Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
562/13.2TVLSB.L3-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
OPORTUNIDADE DO REQUERIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– As partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP até ao trânsito em julgado da decisão final ou pelo menos, até ao momento de elaboração da conta.

II.– Sendo assim extemporânea, a apresentação de tal requerimento após a elaboração da conta.

III.– Não existe violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o direito fundamental de acesso aos tribunais, na medida que não foi impedida a parte de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, foi simplesmente fixado um limite na sequência processual para que tal requerimento possa ter lugar.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:



Notificada da conta de custas, veio a requerente Massa Insolvente da Ensul Meci – Gestão de Projectos SA, reclamar da mesma.

Para tanto alega que em sede de sentença foi determinado "sem custas dada a isenção do requerente [art. 4º nº l al. u) do RCP", sendo que tal decisão se encontra transitada; conclui portanto não serem devidas as custas contadas e relativas ao procedimento cautelar.

Alega ainda que, relativamente ao primeiro recurso, em acórdão de 22.10.2013, foi decidido "custas pelas apeladas, na proporção do decaimento, estando a recorrente isenta de custas", decisão esta que transitou em julgado; conclui assim não serem devidas as custas contadas e relativas ao primeiro recurso.

Vem ainda suscitar a aplicação do nº7 do art. 6º do RCP, dado o valor desadequado e desproporcional das custas em pagamento.

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 31 º nº 4 do RCP, veio a Sra. Contadora pronunciar-se, dizendo que "a conta de custas encontra-se correcta e devidamente elaborada de acordo com   o disposto no Regulamento de Custas Judiciais quer quanto à questão de isenção de custas (após a decisão da declaração de insolvência deixa de ser a sociedade a responsável por custas e sim a massa insolvente da mesma não se aplicando quanto a esta a isenção (al.u) n °1 art ° 4) quer quanto à taxa atribuída aos recursos (nº 2 do art ° 6 º)."

O Digno Magistrado do Ministério Público acompanhou tal informação, mais dizendo que a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é extemporânea.
 
Foi proferido despacho julgando improcedente a presente reclamação. 

Inconformada recorre a reclamante, concluindo que:
- O Tribunal a quo faz uma interpretação errada do disposto nos números 1 e 7 do artigo 6.º do RCP, porquanto - enunciando fazer uso uma interpretação literal- entende que a ponderação do Juiz - quanto à elaboração de conta - deve nascer em resultado da iniciativa da parte interessada.

- Ora, a aplicação, por iniciativa do juiz, da norma constante do n.º 7 do artigo 6º do RCP é uma concretização dos superiores objetivos da boa administração da Justiça.
- O que parece ser evidente é que boa administração da justiça não é deixar ao escrivão do tribunal a decisão da elaboração da conta.
- Nem, tampouco, aguardar que boa administração da justiça seja deixada na pendência de requerimento da parte.
- Ademais, o conteúdo do despacho ora recorrido é ainda violador do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18.º, nº 2, segunda parte, da Constituição, porquanto - de forma cega e desproporcionada - dita o pagamento de € 13.331,40 (treze mil, trezentos e trinta e um euros e quarenta cêntimos) a título de razão nenhuma.
- Como se procurou demostrar no requerimento de reclamação de custas junto aos autos, é manifesto que a causa não foi complexa e a conduta processual das partes foi exemplar, pelo que o único fundamento de apuramento daquele valor é contabilístico.
- Termos em que resulta evidente que o despacho em colação padece de uma manifesta inconstitucionalidade, a qual, desde já se argui.

O Exº Magistrado do Ministério Público contra-alegou sustentando a bondade do despacho recorrido.

Cumpre apreciar.

Estamos perante uma questão que tem vindo a ser debatida jurisprudencial e doutrinariamente e que consiste basicamente em apurar até que momento poderá a parte requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP.

A decisão recorrida entendeu que tal requerimento foi formulado intempestivamente pela ora recorrente, já que posterior à elaboração da conta.

Embora a questão esteja longe de merecer orientação concordante mesmo nas decisões proferidas neste Tribunal da Relação de Lisboa, entendemos, diversamente do que defendemos em acórdão anterior – embora num circunstancialismo algo diferente – que a tese que melhor se ajusta ao texto legal é a que vem plasmada nos Acórdãos do STJ de 13/07/2017 e 03/10/2017 (disponíveis no endereço da dgsi).

Passamos pois a transcrever as passagens que se nos afiguram mais significativos do último desses mencionados  acórdãos.

“Estabelece o art. 6° no 7 do RCP, que "nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta afinal, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento ".

A  interpretação desta norma, no que tange especificamente ao momento até ao qual (termo final) a dispensa pode ser decidida (e requerida), não tem sido pacífica na jurisprudência das Relações. Assim, e para citar apenas dois exemplos, decidiu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Outubro de 2015 (processo n° 6431109.3TVLSB-A.Ll-6, disponível em www.dgsi.pt) que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça terá que ser formulada pela parte (caso o não tivesse feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas, pois que é isso que decorre da dita norma. Já para o acórdão da mesma Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo n° 1586/08.7TCLRS-L2-7, disponível no mesmo endereço). "o teor literal desta norma parece dar a ideia de que a decisão deve ser tomada antes da elaboração da conta. Mas, salvo melhor opinião, não se vêem razões para que assim seja. Na verdade, entendemos que o juiz melhor poderá decidir apôs a elaboração da conta, pois fica então a conhecer o valor exacto dos montantes em causa. (. .. ). Esta decisão pode ser tomada mesmo oficiosamente pelo juiz da causa". Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça cite-se o supra citado acórdão de 13 de Julho de 2017, que vai no sentido de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente não pode ser apresentado e deferido após a efetivação da conta de custas.

Ora, o teor literal do nº 7 do art. 6° do RCP aponta claramente para a bondade da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. E como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o n° 2 do art. 9° do CCivil, "A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação ". E, de outro lado, diferente interpretação deste normativo levaria a sufragar a prática de atos (a feitura de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, até mesmo algum pagamento entretanto feito) que teriam depois que ser destruídos, logo estaríamos perante a prática de atos inúteis, quando o que é certo é que a lei os proíbe (v. art. 130° do CPCivil). Mais: outra interpretação levaria ao absurdo da dispensa do pagamento poder ser equacionada sem qualquer limitação temporal (não se argumente com o prazo para reclamar da conta, pois que não é disso que se trata, além de que o exercício da oficiosidade que existe nesta matéria sempre independeria de qualquer prazo), inclusivamente quando estivesse já a correr execução para pagamento da taxa de justiça a dispensar.

“É certo, entretanto, que a aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à "especificidade da situação" não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade). Porém, o exercício de um poder-dever não significa um exercício que independa do enquadramento processual atinentemente estabelecido na lei. E a lei dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, estando apenas impedida (constitucionalmente) de estabelecer uma disciplina funcionalmente desadequada aos fins do processo ou desproporcionada por via de obstáculos que dificultem ou prejudiquem de forma arbitrária o acesso à justiça. Tudo isto para significar que não é pela circunstância de estarmos aqui a lidar com um poder-dever, que o juiz está autorizado a determinar (mediante atuação oficiosa ou elicitado por requerimento da parte interessada) a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da feitura da conta, quando afinal a lei (n° 7 do art. 6° do RCP) mostra pretender que o exercício de tal poder-dever tenha lugar antes dessa conta. E ao juiz compete observar a lei (art. 3°, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais) e não violá-la.

De outro lado, convém desmistificar o argumento (...) de que somente depois da notificação da conta de custas é que a parte pode ter ciência de qual o remanescente a pagar e, consequentemente. somente a partir de então ficar em condições de requerer a dispensa desse pagamento. É que o montante devido a título de taxa de justiça remanescente está diretamente previsto na lei (art. 6° do RCP e Tabela 1), resolvendo-se assim a sua determinação numa operação de caráter essencialmente jurídico. Donde, tratava-se de uma operação que estava à partida ao alcance imediato do juiz (para exercer o seu poder-dever de dispensa, se entendesse que a dispensa se justificava) e da Autora (para requerer o que tivesse por conveniente quanto á dispensa). É verdade que tal operação exige a feitura de umas contas elementares, mas não é por aqui que deixa de constituir uma operação essencialmente jurídica. De resto, também a determinação das taxas de justiça que a Autora pagou ao longo do processo exigiam a feitura de contas, e nem por isso esta deixou de as fazer, liquidando e pagando assim o que lhe competia liquidar e pagar. Deste modo, se a Autora entendia que devia haver lugar a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, então estava em plenas condições de requerer antes da conta final aquilo que somente depois da conta veio requerer. Da mesma forma que o juiz do processo estava em condições de saber qual era o montante da taxa remanescente, e se nada decidiu em contrário então só podemos concluir que foi porque entendeu que não se justificava a dispensa ou redução do pagamento.

“Não suscita, por certo, dúvidas a ninguém que a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas (não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça). Também é certo - e seguindo aqui Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Lp. 183) - que a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam as pessoas de aceder à justiça, de sorte que as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio. Nesta medida, não é constitucionalmente admissível a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça. O estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumentasse diretamente e sem limite na proporção do valor da ação poderia levar ao rompimento da proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração de justiça prestado (deixando-se então de estar perante uma verdadeira taxa, para se passar para o domínio dos impostos) e consubstanciar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do art. 20° da Constituição, por inibitório do recurso dos interessados aos tribunais. Dentro desta perspetiva, pode ler-se do acórdão na 421/20 13 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, que "os critérios de cálculo da taxa de justiça. integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso  àjustiça (artigo 20º da Constituição}, constituem pois (. . .) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2º e 18º nº 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito ". Concordantemente com todo este enquadramento, e mostrando estar atento às supra aludidas exigências constitucionais, escreveu o legislador no preâmbulo do DL n° 34/2008 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais) que se impunha adequar "o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que. em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores ".
As cautelas emergentes de toda esta problemática foram concretamente consignadas no n° 7 do art. 6° do RCP, que estabelece precisamente que "Nas causas de valor não superior a € 275 000. o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

De resto, o remanescente em causa é considerado na conta final, a qual sendo embora elaborada pela secretaria, é passível de reclamação pela parte, se entender que a mesma não se coaduna com as disposições legais aplicáveis ou padece de erro. Sobre tal reclamação incidirá decisão judicial, nos termos do art. 31º nº 4 do RCP após informação prestada no processo pelo funcionário que elaborou a conta.

Entendendo o juiz que é de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça terá de o fazer antes da elaboração da conta, sob pena de esta integrar tal remanescente. Há que dizer, e isto face às conclusões da recorrente, que não estamos perante uma decisão da secretaria, mas antes numa conclusão resultante da aplicação de meros cálculos pré-determinados. Na ausência de decisão excluindo o pagamento do remanescente, este terá de integrar a conta num montante assente em tais elementos pré-determinados.
O que resulta do art. 6º nº 7 já citado não é que o juiz tenha de decidir se entende ou não eximir a parte do pagamento do remanescente. O que se exige é que, só no caso em que entenda optar por tal isenção o deverá declarar de forma fundamentada.

Se a parte, estando perante valores que poderá calcular, entender que os mesmos, tendo em conta o seu montante, a complexidade do processo e a conduta processual das partes, justificam a dispensa do pagamento do remanescente terá de o requerer antes da elaboração da conta, já que esta irá reflectir tal dispensa.

Os pressupostos da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça existem previamente à elaboração da conta, não nascem com esta. Daí que, admitir que o requerimento de dispensa desse remanescente seja feito após elaboração da conta, acabe por tornar esta um acto meramente provisório e, convenha-se, inútil. Sendo que não constituindo tal requerimento uma reclamação da conta, nem haveria prazo para o mesmo ser feito.

Nessa medida e seguindo a orientação dos recentes acórdãos do STJ supra mencionados, se possa concluir que:
- As partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP até ao trânsito em julgado da decisão final ou pelo menos, até ao momento de elaboração da conta.
- Sendo assim extemporânea, a apresentação de tal requerimento após a elaboração da conta.
- Não existe violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o direito fundamental de acesso aos tribunais, na medida que não foi impedida a parte de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, foi simplesmente fixado um limite na sequência processual para que tal requerimento possa ter lugar.
                                                                                                             
Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



LISBOA, 12/4/2018



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais