Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1642/18.3T8CSC-A.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ISENÇÃO DE CUSTAS
PESSOA COLECTIVA PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – A al. f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP obriga a uma interpretação compreensiva e abrangente das realidades que lhe podem estar subjacentes e que, em grande medida, passam por uma apreciação casuística dos litígios trazidos a tribunal ou, pelo menos, do tipo ou espécie de ações, que pela sua relação instrumental com as referidas especiais atribuições e interesses prosseguidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, segundo os seus estatutos e o regime legal aplicável, poderão, em regra, beneficiar, à partida dessa isenção de custas, tudo sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 4.º do RCP.
II - Existirão muitas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos que, pela sua dimensão e natureza da sua atividade, se sustentarão fundamentalmente na carolice e trabalho voluntário dos seus sócios e demais colaboradores, mas certamente outras, como a Ré, terão absoluta necessidade de celebrar contratos onerosos de trabalho e de prestação de serviços com terceiros, por só assim lhes ser possível prosseguir as suas particulares atribuições e específicos interesses (que, como sabemos e resulta dos próprios Estatutos da instituição aqui demandada são múltiplos, variados e ambiciosos em termos sociais).
III - Revelando-se essas relações de trabalho subordinado como absolutamente necessárias ao funcionamento da Ré e à realização dos seus fins e decorrendo de tais vínculos e do risco da autoridade e da atividade profissional a eles inerente a ocorrência de acidentes de trabalho, não se poderá negar, em regra, tal isenção de custas à Ré, ainda que condicionada ao desfecho final da ação laboral, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Os autos de ação emergente de acidente de trabalho de onde emerge o presente recurso de Apelação e que correm os seus termos no Tribunal do Trabalho de Cascais, tiveram a sua origem no acidente que afetou a sinistrada AAA, quando a mesma desempenhava funções por conta e sob a direção e fiscalização da sua entidade empregadora BBB, tendo esta transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a CCC.
Não tendo as partes chegado a acordo na fase conciliatória dos autos, veio a referida trabalhadora e sinistrada apresentar Petição Inicial contra a sua entidade empregadora e contra a referida Seguradora, justificando a demanda da aqui recorrente por entender que a sua retribuição era superior, à data do acidente de trabalho dos autos, aquela que foi declarada pela BBB, à CCC, para efeitos da transferência da sua responsabilidade infortunística laboral.
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A BBB veio apresentar oportunamente a sua contestação (fls. 2 verso e seguintes), onde impugna a matéria de facto e de direito alegada pela Autora e sustenta que o valor de € 982,74, que está em causa nos autos, referente a «Outros subsídios Col. Externo à BBB», não se encontrava efetivamente transferido para a Seguradora porquanto não integra o conceito de retribuição para efeitos do n.º 2 do artigo 71.º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei nº 98/2000, de 04 de Setembro (LAT), dado tratar-se apenas de um reembolso de despesas, da parte da Ré, contra a apresentação de fatura/recibo, possível após aprovação de candidatura da Apelada no âmbito de um conjunto de ações de natureza interna, da ora Ré, destinadas aos seus trabalhadores e reformados, com o intuito de prevenir, reduzir e mesmo resolver situações de carência económica, que não eram atendíveis através dos regimes gerais de proteção social.
A Ré, no final da sua contestação formula ainda o seguinte pedido:
«II - ISENÇÃO DE CUSTAS
22.º - a) A BBB, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, é uma Pessoa Coletiva de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa,
b) A BBB tem como fins “a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde … e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de atividade que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços…” (cf. n.º 1 do art.º 4.º desses Estatutos),
c) e “…desenvolve…as atividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas…” (cf. n.º 2 do art.º 4.º desses Estatutos),
d) Para a realização dos seus fins estatutários, a BBB de Lisboa “…dirige estabelecimentos e serviços no âmbito da sua atividade…” (cf. a al. a) do n.º 3 do art.º 4.º desses Estatutos) e “… desenvolve e prossegue atividades de promoção, prevenção e tratamento da doença, de reabilitação e prestação de cuidados continuados …” (cf. al. c) do n.º 3 do artigo 4º desses Estatutos),
e) Ao abrigo da alínea f) do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, estão isentas de pagamento de custas “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”,
f) Assim, e por atuar exclusivamente no âmbito dos referidos Estatutos e suas especiais atribuições, defendendo os interesses que lhe são especialmente conferidos pelos respetivos Estatutos, requer a V. Exa. lhe seja reconhecida a isenção do pagamento de custas.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada improcedente e ser a ora Ré absolvida com as legais consequências, bem como deve ser concedida à ora Ré isenção de pagamento de taxas e custas judiciais.» 
*
A secretaria judicial, não obstante tal invocação da Isenção de Custas pela Ré, veio a notificá-la para mesma liquidar a taxa de justiça em falta e a respetiva multa, o que a levou a apresentar o Requerimento de fls. 52 verso a 57 verso, com o seguinte teor:
«A BBB, Ré nos autos à margem identificados, notificada para proceder ao pagamento de taxa de justiça e multa, vem da mesma apresentar Reclamação nos termos e pelos seguintes fundamentos:
1. No passado dia 27/05/2019, foi a (mandatária da) Ré notificada (via CITIUS) pela Secretaria do tribunal, para “no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante”, conforme Doc. 1 que se junta em anexo.
2. Desde logo, a Ré não se pacifica com a decisão da Secretaria, porquanto a Ré, em sede de Contestação requereu isenção de pagamento de custas, nos seguintes termos:
“A BBB, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, é uma Pessoa Coletiva de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa,
A BBB tem como fins “a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde … e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de atividade que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços…” (cf. n.º 1 do art.º 4.º desses Estatutos),
e “ … desenvolve … as atividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas …” (cf. n.º 2 do art.º 4.º desses Estatutos),
Para a realização dos seus fins estatutários, a BBB “… dirige estabelecimentos e serviços no âmbito da sua atividade …” (cf. a al. a) do n.º 3 do art.º 4.º desses Estatutos) e “… desenvolve e prossegue atividades de promoção, prevenção e tratamento da doença, de reabilitação e prestação de cuidados continuados…” (cf. al. c) do n.º 3 do artigo 4.º desses Estatutos),
Ao abrigo da alínea f) do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, estão isentas de pagamento de custas “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”,
Assim, e por atuar exclusivamente no âmbito dos referidos Estatutos e suas especiais atribuições, defendendo os interesses que lhe são especialmente conferidos pelos respetivos Estatutos, requer a V. Exa. lhe seja reconhecida a isenção do pagamento de custas.»
3. Não tendo até ao momento sido notificada de ter sido proferido despacho sobre a requerida isenção.
4. Tendo tão só sido notificada para, nos termos do artigo 570.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, e em 10 dias efetuar o pagamento da taxa de justiça e multa.
5. Entende a ora Ré que sempre haveria lugar a despacho nos termos do n.º 2 do artigo 570.º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu.
6. Com efeito, e mesmo que visse a ser indeferida a requerida isenção sempre a ora Ré teria o prazo de 10 dias, nos termos do invocado nº 2 para proceder ao pagamento da taxa de justiça.
7. E só numa situação de não junção de comprovativo de pagamento de taxa de justiça nos termos supra, então teria aplicação o nº 3 e 4 do artigo 570º do Código de Processo Civil.
8. Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se apresenta o pagamento da taxa de justiça e multa (doc. 2), bem como o pagamento de DUC devido pelo presente incidente no valor de € 25,50 (doc. 3).
Termos em que se requer a V. Exa.:
a) Seja dado sem efeito a notificação efetuada para a Ré proceder ao pagamento de taxa de justiça e multa e seja deferida a isenção de custas requerida pela Ré na Contestação;
b) Seja deferido o presente requerimento e a Ré reembolsada do pagamento quer da taxa de justiça e multa paga, quer do DUC emitido e pago, indicando-se para o efeito o IBAN …»
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Tendo sido aberta vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO, veio esta a emitir o seguinte Parecer, a fls. fls. 58 e 58 verso, com data de 8/7/2019:
«Peticiona a Ré BBB seja declarada a isenção da taxa de justiça, alegando para o efeito o disposto nos seus estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, com referência ao disposto na alínea f), do nº 1, do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, porquanto atua no âmbito das suas especiais atribuições (gestão do património, com vista à canalização de receitas, por essa via geradas, nos projetos através dos quais prossegue os fins legalmente consagrados).
Afigura-se-nos não lhe assistir razão.
Dispõe o artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais, que estão isentos de custas «as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável».
Tal previsão abrange, do pondo de vista subjetivo, a Ré BBB, circunscrevendo-se tal isenção ao âmbito das suas especiais atribuições, mas ficando dependente da natureza do interesse em litígio.
Trata-se de uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei. Nesta perspetiva, esta isenção não abrange as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.” – SALVADOR DA COSTA, in “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2009, Almedina, pág. 146.
A tomada de posição em relação a um acidente de trabalho ou qualquer outra vicissitude resultante da execução de contrato de trabalho é um interesse do empregador e não um interesse comunitário que lhe esteja conferido pela Lei ou pelos Estatutos.
Por conseguinte, ao contrário do aventado pela Ré, a isenção não abrange as ações interpostas contra ou por pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos em que estas defendam interesses conexos com a relação laboral estabelecida com um trabalhador – neste sentido cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.12.2011, processo 68/08.1TTCBR-A.C2, da Relação do Porto de 21.01.2013, processo 1140/11.6TTMTSB.P1, da Relação de Lisboa de 08.02.2017, processo 2870/15.9T8CSC.A.L1-4, e da relação de Guimarães de 14.06.2017, processo 2734/16.9T8BCL-A.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Estes os termos pelos quais se pr. seja indeferida a requerida isenção.»
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Veio então a ser proferido o despacho de fls. 59, com data de 12/7/2019, onde foi decidido o seguinte:
«Por concordar a promoção antecedente, cuja fundamentação dou por reproduzida, indefiro o requerido pela Ré BBB a fls. 162, devendo a mesma proceder ao pagamento das quantias, conforme já notificada.».
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A BBB, inconformada com tal despacho, veio, a fls. 60 verso e seguintes, interpor recurso da mesma, tendo o mesmo sido admitido por despacho judicial de fls. 86, como de Apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, para o efeito as competentes alegações e formulou as seguintes conclusões:
“a) A Recorrente não se conforma com o douto despacho que indeferiu a requerida isenção de custas, porquanto entende que goza do direito à isenção de custas;
b) Mais, a ora Recorrente entende que não deveria ter lugar a notificação, de 27/05/2019, da Secretaria do Tribunal a quo, para “no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante”, nos termos do artigo 570.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil;
c) Entende a ora Recorrente que, antes de se dar cumprimento à referida disposição legal, sempre haveria lugar a despacho nos termos do n.º 2 do artigo 570.º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu;
d) Nos termos do artigo 152.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, o Tribunal, enquanto administrador da justiça, sempre estaria chamado a pronunciar-se nos termos requeridos, sendo que entende a Recorrente que estamos perante uma omissão de ato que a Lei qualifica como obrigatório;
e) Só numa situação de não junção de comprovativo de pagamento de taxa de justiça nos termos supra, então teria aplicação o n.ºs 3 e 4 do artigo 570.º do Código de Processo Civil;
f) Acresce que, aquando da apresentação da contestação, a ora Recorrente peticionou pelo reconhecimento da respetiva isenção de custas judiciais, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais;
g) Alegou para o efeito que, é estatutariamente uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos e que no âmbito da presente ação atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, ou, desde logo, em ação com objeto instrumental aos seus fins;
h) O Tribunal a quo, apenas por a BBB atuar na presente ação como entidade empregadora, entende que não está a atuar dentro das suas especiais atribuições e indefere o reconhecimento da isenção de que a Recorrente deve ser beneficiária;
i) Como resulta dos autos, a Recorrida é trabalhadora da Recorrente e desempenha funções de técnica superior de serviço social na Unidade de Desenvolvimento e Intervenção de Proximidade Oriente (UDIP Oriente), equipamento da Recorrente, o qual proporciona uma resposta social integrada e que contribui para a missão da Recorrente, nomeadamente o acompanhamento de casos sociais e de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, tudo para a realização dos seus fins estatutários, nomeadamente em conformidade com o disposto no n.º 1 e na al.) b) e p) do n.º 3, tudo do artigo 4.º dos seus Estatutos;
j) Pelo que, não se vislumbra outra conclusão que não seja que a relação contratual controvertida é decorrente das especiais atribuições da Recorrente, uma vez que é, inevitavelmente, realizada no cumprimento das obrigações estatutárias citadas e com vista ao seu cumprimento;
k) Pelo que não procede o alegado argumento de que “a tomada de posição em relação a um acidente de trabalho ou qualquer outra vicissitude resultante da execução de contrato de trabalho é um interesse do empregador e não um interesse comunitário que lhe esteja conferido pela Lei ou pelos Estatutos”, porquanto a BBB não pode prosseguir nem prossegue, outros fins que não os que expressamente estão previstos nos Estatutos;
l) Assim sendo, apenas se pode concluir que a celebração do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida é decorrente das especiais atribuições da BBB, uma vez que é realizada no cumprimento das obrigações estatutárias e com vista ao cumprimento das mesmas;
m) Salvador da Costa, in Regulamento das Custas processuais, Editora Almedina, Coimbra, Maio de 2011, na pp. 155, considera que, não obstante o condicionalismo da isenção às ações que decorram das especiais atribuições ou dos interesses confiados pelos seus Estatutos, estão igualmente abrangidas pela isenção de custas as ações cujo objeto for instrumental em relação aos fins estatutários;
n) Além do mais, as atuações desenvolvidas pela BBB dizem respeito à prossecução dos seus fins estatutários, uma vez que a natureza da BBB não consente na distribuição de lucros, os quais, permanecem no património da BBB, com vista à sua utilização no âmbito das atividades decorrentes dos respetivos Estatutos (no mesmo sentido, vide Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e comentado, Almedina, 2011, 3.ª edição, pp. 152);
o) Aliás, tal é reconhecido na decisão singular da 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 14/03/2013, que no âmbito do proc.º 1967/12.1TVLSBA.L1, que julgou procedente o recurso e revogou o despacho que negava a atribuição da isenção de custas processuais à BBB, onde se pode ler que: “face ao estatuto da BBB, todos os rendimentos que possa conseguir têm que ser destinados aos fins humanísticos plasmados do citado artigo 4.º do DL 235/2008, de 3-12 e que refletem a sua identidade história (…), pelo que também o juiz desembargador considerou a BBB abrangida pela isenção de custas quando o objeto da ação é instrumental em relação aos fins estatutários”;
p) E ainda o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do proc.º n.º 842/15.2T8SNT.L2, datado de 27/09/2017, que reconheceu à BBB, a isenção de custas. O Tribunal da Relação de Lisboa fundamentou a sua decisão, citando Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 4.ª edição, pp. 188 e 189, e justifica a concordância com a propensão para o entendimento do referido Autor, por o contrato objeto do litígio ter sido celebrado ao abrigo do regime jurídico das ajudantes familiares, sendo a BBB reconhecida como instituição de suporte para a atividade que no âmbito da ação social, procede à prestação de serviços de apoio domiciliário, concluindo, citando-se: “dúvidas não nos oferece que o mesmo é instrumental à realização de um dos fins estatutários da BBB”;
q) Atente-se ainda ao entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, que, a este propósito, no âmbito do proc.º n.º 1480/13.0TTLSB-A.L1, que correu termos na 4.ª Secção daquele Venerando Tribunal, em 09 de Julho de 2014, decidiu: “Quanto ao alegado argumento invocado no despacho impugnado de que a Ré não litiga no âmbito das suas especiais atribuições, salvo o devido respeito, o argumento não procede pois a BBB não pode prosseguir nem prossegue outros fins que não os que expressamente estão previstos nos seus Estatutos”;
r) Toda e qualquer atuação da BBB é reconduzida à prossecução dos seus fins estatutários pois se assim não fosse tratar-se-ia de uma atuação ilegal violadora dos seus Estatutos;
s) As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente, no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos como sucede com a BBB estão isentas do pagamento de custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Judiciais);
t) Pelo que a decisão do Tribunal recorrido andou mal ao não concluir pela verificação do cumprimento dos requisitos inscritos na parte final do artigo 4.º, n.º 1, al. f) do RCP, devendo, por conseguinte, a decisão ser substituída por outra que reconheça a isenção de custas à ora Recorrente.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, em conformidade:
a) Seja dada sem efeito a notificação efetuada para a Recorrente proceder ao pagamento de taxa de justiça e multa e seja a Recorrente reembolsada do pagamento de tais valores, incluindo o pagamento das taxas de justiça subsequentes, a saber reclamação e recurso;
b) Ser reconhecido que a BBB, pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa (artigo 1.º, n.º 1 dos seus Estatutos), atuando no presente processo, em que foi demandada em virtude de relação laboral com técnica superior no desempenho de funções de técnica superior de serviço social da Unidade de Desenvolvimento e Intervenção de Proximidade Oriente (UDIP Oriente), equipamento da Recorrente, que proporciona uma resposta social integrada, em cumprimento das suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses estatutários;
c) E, mesmo que assim não se entenda, dúvidas não restam de que o objeto da presente ação é instrumental relativamente aos fins estatutários da BBB;
d) A decisão em crise deve ser substituída por outra que reconheça a isenção de custas da ora Recorrente!”
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A Autora e a Ré Seguradora não vieram apresentar contra-alegações, dentro do prazo legal e apesar de terem sido notificadas para o efeito.
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O ilustre magistrado do Ministério Público, por seu turno, apresentou contra-alegações a fls. 83 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1 - A previsão do artigo 4.º, n.º 1, al. 1), do Regulamento das Custas Processuais, que estabelece a isenção de custas, abrange, do ponto de vista subjetivo, a Ré BBB;
2 - Tal isenção abrange o âmbito das suas especiais atribuições, mas dependente da natureza do interesse em Litigio.
3 - Esta isenção não abrange as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para a exercício das suas atribuições.
4 - Por conseguinte, a isenção não abrange as ações interpostas em que se defendam interesses conexos com a relação laboral estabelecida com um trabalhador.
Pelo exposto, a decisão recorrida não é passível de censura e devera ser mantida.
Porém, V.ªs Ex.ªs decidirão e, estamos certos, fazendo a costumada JUSTIÇA!»
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre agora decidir.

II – OS FACTOS

Os factos a considerar mostram-se descritos no Relatório do presente Aresto, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.     

III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS 

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal no ano de 2018, ou seja, muito depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017, Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2018, Lei n.º 49/2018 de 14 de Agosto, com entrada em vigor em 10 de Fevereiro de 2019, Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro, com entrada em vigor em 30 de Outubro de 2018 e Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, com entrada em vigor em 27 de Abril de 2019, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
 
B - OBJECTO DO RECURSO

A única questão de índole jurídica que se suscita no âmbito da presente Apelação é a seguinte: está a Ré isenta ou não de custas, na sua qualidade de empregadora da Autora e sinistrada no âmbito dos presentes autos emergentes de acidente de trabalho e face ao pedido formulado por esta última no sentido da recorrente – à imagem do que acontece com a Seguradora, que foi também acionada judicialmente - ser igualmente responsabilizada pela reparação dos danos causados pelo sinistro de que foi vítima ao serviço da BBB? 

C – INTERPRETAÇÃO JURÍDICA DO REGIME LEGAL APLICÁVEL - DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

A norma que está aqui em causa é a contida na alínea f) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais 

Artigo 4.º
Isenções
1 - Estão isentos de custas:
a) (…)
f) As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) (…)
(…)
5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida.
7 – (…)

SALVADOR DA COSTA, em «Regulamento das Custas Processuais – Anotado e Comentado – Custas Judiciais em Geral», 2009, Almedina, páginas 143 a 146, Nota 7, afirma o seguinte acerca de tal regra jurídica da alínea f) do número 1 do artigo 4.º acima transcrita:
«7. Prevê a alínea f) do n.º 1 as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou em defesa dos interesses que lhe estejam especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável, e estatuto que gozam de isenção de custas.
A capacidade das pessoas coletivas é caracterizada pela sua especialização funcional, face às atividades e finalidades estipuladas nos respetivos estatutos.
A circunstância de as associações não deverem ter fins lucrativos não obsta a que as suas receitas excedam os custos reais da produção, resultado que vai incrementar o seu património.
A sua natureza não consente a distribuição de lucros, que devem permanecer no seu património, com vista à sua utilização no âmbito das suas atividades decorrentes dos respetivos estatutos.
No anteprojeto referiam-se as pessoas coletivas públicas sem fins lucrativos, consideradas de utilidade pública administrativa, quando atuassem exclusivamente no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhe estivessem especialmente conferidos, designadamente quando se tratasse de exercer o direito de regresso por serviços prestados nos termos de lei orgânica ou estatuto legal.
A imprecisão do conceito de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa e a impropriedade do segmento direito de regresso impli­caram, ao que parece, o seu abandono.
No regime de pretérito, no que concerne às pessoas coletivas priva­das, apenas as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa beneficiavam de isenção de custas.
Entre as referidas pessoas coletivas de natureza jurídica privada incluem-se as pessoas coletivas de mera utilidade pública, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
O conceito de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa recorta-se, a par do de pessoa coletiva de mera utilidade pública - clubes desportivos, coletividades de cultura e de recreio, associações científicas - e do de instituição particular de solidariedade social, na categoria genérica de pessoas coletivas de utilidade pública.
Quanto às instituições particulares de solidariedade social, não lucra­tivas, expressa o n.º 3 do artigo 63.º da Constituição ser reconhecido o direito à sua constituição com vista à prossecução dos objetivos de segu­rança social consignados nesse artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º, e nos artigos 71.º e 72.º, regulamentadas por lei e sujeitas a fiscalização do Estado.
O Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, autonomizou as pes­soas coletivas de utilidade pública, definindo-as em termos de associações ou fundações que prosseguem fins de interesse geral ou da comuni­dade nacional, cooperando com a administração central ou local, de modo a merecerem desta a declaração de utilidade pública (artigo 1.º, n.º 1). [[1]] 
O Decreto-Lei n.º 519-G2/79, de 29 de Dezembro, delimitou do âmbito das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa as associações e as fundações denominadas instituições particulares de solidarie­dade social, com o objeto de facultarem prestações de segurança social.
O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, definiu as instituições particulares de solidariedade social em termos de associações e fundações sem finalidade lucrativa, constituídas por particulares com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, não administradas pelo Estado nem por um corpo autárquico (artigo 1.º, n.º 1).
São suscetíveis de revestir a forma de associações de solidariedade social, de voluntários de ação social, de socorros mútuos, de fundações de solidariedade social e de irmandades da misericórdia ou santas casas da misericórdia (artigo 2.º, n.º 1).
Prosseguem, mediante a concessão de bens e a prestação de serviços, além do mais, o apoio a crianças e jovens, à família e à integração social e comunitária, à proteção dos cidadãos na velhice e na invalidez e em todas as situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, à promoção e à proteção da saúde, nomeadamente através da prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, à educação e à formação profissional dos cidadãos e à resolução dos problemas habitacionais da população (artigo 1.º, n.º 1).
Trata-se, pois, de pessoas coletivas de direito privado, não administradas pelo Estado, portanto com autonomia relativa em relação a ele, que prosseguem os referidos objetivos de interesse público.
Foi a natureza do escopo finalístico das instituições particulares de solidariedade social, idêntico ao das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, e o seu relevo no nosso ordenamento jurídico, na medida em que excede consideravelmente o número das segundas, que justificou o benefício de isenção de custas em análise.[[2]]
As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa caracterizam-se por exclusão de partes. Trata-se de pessoas coletivas de utilidade pública que não sejam instituições particulares de solidariedade social e prossigam qualquer dos fins previstos no artigo 416.º do Código Admi­nistrativo, como é o caso das associações humanitárias cujo objeto seja o socorro de feridos, náufragos ou doentes, a extinção de incêndios ou qual­quer outra forma de proteção desinteressada de vidas humanas ou bens.
Em consequência, incluem-se no conceito de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa as várias associações de bombeiros voluntários e outras instituições a quem a lei atribua esse estatuto, como é o caso
da Cruz Vermelha Portuguesa e da BBB (artigos 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 164/91, de 7 de Maio, e 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/91, de 26 de Agosto, respetivamente). [[3]]
A isenção em apreço é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar.
Trata-se, porém, de uma isenção subjetiva de custas que aproveita às referidas pessoas coletivas, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de atuarem no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.
Em relação ao regime de pretérito, alargou-se o âmbito da antiga isenção no que concerne ao respetivo plano subjetivo; mas limitou-se o respetivo âmbito objetivo, na medida da restrição do objeto especifico das ações em causa.
Com efeito, aproveitando às pessoas coletivas sem fins lucrativos, abrange as meras pessoas coletivas de utilidade pública, como é o caso, por exemplo, das inúmeras associações de moradores e de melhoramentos existentes no nosso País.
Mas trata-se de uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei.
Nesta perspetiva, pode parecer que esta isenção não abrange as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contra­tos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.
Todavia, se o objeto de tais ações for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, propendemos a considerar serem abran­gidas pela isenção de custas em análise.
Esta isenção está, porém, limitada pelo que se prescreve nos n.ºs 5 e 6 deste artigo.»
O mesmo autor, na sua obra posterior intitulada «As Custas Processuais – Análise e Comentário», 6.ª Edição, 2017, Almedina, a páginas 104 e 105, sustenta, contudo, o seguinte, acerca da mesma problemática:
«4.7. Prevê a alínea f) as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou em defesa dos interesses que lhes estejam especialmente conferidos pelos respeti­vos estatutos ou nos termos da legislação que Ilhes seja aplicável, e estatui que gozam de isenção de custas.
Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espirito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
O facto de as referidas pessoas coletivas não deverem ter fins lucrativos, condição desta isenção, não obsta a que as suas receitas excedam os custos reais da produção c cujo resultado vai incrementar o seu património para o res­petivo fim legal ou estatutário.
As mencionadas pessoas coletivas de natureza jurídica privada abrangem as pessoas coletivas de mera utilidade pública, incluindo as associações sindicais e patronais, as instituições particulares de solidariedade social e as pes­soas coletivas de utilidade pública administrativa.
Têm de comum o facto de serem pessoas coletivas de direito privado, não administradas pelo Estado, com autonomia em relação a ele, que prosseguem objetivos de interesse público e atuam nos processos judiciais, do lado ativo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos.
É, no entanto, uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum. O seu reconhecimento depende da demonstração, pelas partes em causa, das suas especiais atribuições estatutárias.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições de solida­riedade social e às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, pro
Caixa de texto: tospendemos a considerar que esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa dos interesses que lhes estão especialmente confiados pela lei ou pelos estatutos. Nesta perspetiva, esta isenção não abrange as ações cujo objeto sejam obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pes­soas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições. [[4]]
Esta isenção está limitada pelo que se prescreve nos n.ºs 5 e 6 deste artigo.»
A nossa jurisprudência, por seu turno, tem-se dividido quanto à interpretação e aplicação da alínea f) do número 1 do artigo 4.º do RCP, conforme resulta dos seguintes Arestos e Decisões Sumárias:
 A – No sentido da Isenção de Custas (todos identificados pela Ré nas suas alegações de recurso e sem Sumário elaborado
- Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/3/2013, Processo n.º 1967/12.1TVLSB-A.Ll, 1.ª Secção Cível, Relator: Afonso Henrique, em que se sustentou o seguinte:
«A natureza jurídica da BBB está definida no art.º 1.º n.º 1 do DL 235/2008, de 3-12, precisamente, como sendo uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa.
Os seus fins estatutários são profundamente altruísticos, a favor dos mais desfavorecidos e as receitas que possa angariar tem que ser destinadas aqueles fins – art.º 4.º do citado DL 235/2008.
Refira-se que o mesmo DL 235/2008 (art.º 4.º) revogou os DL 322/91, de 26-8 e o DL 469/99, de 6-11 (anteriores estatutos da recorrente/BBB).
O argumento central do despacho recorrido para indeferir a pretensão da recorrente está expresso neste segmento da decisão que estamos a sindicar:
"Ora, in casu, a ação é intentada contra a empreiteira e vendedora de um prédio adquirido pela Autora e vicissitudes alegadamente decorrentes das obras e alegadas deficiências, sendo que apenas uma das frações se destinou a creche, sendo as demais em número de 22 frações, destinadas a habitação – cf. escritura junta".
É verdade que este tipo de isenção só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto.
Contudo e na esteira do Ilustre Conselheiro Salvador da Costa, também nós consideramos que "se o objeto de tais ações for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, propendemos a considerar serem abrangidos pela isenção de custas em análise - in, Regulamentos das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2.ª Edição, 2009, pags.152 e 153
É o caso pois, face ao estatuto da Santa Casa da Misericórdia todos os rendimentos que possa conseguir tem que ser destinados aos fins humanísticos plasmados do citado art.º 4.º do DL 235/2008 de 3-12 e que refletem a sua identidade histórica, sendo certo que, como se diz no Preâmbulo desse diploma legal: "Ao longo de cinco séculos de existência tem sido evidente a preocupação de manter a BBB na vanguarda do combate à pobreza e à exclusão social (…).
Finalmente, consigna-se que a isenção de custas está sempre limitada pelo estabelecido no n.º 6 do mesmo art.º 4.º do RCP, ou seja, "a parte, isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo quanto a pretensão for totalmente vencida».
- Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/7/2014, Processo n.º 1480/13.OTTLSB-A.L1, 4.ª Secção (Social), Relator: Ferreira Marques (?), no âmbito de ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho:
«Dispõe o art.º 13.º do DL n.º 40397, de 24/11/1955, que a BBB goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, sejam de que natureza forem.
Como claramente decorre deste preceito, a isenção aqui consagrada abrange, indistintamente, todos e quaisquer impostos, contribuições e taxas, independentemente da sua natureza e qualificação, sendo igualmente certo que a norma não abre qualquer distinção ou condicionamento quanto a sua aplicação pelo que a sua abrangência é a decorrente da sua interpretação literal: ubi lex non distinguit, nec nos debemos distinguere.
Nem o DL 322/91, de 26/08, nem o DL 235/08, de 3/12, procederam à revogação do DL 40.397, de 24/11/1955. Na verdade, o DL 322/91 limitou-se a «revogar todas as normas legais e regulamentares relativas ou aplicáveis à BBB que contrariem os mesmos Estatutos» (cfr art.º 2.º) e, nos termos do artigo 34.º, a manter a favor da Santa Casa todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.
Porém, este artigo ao prescrever que “mantêm-se, a favor da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei”, nada acrescentou quanto à vigência das normas que, por não contrariarem os novos Estatutos, se mantinham, necessariamente, em vigor.
Equivale isto a dizer que o discutido art.º 34.º, em termos de isenções fiscais, nada acrescentou ao quadro normativo vigente, uma vez que, não existindo revogação tácita ou expressa, todas as normas vigentes se teriam mantido em vigor, sem necessidade daquele normativo.
Por outras palavras, se os Estatutos aprovados pelo DL 322/91 não contivessem a norma do art.º 34.º, o quadro normativo seria idêntico, uma vez que se manteriam, igualmente, em vigor todas as normas que não colidissem com os Estatutos, entre as quais se incluía, obviamente, o referido art.º 13.º do DL 40.397.
Assim, assente a irrelevância jurídica do citado art.º 34.º quanto à manutenção em vigor da norma de isenção contida no art.º 13.º do DL 40.397, fácil se torna concluir que o simples facto de os Estatutos aprovados pelo DL 235/2008 não conterem norma semelhante, não permite a ilação, infundadamente retirada de que aquele artigo se encontra revogado.
Sintomático poderá, igualmente, ser o facto dos atuais Estatutos não conterem norma idêntica ou semelhante ao já referido art.º 34.º dos Estatutos anteriores, pois face à vigência do referido DL 40.397, tal norma revestiria carácter supérfluo e irrelevante.
O quadro normativo atual parece, assim, claro quanto à manutenção em vigor do disposto na al. a) do art.º 13.º do DL 40.397, de 24 de Novembro de 1955, concedendo à BBB, o direito a beneficiar da isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, sejam de que natureza forem.
Ao recusar à ora apelante o direito à isenção das custas judiciais, o despacho recorrido violou o disposto naquela disposição legal, enfermando, por conseguinte, de ilegalidade.
Quer isto dizer que não só o DL 40.397 não foi revogado, por inexistir texto que possibilite tal conclusão e dado o seu conteúdo não ser contrário aos Estatutos aprovados pelo DL 322/91, como todas as isenções concedidas à Santa Casa, atenta a sua natureza jurídica, se mantiveram em vigor, incluindo a de custas judiciais.
Assim, assiste à recorrente o direito à isenção do pagamento de todos e quaisquer impostos e taxas pelo que os atos de liquidação e exigência da taxa de justiça aqui em questão enfermam de ilegalidade, por violação do disposto na citada al. a) do artigo 13.º do DL 40.397, de 24 de Novembro de 1955.
Quanto ao alegado argumento invocado no despacho impugnado de que a Ré não litiga no âmbito das suas especiais atribuições, salvo o devido respeito, o argumento não procede, pois a BBB não pode prosseguir, nem prossegue, outros fins que não os que expressamente estão previstos nos seus estatutos.
Na realidade, a BBB sempre que atua está a fazê-lo na prossecução dos fins previstos nos seus estatutos, pois a sua área de atuação é pelos mesmos delimitada.
Nos termos do arts. 1.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º, n.ºs 1 e 2 dos seus Estatutos, aprovados pelo DL 235/2008, de 3 de Dezembro, a BBB é uma Pessoa Coletiva de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa que tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de Misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de atividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços de interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
Para a realização dos seus fins estatutários, a BBB dirige estabelecimentos e serviços no âmbito da sua atividade e desenvolve e prossegue atividades de promoção, prevenção e tratamento da doença, de reabilitação e prestação de cuidados continuados...” (art.º 4.º, n.º 3, alíneas a), b) e c) desses Estatutos).
Como é fácil de ver e de perceber, toda e qualquer atuação da BBB é reconduzida a prossecução dos seus fins estatutários, pois se assim não fosse tratar-se-ia de uma atuação ilegal, violadora dos seus estatutos.
As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem, exclusivamente, no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos, como sucede com a BBB, estão isentas do pagamento de custas (art.º 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Judiciais).
Procedem, assim, na íntegra, as conclusões do recurso interposto pela BBB, devendo a decisão impugnada ser revogada e substituída por outra que considere a mesma isenta do pagamento de custas.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/9/2017, Processo n.º 842/15.2T8SNT.L2, 4.ª Secção (Social), Relatora: Paula Sá Fernandes, no âmbito de ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho:
«Isenção de custas
A Ré havia invocado na contestação encontrar-se isenta de custas nos termos do art.º 4.º do Regulamento das Custa Processuais, por atuar no processo exclusivamente no âmbito dos seus fins estatutários e na defesa dos interesses que lhe são especialmente conferidos nos respetivos Estatutos, pedindo que lhe fosse reconhecida tal isenção.
Sem que tivesse sido expressamente analisada a verificação ou não dos pressupostos em que assentava tal pretensão, a sentença recorrida condenou a Ré nas custas do processo, assim a indeferindo.
A recorrente, vem nas respetivas conclusões suscitar a reapreciação da questão.
Afigura-se-nos que lhe assiste razão.
Nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais estão isentos de custas "as pessoas coletivas privadas, sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhe seja aplicada."
A BBB é uma Pessoa Coletiva de Direito Privado e Utilidade Publica Administrativa, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 1.º dos respetivos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n° 235/2008, de 3 de Dezembro,
Sob a epígrafe "fins estatutários", dispõe o art.º 4.º desses estatutos:
«1 - A BBB tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição crista e obras de … do seu compromisso originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de atividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia social.
2 - A BBB desenvolve ainda as atividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
3 - Para a realização dos seus fins estatutários, a BBB:
a) Cria, organiza e dirige estabelecimentos e serviços no âmbito das suas atividades, ou que lhe sejam atribuídos através de acordos de gestão celebrados com entidades privadas, públicas e sociais;
b) Desenvolve e prossegue modalidades de ação social em todas as valências nomeadamente nas áreas da infância e juventude, da família e comunidade, da população idosa, das pessoas portadoras de deficiência e de outros segmentos populacionais desprotegidos; (…)»
Como refere Salvador da Costa em anotação ao aludido artigo e alínea [[5]]:
"A isenção em apreço e motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espirito de lucro, realizem tarefas em prol do bem comum, o que a comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
Trata-se, porém, de uma isenção subjetiva de custas condicionada as circunstancias de não terem fins lucrativos e de atuarem nos processos judiciais, do lado ativo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.
…pode parecer que esta isenção não abrange as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições. Todavia, se o objeto de tais ações for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, incluindo as relativas aos contratos de trabalho, propendemos a considerar serem abrangidos pela isenção de custas em análise". [[6]]
Também nós propendemos para este entendimento, pelo que, tendo o contrato objeto do litigio dos autos sido celebrado ao abrigo do DL 141/89 de 28/4, no qual a Ré e reconhecida como instituição de suporte para a atividade que no âmbito da ação social, procede a prestação de serviços de apoio domiciliário, dúvidas não nos oferece que o mesmo é instrumental a realização de um dos fins estatutários da recorrente (como é a ação social que consiste na prestação de apoio domiciliário as famílias), fazendo por isso sentido que se considere verificada a previsão do art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, considerando-se assim a recorrente isenta de custas na ação, pelo que procede o recurso nesta parte.»
B – No sentido da não Isenção de Custas (todos publicados na DGSI ou na ECLI
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/12/2011, Processo n.º 68/08.1TTCBR-A.C2, 4.ª Secção (Social), Relatora: Manuela Fialho, com o seguinte Sumário:
«I – A isenção mencionada no art.º 4.º/1 – f) do RCJ (Regulamento das Custas Judiciais) não abrange as ações interpostas contra instituições particulares de solidariedade social em que estas defendam interesses conexos com relação laboral estabelecida com uma trabalhadora.
II – Não cabem na previsão normativa em causa as ações que tenham por objeto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/12/2012, Processo n.º 3892/11.4TBPTM-A.E1, Relatora: Maria Filomena Soares (recurso contraordenacional de natureza ambiental), com o seguinte Sumário:
«I – Segundo o Regulamento das Custas Processuais, as Instituições Particulares de Solidariedade Social só estão isentas de custas, para efeito de impugnação judicial de condenação administrativa por contraordenação, se o objeto dessa impugnação se situar no âmbito das suas atribuições e/ou defesa dos seus interesses, fixado pelo estatuto que as rege ou pela lei.
II - Tal isenção não se verifica quando, em concreto, a Instituição pretende impugnar as coimas que lhe foram aplicadas pela prática de contraordenações ambientais, se os interesses subjacentes à proteção dessas contraordenações não constam dos seus estatutos ou da lei.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/04/2015, Processo n.º 204/14.9TTVRL.G1, Relator: Antero Veiga, com o seguinte Sumário:
«1 - Estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto.
2 - A questão deve ser analisada tal como resulta da posição de ambas as partes.
3 - Se não foi celebrado um contrato de trabalho, mas sim um compromisso desportivo sem direito a remuneração, haverá isenção, uma vez que a requerente se dedica a promover e fomentar a prática de futebol não profissional.
4 - Se o jogador foi contratado mediante retribuição, já se extravasam aqueles fins, motivo pelo qual não deve haver isenção de custas.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/3/2017, Processo n.º 22455/16.1T8LSB.L1-4, 4.ª Secção (Social), Relatora: Celina Nóbrega, por maioria, com o seguinte Sumário:
«1. - De acordo com a al. f), do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
2. - Atua fora das condições referidas na al. f) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, a Ré, Instituição Particular de Solidariedade Social, no âmbito de uma ação em que é demandada para pagar diferenças salariais e uma indemnização por danos morais em virtude de contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré.» [[7]]
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/06/2017, Processo n.º 2734/16.9T8BCL-A.G1, Relatora: Vera Maria Sottomayor, com o seguinte Sumário:
«I – Estabelece a al. f), do n.º 1 do artigo 4.º do RCP que as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
II – Esta isenção não abrange, a ação declarativa emergentes de contrato de trabalho interpostas contra a Ré (…) do (…), em que se discute o reconhecimento de diferenças salariais resultantes do contrato de trabalho que vigorou entre Autora e Ré.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/06/2018, Processo n.º 988/17.2T8FAF.G1, Relator: José Alberto Moreira Dias, com o seguinte Sumário:
«1 - A isenção de custas prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP, não é uma isenção subjetiva pura, mas antes limitada, além de condicionada. É “limitada” porque a sua concessão não depende apenas da qualidade do sujeito, mas está ainda dependente da natureza das questões, direitos e interesses ou da relação material que é objeto da ação para a qual é requerida. É “condicionada”, porque apesar da isenção, a entidade que dela beneficia pode, a final, vir a ter de suportar as custas, nos termos do art.º 4.º, n.ºs 5 e 6 do RCP.
2 - Aquela isenção deve abranger as ações em que o respetivo objeto contenda exclusivamente com a satisfação dos fins especiais que, em função dos respetivos estatutos, incumbe à pessoa coletiva particular, sem fins lucrativos, prosseguir, ou em que esta prossegue a defesa dos interesses especiais que lhe são atribuídos por lei ou por esses estatutos, ainda que esses interesses e/ou fins sejam prosseguidos na ação por via instrumental, esta entendida nos termos que se passam a enunciar.
3 - A apreciação dessa instrumentalidade carece de ser feita por referência ao objeto da concreta ação em que aquela pessoa coletiva seja demandante ou demandada, com vista a verificar se o assunto em discussão nessa ação tem por objeto relações jurídicas estabelecidas por essa pessoa coletiva com terceiro (demandante ou demandado), com vista à prossecução das atribuições (fins) especiais que lhe são fixados pelos respetivos estatutos e/ou à defesa dos interesses especiais que lhe são conferidos por lei ou pelos respetivos estatutos, por serem uma decorrência natural do seu atuar na concretização desses fins e/ou interesses, quer por serem a concretização destes fins e/ou interesses, quer por serem necessários à concretização dos mesmos.
4 - A isenção do art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP, abrange as ações referidas em 3), como é o caso de uma ação instaurada por uma IPSS, cuja finalidade estatutária é o apoio à criança, jovens e idosos, a quem incumbe, na concretização desses fins estatutários, criar, manter e desenvolver creche, jardim-de-infância, ATL, colégio e lar, em que o objeto dessa ação é o alegado incumprimento de um contrato de locação financeiro celebrado pelo IPSS com as demandadas, cujo objeto é um leitor biométrico, que aquela locou com vista a colocá-lo nas suas instalações para controlar, diária e permanentemente, a entrada e saída de alunos, professores, funcionários e visitantes nessas instalações.»
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8/8/2018, Processo n.º 0394/18, Relator: José Veloso (Intimação com vista a prestação de informações de saúde)   
«6. A ora recorrente solicitou, enquanto requerida, e no articulado «resposta» [ver artigo 107.º CPTA], que fosse considerada a sua isenção de custas ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais [RCP], segundo o qual «As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável».
As instâncias negaram tal isenção, por entenderem que este caso «nada tem a ver com os fins estatutários prosseguidos pela requerida na área da saúde, ou outra. Cumprir o artigo o artigo 268.º n.º 2 da CRP e a Lei 26/2016 não faz parte dos fins estatutários de ninguém, das atribuições legais de qualquer entidade. É um dever legal e constitucional. Não cabe, assim, na previsão do artigo 4.º, n.º 1 alínea f), do RCP».
E esta decisão deverá ser mantida.
Na verdade, e não obstante alguns sectores da doutrina, e jurisprudência, virem entendendo que a «isenção de custas» da citada alínea f) também se aplica às atuações das entidades em causa que sejam instrumentais das suas atribuições, cremos que esta extensão não se compagina com a exigência limitativa imposta pelo legislador. De facto, ao limitar a isenção de custas à atuação desenvolvida exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições o legislador arreda, a nosso ver, essa hipótese.
O que significa que, mesmo a entender-se que o dever constitucional e legal de prestar informações de saúde, imposto in casuà BBB.., é «instrumental» da sua «atribuição» de prestar cuidados de saúde prioritariamente aos mais desprotegidos [artigo 4.º, n.º 1, dos seus Estatutos], mesmo assim não deixaria de configurar uma imposição geral, não exclusiva, ou redutível às suas especiais atribuições.
Deste modo, relativamente ao segmento do recurso de revista sobre a «isenção de custas», deve ser-lhe, também, negado provimento, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido».
D – ISENÇÃO DE CUSTAS DA RÉ
Chegados aqui, importa tomar posição relativamente à controvérsia em torno do direito à isenção de custas, nos termos da alínea f) do número 1 e dos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP, que é aqui reclamada pela Ré.
Afigura-se-nos relevante recordar o que o anterior Código das Custas Judiciais [[8]] consagrava, quanto a esta matéria, na redação que foi dada, por último, ao seu artigo 2.º, pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27/12:
Artigo 2.º
Isenções subjetivas
1 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas:
a) (…)
b) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;
c) As instituições particulares de solidariedade social;
d) (…)
2 - Os representantes das instituições particulares de segurança social e das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa são pessoalmente e entre si solidariamente responsáveis pelo pagamento de custas quando, vencida a representada, se mostre que atuaram no processo por interesses ou motivos estranhos às suas funções.     
Se confrontarmos tal anterior regime de isenção de custas com o atual, verificamos que se no pretérito, bastava possuir a qualidade de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa ou de instituição particular de solidariedade social, para beneficiar da isenção subjetiva de custas contemplada no transcrito artigo 2.º do CCJ revogado, agora deparamo-nos com uma Isenção de Custas limitada e condicionado, nos moldes referidos no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães prolatado no processo n.º 192/14.1TTVRL.G1, pelo Juiz-Desembargador Antero Veiga, que não se achando publicado na Internet, é reproduzido em parte no voto de vencido do Juiz-Desembargador Sérgio Almeida, que acima referimos na Nota de Pé de Página n.º 7.
Confrontamo-nos aqui, por um lado e em termos doutrinários, com uma progressiva alteração da posição do Juiz-conselheiro Salvador da Costa, num sentido de uma interpretação cada vez mais apertada e restrita de tal isenção de custas, por referência à natureza instrumental de muitos dos litígios judiciais em que a mesma figura como parte, ao passo que a nossa jurisprudência, em traços grosso e pouco rigorosos, se divide entre uma concessão total ou quase total de tal isenção à Ré e uma retirada ou exclusão também drástica e quase absoluta da mesma às Misericórdias, em função, essencialmente, da exigência legal de atuação exclusiva «no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável».
Afigura-se-nos, quanto a esta problemática e à leitura do preceito legal em causa, que, salvo o devido respeito e como se usa dizer na gíria popular, «nem tanto ao mar, nem tanto à terra», ou seja, não se pode pretender extrair de tal alínea f) do número 1 do artigo 4.º do RCP um conteúdo, sentido e alcance que, na prática, conduza aos mesmos resultados do anterior regime do CCJ (as misericórdias estão normalmente isentas de custas), como também não se pode, em moldes inversos, esvaziar de tal forma o espírito e a letra da lei que, em concreto, nada ou muito pouco ali caiba em termos de previsão e estatuição.
Como bem afirma e pergunta o Juiz-Desembargador Sérgio Almeida, a partir do que é defendido pelo Juiz-Desembargador Antero Veiga no dito Aresto do TRG, «um entendimento puramente literal praticamente excluirá, em grande medida, a aplicabilidade desta norma. Senão vejamos: quando é que uma entidade como a recorrente atua em defesa dos interesses que lhe são confiados? Excluído tudo o que anda em derredor do core ou núcleo mais central dos interesses em causa, o que fica?»              
Pensamos que a regra aqui em análise obriga a uma interpretação objetivamente mais compreensiva e abrangente das realidades que lhe podem estar subjacentes e que, em grande medida, passam por uma apreciação casuística dos litígios trazidos a tribunal ou, pelo menos, do tipo ou espécie de ações, que pela sua relação instrumental com as referidas especiais atribuições e interesses prosseguidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, segundo os seus estatutos e o regime legal aplicável, poderão, em regra, beneficiar, à partida dessa isenção de custas, tudo sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 4.º do RCP.
Temos para nós que existirão muitas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos que, pela sua dimensão e natureza da sua atividade, se sustentarão fundamentalmente na carolice e trabalho voluntário dos seus sócios e demais colaboradores, mas certamente outras, como a Ré BBB, terão absoluta necessidade de celebrar contratos onerosos de trabalho e de prestação de serviços com terceiros, por só assim lhes ser possível prosseguir as suas particulares atribuições e específicos interesses que, como sabemos no caso concreto e resulta dos próprios Estatutos da instituição aqui em causa, são múltiplos, variados e ambiciosos em termos sociais.
Ora, a ser assim, não vemos que não possam caber dentro do âmbito de aplicação da mencionada norma ações laborais emergentes de contrato de trabalho ou de acidentes de trabalho como a dos autos, por força dessa relação instrumental (mesmo essencial) com as funções e fins multifacetados que pela Ré são perseguidos e prosseguidos.
Revelando-se essas relações de trabalho subordinado como absolutamente necessárias ao funcionamento da Ré e à realização dos seus fins e decorrendo de tais vínculos e do risco da autoridade e da atividade profissional a eles inerente a ocorrência de acidentes de trabalho, pensamos que, em regra, não se poderá negar tal isenção de custas à Apelante, ainda que condicionada ao desfecho final da ação laboral, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP.
Salvador da Costa, segunda obra citada, a páginas 124 e na resenha de jurisprudência que aí faz refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/4/2014, que se mostra publicado na C.J., Ano XXXIX, Tomo 2, página 264, que possui o seguinte Sumário:
«Uma associação desportiva cujo fim é o de fomentar e praticar desporto, demandada em ação emergente de acidente de trabalho ocorrido com o seu treinador de futebol, beneficia de isenção de custas, porque a defesa na ação é instrumental face ao seu escopo social».                                  
Logo, pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o presente recurso de Apelação da Ré BBB, com a inerente revogação do despacho recorrido e sua substituição pelo reconhecimento, ainda que sem olvidar o disposto nos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP, da isenção de custas aquela.
IV – DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º, do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por BBB, nessa medida se revogando o despacho recorrido e se substituindo o mesmo pelo reconhecimento, ainda que sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP, da isenção de custas aquela entidade.
Sem custas, dado delas estar isenta a Ré Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 04 de dezembro de 2019     
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
_______________________________________________________
[1] «Este diploma foi alterado pela Lei 0.° 40/2007, de 24 de Agosto e pelo Decreto­-Lei n.º 391/2007, de 13 de Dezembro» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 81.
[2] «Sobre o caso particular do (…), vejam-se os Decretos-Leis n.ºs 46 301, de 27 de Abril de 1965, e 46 668, de 24 de Novem­bro de 1965, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Novembro de 2007. Processo n.° 3343/2008, 2.ª Secção, em que aquela entidade foi implicitamente considerada isenta do pagamento de custas.» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 82.
[3] «Pese embora o entendimento doutrinal que a considera um instituto público, com fundamento no atual sistema de nomeação pelo Governo dos seus órgãos de gestão o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da Republica considerou a BBB como pessoa coletiva de utilidade pública administrativa (Parecer n.º 11/95, de 29 de Marco de 1996 (Diário da República, II Serie, de 4 de Janeiro de 1997)» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 83.
[4] «Veja-se, a propósito, o Ac. da RG, de 30.06.2016, Processo n.º 846/14.2T8BCL.G1. A RP decidiu que esta isenção não abrange os embargos de executado nem a oposição à penhora instaurados no âmbito da execução movida contra um clube desportivo, por aquele processo nada ter a ver com as suas espe­ciais atribuições nem com a defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto ou pela lei (Ac. de 29.06.2015, Processo 0356/11 8TTPRT-D.P1). O Ac. do TCAS, de 23.03.2011, decidiu que os sindicatos gozam desta isenção nas intimações para a prestação de informações (Processo n.9 07307/11).» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 3.


[5] «Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 4a ed., pág. 188 e 189» - NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 13.
[6] «Sublinhado da nossa responsabilidade.» NOTA DE PÉ DE PÁGINA DO TEXTO TRANSCRITO COM O NÚMERO 14.
[7] O voto de vencido do Juiz-Desembargador Sérgio Almeida é do seguinte teor:
«Importa ter presente o sentido da isenção concedida pelo art.º 4/1/f do Regulamento das Custas Judiciais. Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, 5.ª ed., Almedina, 2013, pág. 159, refere que esta “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum”.
Como referiu o acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 192/14.1TTVRL.G1 (relat. Antero Veiga), "com a isenção pretende-se o estímulo e facilitação na prossecução de fins de interesse público, de tarefas que interessam à comunidade em geral, por entes privados e de forma desinteressada. Como resulta do normativo esta isenção subjetiva apresenta duas caraterísticas peculiares: é limitada e condicionada. Limitada porque não depende apenas da qualidade do sujeito, dependendo ainda dos concretos contornos da ação para a qual se pretende a mesma. Estão abrangidas as ações em que a pessoa coletiva defenda interesses relacionados exclusivamente com as suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável. Estaremos a falar de direitos e/ou obrigações necessárias e decorrentes ao normal atuar da pessoa, tendo em vista alcançar os fins de interesse público em razão dos quais foi erigida. Condicionada, porque pode a final vir a suportar custas, nos termos do nº 5 e 6 do normativo".
É sabido que “esta isenção não abrange as ações que não tenham por fim direto a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos” - Salvador da Costa, op. cit., 160 -, e nem, acrescente-se, os interesses relacionados exclusivamente com as suas especiais atribuições.
Há isenção, pois, apenas em dois casos.
O ponto está em efetuar a interpretação da previsão concernente a estas duas situações, de modo a apurar se são abrangidas apenas as situações em que diretamente esteja em causa aquelas especiais atribuições e interesses, ou se algo mais pode ser abrangido, sob pena de não se atingir o desiderato da norma.
Como exarou o citado acórdão da R. Guimarães: "Uma interpretação estritamente literal, admitindo a inserção apenas quando as ações tenham a ver diretamente com as especiais atribuições ou sejam para defender os interesses especialmente conferidos à pessoa coletiva, não nos parece a mais conforme com os objetivos da concessão da isenção, com a ratio da norma. Contudo, falar-se simplesmente de uma “instrumentalidade”, como bastante, implicará colocar na norma aquilo que o legislador não pretendeu aí colocar. Tratando-se de pessoa coletiva que não distribui lucros, facilmente se encaixaria todo o tipo de ações nos pressupostos necessários à isenção, inutilizando o caráter limitado prescrito na norma. Se o legislador assim o tivesse pretendido, bastaria conceder a isenção subjetiva tout court. Importará caso a caso verificar se o assunto sub judice é “decorrência natural” do atuar da pessoa na prossecução daquelas atribuições e/ou interesses, quer porque, a jusante, decorrentes dessa prossecução; quer porque, a montante, necessário à mesma. Assim, uma festa tendo em vista angariar fundos, para usar o exemplo dado no Ac. RP de 14/1/2014, processo n.º 1026/12.7TVPRT.P1, não se encaixará nos pressupostos, conquanto seja instrumental, não é necessária ao objetivo nem decorre da prossecução do mesmo. Uma demanda laboral poderá ou não encaixar-se. Encaixar-se-á uma demanda por exemplo de uma cozinheira de uma instituição que serve refeições gratuitas, a demanda é decorrência da prossecução do objetivo, a cozinheira foi contratada para o efeito de prosseguir naquele. O caso concretamente analisado no acórdão acima referido, conquanto não decorra da prossecução do objetivo, poderá encaixar-se como demanda necessária à prossecução daquele. Não se encaixarão aquelas que não decorrem da prossecução daquelas atribuições, nem são necessárias à mesma".
Concordamos: um entendimento puramente literal praticamente excluirá, em grande medida, a aplicabilidade desta norma. Senão vejamos: quando é que uma entidade como a recorrente atua em defesa dos interesses que lhe são confiados? Excluído tudo o que anda em derredor do core ou núcleo mais central dos interesses em causa, o que fica? Será que pode litigar acerca dos programas e metodologias de ensino?
Cremos que existem assuntos que decorrem naturalmente, a montante ou jusante, daqueles interesses, e que são ainda necessários à prossecução dos interesses da entidade particular de solidariedade social. No caso, o que concerne à contratação de professores e às suas instalações. No primeiro poderemos ter o que se prende com os contratos de trabalho dos professores, elementos sem os quais a Ré não funciona; o segundo com a defesa do local onde presta a sua atividade (v.g. uma defesa contra uma ocupação indevida por terceiros das instalações onde são dadas aulas).
É que em ambos a pessoa age ainda necessariamente para a prossecução dos objetivos que justificam a isenção.
O reconhecimento da isenção há-de ver-se do resultado da posição de ambas as partes.
Isto acarreta o reconhecimento porventura precário da isenção, dado que mais adiante poder-se-á apurar que aquela situação não se enquadra (v.g. aquele professor foi contratado para lecionar algo que nada tem a ver com os fins para que foi reconhecida a utilidade à instituição). Nesse caso, terá de suportar afinal as custas. Mas a possibilidade de se concluir adiante que não tem isenção já a lei consagra apertis verbis nos n.ºs 5 e 6 do referido art.º 4, quando estipula que "5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido. 6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida", normas estas que são aplicáveis verificados os respetivos pressupostos (o que tem toda a razão de ser, dado que se, por hipótese, a Ré empregadora precipita a litigiosidade deixando de cumprir as obrigações a que está obrigada, levando os trabalhadores a demandarem-na, está fora das razões que levaram a lei a admitir a isenção subjetiva, pelo que deve pagar por inteiro as custas a que deu azo).»
[8] Segundo nos informa a base de dados DATA JURIS: «O texto do Código das Custas Judiciais foi elaborado com base na republicação pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
O Código das Custas Judiciais foi aprovado pelo Decreto-lei n.º 224-A/96, de 26-11, e alterado por:
- Declaração de Retificação n.º 4-B/97, de 31 de Janeiro;
- Decreto-Lei n.º 91/97, de 22 de Abril;
- Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;
- Decreto-Lei n.º 304/99, de 6 de Agosto;
- Decreto-Lei n.º 320-B/2000, de 15 de Dezembro;
- Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro;
- Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março de 2003, (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003 de 30-4);
- Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, (retificado pela Declaração de Retificação n.º 26/2004, de 24-2);
- Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto;
- Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro,
- Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e
- Revogado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08 que altera o início de vigência para 1 de Janeiro de 2009, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, que altera o início de vigência para 20 de Abril de 2009.»