Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8127/18.6T8LSB-A.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
INQUÉRITO PRÉVIO
FACTOS DE CARIZ DISCIPLINAR E CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– O prazo de caducidade de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do CT/2009 só deixa de correr com a recepção pelo trabalhador arguido da Nota de Culpa e da correspondente comunicação da instauração do processo disciplinar com intenção de despedimento do visado (muito embora possa ocorrer a sua interrupção anterior, nos termos do art.º 352.º do CT/2009, com a instauração de inquérito prévio, nos moldes aí previstos).

II– Os factos imputados ao Requerente foram pelo mesmo praticados no dia 1/8/2014 e o BANCO demandado, através do instrutor nomeado, só veio a notificá-lo, no dia 18/10/2017, da Nota de Culpa que foi deduzida no procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa contra ele instaurado, quando o conhecimento genérico dos factos praticados pelo trabalhador chegaram, ainda no ano de 2014, ao conhecimento, mesmo que verbal e informal, de um dirigente do Requerido, que se mostrava legal e estatuariamente investido do necessário poder disciplinar, e esse Administrador e Vice-Governador do Requerido nada fez de juridicamente relevante, como levar, por sua vez, ao Conselho de Administração do Requerido tal atuação, propondo, no mínimo, a realização de um inquérito prévio, nos termos e para os efeitos do artigo 352.º do CT/2009.

III– O BANCO requerido instaurou um procedimento prévio de inquérito já no ano de 2017, mas tal processo prévio já não tinha a virtualidade de suspender o prazo de caducidade dos 60 dias, nos termos do art.º 352.º do CT/2009, dado o mesmo se mostrar esgotado à data de tal instauração.

IV– A dupla natureza disciplinar e criminal, ainda que alargue o referido prazo prescricional do n.º 1 do art.º 329.º do CT/2009, não implica ou acarreta, necessariamente, idênticas consequências no que concerne aos demais prazos daquela disposição, pois a circunstância de as condutas do trabalhador estarem ou poderem vir a ser investigadas criminalmente não obsta, em regra, a que a entidade empregadora possa fazer a sua investigação e prova interna e completa desses mesmos factos no âmbito do procedimento disciplinar (aqui encarado em termos latos) e, nessa medida e sequência, proceder, objectiva e plenamente, de consciência absolutamente tranquila, ao despedimento com justa causa daquele ou ao seu sancionamento com outra pena, conservatória do vínculo laboral.

V– A possibilidade de a referida dupla natureza dos comportamentos imputados ao trabalhador poder afetar os demais prazos do art.º 329.º do CT/2009 coloca-se fundamentalmente em situações de natureza disciplinar em que a entidade empregadora não possui autonomia, em termos de essencialidade e suficiência probatória e/ou decisória, por estar, por exemplo, verdadeiramente dependente da decisão penal definitiva ou de elementos fundamentais para a prova dos factos que não estão em seu poder nem lhe são acessíveis, por serem reservados e produzidos em sede criminal ou noutra subordinada a sigilo, havendo ainda que ponderar, no que toca a esta segunda hipótese, se com tal suspensão existirá a possibilidade futura de os vir a obter ou conhecer.

VI– Em situações como as descritas nos Pontos IV e V e para efeitos de caducidade do n.º 1 do art.º 329.º do CT/2009, o procedimento disciplinar tem de ser levantado dentro do prazo e nas circunstâncias e condições legalmente permitidas (quer por via do inquérito prévio, quer da instauração do procedimento disciplinar stricto sensu), só após se admitindo a sua suspensão.

VII– O BANCO recorrente produziu no procedimento disciplinar instaurado em 2017, a prova interna que entendeu por necessária e suficiente à apreciação disciplinar do comportamento do trabalhador, assim como deu prosseguimento aquele e despediu com base em justa causa o trabalhador, sem que para tal carecesse de quaisquer elementos probatórios que constavam nos autos criminais que corriam em paralelo ou de aguardar pela correspondente decisão penal definitiva (pelo menos em termos fácticos).

VIII– Se o propósito expresso no referido articulado inicial era de facto também debater a probabilidade de inexistência de justa causa e não tendo tal matéria sido abordada intencionalmente na sentença recorrida, verificou-se uma omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d) do NCPC) que, no entanto, o Apelante não arguiu oportuna e formalmente, não sendo tal irregularidade adjetiva de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso.

IX– Da factualidade que se mostra dada como assente na sentença recorrida, inexistem quaisquer factos que respeitem diretamente à justa causa que esteve na base do despedimento do recorrente, sem que este, por seu turno, tivesse vindo impugnar aquela no que toca à factualidade dada como provada, não provada e desconsiderada; um tal cenário impossibilita este tribunal da 2.ª instância de (re)apreciar tal matéria.

(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO:


AAA, contribuinte fiscal número (…), residente na Rua (…), intentou, em 05/04/2018, Procedimento Cautelar de Suspensão de Despedimento contra BBB, NIPC(…), com sede na Rua (…) Lisboa, onde invoca sumariamente que, o Requerido não comunicou cabalmente a sua intenção de despedimento aquando a notificação da nota de culpa, o procedimento disciplinar se encontra caducado, e a infração disciplinar já prescreveu pelo que se verifica, de várias formas, a ilicitude do despedimento requerendo assim que seja decretada a sua suspensão.
*

Citada a Requerida (fls. 215 e 223), veio a mesma deduzir oposição, onde pugnou pela licitude do despedimento, e juntou aos autos o procedimento disciplinar (fls. 225 e seguintes e processo apenso).
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A Audiência Final decorreu com observância do legal formalismo, tendo sido dispensada a prova testemunhal e relegadas as alegações de direito para os articulados.
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O tribunal recorrido proferiu então, em 06/05/2018 e a fls. 273 e seguintes, sentença que em, síntese, decidiu o seguinte:
Termos em que se defere a pretensão do Requerente, decretando-se a suspensão do despedimento de que foi alvo, artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Custas pela Requerida a atender na ação principal.
Registe e Notifique. [1][[2]]
*

O Requerido BBB, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 290 e seguintes, interpor recurso do mesmo.

O juiz do processo admitiu, a fls. 410 e 441, o recurso interposto, como de Apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo derivado do número 2 do artigo 40.º do CPT e do depósito aí exigido, que foi efetuado pelo recorrente.

O Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 292 e seguintes) e formulou as seguintes conclusões:
“A)– A decisão ora em recurso deve ser revogada, uma vez que considera o início da contagem do prazo de 60 dias estabelecido no artigo 329.º, 2, do CT, em 2014, sem que estivesse minimamente concretizada a identificação das infrações cometidas e do respetivo autor pelo superior hierárquico com competência disciplinar, ou seja, o Conselho de Administração do BBB.
B)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que os factos indiciariamente dados como provados não permitem afirmar que o Conselho de Administração tenha recebido informação suficiente para se concluir que tinha conhecimento das infrações praticadas e do autor das mesmas em data anterior a 4 de Julho de 2017.
C)– A decisão em recurso deve ser revogada, uma vez que o comportamento reportado ao Vice-Governador, ou seja, a “venda de títulos na sequência da nomeação para a equipa encarregada da resolução do (…)” só por si não constitui uma infração, sendo indispensável saber quais os títulos vendidos, em que circunstância a venda teria ocorrido e quem era o autor da venda dos títulos.
D)– A decisão em recurso deve ser revogada, uma vez que equipara o reporte do comportamento a um dos seus membros do Conselho de Administração com o reporte ao órgão com competência disciplinar.
E)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que uma conversa havida no intervalo de uma reunião sobre a resolução do (…) em 2014, não pode considerar-se como suficiente para dar como adquirido que o Conselho de Administração teve conhecimento da ocorrência de um comportamento configurável como infração disciplinar e do respetivo autor;
F)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que não atuou com inércia o Vice-Governador -a quem não foram transmitidas nem a natureza dos títulos, nem a identificação do colaborador que os teria alienado, nem as circunstâncias concretas da mesma alienação e que tinha necessidade de reportar, com segurança e propriedade, os factos ao Conselho de Administração- que solicitou que se procedesse a uma melhor averiguação do sucedido, pois a informação prestada não era de molde a permitir-lhe, nem a ele nem ao Conselho de Administração, uma conclusão sobre a existência de suspeitas da prática de infração disciplinar.
G)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que não é verdadeira a afirmação do Tribunal de que, com a informação prestada ao Vice-Governador em 2014, havia elementos suficientes para se dar início ao processo disciplinar ou ao processo prévio de inquérito previsto no artigo 352.º, por forma a interromper a contagem do prazo de caducidade, pois para que o início do processo disciplinar possa interromper o prazo, é necessário que a nota de culpa seja notificada ao trabalhador, o qual nem sequer estava identificado.
H)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que, por outro lado, também não é possível iniciar o processo de inquérito prévio se não estiver identificado o trabalhador objeto do mesmo, pois que esse processo destina-se a fundamentar a nota de culpa e esta só pode ser deduzida contra um trabalhador em concreto.
I)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que, com base nos factos dados como provados, não é possível afirmar que “o órgão com competência disciplinar soube da prática do facto em 2014 e não atuou na altura”.
J)– A decisão em recurso deve ser revogada, uma vez que a inércia não resulta dos factos dados como provados.
K)– A decisão em recurso deve ser revogada, uma vez que do facto dado como provado com o número 20, não resulta indiferença do Vice-Governador pelo facto reportado, mas uma orientação às chefias do departamento em que se integrava o trabalhador no sentido de a informação que lhe estava a ser prestada ser completada, esclarecida e formalizada, para futuro e cabal reporte, tanto mais que todos sabiam que só o Conselho de Administração tinha competência disciplinar.
L)– A decisão deve ser revogada uma vez que tem como fundamento factos que não estão indiciariamente provados nem, sequer, decorrem daqueles que o estão, como, entre outros, a afirmação feita pelo tribunal, de que o Vice-Governador não atuou na altura, nem perguntado simplesmente quem tinha vendido os referidos títulos, resposta que lhe teria sido prontamente dada, o que constitui uma afirmação de facto sem qualquer fundamento no processo.
M)– A decisão em recurso deve ser revogada uma vez que conclui que uma informação oral e inequivocamente insuficiente, prestada num intervalo de uma reunião sobre o assunto mais grave que, em 2014, ocupava o BBB – e o país – é bastante para concluir que os factos que fundamentaram a decisão do despedimento do trabalhador chegaram ao conhecimento do Conselho de Administração.
N)– A decisão em recurso deve ser revogada, uma vez que, não tendo o Vice-Governador nem o Conselho de Administração conhecimento da infração e do seu autor, nunca o BBB poderia, em 2014 ter iniciado o procedimento disciplinar nem, sequer, o inquérito prévio.
O)– A decisão em recurso dever ser revogada, uma vez que considera que existe abuso do direito consistente numa atuação contraditória, expressa no alegado desinteresse inicial do empregador em investigar o sucedido e na posterior reação, ao sancionar disciplinarmente o trabalhador, três anos decorridos, mas a verdade é que não houve qualquer desinteresse, pois o Vice-Governador deu indicações para que as chefias tratassem do assunto, o que só pode querer dizer que deviam apurar o que se passou e atuar em conformidade, ou seja, reportando o que se apurasse.
P)– A decisão em recurso dever ser revogada, uma vez que a afirmação do tribunal de que o Vice-Governador não sabia nem tinha querido saber quem era o colaborador e os pormenores do que tinha feito, não tem fundamento de facto.
Q)– Por outro lado, não há atuação contraditória porque, como resulta do facto 22, o Conselho de Administração do BBB só teve conhecimento dos factos em 4 de Julho de 2017, através de um reporte feito pelo diretor do departamento em que se integrava o trabalhador, na sequência da prestação de declarações que aquele diretor havia prestado na Polícia Judiciária.
R)– Acresce que o Vice-Governador com quem tinha havido uma conversa no intervalo de uma reunião em 2014, cessou as suas funções em Fevereiro de 2017, pelo que nem sequer pertencia ao Conselho de Administração em Julho de 2014.
S)– A decisão sempre merece censura uma vez que é contraditório reconhecer que a informação prestada era insuficiente para que se iniciasse o prazo de caducidade e, em simultâneo, atribuir relevância ao mesmo prazo e concluir que o seu decurso impediria o exercício do direito que, contudo, sempre seria tempestivo.
Nestes termos deve a sentença ora em recurso ser revogada, indeferindo-se a pretensão do trabalhador e não se decretando a suspensão do despedimento.
Mais se requer que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 40.º do CPT, procedendo o BBB, para o efeito, ao depósito, no tribunal, da quantia correspondente a seis meses de retribuição do ex-trabalhador, acrescida das correspondentes contribuições para a segurança social.
Assim decidindo, farão os Venerandos Desembargadores a sempre esperada JUSTIÇA!”
*

O trabalhador Requerente, na sequência da correspondente notificação, veio responder a tais alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 353 e seguintes):
«A)– Face aos factos comunicados em 2014 ao Sr. Vice-Governador do BBB, deveria o mesmo ter determinado a abertura de processo disciplinar ou se algum elemento de informação faltasse determinar a abertura de inquérito.
B)– Não o tendo feito, caduco se encontra o exercício do poder disciplinar, sendo manifesta a irregularidade do despedimento.
C)– A determinação do membro do Conselho de Administração com o pelouro do departamento a que pertence o trabalhador e com pelouro substituto do departamento de recursos humanos, da realização de diligências para apuramento dos factos, corresponde a determinação de abertura de inquérito que por inexistente ou inconcluso há mais de três anos, não inviabiliza a referida caducidade, antes a confirma.
D)– O conhecimento pelos superiores hierárquicos e por um membro do Conselho de Administração com pelouro de pessoal e sobre o departamento do trabalhador, e suplente do pelouro dos recursos humanos, integra por múltipla forma o conhecimento da infração pelas entidades com competência disciplinar.
E)– É por outro lado manifesto que o BBB litiga manifestamente contra o direito, deduz pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, invoca factos falsos, designadamente sobre a “competência disciplinar”, abertamente contrariados nos regulamentos por ele próprio emitidos (e de resto resultantes da normalidade das coisas e mesmo do bom senso)
O que tudo impõe a improcedência total do recurso, desde logo pelos fundamentos exatos da sentença recorrida, que não deve merecer qualquer censura. Assim decidindo farão V. Ex.ªs a costumada JUSTIÇA!»
*

O Requerente AAA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 353 e seguintes, interpor também recurso subordinado da mesma.
O juiz do processo admitiu, a fls. 410, o recurso interposto, como de apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo derivado do número 1, primeira parte, do artigo 40.º do CPT.
O trabalhador Requerente, na sequência da correspondente notificação, veio responder a tais alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 353 verso e seguintes):
«F)– O Relatório Final, aliás com data posterior ao que consta do processo disciplinar é o único válido, tendo sido esse que manifestamente foi objeto de defesa com a nota de culpa, dois documentos que foram entregues e sobre os quais se pronunciou;
G)– Desde a primeira hora o trabalhador perante uma comunicação de uma carta dizendo que não ia ser despedido, um relatório final em que se avisava o seu possível despedimento, e um relatório que submetia à apreciação do Banco a eventualidade desta sanção, quis saber qual o despacho proferido em sede de inquérito, para ver que documento daqueles respeitava a vontade do empregador.
H)– Tal decisão de instauração só foi integrada nos autos muito depois e aliás determinou o não conhecimento oportuno e é, como bem salienta a decisão recorrida, meramente confirmativa do teor do relatório.
I)– Ora como se viu este remetia, como de resto é normal, essa decisão para o empregador.
J)– Verifica-se portanto, que não só foi comunicado ao trabalhador que não era intenção proceder ao seu despedimento, e como tal preclude o direito de vir a aplicar esta sanção no processo disciplinar em causa.
K)– Mas também que não era possível ao trabalhador, face à inusitada existência de dois (2) relatórios finais, tendo em consideração o teor daquele a que se referiu na sua resposta e único que pode ser subsistente até por posterior, pudesse aquele entender desmentido o que lhe tinha sido comunicado expressamente ao contrário do decidido.
L)– Mais sempre seria no caso impossível esse juízo “de suprimento” concedido na decisão recorrida, já que, como comprovado, o despacho de instauração apenas foi junto muito tardiamente nos autos.
M)– Todos os factos apurados no processo prévio de inquérito já estavam de há muito no conhecimento da entidade empregadora, quer por comunicação expressa do trabalhador em 2014, quer no relatório de inquérito interno sobre pedidos de informação da (…), pelo que sendo o mesmo manifestamente desnecessário sempre ocorreria a caducidade decretada em primeira instância, por mais não se ter visado do que diferir o apuramento de responsabilidade e início do processo disciplinar
N)– E era não só desnecessário como foi, certamente com o mesmo propósito conduzido de forma manifestamente negligente e dilatória.
O)– O ora recorrente, com base nos fatos alegados, e tendo por base apenas a prova documentada, invocou a manifesta desproporcionalidade da sanção de despedimento que lhe foi aplicada.
P)– Assim e contrariamente ao que foi considerado em primeira instância, havia que ponderar e decidir essa questão, a qual a par de todas as demais suscitadas, impõe a procedência integral do presente recurso e a confirmação da decisão proferida.
Com o que se fará justiça que não deixará de considerar haver nestes autos fundamento bastante para que se imponha a indemnização por litigância de má-fé que acima vai impetrada, o que tudo corresponde à melhor JUSTIÇA!».
*

O BBB, na sequência da correspondente notificação, veio responder a tais alegações, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 415 e seguintes):
I.- O recorrente não apresentou conclusões que corporizassem uma impugnação da decisão proferida em matéria de facto.
II.- Em todo o caso, nunca pode haver alteração da matéria de facto em sede de recurso, relativamente a factos aceites pelas partes como assentes. (artigo 607.º, n.º 5 do CPC)
III.- Por outro lado, também é manifesto que o Recorrente não cumpriu o disposto no artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e é de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto nas al.ªs a), b) e c) do n.º 1 e al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC.
IV.- Considerando a matéria de facto dada como assente como acordo entre as partes, não é possível invocar a falsidade do relatório final constante do processo preliminar de inquérito.
V.- A entidade patronal ordenou a instauração de um processo disciplinar com vista ao despedimento do Recorrente e esse facto foi-lhe devidamente comunicado.
VI.- O Recorrente teve pleno, claro e oportuno conhecimento da intenção de se proceder ao seu despedimento, de tal forma que na sua resposta afirma que os factos que lhe são imputados não constituem justa causa de despedimento.
VI.- Não tem razão o Recorrente quando considera que a sentença recorrida deveria ter decidido, com base nos factos alegados e na prova documentada, a existência de manifesta desproporcionalidade da sanção de despedimento que lhe foi aplicada, pois, dos factos constantes da nota de culpa e que em abstrato constituem a prática do crime de abuso de informação, previsto no artigo 378.º, n.º 1, do Código os Valores Mobiliários, resulta que a sanção de despedimento respeita os critérios de decisão e aplicação de sanção disciplinar constantes do artigo 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, mostrando-se proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do Recorrente.
Nestes termos, julgando totalmente improcedente o recurso subordinado, farão os Venerandos Desembargadores a sempre desejada JUSTIÇA.»
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O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação do BBB (fls. 492 a 494), não tendo o Requerido se pronunciado sobre o mesmo dentro do prazo legal, ao contrário do que aconteceu com o Requerente que, a fls. 497 e seguintes, veio pugnar pela manutenção da sentença recorrida.  
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II–OS FACTOS

«FACTOS PROVADOS:

O Tribunal dá como, indiciariamente, provados os seguintes factos:

1.– O teor de todo o processo disciplinar.
2.– O Requerente foi admitido ao serviço do Requerido em 17/07/2000 ao abrigo de contrato de trabalho subordinado sem termo.
3.– Com a categoria profissional de Técnico Assistente na carreira de Economia e Gestão, e a desempenhar funções no Núcleo (…).
4.– A partir de Novembro de 2013 ficou afeto exclusivamente ao desenvolvimento de um sistema informático, coordenando pessoas de diversos departamentos como Técnico Assessor com a função de Técnico Coordenador na Área de Implementação (…)
5.– Estando à data do seu despedimento a prestar trabalho como Técnico Consultor, na Área de Desenvolvimento (…).
6.– Ao Requerente foi notificada nota de culpa em mão, no dia 18 de Outubro de 2017 que lhe foi pedido para assinar.
7.– O Requerente apôs a sua assinatura no final de uma página e devolveu a mesma ao colaborador da Requerida que a apresentara, que por sua vez lhe deu um envelope fechado contendo a nota de culpa, donde da lateral do mesmo destacou um pequeno retângulo, onde constava a indicação “Protocolo” (número do mesmo e respetiva data), tudo manuscrito.
8.– Na carta que assinou e devolveu, constava que “não é intenção da sua entidade empregadora aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento com justa causa”.
9.– A intenção de despedimento consta expressamente da nota de culpa que ficou em seu poder.
10.– A carta onde consta a intenção de despedimento foi entregue à Comissão de Trabalhadores.
11.– O Requerente invocou, na resposta à nota de culpa, que os factos que lhe eram imputados não traduziam justa causa de despedimento.
12.– Os autos de processo disciplinar só foram disponibilizados para consulta a 17 de Novembro de 2017, altura em que se iniciou o prazo de 15 dias para apresentação da defesa pelo Requerente.
13.– Da deliberação de instauração de procedimento disciplinar tomada pelo Conselho de Administração do Requerido, consta a intenção de despedimento, uma vez que remete para o relatório final do instrutor do processo onde costa a intenção de despedimento.
14.– O facto integrante da falta disciplinar objecto do processo que precedeu o despedimento, ocorreu no dia 1 de Agosto de 2014.
15.– Nessa data, o imediato superior hierárquico do Requerente, era o Senhor Dr. (…), então Director Adjunto do seu departamento, o de Mercados e (…), a quem o Requente reportou verbalmente o ocorrido.
16.– Reporte verbal que também tentou telefonicamente junto do Consultor de Ética, mas sem qualquer sucesso.
17.– Em 09 de Outubro de 2014, o Requerente comunicou por escrito, via E-mail, ao Consultor de Ética do Banco, Senhor Dr. (…), com conhecimento ao Senhor Dr. (…), à data ainda seu imediato superior hierárquico, a operação que tinha feito e as suas razões, pedindo orientações.
18.– Essa mesma comunicação foi, no minuto seguinte a ter sido recebida, reencaminhada pelo Senhor Dr. (…), ao seu superior hierárquico Director de Departamento de (…), Sr. Dr. (…) e à Sr.ª Dr.ª(…), Directora Adjunta do mesmo Departamento.
19.– Ainda no ano de 2014 o Senhor Dr. (…), no intervalo de uma reunião sobre a resolução do BES, comunicou ao Senhor Dr. (…) (que exerceu as funções de Administrador do Requerido, de 2011 a Fevereiro de 2017, e Vice-Governador do Banco de Portugal e à data o delegado substituto pelo Departamento de Recursos Humanos do Requerido) que um colaborador do (…), nomeado para integrar a equipa do departamento designada para se ocupar do tema da resolução do (…), tinha feito uma venda de títulos na sequência daquela nomeação.
20.– Na altura o Sr. Dr. (…) entendeu, e transmitiu-o ao Sr. Dr. (…), que aquela questão devia ser tratada pelas chefias do Departamento e pelo Consultor de Ética.
21.– O Conselho de Administração do (…) determinou, na sequência de reporte pelo (…) de incidente ocorrido em 2014, a instauração de um procedimento prévio de inquérito ao trabalhador (…), aqui Requerente.
22.– O Conselho de Administração teve formalmente conhecimento dos factos, no dia 04 de Julho de 2017, em reunião de trabalho em que estiveram presentes todos os membros do Conselho de Administração com excepção da Administradora (…), reportados pelo Director do Departamento (…) Sr. Dr. (…) que havia sido chamado a prestar declarações numa investigação conduzida pela Policia Judiciária.
23.– (ELIMINADO)
*

Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da presente providência cautelar, tendo também em consideração que o Tribunal não deu resposta aos factos, desnecessários para a causa, conclusivos, de direito, ou que estivessem em oposição direta com os considerados provados.
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Motivação da resposta à matéria de facto

A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados resultou da análise global da prova documental junta aos autos, quer pelo Requerente, quer todo o processo disciplinar junto pelo Requerido, sendo certo que os factos considerados provados foram também eles aceites pelas partes como assentes, por acordo».

III–O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
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A– REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 05/04/2018, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017 e Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2018 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido sucessivamente na vigência da LCT e legislação complementar e dos Códigos do Trabalho de 2003 (com início de vigência em 1/12/2003) e de 2009 (que entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime dos mesmos decorrentes que aqui irá ser chamado à colação, em função dos factos em apreciação. 
 
B– DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Realce-se que os Recorrentes não impugnaram a Decisão sobre a Matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, os recorridos requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C– OBJETO DA APELAÇÃO DO BANCO REQUERIDO – QUESTÕES DE DIREITO

Impõe-se, no quadro do recurso de Apelação do BBB recordar o que dizem os artigos 34.º, 38.º e 39.º do Código de Processo do Trabalho e 381.º, 382.º e 386.º do Código do Trabalho de 2009 e que é o seguinte, na parte que para aqui releva:  

Artigo 34.º
Requerimento
1- Apresentado o requerimento inicial no prazo previsto no artigo 386.º do Código do Trabalho, o juiz ordena a citação do requerido para se opor, querendo, e designa no mesmo ato data para a audiência final, que deve realizar-se no prazo de 15 dias.
2- Se for invocado despedimento precedido de procedimento disciplinar, o juiz, no despacho referido no número anterior, ordena a notificação do requerido para, no prazo da oposição, juntar o procedimento, que é apensado aos autos.
3- Nos casos de despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, o juiz notifica o requerido para, no prazo da oposição, juntar aos autos os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
4- (…)
Artigo 38.º
Falta de apresentação do processo disciplinar
1– Se o requerido não cumprir injustificadamente o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 34.º, a providência é decretada.
2– Se o não cumprimento for justificado até ao termo do prazo da oposição, o juiz decide com base nos elementos constantes dos autos e na prova que oficiosamente determinar.
Artigo 39.º
Decisão final
1– A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
a)-Pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade;
b)-Pela provável inexistência de justa causa; ou
c)-Nos casos de despedimento coletivo, pela provável inobservância das formalidades constantes do artigo 383.º do Código do Trabalho.
2– A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente às retribuições em dívida, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.
3– A execução, com trato sucessivo, segue os termos do artigo 90.º, com as necessárias adaptações.
Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a)- Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b)- Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c)- Se não for precedido do respetivo procedimento;
d)- Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Artigo 382.º
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1– O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido.
2– O procedimento é inválido se:
a)- Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b)- Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c)- Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d)- A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º
Artigo 386.º
Suspensão de despedimento
O trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da receção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho.

O Juiz-Conselheiro ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES [[3]], a páginas 61 a 63, refere o seguinte, quanto aos fundamentos legais para o decretamento da providência cautelar de suspensão de um despedimento individual com invocação de justa causa:
«2.1.– Em relação a todos os tipos de despedimento, de acordo com critério de séria probabilidade, a suspensão será decretada nas seguintes situações a que se reporta o art.º 381.º do Cód. do Trabalho: [[4]]
a)- Despedimento devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que sob a capa de motivo diverso;
b)- Improcedência do fundamento invocado para o despedimento individual (justa causa, extinção do posto de trabalho, inadaptação às funções) ou para o despedimento coletivo;
c)- Omissão do procedimento que legalmente deve anteceder cada tipo de despedimento;
d)- Em relação a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou a trabalhador em gozo de licença parental, a falta do parecer prévio referido na al. d).[[5]]

2.2.– Em relação ao despedimento por facto imputável ao trabalhador, quando, de acordo com o mesmo critério, se verificar a sua ilicitude (incluindo a invalidade), atentos os motivos consignados na lei:
a)- Inexistência de justa causa, nos termos que resultam a definição genérica e das especificações constantes do art.º 351.º do Cód. do Trabalho, matéria profusamente tratada na jurisprudência e na doutrina; [[6]]
b)- Prescrição do poder disciplinar ou do procedimento disciplinar, pelo decurso de algum dos prazos referidos no art.º 329.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho;
c)- Inexistência de processo disciplinar;
d)- Nulidade do processo disciplinar com fundamento na falta de nota de culpa, na falta de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, na falta de comunicação da intenção de despedir juntamente com a nota de culpa, na falta de acesso do trabalhador ao processo disciplinar, no desrespeito do direito do trabalhador de responder à nota de culpa ou no desrespeito do prazo legal para a resposta à nota de culpa;
Nos termos do art.º 410.º, n.º 3, do Cód. de Trabalho, presume-se feito sem justa causa o despedimento de trabalhador candidato a membro de qualquer dos corpos sociais de associação sindical ou que haja exercido funções nos mesmos corpos sociais há menos de três anos. Cfr. o Ac. da Rel. do Porto, de 8-5-08, CJ, tomo III, pág. 222.
e)- Comunicação ao trabalhador da decisão ou dos seus fundamentos que não tenha sido feita por escrito ou que não tenha sido elaborada de acordo com o disposto nos arts. 357.°, n.º 4, ou 358.º, n.º 2, do Cód. do Trabalho.»

D– CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – REGIME LEGAL E SUA INTERPRETAÇÃO

Como o próprio regime estabelece e é confirmado pelo autor transcrito, a suspensão de despedimento pode ser decretada com fundamento na caducidade do procedimento disciplinar, conforme se mostra regulada nos artigos 329.º, 352.º e 353.º do CT/2009 e que, para o efeito, vamos reproduzir de imediato, destacando-se a negrito as regras que nos parecem relevantes nesta matéria:

Artigo 329.º
Procedimento disciplinar e prescrição
1– O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
2– O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
3– O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4– O poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
5– Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
6– A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador.
7– Sem prejuízo do correspondente direito de ação judicial, o trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior ao que aplicou a sanção, ou recorrer a processo de resolução de litígio quando previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou na lei.
8– Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 6.
Artigo 352.º
Inquérito prévio
Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Artigo 353.º
Nota de culpa
1– No caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.
2– Na mesma data, o empregador remete cópias da comunicação e da nota de culpa à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva.
3– A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º.
4– Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.ºs 1 ou 2.

Segundo a interpretação da nossa melhor doutrina e jurisprudência, o prazo de caducidade de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do CT/2009 só deixa de correr (ou de ser contado, na expressão do n.º 3 do art.º 353.º do mesmo diploma legal) com a recepção pelo trabalhador arguido da Nota de Culpa e da correspondente comunicação da instauração do processo disciplinar com intenção de despedimento do visado (muito embora possa ocorrer a sua interrupção anterior, nos termos do art.º 352.º do CT/2009, com a instauração de inquérito prévio, nos moldes aí previstos).
No sentido exposto de que a contagem do prazo de caducidade só se interrompe com a notificação ao trabalhador alvo do processo disciplinar da correspondente acusação vejam-se, por todos, os seguintes autores e jurisprudência:
- JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, página 394: “A nota de culpa deverá ser entregue ao trabalhador dentro dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º (em princípio, dentro do ano subsequente à prática da infracção disciplinar e nos 60 dias subsequentes à tomada de conhecimento de tal infracção) …Juntamente com a nota de culpa, o empregador deverá comunicar ao trabalhador, por escrito, «a intenção de proceder ao seu despedimento» (n.º 1 do artigo 353.º)”
- MARIA JOSÉ COSTA PINTO, “Poder e Procedimento Disciplinar no Código do Trabalho de 2009”, Separata de “Código do Trabalho – A revisão de 2009”, Edição da Coimbra Editora – Grupo Wolsters Kluwer, página 428: “Apesar de ser um prazo de caducidade – artigo 298.º, número 2, do Código Civil –, este prazo interrompe-se com o recebimento da nota de culpa e com a instauração do inquérito prévio, sendo apenas estes os actos aptos à sua interrupção” (cf., também, estudo de MARIA ADELAIDE DOMINGOS, intitulado “Poder e Procedimento disciplinar no Código do Trabalho” e publicado na obra colectiva “Reforma do Código do Trabalho”, 2004, Coimbra Editora, a página 487, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/03/2009, processo n.º 08S3533, relator: Sousa Peixoto, publicado em www.dgsi.pt, ambos referidos por esta mesma autora).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/05/2008, processo n.º 3986/2008-4, relator: Ferreira Marques, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
1.– O prazo de 60 dias para o exercício da acção disciplinar (prazo de caducidade) assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta infractora; se o procedimento disciplinar não se iniciar dentro dos 60 dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta, esse facto constitui presunção iuris et de iure de irrelevância disciplinar.
2.– Este prazo conta-se a partir da data em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e interrompe-se com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador ou a partir da data da instauração do procedimento prévio de inquérito.
3.– Para a interrupção desse prazo se verificar não basta que o despacho que manda instaurar processo disciplinar seja proferido dentro de 60 dias contados da data do conhecimento dos factos. É necessário também que esse despacho (que manda instaurar processo disciplinar) e a nota de culpa (que inicia esse processo) cheguem ao conhecimento do trabalhador, dentro desse prazo.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/01/2010, processo n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1, relator: Sousa Peixoto, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):         
“4.– Não se provando a realização de procedimento prévio de inquérito, a caducidade do procedimento disciplinar só se interrompe no dia em que o trabalhador arguido é notificado da nota de culpa, sendo irrelevante, para esse efeito, que o procedimento disciplinar tenha sido ordenado antes da comunicação da nota de culpa.
5.– Todavia, o prazo de caducidade só começa a correr quando a entidade empregadora ou o superior hierárquico com poderes disciplinares sobre o trabalhador tem conhecimento cabal dos factos que por ele foram praticados, competindo ao trabalhador alegar e provar a data em que tal aconteceu.”

E– LITÍGIO DOS AUTOS – PANORAMA GERAL

Chegados aqui e sabendo nós que os factos imputados ao aqui Requerente foram pelo mesmo praticados no dia 1/8/2014 e que o BBB, através do instrutor nomeado, só veio a notificá-lo, no dia 18/10/2017, da Nota de Culpa que foi deduzida no procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa contra ele instaurado, ou seja, 3 anos e 18 dias após a prática da infração disciplinar, de natureza instantânea e não continuada (trata-se de um ou mais atos de venda de ações do (…), que se consumaram e esgotaram no referido dia 1/8/2014), dir-se-á que o prazo de caducidade de 60 dias para o Requerido «acusar» disciplinarmente o trabalhador estava há muito esgotado.
O BBB, no seu recurso de Apelação vem insurgir-se contra a decisão judicial do Tribunal de Trabalho de Lisboa que julgou verificada e declarou a caducidade do procedimento disciplinar desencadeado contra o aqui recorrido. 
Importa distinguir desde já este prazo de caducidade dos de prescrição da infração disciplinar e da duração do respectivo processo disciplinar, pois não foram nenhum deles os visados pela sentença recorrida, o que nos impede de os conhecer e apreciar, como, no caso vertente, o regime jurídico aplicável é substancialmente diverso.
Debruçando-nos então apenas sobre a problemática da caducidade, teremos de enfrentar agora três questões distintas e que se traduzem no seguinte:
a)- Conhecimento pelos órgãos do BBB, com poder disciplinar originário ou delegado, dos factos mínimos e suficientes para um qualquer destinatário normal, com as competências técnicas e profissionais de qualquer um desses titulares do referido poder disciplinar, poderem compreender os contornos essenciais da referida conduta do Requerente e, nessa medida, estarem em condições de atuarem disciplinarmente, através da instauração de um inquérito prévio (artigo 352.º do CT/2009) ou logo de um procedimento disciplinar contra o Requerente;
b)- Relevância da instauração do Inquérito preliminar para efeitos de suspensão do prazo de caducidade dos 60 dias do artigo 329.º, número 2, do mesmo diploma legal;
c)- Relevância jurídica da circunstância dos factos imputados ao Requerente em termos disciplinares poderem possuir também natureza criminal, com a eventual influência de tal situação na duração, suspensão ou até início do prazo de caducidade aqui em causa (cf., quanto a essa dupla natureza, a Acusação penal deduzida pelo Ministério Público contra o trabalhador AAA e que, com data de 20/11/2017, se mostra junta por cópia a fls. 261 a 269, sendo-lhe aí imputado um crime, em autoria material e na forma consumada, de abuso de informação p. e p. pela alínea c) do n.º 1 do artigo 378.º do Código dos Valores Mobiliários).
                                               
F– CONHECIMENTO PELO BBB

Importa chamar, desde logo, à colação a factualidade que foi dada como indiciariamente provada nos autos e que não tendo sido objeto de impugnação por nenhuma das partes, se considera perfunctoriamente assente:
«14.– O facto integrante da falta disciplinar objeto do processo que precedeu o despedimento, ocorreu no dia 1 de Agosto de 2014.
15.– Nessa data, o imediato superior hierárquico do Requerente, era o Senhor Dr. (…), então Diretor Adjunto do seu departamento, o de Mercados (…) em o Requente reportou verbalmente o ocorrido.
16. Reporte verbal que também tentou telefonicamente junto do Consultor de Ética, mas sem qualquer sucesso.
17.– Em 09 de Outubro de 2014, o Requerente comunicou por escrito, via E-mail, ao Consultor de Ética do Banco, Senhor Dr. (…), com conhecimento ao Senhor Dr. (…), à data ainda seu imediato superior hierárquico, a operação que tinha feito e as suas razões, pedindo orientações.
18.– Essa mesma comunicação foi, no minuto seguinte a ter sido recebida, reencaminhada pelo Senhor Dr. (…), ao seu superior hierárquico Diretor de Departamento de Mercados e Gestão de Reservas, Sr. Dr. (…) e à Sr.ª Dr.ª (…), Diretora Adjunta do mesmo Departamento.
19.– Ainda no ano de 2014 o Senhor Dr. (…), no intervalo de uma reunião sobre a resolução do (…), comunicou ao Senhor Dr. (…) (que exerceu as funções de Administrador do Requerido, de 2011 a Fevereiro de 2017, e Vice-Governador do BBB e à data o delegado substituto pelo Departamento de Recursos Humanos do Requerido) que um colaborador do (…), nomeado para integrar a equipa do departamento designada para se ocupar do tema da resolução do (…), tinha feito uma venda de títulos na sequência daquela nomeação.
20.– Na altura o Sr. Dr. (…) entendeu, e transmitiu-o ao Sr. Dr. (…), que aquela questão devia ser tratada pelas chefias do Departamento e pelo Consultor de Ética.
21.– O Conselho de Administração do BBB determinou, na sequência de reporte pelo (…) de incidente ocorrido em 2014, a instauração de um procedimento prévio de inquérito ao trabalhador AAA, aqui Requerente.
22.– O Conselho de Administração teve formalmente conhecimento dos factos, no dia 04 de Julho de 2017, em reunião de trabalho em que estiveram presentes todos os membros do Conselho de Administração com exceção da Administradora (…) reportados pelo Diretor do Departamento (…) Sr. Dr. (…) que havia sido chamado a prestar declarações numa investigação conduzida pela Polícia Judiciária.»
Se lermos e interpretarmos devidamente os factos acima transcritos e os cruzarmos com os documentos que os podem suportar ou complementar, verificamos que é o próprio Autor a comunicar, desde logo e no próprio dia da venda das ações do (…), ao seu superior hierárquico Dr. (…), tal operação, que depois virá a reiterar por escrito, em 9/10/2014, junto do mesmo e do Consultor de Ética do Banco requerido, Senhor Dr. (…), que, contudo, nunca lhe veio a responder nem a se interessar minimamente pelo assunto (a justificação dada pelo mesmo, no quadro das declarações prestadas num dos inquéritos internos, é, no mínimo, confrangedora…)
O mesmo não se pode dizer do Dr. (…) que reencaminhou a mensagem eletrónica do Apelado aos seus superiores hierárquicos, Dr. (…), (referido no Ponto 22) e Dr.ª (…).
Finalmente, o mesmo Dr. (…), ainda no ano de 2014, no intervalo de uma reunião sobre a resolução do (…), comunicou ao Senhor Dr. (…), na altura Administrador do Requerido, seu Vice-Governador e ainda delegado substituto pelo Departamento de Recursos Humanos daquele que um colaborador do (…), nomeado para integrar a equipa do departamento designada para se ocupar do tema da resolução do (…), tinha feito uma venda de títulos na sequência daquela nomeação.
Ora, não podem restar dúvidas de que o conhecimento genérico dos factos praticados pelo Autor chegaram, ainda no ano de 2014, ao conhecimento, ainda que verbal e informal, de um dirigente do BBB, que se mostrava legal e estatuariamente investido do necessário poder disciplinar, e esse Administrador e Vice-Governador do Requerido nada fez de juridicamente relevante, como levar, por sua vez, ao Conselho de Administração do BBB, tal atuação, propondo, no mínimo, como depois veio a acontecer no ano de 2017, a realização de um inquérito prévio, nos termos e para os efeitos do artigo 352.º do CT/2009.
Pretende o Apelante que tal conhecimento não teria verdadeiramente acontecido, porque dado de forma verbal, de passagem, de raspão, no meio de uma reunião que nada tinha a ver com tal assunto e que por tais razões não se pode falar numa suficiência de factos e dados que permitissem ao Dr. (…) se aperceber e compreender a natureza, dimensão e gravidade do comportamento do trabalhador arguido, assim como a sua identificação.               
Tal argumentação não convenceu o tribunal da 1.ª instância e também não nos convence minimamente, pois, perguntamo-nos nós, quanto tempo terá o Dr. (…) - na sequência de uma conduta reiterada e que reputamos de profissional, competente e prudente -, a dar uma informação singela como a que está aqui em causa e que se resumiria mais ou menos nesta simples frase: «O nosso colaborador (…), depois de ter sido nomeado para a equipa do (…), vendeu, no dia 1 de agosto deste ano, no mercado de títulos, 50 000 ações que possuía desse banco, tendo-me comunicado o facto e depois ao Consultor de Ética do Banco, tendo eu já dado também conhecimento às minhas chefias».                       
A descrição da alegada infração disciplinar não era difícil de transmitir nos moldes expostos dado a mesma não se reconduzir a um procedimento intrincado, enviesado, de cariz bancário e técnico muito complexo e complicado de entender mas tão-somente à atuação referenciada nas cinco linhas de diálogo que acima deixámos reproduzido.
Também o senso e a experiência comum nos dizem que o diálogo havido entre o Dr. (…) e o Dr. (…) não se traduziu num qualquer desbloqueador de conversa, numa bisbilhotice entre amigos, numa troca de impressões para fazer passar o tempo mas antes numa comunicação/informação que o primeiro – na sequência da conduta que já, aliás, tinha anteriormente manifestado – certamente pretendeu ser oficial, completa e identificadora da conduta havida (e até do seu autor, embora tal não tenha ficado provado) e, nessa medida, «transferidora» (perdoe-se-nos a expressão pouco rigorosa) para quem de direito, de tal conhecimento e da inerente responsabilidade que esse conhecimento de tais elementos acarretava.        
De qualquer forma, independentemente do que tenha efetivamente lhe sido transmitido, tal informação foi suficiente para o dito Vice-Governador, depois de munido de tais dados, entender que os mesmos não tinham importância ou relevância disciplinar e que já estavam a ser tratados na sede devida (Consultor de Ética do BBB e chefias diretas do Requerente), tendo-se quedado por aí no que toca à abordagem que faz da questão.
Logo, nada fez, quando o podia e devia ter feito (no mínimo, através da comunicação ao CA do BBB e à proposta de uma averiguação ou inquérito internos), o que implicou a caducidade do correspondente procedimento disciplinar.

G– INQUÉRITO PRÉVIO

Dir-se-á, contudo, que o BBB instaurou um procedimento de inquérito já no ano de 2017 e que tal processo prévio tinha a virtualidade de suspender o prazo de caducidade dos 60 dias, nos termos do artigo 352.º do CT/2009.
Ora, face ao que se deixou acima exposto, facilmente se conclui que o aludido prazo de 60 dias já há muito tempo se mostrava esgotado, quando da instauração, em 2017, de tal inquérito preliminar, sendo escusado, face a essa conclusão, discutir se o mesmo era necessário e se possuía a natureza legalmente exigida para o inquérito prévio do artigo 352.º.                            
 
H– FACTOS COM RELEVÂNCIA PENAL

Argumentar-se-á, finalmente, com a circunstância de a atuação do Requerente possuir uma dupla natureza, disciplinar e criminal, que, nos termos do número 1 do artigo 329.º alarga o prazo prescricional da ação disciplinar do empregador.    
Se tal corresponde à verdade, importa dizer, contudo, com alguma jurisprudência e doutrina que se tem debruçado sobre esta problemática, que, muito embora a extensão do prazo prescricional no que toca à punição da infração disciplinar, em função da sua índole também criminal, se mostre diretamente prevista no número 1 do artigo 329.º do CT/2009, tal regra deixa por solucionar as questões referentes ao decurso do prazo de 60 dias para a instauração do procedimento disciplinar ou de 1 ano para a sua conclusão, gerando a aplicação cega de tais prazos a cenários como o aqui analisado, situações irrazoáveis, absurdas (nas palavras do Dr. PEDRO FURTADO MARTINS) e injustas que não podiam ter sido queridas pelo legislador laboral.
Impõe-se, no entanto, realçar o seguinte: essa dupla natureza disciplinar e criminal, ainda que alargue o referido prazo prescricional do número 1 do artigo 329.º do CT/2009, não tem necessariamente de implicar ou acarretar idênticas consequências no que concerne aos demais prazos daquela disposição, pois a circunstância de as condutas do trabalhador estarem ou poderem vir a ser investigadas criminalmente não obsta, em regra, a que a entidade empregadora possa fazer a sua investigação e prova interna e completa desses mesmos factos no âmbito do procedimento disciplinar (aqui encarado em termos latos) e, nessa medida e sequência, proceder, objetiva e plenamente, de consciência absolutamente tranquila, ao despedimento daquele ou ao seu sancionamento com outra pena, conservatória do vínculo laboral.
Logo, entendemos que as questões acima suscitadas se colocam fundamentalmente em situações de natureza disciplinar em que a entidade empregadora não possui autonomia essencial e suficiente de índole probatória e/ou decisória, por estar, por exemplo, verdadeiramente dependente da decisão penal definitiva (pense-se no caso de faltas dadas pelo trabalhador por força da suspensão preventiva de funções determinada no inquérito criminal, no final do seu primeiro interrogatório de arguido detido, ou de prisão preventiva) ou de elementos fundamentais para a prova dos factos que não estão em seu poder nem lhe são acessíveis, por serem reservados e produzidos em sede criminal ou noutra subordinada a sigilo, havendo ainda que ponderar, no que toca a esta segunda hipótese, se com tal suspensão existirá a possibilidade futura de os vir a obter ou conhecer.
Nessa medida, admitimos também nós, conjuntamente o Dr. PEDRO FURTADO MARTINS [[7]] e a jurisprudência nele citada (cf. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/4/2005, Processo n.º 6108/2004-4, relator: Duro Mateus Cardoso, publicado em www.dgsi.pt) que o procedimento disciplinar, em casos de concorrência potencial com o processo-crime, possa ser suspenso, com a inerente suspensão do dito prazo de prescrição do artigo 329.º, número 3 do CT/2009, nas condições e circunstâncias acima enunciadas.
E no que concerne ao prazo de caducidade de 60 dias, ficará o mesmo suspenso e dependente da queixa-crime que vier a ser feita dentro dos 6 meses penalmente exigidos, para os crimes semipúblicos, assim como da dedução da acusação para os crimes particulares ou, finalmente, da despronúncia em fase instrutória ou da sentença transitada em julgado em qualquer tipo de infração que tenha alcançado essa fase de julgamento?
Especificando melhor a dúvida colocada, não deverá nem poderá correr tal prazo de caducidade desde o momento em que, legalmente, a entidade empregadora esteja em condições de avançar com o inquérito prévio ou com a formulação da Nota de Culpa contra o trabalhador visado até que, no tribunal penal, seja dada uma resposta definitiva ao procedimento criminal instaurado contra esse mesmo trabalhador através da sua condenação ou absolvição pelo crime ou crimes que lhe forem aí imputados e que estiverem na base da ação disciplinar (ainda que suspensa) da entidade empregadora?
A ser assim, a entidade patronal nem sequer está obrigada a desencadear o dito procedimento disciplinar, quer por via do inquérito prévio do artigo 352.º do CT/2009 ou do desencadeamento, em sentido estrito, do processo disciplinar, com a decisão inerente por parte do órgão detentor do poder disciplinar, nomeação do correspondente instrutor, eventual instrução e posterior envio da Nota de Culpa ao trabalhador arguido, com a simultânea comunicação da sua intenção de despedimento (dado ser este ato que interrompe a contagem do prazo de caducidade nessas hipóteses de aplicação da sanção não conservatória do vínculo laboral)?
E caso se aceite tal suspensão prejudicial ou condicional desse prazo de caducidade, até onde se admite, em termos temporais, essa suspensão, até por referência aos limites impostos pelo prazo prescricional do eventual ou potencial crime também em presença [[8]]?
Talvez não seja despiciendo recordar que, subjacentes ao regime legal da ação disciplinar laboral, estão princípios de oportunidade, eficácia, celeridade, segurança jurídica e paz social que ficam necessariamente afetados por força do aumento legal dos prazos previstos no quadro daquele regime legal e que já tivemos ocasião de enunciar.
Se quisermos complicar ainda mais os dados do problema, bastará introduzir na equação a medida cautelar de suspensão preventiva do trabalhador prevista no artigo 354.º do CT/2009 e que, muitas vezes se impõe por si mesma, face aos comportamentos potencialmente criminosos que se mostram indiciados e que foram praticados pelo trabalhador (pense-se em furtos, abusos de confiança, venda de segredos de fabrico, assédios sexuais, atos reiterados de violência física ou mesmo verbal, etc.); ora, tal regra, ainda que devidamente adaptada às circunstâncias do caso concreto, parece impor a instauração subsequente do procedimento disciplinar.      
Facilmente se deduz destas dúvidas e perplexidades que não é fácil nem inequívoca a solução a dar a uma hipótese como a vivida neste procedimento cautelar de suspensão de despedimento: convergência sobre os mesmos factos de imputações simultâneas de cariz disciplinar e criminal, sendo a mera qualificação jurídico-penal em termos abstratos e eventuais suficiente para alargar o prazo prescricional de perseguição disciplinar e, por arrastamento, a referida suspensão do prazo de prescrição da duração ou pendência do procedimento disciplinar, como já antes defendemos [[9]].
Afigura-se-nos, contudo, que, em tais situações e para efeitos de caducidade, o procedimento disciplinar tem de ser instaurado dentro do prazo e nas circunstâncias e condições legalmente permitidas (quer por via do inquérito prévio, quer da instauração do procedimento disciplinar stricto sensu), só após se admitindo a sua suspensão.
O autor acima referido sustenta, a este respeito, o seguinte:
«Quanto ao prazo dos 60 dias para enviar a nota de culpa, admitimos que não seja afastado pelo prazo de prescrição da lei penal, mas ter-se-á de consentir ao empregador que suspenda o andamento do procedimento como a seguir se explica»         
O Dr. PEDRO FURTADO MARTINS, em nota (51) ao texto que acabámos de transcrever alerta para a alteração de posição que nesta matéria assumiu:
«Revemos a posição que expressamos quanto ao ponto na 2.ª Edição deste texto (p. 195), no sentido de também se suspender o prazo para iniciar o procedimento disciplinar. Uma vez conhecida a infração e o respetivo autor admitimos que o empregador tenha de reagir dentro de 60 dias, evidenciando que não releva o comportamento e que o considera suscetível de comprometer a continuidade da relação de trabalho. Mas, sendo o mesmo comportamento objeto de procedimento criminal, o procedimento disciplinar pode ser suspenso enquanto aquele decorre».
Ora, conforme ressalta dos autos, o Requerido BBB, nem sequer abriu inquérito prévio, nos termos do artigo 352.º do CT/2009, dentro do prazo de 60 dias após o referido seu Vice-Governador se ter inteirado dos factos mínimos e suficientes para acionar o sinal de alarme disciplinar do Apelante, quanto mais o procedimento disciplinar propriamente dito (que depois, em tese, poderia então ser suspenso nos moldes antes mencionados).
Se nos é permitido ir um pouco mais longe na nossa análise, diremos mesmo que não nos parece que o BBB necessitasse sequer de aguardar, para efeitos probatórios ou até decisórios, pela conclusão do referido processo-crime instaurado contra o Requerente, conforme ressalta aliás e desde logo do próprio e muito tardio procedimento disciplinar junto aos autos, dado se ter produzido aí a prova interna que se entendeu por necessária e suficiente à apreciação disciplinar do comportamento do trabalhador, assim como se prosseguiu aquele e se despediu com base em justa causa o trabalhador, sem que para tal se carecesse de quaisquer elementos probatórios que constassem naqueles autos criminais ou de aguardar pela correspondente decisão penal definitiva (pelo menos em termos fácticos).
Logo, pelo conjunto de razões deixadas expostas, esta Apelação do recorrente tem de ser julgado improcedente, confirmando-se a caducidade do procedimento disciplinar desencadeado contra o trabalhador recorrido.

D–OBJETO DA APELAÇÃO SUBORDINADA DO REQUERENTE – QUESTÕES DE DIREITO

O Requerente veio suscitar as seguintes questões no seu recurso de Apelação subordinado:
«F)– O Relatório Final, aliás com data posterior ao que consta do processo disciplinar é o único válido, tendo sido esse que manifestamente foi objeto de defesa com a nota de culpa, dois documentos que foram entregues e sobre os quais se pronunciou;
G)– Desde a primeira hora o trabalhador perante uma comunicação de uma carta dizendo que não ia ser despedido, um relatório final em que se avisava o seu possível despedimento, e um relatório que submetia à apreciação do Banco a eventualidade desta sanção, quis saber qual o despacho proferido em sede de inquérito, para ver que documento daqueles respeitava a vontade do empregador.
H)– Tal decisão de instauração só foi integrada nos autos muito depois e aliás determinou o não conhecimento oportuno e é, como bem salienta a decisão recorrida, meramente confirmativa do teor do relatório.
I)– Ora como se viu este remetia, como de resto é normal, essa decisão para o empregador.
J)– Verifica-se portanto, que não só foi comunicado ao trabalhador que não era intenção proceder ao seu despedimento, e como tal preclude o direito de vir a aplicar esta sanção no processo disciplinar em causa.
K)– Mas também que não era possível ao trabalhador, face à inusitada existência de dois (2) relatórios finais, tendo em consideração o teor daquele a que se referiu na sua resposta e único que pode ser subsistente até por posterior, pudesse aquele entender desmentido o que lhe tinha sido comunicado expressamente ao contrário do decidido.
L)– Mais sempre seria no caso impossível esse juízo “de suprimento” concedido na decisão recorrida, já que, como comprovado, o despacho de instauração apenas foi junto muito tardiamente nos autos.
M)– Todos os factos apurados no processo prévio de inquérito já estavam de há muito no conhecimento da entidade empregadora, quer por comunicação expressa do trabalhador em 2014, quer no relatório de inquérito interno sobre pedidos de informação da (…), pelo que sendo o mesmo manifestamente desnecessário sempre ocorreria a caducidade decretada em primeira instância, por mais não se ter visado do que diferir o apuramento de responsabilidade e início do processo disciplinar.
N)– E era não só desnecessário como foi, certamente com o mesmo propósito conduzido de forma manifestamente negligente e dilatória.
O)– O ora recorrente, com base nos fatos alegados, e tendo por base apenas a prova documentada, invocou a manifesta desproporcionalidade da sanção de despedimento que lhe foi aplicada.
P)– Assim e contrariamente ao que foi considerado em primeira instância, havia que ponderar e decidir essa questão, a qual a par de todas as demais suscitadas, impõe a procedência integral do presente recurso e a confirmação da decisão proferida.
Com o que se fará justiça que não deixará de considerar haver nestes autos fundamento bastante para que se imponha a indemnização por litigância de má-fé que acima vai impetrada, o que tudo corresponde à melhor JUSTIÇA!»
Mostrando-se já confirmada a sentença recorrida no que concerne à caducidade da ação disciplinar do BBB e ao decretamento da suspensão de despedimento de que foi alvo o aqui recorrente (por o mesmo ser juridicamente ilícito, diremos, no que toca às demais questões, confusa e equivocamente suscitadas pelo trabalhador e que são de natureza formal e procedimental, que concordamos com a decisão prolatada pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa no que respeita a tais aspetos, pois muito embora se possa considerar o procedimento disciplinar (também) algo confuso e equívoco, ressalta do mesmo, com suficiente objetividade e clareza, a sua tramitação (mesmo que extemporânea), com a inerente instauração de inquérito, averiguação, relatório, decisão de prosseguimento do mesmo, acusação, defesa, instrução, relatório e decisão final, sendo seguro que as comunicações que envolveram a Nota de Culpa e depois a Decisão de Despedimento com justa causa sempre manifestaram tal intenção por parte do aqui recorrido (afigura-se-nos mesmo que o Apelante procura aproveitar-se de um erro de escrita numa comunicação errónea que lhe foi entregue para construir uma parte da sua defesa, mesmo que os demais elementos escritos infirmem e minimizem tal lapso de escrita).
Se passarmos pelo crivo do artigo do artigo 382.º, número 2, do CT/2009 essas pretensas irregularidades, verificamos que nenhuma delas se mostra realmente tipificada nas diversas alíneas desse dispositivo legal, conforme se mostra sustentado na argumentação jurídica da sentença impugnada.
No que toca à apreciação substancial da provável inexistência de justa causa, nos termos e para os efeitos do artigo 39.º, número 1, alínea b) do Código de Processo de Trabalho e ainda que a devida, circunstanciada e suficiente alegação dessa matéria pelo demandante não nos pareça evidente e líquida, sempre se dirá que a interpretação que a julgadora do tribunal da 1.ª instância fez do Requerimento Inicial deste procedimento foi no sentido de que o trabalhador não pretendia discutir essa problemática - «Neste caso, e tal como o presente procedimento cautelar está configurado, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre a verificação da justa causa para o despedimento, cabendo-lhe apenas formular um juízo de legalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, do despedimento» -, não tendo, nessa medida, a sentença recorrida se debruçado e decidido acerca dela.
Ora, se o propósito expresso no referido articulado inicial era de facto também debater tal justa causa, verifica-se, no entanto, que o Apelante não arguiu oportuna e formalmente a respetiva nulidade de sentença por omissão de pronúncia (artigo 615.º, número 1, alínea d) do NCPC), sendo que tal irregularidade adjetiva não é de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Mais.
Não houve lugar a Audiência Final, nem a produção de prova testemunhal ou outra (cf. a este respeito o artigo 35.º do Código de Processo de Trabalho), dado que, como consta do Relatório do presente Acórdão «A Audiência Final decorreu com observância do legal formalismo, tendo sido dispensada a prova testemunhal e relegadas as alegações de direito para os articulados».
Ora, da factualidade que se mostra dada como assente na sentença recorrida, inexistem quaisquer factos que respeitem diretamente à justa causa que esteve na base do despedimento do recorrente, sem que este, por seu turno, tivesse vindo impugnar aquela no que toca à factualidade dada como provada, não provada e desconsiderada.
Em rigor, não tendo sido produzida qualquer prova testemunhal ou declarativa, o tribunal só se pode basear no acordo e confissão das partes e nos documentos juntos aos autos, não possibilitando tais elementos probatórios qualquer menção aos factos que integraram o referido fundamento de despedimento do trabalhador, o que dificultaria ou impossibilitaria mesmo essa impugnação.    
De qualquer maneira, tal significa que o presente procedimento cautelar, com o quadro fáctico que ficou definitivamente assente, impede este tribunal de recurso de analisar e julgar tal problemática da justa causa, por falta absoluta de elementos de facto.
Resta-nos abordar o pedido de condenação do Requerido BBB como litigante de má-fé, nos termos dos artigos 542.º e 543.º do NCPC, para dizer que não vislumbramos na conduta processual daquele os elementos típicos mínimos integradores de tal instituto sancionatório, dado o Apelante se limitar a defender uma determinada interpretação dos factos dados como indiciariamente assentes que lhe é mais favorável, em função das normas jurídicas de cariz laboral que são aplicáveis à situação em apreço, cenário esse que merece a natural discordância do Requerente, quer em termos de leitura do conteúdo, sentido e alcance dessa mesma factualidade, como dos efeitos jurídicos da mesma decorrentes.             
Sendo assim, pelos fundamentos exposto, julga-se improcedente o recurso subordinado do Requerente, assim se confirmando a sentença recorrida.  

IV–DECISÃO 
                  
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 40.º e 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a)- Em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por BBB, na sua vertente jurídica, confirmando-se assim a sentença recorrida; 
b)- Em julgar improcedente o recurso subordinado de apelação interposto por AAA na sua vertente jurídica, confirmando-se assim a sentença recorrida.
 
Custas a cargo dos Apelantes - artigo 527.º, número 1, do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.


Lisboa, 26 de setembro de 2018     



(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)



[1]Tal sentença viu o seu relatório e matéria de facto – Ponto 23, que foi excluído - retificados por despacho de fls. 288 e 289, de 8/5/2018, com o seguinte teor:
«Compulsados os autos constata agora a signatária que a sentença padece de dois lapsos que importa corrigir e pelos quais desde já se penitencia.
No relatório onde se lê “em sede de audiência final, com observância do formalismo legal, foram arroladas testemunhas e inquirido o legal representante da requerida à matéria indicada”, deve ler-se “em sede de audiência final, com observância do formalismo legal, foi dispensada a prova testemunhal e relegadas as alegações de direito para os articulados”.
Trata-se de um mero lapso de escrita, revelado da própria leitura da acta e que decorre da utilização de elementos informáticos.
Nos factos considerados provados o facto 23. deve ser considerado não escrito, uma vez que é vago, conclusivo e não foi considerado aceite pelo Requerido. Na verdade, a ora signatária trabalhou informaticamente os factos provados com base no elenco dos factos aduzidos no requerimento do requerente e na oposição do Requerido e, manifestamente por lapso, manteve este facto nos factos provados quando tal não faria sentido. Facilmente se percebe que tal facto não poderia ser aceite pelo Requerido, nem manter-se o facto redigido desta forma. Perguntar-se-ia que factos eram do conhecimento, desde quando e quais os “todos” ali considerados. Manifestamente tratou-se de um lapso, resultante da cópia informática de factos que depois, lamentavelmente, não foram correctamente apagados na versão final da sentença.
Em ambos os casos estamos perante meros lapsos de escrita, decorrentes da utilização de elementos informáticos e que dão lugar à sua simples correcção (artigo 249.º, do Código Civil), nos termos do disposto no artigo 614.º, do Código de Processo Civil.
Assim, proceda à correcção nos termos atrás referidos, lavrando nota no local próprio.
Notifique».
[2]Tal sentença sustentou-se na seguinte argumentação jurídica:
«O procedimento cautelar de “Suspensão de Despedimento” regulado nos artigos 34.º a 40.º do Código de Processo do Trabalho é uma providência cautelar de natureza antecipatória (com referência ao disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Civil, norma de âmbito geral, que as classifica como providencias conservatórias ou antecipatórias), que confere ao trabalhador o direito à reintegração no seu posto de trabalho se tiver sido impedido de o manter por atuação ilícita da sua entidade empregadora, reconstituindo-se, assim, em termos provisórios a relação jurídica laboral até então existente.
Nos termos do artigo 39.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho a Suspensão do Despedimento é decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo ou se o Tribunal, ponderadas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.
Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que no procedimento cautelar de suspensão de despedimento o tribunal não tem de se pronunciar sobre se existe ou não justa causa de despedimento, mas apenas formular um juízo de probabilidade, segundo os dados fornecidos, designadamente à luz do processo disciplinar, sobre se os factos atribuídos ao trabalhador são, ou não, suscetíveis de integrar a justa causa de despedimento (Ac, R. L. de 9/06/04, Relatora Desembargadora Paula Sá Fernandes in www.dgsi.pt, onde se faz alusão aos Ac. STJ de 29/05/81, BMJ, 307-164; Ac. R. Lisboa de 17/05/95, in CJ Tomo III, pág. 186.).
Assim, “a suspensão do despedimento só é atendível quando for flagrante a inadequação do despedimento à falta ou faltas verificadas e, desde logo, se possa concluir pela inexistência da justa causa de despedimento” (Ac. R. L. de 9/06/04, Relatora Desembargadora Paula Sá Fernandes in www.dgsi.pt).
Haverá, ainda, que considerar a distribuição do ónus de prova. Pertencendo ao trabalhador a prova do despedimento que invoca, e recaindo sobre a entidade empregadora a prova da legalidade desse despedimento, com apresentação do processo disciplinar sem vícios e com a prova de factos que consubstanciem a justa causa de despedimento, cabendo, por sua vez, ao trabalhador convencer o tribunal que existe uma probabilidade séria da insuficiência da prova apresentada no âmbito do processo disciplinar, ou que os factos que lhe são imputados sejam em si mesmo insuficientes” (acórdão supra citado).
Neste caso, e tal como o presente procedimento cautelar está configurado, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre a verificação da justa causa para o despedimento, cabendo-lhe apenas formular um juízo de legalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, do despedimento.
Tendo o despedimento sido precedido de processo disciplinar importa verificar se o procedimento enferma de alguma circunstância que o invalide ou se da análise do mesmo não se pode concluir, cautelarmente pela existência de justa causa para o despedimento.
O requerente apenas vem pôr em causa, no âmbito da presente providência, a validade formal do processo pelo que será apenas esse o objeto de análise da presente decisão.
De acordo com o disposto no artigo 353.º, do Código do Trabalho, nos casos em que se verifique algum comportamento suscetível de integrar justa causa mencionada no artigo 351.º, do mesmo código, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respetivas infrações, a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, sendo certo que tal comunicação interrompe os prazos previstos no artigo 329.º do código.
Ora, no caso dos autos, o Requerente alega que a carta que lhe foi entregue para assinar, embora não tenha ficado com uma cópia em seu nome, dizia expressamente que a entidade patronal não tinha intenção de proceder ao seu despedimento (o que resultou provado) e alega então que a decisão de despedimento no decurso do processo disciplinar é, por isso, ilegal. O Requerido, em sede de oposição, reconhece que a carta assinada pelo Requerente continha a informação que não havia intenção de despedimento mas na verdade tal carta foi um lapso, não deveria ter sido apresentada ao Requerente, o que foi detetado a tempo de não lha entregarem, razão pela qual não ficou com uma cópia da mesma. E acrescenta que de qualquer maneira não restaram dúvidas ao trabalhador uma vez que da nota de culpa que lhe foi entregue constava expressamente a intenção de despedimento (o que resultou provado). Tanto mais que o Requerente, na sua resposta a nota de culpa, alegou que os factos que lhe eram imputados não traduziam justa causa de despedimento (o que também resultou provado), o que só faria sentido afirmar se tivesse conhecimento de que existia tal intenção.
O que o legislador pretendeu com a comunicação da intenção de despedir foi que o trabalhador seja posto de sobreaviso, de modo explícito, quanto ao possível despedimento, não sendo, no entender deste Tribunal, necessário que haja uma comunicação especial, em separado, bastando que tal intenção conste da nota de culpa. Em sentido literal o legislador fez constar que “o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado, a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados” (artigo 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho) e que “o procedimento é inválido se faltar a nota de culpa (…) e se faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa (…)” (artigo 382.º, n.º 2, als. a) e b), do Código do Trabalho). Não concordamos com o trabalhador quando alega que só se for uma comunicação à parte da nota de culpa, em folha separada (é esta a questão?), estará cumprida a legalidade. O objetivo é que o trabalhador tenha clara perceção que é intenção do empregador proceder ao seu despedimento na sequência do procedimento disciplinar em curso. O que entendemos que está garantido quando da nota de culpa tal intenção consta expressa, como no caso dos autos, logo no primeiro parágrafo daquela. A expressão “junta à nota de culpa” não pode querer dizer, “junta mas em folha separada”. O Tribunal entende que a intenção de despedimento ser “junta” tem que significar não misturada com os factos circunstanciados que são o corpo da nota de culpa, mas articulada/ligada/próxima desta. Suficientemente próxima para se perceber que decorre daqueles factos, mas não tão junta que não se compreenda para além dos factos. Uma vez que no caso dos autos a nota de culpa informa, logo no primeiro parágrafo e antes de dar início à descrição dos factos que é imputada ao trabalhador, a intenção de despedimento não entendemos que possa ser posta em causa a legalidade do procedimento por não ter havido uma carta, à parte, entregue ao Requerente, onde constasse tal intenção.
Mais, o facto de ter o Requerente recebido uma carta que dizia o contrário, que não era intenção de proceder ao despedimento, deveria, no mínimo, a haver, ter suscitado a dúvida ao trabalhador que poderia desde logo ter questionado o Requerido, ou pelo menos o Instrutor do processo seu interlocutor, o que não sucedeu. Sendo certo que do processo disciplinar consta que houve muitas e frequentes interpelações ao Sr. Inspetor por parte da Il. Mandatária do Requerente, mas tal questão não foi suscitada. E para culminar, a resposta do trabalhador à nota de culpa, foi clara no sentido de entender que não se verificavam os pressupostos para a decisão de despedimento, o que permite ao Tribunal concluir que o trabalhador tinha perfeito conhecimento de tal intenção.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, o Tribunal entende que não se encontra verificada qualquer ilegalidade do procedimento disciplinar por força dessa (formal) falta de comunicação da intenção de despedir.
Quanto à data em que o processo disciplinar foi disponibilizado e a eventual violação dos prazos legais entendemos que mais uma vez as garantias de defesa do trabalhador não foram postas em causa. Na verdade, o Instrutor do processo foi claro em afirmar à Il. Mandatária do trabalhador que o seu prazo para resposta à nota de culpa não se contava com a partir da notificação desta mas sim da data da disponibilização do processo na íntegra, o que aconteceu algum tempo depois. Assim, uma vez que não foi beliscado o direito de defesa do arguido/trabalhador, porquanto o mesmo gozou de todos os prazos para resposta apenas quando estava na total posse da informação necessária (do processo disciplinar) entende o Tribunal que também aqui não existe qualquer ilegalidade.
Invoca ainda o Requerente que na deliberação de instauração do procedimento disciplinar proferida pelo Conselho de Administração do Requerido não constaria a intenção de se proceder ao seu despedimento, mas, tal como o Requerido, o Tribunal entende que não lhe assiste razão.
A deliberação do Conselho de Administração do Requerido quanto à instauração do procedimento disciplinar não se limitou a aprovar a instauração de um procedimento disciplinar ao Requerente, constando ainda da mesma, como resulta dos factos provados, que a deliberação foi tomada “nos termos e com os fundamentos constantes do relatório final elaborado pelo instrutor do procedimento”.
Ora, no relatório final em causa foi proposta a instauração de procedimento disciplinar, mediante a dedução da correspondente nota de culpa, com a intenção de proceder ao despedimento do Requerente. Resulta assim do exposto que a deliberação do Conselho de Administração do Requerente, ao determinar a abertura de procedimento disciplinar nos termos propostos no relatório final, no qual foi proposta a instauração de processo disciplinar com intenção de proceder ao despedimento, inclui esta mesma intenção. Concordamos assim com o Requerido quando diz que é indubitável que foi deliberada pelo Conselho de Administração do Requerido a intenção de proceder ao despedimento do Requerente pelo que improcede esta alegação do Requerente.
Quanto à caducidade do procedimento.
O Requerente invoca a caducidade do exercício do poder disciplinar, por alegadamente terem decorrido mais de 60 dias desde a data do conhecimento dos factos que lhe foram imputados na nota de culpa e a sua dedução.
Nos termos do artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, da Cláusula 104.ª, n.º 1, dos Acordos de Empresa em vigor no Banco de Portugal e da Cláusula 116.ª, n.º 1, do Acordo Coletivo de Trabalho em vigor na data da prática dos factos, o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infração.
Como decorre dos normativos referidos, o prazo de 60 dias é um prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais e inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento do mesmo.
Em regra, tal prazo suspende-se apenas com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador, mas a sua suspensão pode ocorrer antes se a entidade empregadora tiver instaurado processo prévio de inquérito e este se tiver mostrado necessário para fundamentar a nota de culpa e se tiver sido conduzido de forma diligente, nos termos já referidos. Neste caso, a suspensão ocorre na data em que o processo de inquérito tiver sido instaurado.
Tratando-se de um prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar, é sobre o trabalhador que recai o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir que aquele prazo já tinha decorrido quando recebeu a nota de culpa, uma vez que se trata de um facto constitutivo da pretensão de declaração de ilicitude do despedimento (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Todavia, caso a entidade empregadora alegue que a suspensão do prazo de caducidade ocorreu antes da notificação da nota de culpa, pelo facto da elaboração desta ter sido precedida de processo prévio de inquérito, sobre ela recairá, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus de alegar e provar não só a realização e a necessidade do inquérito, mas também o de alegar e provar que o mesmo foi iniciado e conduzido de forma diligente, isto é, que não mediaram mais de 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito, nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa, uma vez que estes factos são constitutivos da suspensão por ela invocada.
Na caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo dentro do qual ou a partir do qual, há-de exercer-se o direito, por imposição da lei ou vontade negocial. O prazo, na caducidade, é condição de admissibilidade e procedibilidade, por ser elemento constitutivo do direito.
A caducidade encontra o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas.
O prazo de caducidade é um prazo prefixo que, pressupondo o interesse na rápida definição do direito, não se compadece com dilações, não comportando a paralisação do direito.
Assim, por determinação legal expressa, exceto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem [artigo 328.º do Código Civil].
E, também por essa razão – o interesse na rápida definição do direito - são sempre mais curtos que os prazos de prescrição.
O decurso do prazo de caducidade provoca a extinção ou a perda da prerrogativa de realizá-lo. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1 do Código Civil). Pelo que, a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o ato que tenha efeito impeditivo.
Tal como resulta dos factos considerados provados os superiores hierárquicos do Requerente tiveram conhecimento dos factos, pelo menos, a 9 de Outubro de 2014. No entanto também é certo que tais chefias não tinham competência disciplinar, porque a mesma não lhes havia sido delegada pelo Conselho de Administração do BBB, situação que se mantém até à presente data, único órgão com a referida competência, por imposição legal.
Poder-se-ia neste momento discutir a questão de haver várias pessoas, com funções de responsabilidade no Requerido, com conhecimento do ocorrido e que deveriam ter comunicado tal a quem teria competência para agir, já que elas não a tinham, e que nada fizeram, nessa medida “prejudicando” o trabalhador.
[O Tribunal entende, também pelas razões aduzidas supra, que o cumprimento de um prazo (curto) de caducidade acaba por beneficiar o trabalhador/infrator pelo que o mesmo deve ser escrupulosamente cumprido.]
No entanto, atenta a clareza da Lei e da Jurisprudência no sentido de entender que o início da contagem do prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar só ocorre com o conhecimento da prática da infração por parte do Conselho de Administração do BBB (órgão com competência disciplinar) entende o Tribunal que não deve “perder tempo” neste momento com a discussão do conhecimento dos factos por parte das chefias hierárquicas do Requerente ou do Consultor de Ética, destituídos de competência disciplinar.
Para além do supra exposto resulta também que o Sr. Vice-Governador, Dr. (…), soube, ainda em 2014, que um colaborador, sem que soubesse quem em concreto, havia procedido à venda de títulos (sem que soubesse de que tipo) na sequência da sua nomeação para o grupo que estaria envolvido com o processo de resolução do (…).
Defende o Requerido que para que tenha lugar o início da contagem daquele prazo exige-se o conhecimento de factos que possam constituir a prática de infração disciplinar e do seu autor, pelo que as informações transmitidas verbalmente ao Senhor Dr. J...R..., em 2014, data em que exercia funções de Vice-Governador do BBB, seriam manifestamente insuficientes para que se pudesse dar por verificado aquele conhecimento.
Na verdade, não foi transmitida nem a natureza dos títulos, nem a identificação do colaborador que os teria alienado, nem as circunstâncias concretas da mesma alienação, razão pela qual, aliás, o Senhor Dr. (…) solicitou que se procedesse a uma melhor averiguação do sucedido, pois a informação prestada não era de molde a permitir uma conclusão sobre a existência de suspeitas da prática de infração disciplinar. Acrescenta ainda que numa instituição com a dimensão do BBB, não bastaria, nunca, uma conversa informal de corredor, entre duas reuniões, para se considerasse que o órgão com competência disciplinar havia adquirido um conhecimento cabal dos factos.
Neste conspecto adiantamos desde já que entende o Tribunal não ter razão o Requerido.
Na verdade o órgão com competência disciplinar, ou uma das pessoas que o integra, o que para o caso basta, toma conhecimento, em 2014, de que um colaborador do Requerido praticou um ato potencialmente ilícito e como tal potencialmente “desencadeador” de um processo disciplinar. No entanto aquando da tomada de conhecimento nada faz. Entende o Tribunal que o Sr. Vice-Governador não dá, na altura, suficiente importância a tal informação para que desencadeasse qualquer outro comportamento para além de dizer para que as chefias do Departamento e o Consultor de Ética tratassem da questão.
Ora, o Requerido alega que o Sr. Vice-Governador não sabia quem era o colaborador e em concreto os pormenores do que fez. Mas a verdade é que não sabia nem quis saber. Nada fez, ou tentou fazer (e teria sido tão simples quanto fazer uma pergunta no imediato, na tal conversa à margem da reunião, ao seu interlocutor) para colmatar as faltas de informação que teve. Ou seja, o Sr. Vice-Governador não deu importância à informação para se interessar por a desenvolver, na altura, mas mais tarde entendeu que a informação era tão mais interessante quanto a gravidade da mesma que originou um processo disciplinar que terminou com o despedimento de um funcionário, aparentemente, exemplar. Explicando, o Tribunal entende que o Sr. Vice-Governador não soube todos os pormenores necessários a dar início a um processo disciplinar em 2014 (por falta da identificação do colaborador) mas soube pelo menos os suficientes para lhe “aguçar a curiosidade” e desencadear, se necessário, um processo prévio de inquérito de imediato, o que optou por não fazer. Quando lhe transmitem a informação (ainda que mais ou menos vaga) do ocorrido não entendeu ser suficientemente grave para lhe dar a devida atenção mas mais tarde já foi suficientemente grave (só por ter conhecimento do nome? Ou da qualidade dos títulos alienados?) para despedir o trabalhador.
Entende o Tribunal que os factos relatados ao Sr. Vice-Governador eram suficientes para dar início ao processo disciplinar, ou pelo menos ao processo prévio de inquérito (que também faria suspender o decurso do prazo de caducidade), o que não aconteceu por inércia do próprio, ou seja, por inércia do órgão com competência disciplinar do Requerido. Inércia essa que não pode servir de fundamento ao próprio Requerido, três anos mais tarde, para alegar que não soube antes do ocorrido. Estar-se-ia praticamente perante uma situação de abuso de direito no entender do Tribunal. O órgão com competência disciplinar soube da prática do facto em 2014, não atuou na altura, nem perguntando simplesmente quem tinha vendido os referidos títulos, resposta que lhe teria sido prontamente dada, e vem depois “agarrar-se” ao facto de que só soube do facto em 2017 para apenas nesse ano ter dado início ao processo prévio de inquérito e ao processo disciplinar. Entende este Tribunal que não. Não pode valer tal argumento.
Assim, e em síntese, considera o Tribunal que os factos que fundamentaram a decisão de despedimento do Requerente chegaram ao conhecimento do Conselho de Administração do Requerido em 2014, muito mais de 60 dias antes da notificação da nota de culpa, pelo que tem de proceder a alegada caducidade do exercício do direito disciplinar.
Dispõe o artigo 382.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs. 1 e 2 do artigo 329.º.
Ora, tendo em conta o constante nas normas supra expostas e o que se apurou indiciariamente, no âmbito destes autos, julga-se que foi violado o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, encontrando-se, assim, o despedimento em causa nos presentes autos ferido de ilicitude pelo que o Tribunal julga que a presente providência deverá ser deferida, sem necessidade de conhecer das demais questões»
[3]Em «Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho» - Novo regime – Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, fevereiro de 2010, Almedina.
[4]«Nos termos do art.º 410.º, n.º 4, do Cód. do Trabalho, "a providência cautelar de suspensão de despedimento de trabalhador membro de estrutura de representação coletiva de trabalhadores só não é decretada se o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria de verificação da justa causa invocada". – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O N.º 62.
[5]«Nos termos do n.º 7 do art.º 63.º do Cód. do Trabalho, "a suspensão judicial do despedimento só não é decretada se o parecer for favorável ao despedimento e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de existência de justa causa".» – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O N.º 63.
[6]«Cfr. o Ac. da Rel. de Évora, de 23-5-00, CJ, tomo III, pág. 288, os Acs. da Rel. de Coimbra, de 14-11-89, CJ, tomo V, pág. 97, e de 26-1-88, CJ, tomo I, pág. 96, e o Ac. da Rel. do Porto, de 17-12-90, BMJ 402.°/670.
Nos termos do n.º 4 do art.º 387.º do Cód. do Trabalho, "em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação dos vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento". Porém esta norma não é de aplicar no procedimento cautelar, onde apenas se pede ao juiz que formule um juízo de probabilidade sobre a existência de despedimento ilícito, e não que afirme, mesmo em termos de probabilidade, a sua licitude.»» - – NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO COM O N.º 64.
[7]Em «Cessação do Contrato de Trabalho», 4.ª Edição Revista e Atualizada, setembro de 2017, PRINCIPIA, páginas 184 e seguintes, com especial incidência para páginas 192 e seguintes, sobre a «suspensão do procedimento».
[8]O Dr. PEDRO FURTADO MARTINS, quanto ao limite para tal suspensão, por referência ao procedimento disciplinar, afirma na obra e local citados que «Pela nossa parte, consideramos que a suspensão é admissível sempre que a decisão do processo-crime constitua uma decisão prejudicial, designadamente por versar sobre factos idênticos aos que estão na base do procedimento disciplinar. Nessas situações, julgamos que se deve consentir a suspensão, pelo menos até que na ação penal estejam fixados sem possibilidade de recurso, os factos de cuja prática o trabalhador tenha sido acusado, quer no despacho de pronúncia quer na nota de culpa. Recusar essa possibilidade abre a porta a situações verdadeiramente inadmissíveis, como seja a de, já em sede de impugnação judicial do despedimento, o tribunal vir a considerar que não foram demonstrados factos que se deram por provados em processo-crime.»
Temos dúvidas quanto ao preciso limite dessa suspensão, que variará, parece-nos, consoante a situação concreta em presença, não deixando, contudo, de se chamar à colação nesta matéria os artigos 623.º e 624.º do NCPC e as regras de cariz criminal e processual penal que regulam o correspondente direito probatório e o seu conhecimento por terceiros com interesse relevante, como será o caso da entidade empregadora.        
[9]Cf., neste sentido, PEDRO FURTADO MARTINS, obra citada, páginas 188 a 190 e a jurisprudência aí referenciada.