Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7210/14.1T8LSB-A.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. No processo de insolvência, a devedora, sendo uma pessoa coletiva é citada pessoalmente nos termos do regime especial do art. 246 do CPC, conforme estabelecido no art. 29.1 do CIRE.
2. Sendo corretamente citada naqueles termos, não há proceder à audiência do administrador, segundo o disposto no art. 12.3 do CIRE.
3. E, uma vez proferida sentença de insolvência, o administrador da insolvente, não havendo a certeza do seu domicílio pessoal, pode ser notificado no domicílio profissional, que é a sede da pessoa coletiva constante do Registo Nacional de Pessoas Coletivas – arts. 37.1 do CIRE, 93 do CC e 246.2 do CPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório:

A Secção de Comércio, Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste (Sintra) julgou improcedente a arguição de nulidade de citação e o pedido de renovação da notificação ao administrador de H., Lda (recorrente), declarada insolvente a requerimento de U., SL (recorrida); O Tribunal apenas fixou a morada indicada pelo administrador da insolvente, com efeitos da data daquela decisão.

Recorreram H., Lda e o respectivo administrador JM, pedindo a revogação do despacho recorrido.

A recorrida pediu que se confirme a decisão.

Cumpre decidir se ocorreram as nulidades invocadas.

Fundamentos:

Factos:

Provaram-se os seguintes factos:


1. U., SL requereu a declaração de insolvência de H., Lda – fls. 19-26.
2. O Tribunal ordenou a citação da requerida para deduzir oposição – fls. 39-40.
3. Foi para tal enviada carta registada com aviso de receção, devolvida com a menção “ Já não existe a firma na morada indicada. Devolvido. Mudou-se. – fls. 41.
4. Após consulta ao NIPC da requerida (fls. 43) e às bases de dados da Segurança Social (fls. 44), foi enviada nova carta registada para a morada deles constante: “Avenida de Espanha, nº ….”, sendo pelos CTT lavrado  o seguinte: “No dia 12-01-15, às 10:40, na impossibilidade de entrega, depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente.” – fls. 45vº
5. E em seguida foi proferida a sentença de fls. 46-49, que aqui se dá por reproduzida.
6. De tal sentença foi enviada notificação à insolvente, para a mesma morada; a respetiva carta veio devolvida com a anotação: “Devolução. Mudou-se. 25/3/15” – fls. 50.
7. Foi ordenada a notificação pessoal da sentença ao administrador, na mesma morada; que veio igualmente devolvida – fls. 37.
8. H., Lda e o administrador JM entregaram, através do advogado constituído, requerimento eletrónico, arguindo a nulidade da citação e notificação referidas. Juntaram as procurações de fls. 53vº e 54, que aqui se dão por reproduzidas.

Análise jurídica:

Considerações do Tribunal recorrido:

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:


Conclusões do recorrente:

A isto, opõem os recorrentes as seguintes conclusões:

A– No processo de insolvência, por se tratar de um processo especial, a citação do devedor é pessoal, como se alcança do art. 29, nº 1, do CIRE.
B– Se a devedora for uma pessoa colectiva deve a citação pessoal ser efectuada na pessoa do seu legal representante.
C– Assim, nunca a citação a que alude o art. 29 do CIRE pode ocorrer nos termos do art. 246 do C. P. Civil.
E– A citação pessoal do devedor, ordenada pelo juiz, seguia o regime do revogado art. 237 do C. P. Civil.
F– Estando em vigor o art. 29 do CIRE deveria o Tribunal “ a quo” ter ordenado a citação pessoal da devedora, na pessoa do seu legal representante.
G– Ao considerar a devedora citada nos termos do art. 246 do C. P. Civil, o Tribunal “a quo” violou o art. 29 do CIRE.
H– E deu azo a que se verificasse uma nulidade de citação, atenta a devolução da carta de citação.
I– Deve ser declarada verificada a nulidade de citação da devedora, nos termos do art. 187, a), do C. P. Civil.
J– Por outro lado, o Tribunal “a quo”, sabendo já, a fls. 88, da devolução da carta de citação da devedora, com a menção escrita “já não existe a firma nesta morada” não cuidou de proceder à audição do administrador da devedora.
K– Nem sequer proferiu qualquer despacho a justificar a não audição do administrador da devedora.
L– Ora o art. 12, nº 3, do CIRE estatui a obrigatoriedade de prévia audição do administrador da devedora.
M– Audição que pode ser dispensada quando, e somente quando, se desconheça o paradeiro do administrador da devedora.
N– O Tribunal “a quo” deveria, para assegurar o princípio do contraditório, ter procedido à audição do administrador da sociedade.
O– Ao proceder de modo inverso, o Tribunal “a quo” violou o art. 12 do CIRE e violou os art.º 13, nº 1 e art. 20, nº1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
P– Recusando à devedora o acesso aos tribunais e violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade.
Q– Os Tribunais superiores têm entendido que a audição do administrador do devedor é obrigatória, conforme se alcança dos doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos processos nos 1014/10.8TBCSC-A.L1- 7, de 17-01-2012 e 1685/12.0TYLSB-6, de 09-7-2014, e pelo Tribunal da Relação do Porto, nos processos nos 1814/12.4TJPRT-B.P1, de 17-6-2013 e 629/13.7TBPNF-B.P1, de 12-12-2013.
R– Ocorreu ainda uma nulidade de notificação da sentença que declarou a insolvência.
S– A fls. 94 foi ordenada a notificação pessoal da sentença ao administrador da insolvente.
T– Constava já de fls. 90 a residência do administrador da insolvente, que era diversa da sede da sociedade, embora a sentença tenha, erradamente, fixado a residência do administrador da devedora em morada onde se sabia já nada existir.
U– A fls. 96 a notificação da sentença foi devolvida aos autos.
V– Ora a ordenada notificação pessoal da sentença deveria ter ocorrido nos termos do art. 236., nº 1, do C. P. Civil, por remissão do art. 228., nº 9.
W– Ao interpretar e aplicar este preceito de modo diverso o Tribunal “a quo” violou o art. 37, nº 1, do CIRE e o art. 236 do C. P. Civil.
Z– Existem assim, no despacho recorrido, violações legais que urge reparar por via do presente recurso.

Conclusões da recorrida:

Mas a recorrida responde o seguinte:

1. Nos presentes autos não se verifica a Nulidade da Citação da recorrente, a empresa encontra-se devidamente citada, tendo o acto sido praticado, cumprido todos os requisitos legais de citação das pessoas colectivas.

2. O Mmo. Juíz a quo ao proferir o despacho liminar, a ordenar o prosseguimento dos autos, ordena também a citação da devedora ora recorrente.

3. A carta de citação foi enviada para a sede da recorrente, registada na base de dados no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e foi devolvida, com a indicação de a empresa já não ter naquela morada a sede.

4. Após a devolução, foram cumpridas as regras para citação das pessoas colectivas, estabelecidas no Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos, por força do disposto no artigo 17 do C.I.R.E.

5. Tendo sido confirmada a morada registada no Registo, e após ter sido confirmado que a morada da sede era a mesma, não tinha havido qualquer alteração, foi então enviada a carta de citação, a qual foi depositada na caixa de correio da sede da devedora.

6. Não ocorrendo nenhuma violação dos Princípios Constitucionalmente consagrados, tendo sido salvaguardados todos os direitos de defesa e de contraditório da devedora, pois esta foi regularmente citada, e poderia ter apresentado a sua defesa, no prazo estabelecido para tal, e não o fez.

7. Relativamente ao despacho previsto no artigo 12 do C.I.R.E., a decidir a não audição do Administrador / gerente, do devedor, esta situação esta regulada no C.I.R.E., para os casos, em que ocorre a dispensa de citação, o que não se verifica nos presentes autos.

8. Pois nos autos em apreço, a recorrente foi citada de forma regular, e o artigo 12 do C.I.R.E, apenas tem aplicação, para os casos em que é dispensada a citação da devedora, logo não foi proferido o despacho, por não ter de o ser.

9. Igualmente na sentença em que foi declarada a Insolvência da devedora, foi fixada a residência do legal representante da devedora, residência essa que era, a conhecida na altura em que foi proferida a sentença.

10. Posteriormente foi então proferido despacho, a fixar outra residência ao legal represente da recorrente.

11. Não obstante essa situação, o legal representante da recorrente teve conhecimento da sentença, dela foi notificado, só assim se justificando todos os actos já praticados nos autos, inclusive o presente recurso.

12. Não se verificando qualquer violação, ilegalidade, irregularidade, ou nulidade no despacho proferido, ou na sentença, sendo ambos os actos perfeitamente válidos.

O que é a citação pessoal.

Estabelece o art. 29.1 do CIRE, “o juiz manda citar pessoalmente o devedor”.  Isto significa que tem de ser citado o próprio devedor, e não por exemplo o seu mandatário com poderes para receber citações e notificações. 

As pessoas físicas são citadas pessoalmente mediante os procedimentos referidos no art. 225.2 do CPC: transmissão eletrónica de dados, entrega física de carta, seu depósito ou certificação de que foi recusado o recebimento, contacto pessoal do funcionário judicial ou agente de execução.

Mas as sociedades são pessoas coletivas que a lei, por ficção, considera “pessoas”. Todo o sistema jurídico civil assenta em ficções deste tipo. Na realidade, não são pessoas físicas, mas ficciona-se que são pessoas. Mas, sendo pessoas fictícias, não têm ouvidos nem olhos nem mãos para receberem comunicações do Tribunal, e assim é preciso substituir esses procedimentos.

Assim, o CPC dispõe que as pessoas coletivas são citadas por carta registada com aviso de receção enviada para a respetiva sede – arts. 246.1 e .2 e 228.1. do CPC. A carta é enviada para a sede constante do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. Se o representante legal da sociedade recusar recebê-la, é lavrada nota do incidente e considera-se feita a citação – art. 246.3. Nos restantes casos de devolução do expediente, é confirmada a morada da sede constante do registo e enviada para aí nova carta registada com aviso de receção, advertindo a sociedade de que se considera citada na data certificada pelo distribuidor postal ou no 8º dia depois de depositado o aviso para ir levantar a carta – art. 246.4, 230.2 e 229.5 do CPC.

Isto é claro como água, e só não percebe quem não quer perceber.

Este procedimento é novo, foi estabelecido pelo CPC de 2013, e destina-se a impedir que os destinatários procurem subtrair-se à ação da justiça, como alguns faziam constantemente no domínio do anterior CPC. Isto não põe em causa o acesso ao tribunal e a tutela judiciária dos direitos; pelo contrário só os reforça.

A recorrente alega que, sendo a citação pessoal, devia ser efetuada na pessoa do legal representante da pessoa coletiva. Que a citação pessoal prevista o art. 29 do CIRE não deve ser realizada nos termos do art. 246 do CPC.

Mas não tem razão. A citação é pessoal, é feita na “pessoa coletiva”, que é uma ficção jurídica. Por isso, é pessoal. É feita na sede da pessoa coletiva, que é onde, também por ficção, ela está.

A carta foi enviada e devolvida porque “Já não existe a firma na morada indicada. Mudou-se”.

Podiam ter fechado a porta, mas a sede, igualmente por ficção jurídica, continua a ser a que está indicada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas. É lá que pode e deve ser citada pessoalmente.

E tanto assim é que, ao passar procuração ao seu Ex.mo Advogado em 13 de abril de 2015, a sociedade indicou como sede justamente aquela morada constante do registo – fls. 53vº.

Improcede, assim o que a recorrente alega a este respeito. Foi corretamente citada.

O administrador pode ser notificado na sede da pessoa coletiva:

O recorrente administrador alega que o Tribunal devia tê-lo ouvido.

Mas a audição do administrador pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva por residir no estrangeiro ou ser desconhecido o seu paradeiro – art. 12.1/3 do CIRE.

De qualquer modo, no presente caso, o Tribunal não tinha de proceder à audição do administrador porque a sociedade estava corretamente citada. A urgência da tramitação desta ação era incompatível com atos processuais dilatórios e desnecessários, como andar à procura de um administrador da sociedade, que está ausente ou até em fuga.

Não foram violados os arts. 12 do CIRE, nem qualquer norma ou princípio da Constituição.

Foi ordenada a notificação pessoal da sentença ao administrador na própria sede da sociedade – art. 37.1 do CIRE. E, para encontrá-lo, não havia sítio melhor do que a morada indicada no registo comercial, quando não havia a certeza quanto à sua morada pessoal.

De facto, o administrador tem domicílio profissional no lugar onde exerce a sua profissão – art. 83 do Código Civil.

Não sendo encontrado nesse domicílio profissional, considera-se notificado. Tanto mais que afinal, apesar de a carta ter sido devolvida, teve conhecimento da sentença e o seu mandatário judicial interpôs até tempestivamente o presente recurso.

Não tendo atualizado os dados inscritos no registo comercial, considera-se corretamente notificado no domicílio profissional, que é, por sinal, o que indica como sede da sociedade – cit. fl. 53vº.
Mas, tendo indicado depois o seu domicílio pessoal, bem andou o Tribunal ao mandar tê-lo em conta a partir da data do despacho recorrido.

Nesta parte, o recurso também é improcedente.

Em suma:

1. No processo de insolvência, a devedora, sendo uma pessoa coletiva é citada pessoalmente nos termos do regime especial do art. 246 do CPC, conforme estabelecido no art. 29.1 do CIRE.
2. Sendo corretamente citada naqueles termos, não há proceder à audiência do administrador, segundo o disposto no art. 12.3 do CIRE.
3. E, uma vez proferida sentença de insolvência, o administrador da insolvente, não havendo a certeza do seu domicílio pessoal, pode ser notificado no domicílio profissional, que é a sede da pessoa coletiva constante do Registo Nacional de Pessoas Coletivas – arts. 37.1 do CIRE, 93 do CC e 246.2 do CPC.

Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 2015.10.13

João Ramos de Sousa

Manuel Ribeiro Marques

Pedro Brighton