Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
163/20.9T8VLS.A-L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO
ESTADO COMO ADQUIRENTE
ADMISSIBILIDADE
EXPROPRIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– A usucapião é um instituto jurídico do qual decorre a aquisição originária de um direito real, a favor de quem detenha a sua posse (com “corpus” e “animus possidendi”) e por seu impulso, por um período de tempo determinado (dependendo de ser bem móvel ou imóvel, de boa ou de má fé), perante a total inacção do proprietário, sendo, como tal, não um ataque à propriedade, mas um tributo à posse.

II– A usucapião tem funções de consolidação de uma situação de facto, de regularização da ordem jurídica e de prova, não sendo confundível com a expropriação, na qual o Estado surge com poderes de autoridade e por motivos de utilidade pública, tendo de pagar uma “justa indemnização”.

III– No caso da usucapião, o Estado está ao nível de qualquer particular, sujeito exactamente às mesmas regras.

IV– Pode usucapir quem possa possuir, pelo que o Estado, como qualquer particular ou pessoa colectiva, pode ser beneficiário de usucapião, desde que reúna todos os seus requisitos (praticando os actos de posse adequados pelo tempo necessário), sem que isso torne os artigos 1287.º e seguintes do Código Civil inconstitucionais.

V– A usucapião está justificada por interesses de ordem pública, ligados à certeza, definição, estabilidade e segurança jurídicas, permitindo harmonizar o direito com a realidade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório:


J………… intentou a presente acção declarativa contra o Réu  Município……….., peticionando a sua condenação:
a)-a reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre o prédio rústico, com área de 35.493 m2, sito no ……….., prédio está inscrito em nome do Autor na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ...., descrito, também em seu nome na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ………..;
b)-a entregar-lhe a parcela de 934m2 que ocupa e detém, sem qualquer título ou utilidade, no limite Sul/Poente do prédio, confrontando com a estrada ………, duma área total de 1216 m2, onde está implantado um reservatório de água visando o abastecimento da vila ………….., reservatório esse que ocupa uma área não superior a 282m2, incluindo zona de proteção, sendo os 934 m2 a restituir a área sobrante e não necessária para aqueles fins tal como ilustrado no documento 10;
c)-a abster-se da prática de todo e qualquer acto que possa vir a ofender a propriedade do Autor sobre o identificado prédio e parcela de terreno;
d)-a demolir e retirar, por completo, qualquer vedação muro e portão que existe no terreno do Autor, na referida área, concedendo de imediato também o acesso pleno do autor ao seu terreno e circunscrevendo a vedação do reservatório de água ao estritamente necessário para a sua protecção, concretamente ocupando uma área de 282m2, como devidamente ilustrado na planta topográfica doc. 10.;
e)-o que deverá ser feito no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença destes autos;
f)-a pagar-lhe uma compensação pelo uso que indevido e ilegítimo que fez do seu prédio, no valor de 100€ mensais desde janeiro de 2017, e até ao trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos;
g)-a pagar-lhe, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50 (cinquenta euros) por cada dia de atraso, no cumprimento efectivo e integral da sua obrigação de entrega do prédio e da demolição ordenada em d);
h)-a pagar as custas do a cargo da Ré.

O Réu apresentou Contestação-Reconvenção, terminando por peticionar que:
A)-a acção seja julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu dos pedidos;
B)-a reconvenção seja admitida e julgada procedente e, consequentemente:
B.1-seja o Réu declarado o único e exclusivo proprietário do prédio em causa, dada a sua aquisição por usucapião;
B.2-seja condenado o Autor no reconhecimento desse direito;
C)-seja ordenado o registo na Conservatória do Registo Predial do referido prédio, a favor do Réu.
Contestando a Reconvenção, o Autor veio na Réplica excepcionar com a “excepção dilatória inominada” de ausência de direito do Reconvinte, por impossibilidade de o Estado ser beneficiário de Usucapião e de ter apenas direito de expropriar.
Admitida a Reconvenção, foi saneada a acção e julgada improcedente a excepção de a inexistência do direito do Reconvinte Município por impossibilidade de adquirir por usucapião.
O Autor-Reconvindo recorreu desta decisão e apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
1-O Despacho Saneador em crise nasce num raciocínio fechado, que parte de uma surpreendente inversão de princípios e valores jurídicos, assente na cândida reflexão de que "(...) a nossa Lei Fundamental propositadamente não pretendeu abordar a questão da usucapião", porquanto sendo a Constituição da República Portuguesa posterior ao Código Civil, se não o alterou quanto à problemática da usucapião (excluindo expressamente o Estado de tal figura) é porque permitiu tal realidade e a mesma se enquadra em princípios e valores constitucionais.
2-Nada mais errado e juridicamente despropositado, atento inclusive a substancial alteração que o Artigo 2.º da CRP teve ao longo do tempo, sobejamente conhecido pelo seu forte conteúdo programático até à revisão de 1989,
3-Pois o legislador constitucional de 1975, que nos deu a CRP de 1976, não previu, nem tinha de prever, todas as consequências e alterações que uma Lei Fundamental nova iria conduzir e produzir na ordem jurídica ordinária então vigente. Aliás, nem tinha capacidade para tal.
4-Tal tarefa cabia, coube e ainda cabe, em primeira e última instância, aos agentes judiciais, Advogados, M.P. e Juízes, intérpretes do direito (Advogados e M.P.) e decisores do mesmo/juízes). Ou seja, cabe aos tribunais (como um todo) dilucidarem o que é na Lei Ordinária, Constitucional ou não.
5-Daí que é o Código Civil que deve ser interpretado de acordo com os princípios constitucionais vigentes, e não o contrário, e daqueles, com relevo para a causa, ressaltam dois em particular: o princípio da Protecção da Propriedade Privada e, acima de tudo, o Princípio do Estado de Direito.
6-E se o Tribunal "a quo" expandiu o seu raciocínio sobre ao Art.º 62º da C.R.Portugesa, nem uma palavra ou vírgula escreveu sobre o Art.º 2º da Constituição da República Portuguesa e sobre o Princípio do Estado de Direito, o que revela uma visão toldada dos princípios constitucionais garante de todo o Estado de Direito, visão essa partilhada pela doutrina e única jurisprudência que refere, nomeadamente:
- o Princípio Universal e fundamental da Propriedade Privada, que tem face ao Estado as suas limitações constitucionalmente previstas no Art.º 62º, nº 2 da CRP;
- e o Princípio do Estado de Direito, Art.º 2º da CRP, que, entre outras e para o que interessa, se subdivide em dois: o Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Protecção da Confiança dos Cidadãos, vedando este último que o Estado aja de má-fé perante qualquer cidadão ou quem quer se seja.
7-Ora a figura da usucapião admite a má-fé por parte de quem adquire, pelo que se se admite que o Estado pode adquirir por usucapião então está-se a admitir que o Estado pode agir de má-fé perante terceiros e, mais grave, que possa - sem mais - beneficiar disso sem qualquer responsabilidade e problema, sem indemnizar justamente o particular como o Art. 62º nº 2 da CRP impõe.
8-A assim se considerar, o Princípio da Confiança no Estado de Direito é obliterado e ferido de morte, e com ele é varrido e destruído o Princípio de Propriedade Privada passando a estar nas mãos do Estado que, de má-fé, passa a poder adquirir os nossos bens por usucapião, e sem pagar qualquer devida indemnização prevista no Art. 62º n.º 2 da CRP, norma que passa a ser de fácil contorno....
9-O Princípio do Estado de Direito Democrático (umbilicalmente ligado ao "Rule of Law", universal e supraconstitucional, mas que não se confunde com este) impõe necessárias condutas ao Estado como pessoa de bem, não tendo os seus representantes, órgãos, organismos ou afins (incluindo concessionários) a liberdade de acção que o sujeito privado (pessoa singular ou colectiva) tem para agir como bem entender.
10-Ao Estado não lhe é concedido o Livre Arbítrio que é concedido ao Particular, que pode de má fé apoderar-se de bens de terceiro via usucapião, pelo contrário o Estado está limitado na sua actuação discricionária por princípios de legalidade, boa-fé, lealdade, adequabilidade e outros, e é ao assumir tais princípios nas suas condutas que confere ao Cidadão o Princípio da Confiança no Estado de Direito, princípio que o Estado não pode obliterar.
11-Ora o Art.º. 2º da C. R. Portuguesa, Princípio do Estado de Direito Democrático, consagra essa ideia da protecção da confiança dos cidadãos e na actuação do Estado. Ver, entre outras, STA de 13-11-2007,164/2004, relatado pelo distinto Juiz Cons. São Pedro.
12-Como se escreveu no Ac. Do Tribunal Constitucional 17/84 (in Ac. Tribunal Constitucional vol. 2, pág. 375) "O Cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado possa levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua actuação, de acordo com o direito, seja reconhecida pela ordem jurídica (...)".
13-Essa ordem jurídica é vista como um todo, onde a base são os princípios constitucionais informadores de toda uma sociedade democrática, que tutela e protege os direitos, as liberdades e as garantias do cidadão.
14-E nesta tutela esta o os seus direitos patrimoniais e as garantias que tai direito têm perante o Estado, nomeadamente o Art. 62º da CRP, Princípio da Propriedade Privada, cuja interpretação não pode ser feita sem se ter por base o Art.º 2º da C.R. P. e o Princípio da Confiança no Estado de Direito, também na sua vertente da Actuação do Estado de boa fé perante tudo e todos os seus cidadãos ou empresas.
15-Ao se aceitar que o Estado possa usucapir, estaríamos a aceitar que o Estado pode agir de má-fé e a instituir o confisco de bens particulares (sem que a estes fosse pago qualquer justo valor) o que é constitucionalmente proibido nos termos do art.º 2º da Constituição da República Portuguesa, Princípio da Confiança no Estado de Direito e do art.º 62º Princípio da Propriedade Privada.
16-O art.º 62º nº 2 da CRP, consagra que a "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização".
17-A Lei confere ao Estado todas as formas contratuais de aquisição, conferindo-lhe ainda o direito residual de propriedade sobre "imóveis sem dono conhecido" as res nullius nos termos do art.º 1345º do Código Civil (princípio que se expande ao Direito Sucessório sendo o Estado classe sucessível).
18-Os termos em que a C. R. P. no seu art.º 62º consagra a propriedade privada e a forma do Estado (via nº 2) pode atingir a mesma (via requisição ou expropriação), aliada à forma de como o legislador ordinário consagrou que o Estado só tem o património das res nullis, leva-nos a concluir, necessariamente, que o preceito constitucional referido afastou qualquer possibilidade de interpretação legal de que o Estado pode adquirir por usucapião.
19-Sendo inconstitucional, e socialmente intolerável, aceitar-se que, apesar de tudo, o Estado pode contornar tais imposições constitucionais adquirindo por usucapião, figura que, em si, impõe a consciência de que se esta a retirar a propriedade de algo a alguém, sem lhe pagar qualquer justa indemnização...
20- In casu existindo alguém que prova a existência de um seu direito sobre a coisa inicial em si, nomeadamente através do registo de propriedade e título de transferência da mesma para seu nome, como refere o Prof. Oliveira Ascensão in Direitos Reais pág. 432/433, a existência de dono/proprietário do imóvel afasta todas as pretensões do Estado pois dele somente são as terras «sem dono conhecido».
21-As demais só serão dele dentro dos limites do princípio constitucional da propriedade privada, Art.º 62º da CRP e da justa indemnização por expropriação.
22-Nesse sentido vejam-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05/02/201, proc. 742/10.2TBSJM.P1.S, 7ª SECÇÃO, Relator: Cons. GRANJA DA FONSECA  dgsi.pt, cujo sumário refere:
"I- A procedência da acção de reivindicação encontra-se sujeita à demonstração cumulativa de três condições: (i) ser o autor titular do direito real de gozo invocado; (ii) o réu ter a coisa em seu poder, como possuidor ou detentor; e (iii) não provar o réu ser titular de um direito que lhe permita ter a coisa consigo.
II- O direito de propriedade, consagrado constitucionalmente, bem como na DUDH (art. 17.°), não é garantido em termos absolutos, mas sim, atendendo à sua função social, dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da CRP.
III- A expropriação é um instituto de direito público, sujeito, não obstante, a vários limites que funcionam como seus pressupostos, de tal forma que só dentro desses limites é que aquele poder expropriativo se pode entender como jurídico.
IV- A figura da «via de facto» - oriunda da teoria geral do direito administrativo - caracteriza-se pelo ataque grosseiro à propriedade de um particular, por meio de factos, à margem de qualquer processo legal; por seu turno, a «apropriação irregular e/ou expropriação indirecta caracteriza-se pela tomada de posse, por parte da administração, de um bem imóvel de um particular, com base num título que enferma de uma ilegalidade, não de uma ilegalidade grave e grosseira, mas de uma ilegalidade simples e leve." (...)

23-O corpo de tal aresto é paradigmático quanto ao valor da propriedade privada face ao Estado donde se destaca, com a devida vénia, e em sumula útil:
24-"Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".
25-"Os preceitos constitucionais e legais, nesta matéria, devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, razão pela qual convém ter presente que o artigo 17° dessa mesma Declaração estatui que «1. Todas as pessoas, individual e colectivamente, têm direito à propriedade», acrescentando o n.° 2 que «Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade»".
26-"É semelhante o sentido do artigo 62° da CRP e dos instrumentos internacionais, isto é, ambos proclamam a garantia institucional da propriedade e dos concretos direitos de propriedade, os quais se impõem perante o poder, não ficando dependentes de nenhuma concretização."
27-"Não obstante a sua categoria de direito fundamental, tal não impede que em certos casos a propriedade possa e deva ser sacrificada’.
28-"A trave-mestra desse sacrifício encontra-se, pois, prevista no artigo 62°, n.° 2, da CRP, ao esclarecer que a expropriação por utilidade pública representa um limite à garantia do direito de propriedade, que só pode ser efectuada com base na lei e que implica, fora dos casos estabelecidos na Constituição, o pagamento de justa indemnização."
29-Como referem os citados Mestres (Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada; Volume I, 4- Edição, página 807), "esta norma consagradora da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade e, por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização".
30-Assim as normas contidas nos Arts. 1316º e 1287º e segs. do Código Civil, se interpretadas como conferindo ao Estado o poder adquirir por usucapião, são normas inconstitucionais por violação dos Artigos 2.° e 62º da C. R. P. e que como tal não podem ser aplicadas, o que se alega desde já para todos os devidos efeitos legais.
31-Pelo que se conclui que, não tendo o Reconvinte o direito de adquirir por usucapião, não tem adequada acção judicial para fazê-lo reconhecer em juízo, nos termos do Art.º 2 nº 2 do CPCvil, pois que a lei de processo só tutela o recurso aos tribunais quando se tem um direito legal.
32-Simplificando: Para se recorrer ao Tribunal há que se ser titular de um direito. Se não se tem esse direito não se pode recorrer a Tribunal.
33-O Município de ….., Reconvinte, não tem o direito de adquirir por usucapião. Assim não tem legitimidade nem processo adequado para fazer valer tal direito porque a lei não o contempla.
34-O direito que o Município de …… se pode arrogar é o de expropriar o A., nunca adquirir por usucapião das terras destes.
35-Assim sendo o processo desencadeado é indevido e inadequado (o adequado séria a expropriação litigiosa) o que acaba por obstar ao conhecimento do mérito da acção, dado não se mostrarem reunidos, os pressupostos legais exigidos para a eventual acção adequada (a expropriação) e não ser possível suprir tal por meio de qualquer adaptação processual ou convite ao aperfeiçoamento, pois, na base, tudo cai: ausência total de direito por parte da Reconvinte, logo impossibilidade de pedir em juízo seja o que for com base a sua alegada causa de pedir.
36-Estando-se perante uma excepção dilatória inominada, o que se alega para todos os efeitos legais, existindo uma ausência de direito do Reconvinte Município de ………, em virtude dos Artigos 2º e 62º da Constituição da República Portuguesa, proibirem a aplicação dos arts. 1316º e 1287º e segs. do C. Civil quanto a aquisição por usucapião pelo Estado, o que se requer seja devidamente declarado por este Tribunal.
37-Consequentemente nada mais resta do que, nesta sede de Recurso, o Tribunal declarar a existência de excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos Arts. 278º e art. 576º nºs l e 2, art. 577º e 578º todos do C. P. Civil, o que obsta ao conhecimento do mérito da acção levando à absolvição do Autor Reconvindo da instância para todos os efeitos legais.

O Réu-Reconvinte veio apresentar Contra-Alegações, concluindo que:
1.-O recurso dos Recorrentes não tem qualquer fundamento, sendo que o Despacho recorrido não merece reparo.
2.-O Autor/Reconvindo confunde claramente os conceitos de requisição, expropriação e usucapião, ignorando que as respectivas naturezas são profundamente distintas…
3.-Olvida o Autor/Reconvindo que - tal como referido na douta decisão recorrida, a que se adere - “a usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade, prevista no artº 1287º do Código Civil.
4.-Não existe qualquer impedimento legal para que o Estado possa adquirir por usucapião (verificados os pressupostos legais para o efeito, naturalmente).
5.-A Constituição da República Portuguesa não se refere, no seu artº 62º, expressamente ao instituto da usucapião.
6.-Nos termos da lei civil (artº 1287º e ss. do código Civil), a usucapião não pressupõe qualquer atribuição de compensação ou indemnização ao particular que fica forçadamente privado do seu direito de propriedade.
7.-Além do mais, a aquisição originária (uma vez que o direito adquirido surge ex novo na esfera jurídica do possuidor independentemente do direito do anterior titular) do direito de propriedade pelo Estado tem sido aceite pela nossa doutrina e jurisprudência. (cfr. Dias Marques, Prescrição Aquisitiva, Volume I, páginas 136-137, e cfr. Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 31 de Maio de 2016, proc. nº 1786/14.0TBVIS.C1).
8.-Do mesmo modo, a temática da possibilidade de aquisição pelo Estado da propriedade através da usucapião tem sido objecto de diversas decisões dos nossos tribunais superiores, sem que a sua incapacidade para o efeito tenha alguma vez sido arguida (e julgada) – cfr. acórdãos referidos na fundamentação da douta decisão do Tribunal a quo.
9.-A usucapião como modo de aquisição originária tem características próprias que a diferenciam das formas de aquisição como a expropriativa e a por via do direito privado, pois trata-se de uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido.
10.-O instituto da usucapião visa – também – satisfazer interesses públicos (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2018, proc nº 1011/16.0T8STB.E1.S2).
11.-Não existe qualquer fundamento para negar a possibilidade de aquisição pelo Estado, e por usucapião, da propriedade de um bem (neste caso, imóvel), com vista inclusivamente à satisfação de interesses públicos (na utilização do bem) “quando tal possibilidade é conferida, ope legis, a qualquer particular, mesmo que – neste caso – se encontrem em causa a satisfação de interesse particular do usucapiente”.
12.-E tal não viola qualquer preceito constitucional, como é sabido.
13.-Neste caso, o Município assume as vestes de um qualquer particular, sujeito aos mesmos condicionalismos, - “há que relembrar a distinção entre actos de gestão pública, que são aqueles em que a Administração Pública actua no exercício de poderes de autoridade, vinculada às normas de direito administrativo, de actos de gestão privada, nos quais a Administração está em situação de paridade com os particulares, regendo-se pelas mesmas regras e destituída do ius imperii, que a caracteriza”.
14.-Nestas situações, é o Estado tratado como qualquer particular, podendo, nessa medida, adquirir bens por usucapião desde que reunidos os respectivos pressupostos previstos no citado art. 1287º”
15.-Sobre as coisas do domínio privado das pessoas e entidades privadas podem as Pessoas Colectivas Públicas exercer posse e beneficiar da usucapião, quer as destinem ao domínio privado dessas Pessoas, quer as destinem ao domínio público, como também sobre as coisas do domínio privado dessas mesmas Pessoas Colectivas podem os particulares exercer posse e beneficiar da usucapião” (Fernando Pereira Rodrigues, in Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse, Coimbra, 2008), apud Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7ª Seção, no âmbito do processo n.º 49/20.7T8VLS-A.L1, Acórdão datado de 6 de Julho de 2021.
16.-Deve ser mantida a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo a respeito da matéria de facto, atentos os fundamentos que da mesma constam, a qual não merece reparo quanto ao objecto do recurso, assim como quanto a matéria de direito.

QUESTÕES A DECIDIR

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, 2018, pág. 115), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Configurada como está a acção e configurado como está o Recurso, de forma a saber se há um direito susceptível de poder ser exercido em Tribunal, importa saber se é legal e constitucionalmente admissível que o Estado (em sentido amplo, de forma a abranger o Município) possa adquirir um bem por usucapião (tese do Réu/Reconvinte/Recorrido adoptada pelo Tribunal a quo na decisão da excepção), ou se, pelo contrário, o Estado está impedido de usucapir (tese do Autor/Reconvindo/Recorrente).

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para a decisão do recurso releva o seguinte:
1-A acção mostra-se intentada contra o Município de……….., para que este, entre outros pedidos:
- reconheça o direito de propriedade do Autor sobre o prédio rústico, com área de 35.493 m2, sito no …………, prédio que está inscrito em nome do Autor na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ...., descrito, também em seu nome na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …………….;
b)-lhe entregue a parcela de 934m2 que ocupa e detém, sem qualquer título ou utilidade, no limite Sul/Poente do prédio, confrontando com a estrada regional, duma área total de 1216 m2, onde está implantado um reservatório de água visando o abastecimento da vila …………, reservatório esse que ocupa uma área não superior a 282m2, incluindo zona de proteção, sendo os 934 m2 a restituir a área sobrante e não necessária para aqueles fins tal como ilustrado no documento 10.

2-O Réu apresentou Contestação-Reconvenção peticionando que:
A)-a acção seja julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu dos pedidos;
B)-a reconvenção seja admitida e julgada procedente e, consequentemente:
B.1- seja o Réu declarado o único e exclusivo proprietário do prédio em causa, dada a sua aquisição por usucapião;
B.2- seja condenado o Autor no reconhecimento desse direito;
C)-seja ordenado o registo na Conservatória do Registo Predial do referido prédio, a favor do Réu.

***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Decisão sob recurso julgou improcedente a excepção dilatória inominada de inexistência do direito do Reconvinte Município, por inadmissibilidade de o Estado poder ser beneficiário de usucapião.

O Tribunal a quo seguiu o seguinte processo de raciocínio:
- A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade, prevista no artigo 1287.º do Código Civil;
- o Autor entende que a aquisição do direito de propriedade pelo Estado sobre imóvel de privado só poderá ser realizado através de processo de expropriação [cf. artº 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – que nos remete para o procedimento previsto no Código das Expropriações (168/99, de 18 de Setembro, com a redacção em vigor)], mas nada autoriza este entendimento, por inexistir qualquer impedimento;
- o artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa não refere voluntária e expressamente a usucapião;
- o artigo 1287º e seguintes do Código Civil não prevêem nem pressupõem qualquer atribuição de compensação ou indemnização ao particular que fica forçadamente privado do seu direito de propriedade:
- trata-se de uma aquisição originária (uma vez que o direito adquirido surge ex novo na esfera jurídica do possuidor independentemente do direito do anterior titular) do direito de propriedade pelo Estado tem sido aceite pela nossa doutrina e jurisprudência.
- a usucapião visa – também – satisfazer interesses públicos (e, por isso, não haver pagamento de qualquer indemnização), nomeadamente o de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer a proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse;
- não há fundamento para negar a possibilidade de aquisição por usucapião, pelo Estado, da propriedade de um bem, com vista inclusivamente à satisfação de interesses públicos (na utilização do bem) quando tal possibilidade é conferida, ope legis, a qualquer particular.

***

A decisão do Tribunal a quo está clara e muito bem fundamentada e estruturada.
Mas importa verificar da sua correcção em face da argumentação interessante e com algum carácter inovador apresentada pelo Recorrente.
 “A posse do direito de propriedade, ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde à sua actuação : é o que se chama usucapião”[1]: eis o artigo 1287.º do Código Civil, que define o que é a usucapião, a figura jurídica que está em causa no presente litígio e que impõe uma apreciação que a enquadre, para permitir conclusões sólidas.
Menezes Cordeiro, aponta - com pertinência – que a definição deveria ser corrigida, porque “não se possuem direitos, mas sim coisas”, definindo este instituto, como “a constituição, facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua posse, desde que esta, dotada de certas características, se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei”[2].
Puig Brutau define-o como “a aquisição do domínio ou de outro direito real susceptível de posse, mediante o uso da coisa como se fosse própria durante o tempo fixado pela Lei”[3], sublinhando Luís Carvalho Fernandes[4] que a “aquisição por usucapião é (…) um efeito da posse reiterada de um direito real”[5].
Acresce aqui dizer – e este é um factor decisivo – que a “usucapião determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida”[6], uma vez que “’o direito’ que se adquire é originário, ‘novo’ neste sentido. Pois a sua causa é a posse”[7]: ou seja, “o direito usucapido surge ex novo na esfera jurídica do possuidor, independentemente e apesar do titular anterior, que se extingue por incompatibilidade, uma vez corrido o prazo legalmente exigido”[8].
Jose Antonio Alvarez-Caperochipi assinala que a “usucapião é um meio de identificação (…) da propriedade e dos direitos reais pela concatenação de dois elementos”[9]: “a posse a título de proprietário e o tempo”[10], podendo definir-se como “uma investidura formal mediante a qual uma posse se transforma em propriedade. É, pois, algo mais que um mero meio de prova da propriedade ou um mero instrumento ao serviço da segurança do tráfego jurídico, é a identidade mesma da propriedade como investidura formal ligada à posse”[11], assumindo assim duas funções particularmente relevantes, assim descritas por José Alberto C. Vieira:
 - uma “função consolidativa da situação fáctica em que as coisas se encontram, sempre que o possuidor usucapiente não é o titular do direito a que a posse se reporta”, que se traduz num “papel regularizador na ordem jurídica, dando azo a que a exteriorização de um direito através da posse possa vir a consolidar-se com a aquisição do direito exteriorizado e evitando a multiplicação de actos de disposição feridos de ilegitimidade, cuja nulidade poderia ser arguida a todo o tempo (art. 286º), com a forte insegurança jurídica daí decorrente”;
 - e uma função probatória ”permitindo ao possuidor titular do direito real de gozo provar este por um facto jurídico diverso daquele através do qual o adquiriu”[12] (carregados nossos).
Na síntese de Fernando Pereira Rodrigues, a usucapião é, pois, “a constituição facultativa do direito de propriedade, ou de outro direito real de gozo, a favor de quem detenha a correspondente posse, durante certo lapso de tempo, em determinadas condições, dentro dos limites previstos na lei e por via de triunfante invocação.

A usucapião pressupõe a verificação, em termos gerais, dos seguintes requisitos:
- Uma posse – com “corpus” e com “animus possidendi”;
- Uma posse à semelhança do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo;
- Uma posse prolongada – durante relevante espaço de tempo, maior ou menor, consoante o bem possuído seja imóvel ou móvel, e atentas as características que aquela revista;
- Uma posse vencedora – que aniquile ou restrinja o eventual direito de outro titular do bem”[13].
Há ainda acrescentar um outro pressuposto, lembrado por Durval Ferreira, “resultante do seu conteúdo normativo e da sua razão de ser. Qual seja o de que “ao titular do direito que vai ser aniquilado (ou restringido parcialmente) pelo direito originado por usucapião lhe possa ser imputável a inércia de não ter reivindicado a restituição da coisa ao possuidor” (dormientibus non sucurrit jus)”[14]: é por isso que, por exemplo, Santos Justo, afirma que “o usucapiente adquire o seu direito não por causa do direito do proprietário anterior, mas apesar dele”[15].
É, pois, neste enquadramento, que se pergunta se há algum obstáculo a que o Estado possa ser sujeito activo da usucapião, ou seja, se pode usucapir bens de privados.
O Código Civil de Seabra, tinha um artigo - o 516.º - que, expressamente, dizia que o “estado, as camaras municipaes e quaesquer estabelecimentos publicos ou pessoas moraes, são considerados como particulares, relativamente à prescripção dos bens e direitos susceptíveis de domínio privado”, sendo que essa norma não passou qua tale para o Código Civil vigente.
Mas apenas por desnecessidade e redundância, porque nenhuma especificidade têm estas entidades que as coloque de fora da possibilidade de usucapir, motivo pelo qual o artigo 1289.º, n.º 1, dispõe que a “usucapião aproveita a todos os que podem adquirir”.
A questão coloca-se, portanto, a montante: se têm possibilidade de ter posse, têm possibilidade de usucapir.
E não se vê que – mesmo com muita imaginação – se possa dizer que o Estado não pode possuir…[16]
O Recorrente faz uma enorme confusão entre a usucapião e a expropriação.
Mistura os regimes para tirar conclusões que são inaceitáveis.
Esquece, ou faz por esquecer, que não há qualquer comparação entre ambas: na expropriação, o Estado não tem a posse do bem, no caso da usucapião há muito tempo que tem essa posse e com as características necessárias (pública, pacífica, de boa ou de má-fé, por tempo determinado); na expropriação o Estado surge com ius imperii e, em nome do interesse público, fica com o bem do particular, pagando por ele uma justa indemnização, no caso da usucapião, o Estado está ao nível de qualquer particular, sujeito exactamente às mesmas regras.
É por estas diferenças, aliás, que a Constituição consagra no n.º 2 do artigo 62.º a necessidade de a requisição e a expropriação, respeitarem os requisitos legais e originarem o pagamento de uma justa indemnização. Porque aí, o Estado actua por acto de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, ficando com a propriedade dos bens (de forma permanente na expropriação; de forma temporária na requisição).
A usucapião não está aqui prevista, nem tinha que estar, porque a usucapião é um instituto de direito civil, surgindo como uma forma de aquisição originária[17], como acima se referiu[18].
E é originária porque decorre do uso (e da falta dele…).
A propriedade só é protegida se é exercida e, no caso da usucapião, só o é por quem dela beneficia.
“A aquisição originária de um direito real reclama publicidade, de forma a proteger o interesse do verdadeiro titular. Nas palavras da lei (cfr. art. 1262.º), a posse é pública quando puder ser conhecida pelos interessados; a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade (cfr. art. 1263.º, al.a)), isto é, à vista de toda a gente. Em ambos os casos, embora não apenas nestes, a publicidade é feita através da posse”[19].
A usucapião não é uma expropriação sem direito a indemnização.
A usucapião faz com que alguém adquira um bem sobre o qual exerce posse publicamente, como se proprietário fosse (quando se reporta ao direito de propriedade, claro), durante um largo período de tempo e perante uma total inacção/desinteresse/apagamento do proprietário.
Comparar esta situação com a da expropriação em que apenas o proprietário exerce plenamente os seus direitos sobre o bem que lhe é retirado por utilidade pública, é – portanto – comparar o incomparável.
O Recorrente toma a usucapião como um ataque ao seu direito de propriedade e é por isso que acha que o Estado não tem esse direito e se lhe fosse concedido isso seria inconstitucional e tornaria inconstitucionais os artigos 1316.º e 1287.º e seguintes do Código Civil.
Só que, como diz lapidarmente Fernando Pereira Rodrigues, a “usucapião não pode ser vista como um ataque ao direito de propriedade, mas antes como um tributo à posse, tanto assim que apenas opera na condução de se verificar uma posse de longa duração, exercida contra quem, embora titular do direito de propriedade, se colocou em relação a ela numa posição de inércia, deixando que outrem lhe desse uso, conferindo-lhe função social e económica mais relevante”[20].
Tudo começa, assim, pela exteriorização dada pela posse: a “usucapião baseia-se numa situação de posse”[21], pelo que se começa por exigir a posse da coisa[22] nos termos de um direito real de gozo (artigo 1287.º do Código Civil e os artigos 1316º - respeitante à propriedade; 1417.º, n.º 1 – respeitante à propriedade horizontal; 1440.º - respeitante ao usufruto; 1528.º - respeitante à superfície; e 1547.º, n.º 1 – respeitantes às servidões prediais) - a chamada “posse boa para a usucapião”[23] - sendo que, para “poder conduzir à usucapião exige-se uma posse pública e pacífica, sendo por isso a posse oculta ou violenta inidónea para a usucapião[24], como resulta dos artigos 1297.º (quanto a imóveis) e 1300.º, n.º 1, do Código Civil (quanto a móveis).
E isto vale para particulares, para pessoas colectivas e para o Estado.
Ou seja, se o Estado tem a posse de um terreno e sobre ele actua publicamente como se proprietário fosse, durante largo período de tempo, sem qualquer reacção do proprietário (registal, por exemplo), está exactamente na mesma situação que um qualquer particular que tenha a posse de um terreno e sobre ele actue como proprietário, sem reacção do proprietário, durante o mesmo largo período de tempo.

Em face do já citado artigo 1289.º, n.º 1, do Código Civil, a usucapião aproveita, sem distinções, a todos/as os/as que podem adquirir[25], pelo que, o poder potestativo de usucapir (como lhe chama José Alberto C. Vieira[26]) é simplesmente “atribuído ao possuidor que tenha uma posse boa para usucapião e haja mantido a mesma ininterruptamente durante o prazo estabelecido. O exercício deste poder, que está unicamente dependente da vontade do seu titular, ocorre com a invocação da usucapião”[27], não havendo razão curial para fazer qualquer diferenciação, pelo que, dentro da capacidade de gozo do Estado e outras entidades públicas, nada impede o ”ingresso de bens particulares no domínio do Estado e das Pessoas Coletivas Públicas através da usucapião”[28].
J.Dias Marques afirma-o expressamente, no sentido de nada obstar a que, nesse quadro da capacidade de gozo, “venham elas a ter a autoria da posse prescricional ou a adquirir ou perder direitos por via de aquisição”[29], concluindo, mais à frente, que “ao Estado não está vedada a aquisição do direito de propriedade por prescrição aquisitiva (usucapião), praticando actos de posse susceptíveis de a ela conduzir”[30].
Por fim, Fernando Pereira Rodrigues, é ainda mais expressivo, quando afirma que “pode verificar-se o ingresso de bens privados no domínio público através de usucapião se tiver havido uma convergência de actos administrativos que revelem a intenção de destinar os bens ao uso público. Designadamente o Estado e as pessoas colectivas de direito público podem adquirir bens particulares através da usucapião.
Quer dizer: sobre as coisas do domínio privado das pessoas e entidades privadas podem as Pessoas Colectivas Públicas exercer posse e beneficiar da usucapião, quer as destinem ao domínio privado dessas Pessoas, quer as destinem ao domínio público, como também sobre as coisas do domínio privado dessas mesmas Pessoas Colectivas podem os particulares exercer posse e beneficiar da usucapião”[31].
É por tudo isto que a assertiva posição do Recorrente nestes autos, não encontra qualquer apoio - ou sequer eco longínquo - nem na Doutrina, nem na Jurisprudência[32]. Nenhum[33]!

Aliás, os argumentos usados pelo Recorrente são de enorme fragilidade:
- dizer que Estado não pode usucapir porque não é admissível pensar que o Estado possa ser possuidor de má fé, não só é excessivo (porque o mais que poderia dizer ou fazer era uma restrição a que, então, poderia haver aquisição por usucapião, mas apenas de boa fé), como não se vislumbra qualquer problema se tal ocorresse (tal como sucede com a litigância de má fé, porque o Estado pode perfeitamente ser condenado como tal), como, por fim, é querer fazer relevar um requisito – a má fé (da posse) – que não é essencial, nem definidor da usucapião (a boa fé e o justo título não são “elementos de usucapião, mas apenas aparências de legitimidade que aconselham a redução ou o encurtamento do tempo para a investidura formal da posse”[34], relevando apenas os caracteres da posse (titulada, de boa ou má fé, etc.) apenas quanto ao prazo[35]: o “tempo encurta-se (…) com a existência de justo título e boa fé, pela maior aparência de legitimidade com que o título e a boa fé rodeiam a posse”[36], pois, seguindo Gayo, “a propriedade das coisas não há-de ficar na incerteza demasiado tempo”[37]).
- colocar a questão no plano da constitucionalidade esquecendo o que é a usucapião e o que implica de desinteresse do proprietário durante 20 anos, diante de uma posse pública de outrem (seja o particular, seja o Estado) é apenas descabido, seja à luz da Constituição, seja à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (o artigo 17.º só obsta a privações arbitrárias da propriedade e o artigo 1287.º do Código Civil é tudo menos arbitrário);
- considerar a usucapião pelo Estado uma espécie de atentado ao Estado de Direito é esquecer que, nesta situação, o caso o Estado está exactamente no mesmo plano que um qualquer particular (e se fosse esse particular a invocar a usucapião também não teria de lhe pagar qualquer indemnização).

O Recorrente encara a usucapião como uma acção gratuita, desregrada, ou arbitrária.

E a usucapião é tudo menos isso, pois não só tem as regras bem definidas, como está justificada, como sublinha Rodrigues Bastos, por interesses de ordem pública[38] ligados à certeza e segurança jurídicas[39], que Durval Ferreira melhor concretiza, no “assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer em proteger o valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse, quer em fornecer, através do usucapião, um meio de prova seguro, de fácil utilização e consentâneo com a confiança, quanto à existência do direito e à sua titularidade”[40].

Este tem sido também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça:
 - a “usucapião visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer a proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse” – STJ 01/03/2018 (Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt;
- “a usucapião serve também, além do mais, para «“legalizar” situações de facto ilegais» mantidas durante longos períodos de tempo (…) inclusive até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa” – STJ 06/04/2017 (Nunes Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.

A usucapião, pode dizer-se, é um espelho do que é viver em sociedade, com o que isso implica em termos de inter-relacionamentos, adaptações e confiança. Para gerar segurança. Como diz João Manuel Coelho Baptista, a “dúvida sobre a titularidade ou identidade dos direitos sobre as coisas é algo com que a sociedade humana não convive bem, já que, as relações sócio-económicas devem ser tão estáveis e claras quanto possível e como se sabe a dúvida cria instabilidade e indefinição.

A indefinição criada pela dúvida sobre matéria tão relevante como seja o estatuto dos bens, é algo que, dificilmente, a dinâmica sócio-económica em que os mesmos se integram, permitiria que subsistisse a longo prazo, pois a estabilidade de que as relações sócio-económicas carecem para progredirem não se compatibiliza facilmente, ou de todo, com indefinições ad aeternum relativamente à titularidade ou identidade dos direitos sobre as coisas”[41].

Lucidamente, Luís Filipe Pires de Sousa conclui que subjacente “a esta orientação está a prevalência de interesses ligados à estabilidade e segurança jurídica que conduzem à consideração de que não faz sentido que, perante um longo período de tempo, se eternizem situações de incerteza pelo que se permite a realização das expectativas criadas à luz de uma prolongada configuração factual. Em suma, o sistema jurídico admite que certas situações de facto adquiram tutela jurídica e possam dar lugar ao reconhecimento de direitos em homenagem a interesses de natureza social e económica que acolhe como relevantes”[42].

Relembre-se que, para justificar todas estas gravosas consequências e retirar qualquer sombra de arbitrariedade, só haverá usucapião se a posse sobre o bem for verdadeiramente demonstrativa do exercício desse poder: na linha de Paula Costa e Silva, podemos dizer que “a posse, pela sua natureza, mais do que supor comportamentos significativos integrados por símbolos supõe comportamentos não integrados por esses símbolos. A posse não vive de palavras, mas de actuações, conforme resulta claramente, dos artigos 1251.º a 1263.º, alínea a). Sabemos quem tem posse das coisas não por aquilo que alguém nos diga, mas antes por aquilo que vemos. O que equivale a dizer que é da natureza das coisas que o comportamento significativo por excelência, na posse, não seja a declaração integrada por signos, mas o comportamento concludente”[43].

O poder de facto (corpus) consolida-se assim como uma acção sobre a coisa disputada (ou sua parcela na zona de disponibilidade do interessado), com determi­nada estabilidade condizente com a afectação funcional concreta do bem (nomeadamente se de utilização esporádica ou precária se tratar).

A chamada “intenção de domínio” (animus), vem-se a inferir do próprio modo de actuação ou da utilização que o mesmo interessado dará a essa mesma coisa ou parcela, com referência aos poderes correspondentes ao exercício de um dado direito real.
Nesta lógica, os actos materiais praticados sobre um imóvel poderão consubstanciar uma aquisição originária da posse por prática reiterada ou aquisição paulatina, na previsão do artigo 1263.º, alínea a], do Código Civil[44].
Permitindo a invocação da usucapião, o legislador fomenta a segurança jurídica, “harmonizando o direito com a realidade física”[45].

***

Face a tudo o exposto, não nos parece restarem dúvidas quanto à não inconstitucionalidade das normas reguladores da usucapião, no que concerne à possibilidade de o Estado usucapir, pelo que não se acolhe a arguição de inconstitucionalidade efectuada pelo apelante, por totalmente desprovida de fundamento.

Daí que a excepção invocada sempre teria de improceder: se o Estado vier a lograr comprovar os factos susceptíveis de fazer funcionar a usucapião, poderá usucapir.

O Tribunal a quo decidiu bem.

O Recurso tem de improceder.

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
     

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Lisboa, 09 de Novembro de 2021


Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete


[1]“Usucapião, etimologicamente, significa, precisamente, uma aquisição (capio) pela posse (usu)” (Durval Ferreira, Posse e Usucapião, Almedina, 2002, página 439), continuando, em face da definição legal, transcrita, a manter “indiscutível actualidade a clássica definição do jurisconsulto romano Modestino que ensinou consistir a usucapio na adjectio domini per continuationem possessionis temporis lege difinti” (Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, Universidade Lusíada, Lisboa, 1992, página 291.
[2]Direitos Reais, II, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1979, página 670; também, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina, 1997, páginas 128-131.
[3]Caducidad, Prescripción Extintiva y Usucapión, 3ª edición actualizada y ampliada, Bosch, 1996, página 12.
[4]Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 1996, páginas 202 e 203.
[5]Não “existindo no domínio dos direitos de crédito qualquer possibilidade de usucapião” (Mota Pinto, Direitos Reais -prelecções ao 4.º ano Jurídico de 1970-71, recolhidas por Álvaro Moreira-Carlos Fraga-, Almedina, página 89), uma vez que nestes, “ao contrário do que sobrevém nos direitos reais, não existe qualquer esfera de domínio sobre uma coisa, não existe, portanto, corpus. Os direitos de crédito não traduzem uma relação de soberania exclusiva de uma pessoa sobre uma coisa, como ocorre nos direitos reais, baseiam-se, antes, numa relação intersubjectiva que confere a faculdade ao credor de exigir do devedor uma prestação, de conteúdo positivo ou negativo (relação essa que não existe na usucapião!). Também não há animus juridicamente relevante, não há qualquer intenção jurídico-real (estamos no pólo oposto ao da realidade)” (Luciana Ribau Lourenço, O Instituto da Usucapião: produto imutável o passado ou necessária reavaliação no presente, on line, Dissertação de Mestrado em Direito Civil, Coimbra 201, página 57 [consultado a 04/11/2021] disponível na internet em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/41804/2/O%20Instituto%20da%20Usucapi%C3%A3o_pdf.pdf.
[6]Luís Carvalho Fernandes, Lições…, cit., página 207; Oliveira Ascensão, Direito Civil-Reais, 4.ª edição refundida, Coimbra Editora, 1983, páginas 294-295.
[7]Durval Ferreira, Posse…, cit., página 462.
[8]Penha Gonçalves, Curso…, cit., página 295.
Assinalando que só será um facto aquisitivo originário, “quando beneficia um possuidor formal, permitindo-lhe justamente constituir a seu favor um direito que até aí não existia na ordem jurídica”, vd., José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, página 432.
[9]Curso de Derechos Reales, I, Propiedad y Posesion, Civitas, 1986, página 147.
[10]Ob. cit., página 149.
[11]Jose Antonio Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 143.
[12]José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., páginas 430-431.
[13]Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião-Constituição Originária de Direitos Através da Posse, Almedina, 2008, páginas 12-13.  
[14]Durval Ferreira, Posse…, cit., páginas 436 e 451-452.
[15]Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2007, página 273.
[16]Há ainda a situação dos imóveis sem dono conhecido que, nos termos do artigo 1345.º do Código Civil, se consideram automaticamente (ex lege) integrados no património do Estado.
A diferença aqui é que nem é necessária a posse e o seu exercício para o efeito.
[17]“O novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo” – Oliveira Ascensão, Direitos Reais…, cit., páginas 294-295.
[18]Com um entendimento distinto, embora apenas em termos dogmáticos, o recente Manual de Direitos Reais, de José Luís Bonifácio Ramos (2.ª edição, AAFDL, 2020, páginas 177-184) defende que se trata de um “tertium genus aquisitivo”: “Também a identificamos na usucapião, dado que os seus requisitos, designadamente o decurso de período temporal e a prescrição positiva, revelam extrema dificuldade, senão mesmo impossibilidade, de a prefigurar enquanto aquisição originária. Na verdade, além da verificação da posse, em detrimento da mera detenção, sequer basta o decurso do tempo para adquirir o direito real correspondente. Será necessário invocar, potestativamente, o direito, atendendo às regras da capacidade de exercício, ao invés do simples uso da razão, susceptível de fundar a aquisição por ocupação ou por achamento. Acresce que nem toda a posse será boa para usucapião. Também nem todos os direitos de gozo são adquiríveis por usucapião, de acordo com o artigo 1293º CC. Ademais, interessa referir que os efeitos aquisitivos da usucapião não implicam a correlativa extinção de outros direitos, entretanto constituídos sobre a mesma coisa, ao contrário do que sucede na ocupação ou no achamento. Destarte, os direitos menores que, eventualmente, incidam sobre a coisa e subsistam aquando do momento aquisitivo, podem caracterizar a usucapião, enquanto figura intermédia entre uma aquisição originária e uma aquisição derivada” (ob. cit., página 179).
[19]Luciana Ribau Lourenço, O Instituto…, cit., página 45.
[20]Usucapião…, cit., página 14.
[21]STJ 24/06/2010, Alberto Sobrinho, disponível in www.dgsj.pt.
[22]E quando falamos em posse, falamos numa situação de facto, materialmente estruturada, de corpus, caracterizada legalmente como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (artigo 1251.º e que, nos termos do artigo 1258.º  “pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta”.
[23]José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., página 409; Carvalho Fernandes, Lições…, cit., página 203.
[24]Luís Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 2009, página 234; Também, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, cit., página 676; Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, página 112.
[25]“Quanto às pessoas colectivas, deve entender-se que podem aproveitar da usucapião todas as que tenham capacidade de gozo” – Miguel Ricardo Machado Oliveira, A Posse na Doutrina e na Jurisprudência, Portugal Jurídico Económico, Porto, 1981, página 97.
[26]Direitos Reais, ob. cit., páginas 427-428.
[27]Ob. loc. cit..
[28]Luciana Ribau Lourenço, O Instituto…, cit., páginas 56-57; expressamente, também, Luís Menezes Leitão, Direitos Reais, cit., páginas 302-303.
[29]Prescrição Aquisitiva, Volume I, Lisboa, 1960, páginas 130-131.
[30]Ob. cit., páginas 136-137.
[31]Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião…, cit., páginas 34 e 35.
[32]Recentemente, nesta mesma Secção da Relação de Lisboa, foi prolatado um Acórdão no Processo n.º 49/20.7T8VLS-A.L1 (Ana Rodrigues da Silva-Relatora/Micaela Sousa/Cristina Maximiano) - que não se mostra publicado no site www.dgsi.pt - no qual, se abordou exactamente a mesma questão (supondo-se que corresponderá ao outro processo que, na decisão do Tribunal a quo, o Exmo. Juiz refere ter decidido em termos similares e que estava sob recurso). Neste Acórdão, confirmou-se a decisão de primeira instância, com argumentação semelhante à usada no presente recurso.
Já antes, admitindo que ao domínio público “possam sobrevir bens adquiridos pelos modos previstos no comércio jurídico-privado (como seja a usucapião)”, os acórdãos da Relação de Guimarães de 02/11/2005 (Manso Raínho), Relação do Porto de 20/05/2014 (Márcia Portela) e Relação de Coimbra de 31/05/2016 (Maria Domingas Simões), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido aqui desenvolvido, por seu turno, tem ido toda a jurisprudência publicada, directa ou indirectamente (são inúmeros os processos em que se logra perceber que a entidade que exerce o poder de usucapir é o Estado, uma Autarquia Local, ou uma entidade pública e em que a questão não chega a ser objecto de discussão, como se vê dos exemplos assinalados na decisão recorrida, que tornam desnecessária pesquisa acrescida: acórdãos do  “Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 2006, proc. nº 6863/2005-6 (Município), do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2016, proc. nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1 (Município), e de 15 de Setembro de 2011, proc. nº 243/08.9TBPTL.G1.S1 (Município), do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Fevereiro de 2018, proc. nº 1721/12.0TBMGR.C2”).
[33]Mesmo considerando a a voz de quem tem uma visão mais crítica do instituto e o considera desactualizado, como J. A. Mouteira Guerreiro (vd., por exemplo, Equívocos mais  frequentes a propósito do registo predial, in Direito  Registal-2.ªedição, on line, e-book CEJ, Abril de 2019 [consultado a 04/11/2021], disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_DireitoRegistal_2.pdf ; e A usucapião e o registo: devemos repensar o tema?, Revista Electrónica de Direito, n.º 2, Outubro de 2013, on line [consultado a 04/11/2021], disponível in http://hdl.handle.net/11328/745).
[34]Jose Antonio Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 149; também, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., página 407.
[35]Assim, STJ 05/03/2009 (Santos Bernardino) e STJ 09/12/2008 (Azevedo Ramos), ambos disponíveis in www.dgsi.pt; também, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, cit., página 112).
[36]Jose Antonio Alvarez-Caperochipi, Curso…, cit., página 149.
[37]Puig Brutau, ob. cit., página 12.
[38]Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, Lisboa,1988, página 63.
[39]"Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antijurídicas" - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Coimbra, 1987 (7.ª reimpressão), página 446.
[40]Durval Ferreira, Posse…, cit., página 440.
[41]A usucapião e o registo predial na sociedade da informação, a (in)alteração do epicentro da ordem jurídica imobiliária, Dissertação de Mestrado em Direito Civil, on line, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, página 46 [consultado a 04/11/2021], disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/38378/1/ulfd138265_tese.pdf .
E acrescenta: é “neste contexto, de falibilidade ou de imperfeição da ordem dominial definitiva, em que o direito se apresenta subtraído do poder de facto que lhe é inerente, que a posse se afirma com autonomia face ao direito, prosseguindo uma função que tende a ordenar o domínio provisoriamente, evitando por um lado a capitulação da ordenação dominial definitiva e por outro, trilhando o caminho para o seu reatamento, proporcionando a criação do próprio direito ex novo” (ob. loc. cit).
[42]Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2011, página 62.
[43]Paula Costa e Silva, Posse ou Posses?, Coimbra Editora, 2004, página 47.
[44]Vd., por todos, Orlando Carvalho, Introdução à Posse, cit., Revista de Legislação e Jurisprudência, 123.º e 124.º, páginas 354-355 e 259-261.
[45]Expressão usada por João Manuel Coelho Pereira (ob. cit., páginas 47, 70 e 141).