treplicando aqueles e vindo a ser concedido à 1ª Ré o benefício do apoio judiciário.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção suscitada e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Após responder à matéria de facto a Meritíssima Juíza considerou a existência de causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis e que determinavam a ineptidão da petição inicial, pelo que ouviu as partes, pedindo a Autora que seja proferida sentença e a 1ª Ré a sua absolvição da instância.
Foi proferida sentença que julgando existirem causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, julgou inepta a petição inicial e, consequentemente, nulo todo o processado absolvendo a Ré da instância.
Inconformada, apelou a Autora concluindo textualmente nas suas alegações pela forma seguinte:
À data da decisão, suscitar a ineptidão da petição inicial, depois de no saneamento do processo se ter estabilizado a instância, para além de violar o n.o 2 do artigo 286.° CPC, que estabelece que a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Contra alegou o 2º Réu pugnando pela manutenção da sentença.
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COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS, CUMPRE DECIDIR.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, é questão a dirimir a possibilidade de suscitar na sentença a ineptidão da petição inicial.
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade que se dedica ao comércio de óleos e lubrificantes (artigo 1º dos factos assentes).
2. A 1ª R. é uma sociedade que se dedica ou dedicou ao comércio de automóveis, suas peças e acessórios e respectiva indústria de reparação (artigo 2º dos factos assentes).
3. A 2ª R. dedica-se à actividade bancária (artigo 3º dos factos assentes).
4. No exercício das respectivas actividades comerciais, A. e 1ª R. subscreveram o escrito junto a fls. 5-9, datado de 96.04.02, nos termos de cuja cláusula 1ª:
a. «O presente contrato terá a duração de 5 (cinco) anos a contar da sua assinatura, sendo automaticamente renovado por períodos de igual duração, salvo denúncia de qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias antes do termo do período do referido contrato» (artigo 4º dos factos assentes).
5. Dispõe a cláusula 5ª desse acordo que:
a. «O cliente obriga-se, por força do presente contrato, a adquirir à V um mínimo anual de 10.000 (dez mil) litros de produtos V, ou seja, um mínimo mensal de 833 (oitocentos e trinta e três) litros, sendo que, o produto Super X deverá representar 94% do consumo, o produto Synthetic Z 6% do total das compras anuais.
b. Caso o consumo anual não seja atingido será o presente contrato automaticamente prorrogado até que o cliente perfaça integralmente o objectivo anual acordado, vezes os 5 (cinco) anos de vigência do contrato, ou seja 50.000 (cinquenta mil) litros de consumo de produtos V» (artigo 4º A dos factos assentes).
6. Nos termos da cláusula 8ª desse acordo:
a. «Compromete-se o cliente a apresentar garantia bancária no montante de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) suportando a V o valor total do custo da garantia.» (artigo 5º dos factos assentes).
7. Estabelece a cláusula 9ª desse acordo que:
a. «Caso o cliente deixe de cumprir qualquer uma das obrigações decorrentes do contrato poderá o mesmo ser imediatamente rescindido pela V, por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando o cliente 'obrigado, a título de cláusula penal, ao pagamento da quantia de Esc. 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos) por cada ano ou fracção em falta, no máximo de 5 (cinco) anos, acrescido de juros moratórios à taxa legal mais alta em vigor» (artigo 6º dos factos assentes).
8. Mostra-se junto a fls. 131 cópia de um escrito em papel timbrado do Banco , S.A., do teor seguinte:
a. «Em nome e a pedido de R, Ldo, com sede em Loulé, vem o B, S.A., com sede no Porto, pessoa colectiva n° com o capital social de Esc. 110.000.000.000$00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n° , prestar uma garantia bancária no valor de Esc. 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), no âmbito do contrato por aquele celebrado com a V Ldª, com sede em Lisboa, em 24 de Outubro de 1993, e cuja cópia se junta, respondendo nós dentro desta fiança, por fazermos entrega das importâncias que se tornem necessárias, até ao limite máximo capital e juros estabelecido, ou seja Esc. 6.000.000$00 se a referida firma faltar ao cumprimento do seu contrato. Fica determinado que este Banco renuncia ao benefício da excussão prévia da sua afiançada, supra citada Rodocar e se obriga a pagar a referida quantia, imediatamente após o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória decretada no âmbito de acção judicial proposta contra a afiançada.
b. Anualmente o valor desta garantia será reduzido na quota correspondente ao número de trimestres de duração da mesma, montante esse a indicar pela V. A presente garantia poderá ser efectivada até 15 de Maio de 2001, considerando-se, a partir desta data, nula e sem qualquer efeito.
c. Para os litígios emergentes da execução da garantia será competente o foro da comarca de Lisboa» (artigo 7º dos factos assentes).
9. O mandatário da A. enviou à lª R. a carta registada com data de 00.03.08, de que existe cópia a fls. 10, do teor seguinte:
a. «Refª JO/CC
b. Ass.: Dep. de Garantias
c. Proc. n° VDL
d. Ass.: V , Ldª
e. Registada com aviso de recepção
f. Lisboa, 8 de Março de 2000
g. Reportando-me ao contrato celebrado em 96.04.02 entre a minha cliente V , Ldo, e V. Exas., venho comunicar, em representação da minha cliente, que esta procede à resolução do mencionado contrato, com efeitos a partir da presente data, com fundamento no incumprimento por parte de V. Exas. das obrigações previstas no artigo quinto, com referência ao estabelecido no artigo nono, porquanto essa empresa se obrigou a adquirir um mínimo anual de 10.000 litros de produtos V e decorridos quase 4 anos só adquiriu um total de 6.050 litros à média anual à volta dos 1.580 litros.
h. Assim sendo, deverão V. Exas. proceder ao pagamento da indemnização prevista no artigo nono bem como proceder à devolução de toda a documentação, literatura e propaganda V que esteja em vosso poder.
i. Fico a aguardar que procedam em conformidade, pelo prazo máximo de oito dias quanto ao pagamento e pelo prazo de trinta dias quanto à devolução do material após o que recorrerei a tribunal reclamando o pagamento da totalidade dos prejuízos sofridos pela V Ldo» (artigo 8º dos factos assentes).
10. O mandatário da A. enviou ao 2º R. a carta datada de 00.09.12 e recebida a 00.09.19, de que existe cópia a fls. 81, do teor seguinte:
a. «Refa JO/CC
b. Ass.: Dep. de Garantias
c. Garantia N/N°
d. Lisboa, 12 de Setembro de 2000
e. Em 15 de Maio de 1996, prestaram V. Exas. a garantia bancária com o número em referência à minha cliente V Lda, com sede em, Lisboa para garantir responsabilidades decorrentes do contrato celebrado em 2 de Abril do mesmo ano com a sociedade R, Ldª.
f. Esta empresa não cumpriu as obrigações a que se vinculou no aludido contrato pelo que, com data de 8 de Março popo, a minha cliente rescindiu o contrato e exigiu o pagamento da quantia em dívida que ascende a PTE 36.074.639$00.
g. A garantia prestada por V. Exas. assegurava o pagamento da quantia de PTE 6.000.000$00 e que à data se encontrava reduzida a PTE 4.800.000$00.
h. A devedora não regularizou a dívida pelo que tenho preparada a acção judicial mas não a quero entregar em Juízo sem dar do facto conhecimento de modo a que, antes, possam regularizar o montante da responsabilidade de V. Exas..
i. Assim venho solicitar o favor de, no mais curto espaço de tempo possível, me transmitirem oque tiverem por conveniente.» (artigo 9º dos factos assentes).
11. O 2º R. sempre processou e calculou as comissões da garantia sobre o valor de Esc. 6.000.000$00 (artigo 10º dos factos assentes).
12. Durante os cerca de 4 anos de vigência do contrato, a 1ª R.apenas adquiriu à A. a totalidade 6.050 litros numa média anual de 1.580 litros e assim discriminado:
a. - produto Super x: 5.187 litros
b. - produto Synthetic Z: 228 litros
c. - Outros: 635 litros (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
13. A margem líquida de lucro por litro de lubrificante Super X era de € 362, 51 (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
14. A margem líquida de lucro por litro de lubrificante Synthetic Z era de € 522,74 (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
15. A R era a concessionária, na área geográfica do distrito de Faro, da distribuição e comercialização dos produtos H, designadamente automóveis, peças e acessórios daquela marca (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
16. O acordo de concessão, celebrado entre a S (concessionária geral) e a R, entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 1991, e era renovável por períodos de um ano (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
17. A H comunicou à R que nomeara como seu distribuidor exclusivo para Portugal o Grupo Entreposto (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
18. Foi por questões inerentes ao relacionamento entre a H e a S que cessou a concessão à Rr (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
19. O fim da concessão determinou a redução da actividade da R, tendo esta empresa cessado a sua actividade em 98.12.31, e que apresentou resultados negativos nos seus exercícios económicos dos anos de 1995 a 1998 (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
20. A A tomou conhecimento de que a R. era concessionária da R e que a concessão da H cessou (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
21. As comissões de garantia bancária eram pagas pela R, a quem o BCP debitava, e que o seu custo era reembolsado pela A (resposta ao artigo 10º e 11º da base instrutória).
22. A data de 93.10.24 inserta no escrito de fls. 131 deveu-se a lapso, reportando-se tal escrito ao contrato celebrado entre A e a 1ª R. em 96.04.02 (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
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Como refere o Professor José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2º, pág. 369, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor, ou mais rigorosamente o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido.
O mesmo autor e na obra citada, a fls. 381, refere ainda que: “Na verdade, a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado de uma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.”.
A causa de pedir da acção, ora em recurso, é um contrato, ou melhor o incumprimento do contrato que levou a que a Apelante o resolvesse e, por isso, pediu a sanção estipulada a título de cláusula penal e, sem colocar em causa a resolução contratual, acabou pedindo a indemnização pelo prejuízo que teve por não ter havido cumprimento do contrato.
No artigo 9º da petição inicial a Apelante escreveu o seguinte: “Caso não tivesse havido o incumprimento contratual da primeira Ré, causador da resolução do contrato, a Autora ter-lhe-ia vendido as quantidades previstas contratualmente”, dizendo no artigo 11º, da mesma peça que: “E por não ter vendido as quantidades de produtos que projectava vender, a Autora teve prejuízos que ascendem a 16.606.665$00, correspondentes aos lucros que deixou de auferir, assim discriminados: ...”.
Do que se acaba de expor resulta que a Apelante não alegou duas causas de pedir para os pedidos que formulou, mas apenas uma, a do incumprimento contratual que originou a resolução, cuja validade nunca pôs em questão.
O que aconteceu foi que a Apelante terminou pedindo à Apelada R, não só o pagamento da cláusula penal contratualmente devida por virtude da resolução, mas também a indemnização pelo prejuízo sofrido com o não cumprimento do contrato, mas alegando apenas e tão só uma única causa de pedir.
Deste modo, não existem causas de pedir incompatíveis.
Como refere o Professor Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, a pág. 258: “A nossa lei não permite, assim, cumular a cláusula penal e a indemnização segundo as regras gerais, justamente porque aquela é indemnização à forfait fixada preventivamente.”.
No caso sub judice, a cláusula penal objecto do pedido resulta da resolução por incumprimento contratual, está de acordo com a causa de pedir alegada, o mesmo não acontecendo com o pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos com o não cumprimento integral do contrato, pois que esta pressupõe que não tenha havido resolução e que o contrato tenha chegado ao seu termo, mas para esta não existe causa de pedir.
No que tange a esta última indemnização, a causa de pedir nunca seria viável a não ser que não tivesse havido resolução, pelo que aquele pedido sempre estaria condenado ao fracasso.
Dispõe o artigo 193º, nº 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil, que é nulo todo o processo quando a petição for inepta, considerando-se como tal aquela onde se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Por seu turno preceitua o artigo 510º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal que no despacho saneador o juiz conhece das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente e, refere o nº 3, deste mesmo preceito, além do mais, que no caso previsto na alínea a), do nº 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.
Perante isto, poder-se-ía pensar que seria admissível conhecer da ineptidão da petição na sentença final, uma vez que a mesma não tinha sido concretamente apreciada, mas apenas tabelarmente.
Afigura-se-nos não poder entender-se desse modo tendo em conta o que a este respeito dispõe o artigo 206º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou seja, que esta nulidade é apreciada no despacho saneador, se antes o juiz a não tiver apreciado, podendo sê-lo também na sentença final se não houver lugar a despacho saneador.
Ora, tendo havido despacho saneador e nada aí tendo sido dito, já não é possível conhecer da mesma após a prolação de tal despacho.
Neste caso em que existe uma única causa de pedir com dois pedidos que são incompatíveis pelos motivos já atrás referidos, afigura-se que a solução é a de conhecer do pedido correspondente à causa de pedir alegada, rejeitando-se o outro pedido.
Neste mesmo sentido parece ter decidido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2002, na revista nº 3346/02, 7ª Sumários 11/2002, em cujo sumário de lê o seguinte: “I- São incompatíveis tanto os pedidos que mutuamente se excluem como os que assentam em causas de pedir inconciliáveis. II- A incompatibilidade deve reportar-se exclusivamente aos pedidos e fundamentos invocados pelo autor e de modo nenhum ao enquadramento ou qualificação verdadeira dos factos segundo a lei. III- Nos casos de vício de enquadramento jurídico o tribunal não fica na impossibilidade de decidir, devendo admitir o pedido que se apresente fundado e rejeitar o que carece de fundamento.”.
Procede, pois, a conclusão das alegações, impondo-se agora conhecer do pedido formulado.
Nos termos do acordo celebrado entre a Apelante e a Apelada Rodocar, esta comprometeu-se a adquirir àquela, durante 5 anos a contar da assinatura do contrato, os produtos e nas quantidades ali descriminados.
Nos termos do artigo 406º, nº 1, do Código Civil os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
Acontece, porém, que a R não cumpriu com o acordado, tendo adquirido produtos em muito menor quantidade, o que levou a Apelante a resolver o contrato, nos termos do artigo 432º, nº 1, do mesmo Código Civil, resolução essa válida e eficaz.
Estipularam as partes na cláusula 9ª, que em caso de incumprimento por parte do cliente a Apelante ficava com o direito a resolver o contrato e aquele ficava obrigado, a título de cláusula penal, ao pagamento da quantia de 1.200.000$00, por cada ano ou fracção em falta, no máximo de 5 anos, acrescido de juros moratórios à taxa legal mais alta em vigor.
A Apelante pediu o montante de 2.400.000$00, por faltarem 1 ano e dois meses para o final do contrato e ainda juros de mora, a contra da citação, tendo efectivamente direito aos mesmos nos termos dos artigos 805º, nº e 806º, nº 1 e 2, ambos do Código Civil.
O Apelado Banco , S.A., assumiu através do documento provado em 8., a responsabilidade pelo pagamento de quantias devidas pela Apelada R à Apelante, emergentes do contrato e até ao montante de 6.000.000$00.
Estando em dívida o montante de 2.400.000$00, ou seja € 11.971,15, bem como os respectivos juros de mora, a acção procede nesta parte, mas não quanto ao pedido do pagamento dos 16.334.725$00, o qual para além de pressupor que o contrato chegou ao seu termo, o que não ocorreu, também não tem causa de pedir que o suporte, como já antes se disse.
Assim, face ao exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a douta sentença recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente por provada, condenando-se solidariamente os Apelados a pagarem à Apelante o montante de €11.971,15, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, sendo o Apelado Banco , S.A. até ao montante de €29.927,87, absolvendo-se a Apelada R do restante peticionado.
Custas pela Apelante e Apelados na proporção do vencimento e sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 12 de Julho de 2007.

Lúcia Sousa
Farinha Alves
Tibério Silva