Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18220/13.6YYLSB-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A norma plasmada no art. 24/4 da Lei 34/2004, de 29/7 (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais), não é inconstitucional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos autos de execução intentada pela M... Lda., contra D..., foi por esta deduzida oposição, foi proferido despacho de indeferimento liminar, com fundamento na extemporaneidade da oposição.

No despacho foi exarado o seguinte:
“A executada D..., veio em 18.1.2015, deduzir embargos à execução que lhe moveu M... Lda.
Analisada a execução a que os autos estão apensos constata-se que a executada foi citada, em 31.10.2014, daqui correndo o prazo de 20 dias para deduzir oposição, com a dilação de 5 dias por residir em comarca diferente e mais 5 dias por o A/R ser assinado por terceiro, num total de 30 dias.
O prazo terminava e terminou, por isso, no dia 1 de Dezembro de 2014.
Por outro lado, o referido prazo não se interrompeu nos termos do art. 24.º n.º4 da Lei 34/2004 de 29.7, por efeito de qualquer pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, porquanto, a executada nunca informou na execução ter requerido tal benefício naquela modalidade, nem veio, dentro do prazo, nenhuma informação a tal pertinente. Note-se que, nos termos desse normativo legal, o facto interruptivo do prazo é a junção aos autos desse documento e não a entrada de eventual pedido na segurança social”.

Inconformado, a executada apelou, formulando as seguintes conclusões:
I – O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, estipula que a todos deve ser assegurado o direito e o acesso aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos e devendo ser assegurado o direito à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado.
II – O Artigo 24.º/4 do Regime Jurídico do Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, viola a norma constitucional referida no número anterior ao impor uma obrigação aos cidadãos que coarta o seu direito de defesa antes mesmo de receberem o apoio jurídico de que carecem e solicitam.
III – A lei que deveria garantir a efectiva protecção jurídica dos cidadãos é a mesma que lhes retira tal protecção antes dela ser concedida.
IV – A norma referida leva, irónica e inadmissivelmente, à verificação de uma situação de desprotecção total dos cidadãos, o que não se compadece com os princípios e valores de um Estado de Direito, sendo, por denegar o acesso ao direito e ao patrocínio judiciário, inconstitucional.
V – Com efeito, a Apelante não informou o Tribunal que havia solicitado apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de pagamento da taxa de justiça, tal como a lei (inconstitucional) a obriga caso queira interromper o prazo.
VI – Como o patrono foi nomeado em data posterior ao termo do prazo de apresentação dos embargos (11/12/2014), ainda que o apoio judiciário tivesse sido solicitado dentro daquele prazo, a apelante perdeu qualquer hipótese de se defender.
VII – Ora, não é expectável que o comum dos cidadãos conheça a obrigação específica em causa se para ela não for alertado.
VIII – E, muito menos, quando se trata de uma cidadã tetraplégica.
XIX – Estamos, pois, perante uma norma inconstitucional, porquanto conduz à denegação da Justiça àqueles que mais carecem de protecção e que não podem recorrer a um advogado imediatamente por forma a ter conhecimento de todos os seus direitos e deveres.
X – Perante a identificação concreta do processo judicial, informação que a parte que solicita o apoio judiciário na pendência de um processo fornece ao Instituto da Segurança Social, deveria recair sobre este a obrigação de comunicar, directamente ao Tribunal em causa, a entrada e pretensão do requerente de protecção jurídica – desta forma garantindo-se o efectivo acesso ao direito e aos tribunais.
XI – A obrigação imposta pelo Artigo 24.º/4 da referida lei não o garante, como não garantiu no presente caso.
X – Foi violado o Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XI – Assim, deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência declarar-se a inconstitucionalidade do Artigo 24.º/4 do Regime Jurídico do Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, receber e julgar os embargos apresentados pela executada/apelante.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Os factos com interesse para a decisão constam do relatório.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se o art. 24/4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei 34/2004 de 29/7) é ou não inconstitucional e se a oposição deve ser recebida.

Vejamos então.

a) Inconstitucionalidade da norma contida no art. 24/4 Lei 34/2004 de 29/7.

Defende o apelante que a norma que impõe a documentação no processo por parte do requerente de que apresentou o pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete desproporcionalmente o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados, é inconstitucional.
O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais, na esteira do imperativo constitucional consagrado no art. 20 CRP.
Para cumprir tal imperativo não basta a mera existência de tal instituto no nosso ordenamento, impondo-se que a sua modelação e tramitação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, nomeadamente, custas e honorários forenses.
Nesta conformidade, a lei há-de estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é feito na pendência do processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne ao decurso dos prazos - cfr. Ac. RL, 22/2/2016, relator Leopoldo Soares, in www.dgsi.pt.
O apoio judiciário compreende, entre outras, as modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono – art. 16 a) e b) da Lei 34/2004 de 29/7, alterada pela lei 47/2007 de 28/8 (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais).
A decisão para a concessão da protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de Segurança Social da área da residência do requerente e o requerimento de protecção jurídica é apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços de segurança social, devendo especificar a modalidade de protecção jurídica pretendida, nos termos do art. 6 e 16 e, sendo caso disso, quais as modalidades que pretende cumular – arts. 20/1 e 22/1 e 4 da Lei 34/2004 (alterações Lei 47/2007).
O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes – art. 24/1 Lei 34/2004.
Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo – nº 4 da Lei cit.
O prazo interrompido por aplicação do disposto no nº anterior inicia-se, conforme o caso: a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono – art. 24/5 cit. Lei.
A notificação em causa é da decisão que conheceu do mérito da pretensão, dirigida ao patrono ou ao requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário no caso, respectivamente, de deferimento ou indeferimento.
O prazo que estiver em curso para deduzir contestação ou alegação de recurso, conforme os casos, começa a correr por inteiro a partir da notificação da decisão que dele conhecer.
Daqui se extrai, chamando à colação o art. 9 CC (interpretação da lei) - sendo de presumir, na fixação e alcance daquela, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados -, que na pendência da acção judicial e tiver sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do comprovativo da apresentação do requerimento junto da Segurança Social.
Ora, a exigência de documentação do pedido formulado compreende-se uma vez que os procedimentos tendentes à concessão do apoio, em processos cíveis, correm nos serviços de Segurança Social, sendo inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria, fatalmente, da falta dessa documentação, que assim se impõe, tendo em conta o efeito interruptivo dos prazos, decorrente da apresentação do pedido – cfr. Ac. cit.
Acresce, que no modelo de impresso aprovado, em que o requerente formula o seu pedido (apoio judiciário), consta uma declaração, a subscrever pelo interessado de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação.
Esta diligência, por parte do interessado, ainda que numa situação de carência económica, não exige quaisquer conhecimentos jurídicos.
Assim, não pode o requerente invocar o desconhecimento da obrigação que sobre ele recai, nem a apresentação do requerimento de que formulou pedido de apoio judiciário, junto do tribunal, para efeitos de interrupção do prazo em curso, se pode considerar de tal forma grave em termos de acarretar a inconstitucionalidade da norma – cfr. Ac. cit.
Em suma, a norma plasmada no art. 24/4 Lei 34/2004, de 29/7, não é inconstitucional, falecendo a conclusão da apelante.

b) Tempestividade da oposição

In casu, atento o explanado supra, tendo a executada sido citada, em 31/10/2014, o prazo de 20 dias para deduzir oposição, terminava, em 1/12/2014.
Não tendo a apelante documentado no processo o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, formulado junto dos serviços da Segurança Social, o prazo em curso não foi interrompido.
Assim, a oposição apresentada é intempestiva, falecendo a pretensão da apelante.

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 30/6/2016


Carla Mendes

Octávia Viegas

Rui da Ponte Gomes