Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3237/15.4TDLSB-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA ACÇÃO PENAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - A suspensão do processo penal tem lugar quando for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, ou seja quando exista questão não penal que pertença ao núcleo dos factos pertinentes ao conhecimento «da existência de um crime».
- Pretendendo-se a suspensão do processo, para o que se invoca acção pendente no STJ que tem como objecto uma questão prejudicial para o processo penal, a decisão que nega tal pretensão por considerar não existir, no caso, a prejudicialidade substantiva, move-se dentro de um poder vinculado. Diferentemente, a decisão que se pronuncie exclusivamente sobre a conveniência ou inconveniência da resolução da questão substantiva no processo penal assume já natureza discricionária e, como tal, insindicável pelo tribunal de recurso (art.º 400, n.º 1, b), do CPP)”.
- Sendo, no caso dos presentes autos, o objecto de julgamento «um conjunto de afirmações alegadamente feitas pelo arguido, no âmbito de um depoimento prestado, na qualidade de testemunha, na audiência de julgamento de um processo pendente na jurisdição laboral, que, no entender do assistente, consubstanciam factos falsos, susceptíveis de integrar a prática do crime por que vem pronunciado», ou seja, o crime de falsidade de testemunho, saber se as aludidas afirmações feitas pelo arguido em julgamento no tribunal do trabalho são falsas, ou seja, saber se o arguido mentiu naquela qualidade de testemunha, prestando depoimento falso, é um pressuposto do respectivo tipo objectivo, previsto no artigo 360.º, n.º 1, do CP, tratando-se, pois, da questão fundamental para a verificação do crime imputado ao arguido, a qual está claramente incluída na competência própria do tribunal criminal, onde pode e deve ser feita a respectiva prova.
- Na verdade, se o depoimento do arguido no processo laboral for considerado não credível, tal não implica necessariamente que estejamos perante um depoimento falso, assim como, a declaração da sua falsidade no tribunal criminal não contende com a falta de credibilidade na valoração feita pelo tribunal do trabalho. Todavia, na situação contrária, se neste último tribunal o mesmo depoimento for considerado credível na nova decisão a proferir e servir de fundamento à convicção formada pelo julgador, tal seria frontalmente incompatível com a decisão do tribunal criminal que condenasse o arguido por depoimento falso.
- A decisão de suspender o processo penal, no caso, tem em vista evitar que, para salvaguarda da unidade do sistema jurídico e da harmonia das decisões judiciais, sejam proferidas decisões contrárias e incompatíveis quanto à apreciação e valoração do depoimento prestado pelo aqui arguido no processo laboral, na qualidade de testemunha, preocupação que, pela sua relevância, justifica o adiamento do julgamento criminal, até se saber qual a apreciação definitiva, feita pelo tribunal do trabalho, quanto à credibilidade do depoimento em causa.
- Porém, a suspensão dos termos do processo não pode vigorar por tempo ilimitado, pelo que, não devia a decisão recorrida limitar-se a fixar para o seu termo o trânsito em julgado da decisão a proferir no processo laboral, mas fixar um prazo para tal, susceptível de prorrogação se necessário, sem ultrapassar um ano, face ao disposto no n.º 4 do artigo 7.º, do CPP, para evitar o perigo de ocorrer uma grande e desajustada dilação até ao aludido trânsito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
1. Na sequência da pronúncia do arguido N. pela prática de um crime de falsidade de testemunho e de um crime de falsificação de documento, iniciou-se o respectivo julgamento no Juízo Local Criminal de Lisboa (J10), Comarca de Lisboa, no decurso do qual foi proferido o despacho de 4/02/2019 (constante de fls. 12 a 14v.º destes autos), que determinou a suspensão da audiência de julgamento, até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no Processo n.º 3121/13.6TTLSB do Tribunal do Trabalho (Juiz3), da Comarca de Lisboa, com o fundamento de que a pendência de tal processo constitui causa prejudicial para a decisão a tomar nos presentes autos.
2. Não se conformando com a decisão, o assistente LS  , interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:
A) O recorrente impugna, para todos os efeitos legais, o douto despacho de 04/02/2019, que decide suspender a instância penal, relativamente à consideração da existência de causa prejudicial do Proc. n.° 3121/13.6TTLSB (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, J3) relativamente aos presentes autos;
B) Entende o recorrente verificar-se nulidades incursas no disposto no art. 118.° do C.P.P., relativamente ao douto despacho impugnado, o que se argui para todos os efeitos legais, porquanto o mencionado despacho não respeita nomeadamente o disposto nos n.°/s 2 e 4 do art. 7.° do C.P.P., omitindo a respetiva fundamentação material em face da disposição legal invocada (cfr. art. 97.°, n.° do C.P.P.);
C) Consideram-se não verificados os pressupostos de que depende a suspensão dos presentes autos de processo criminal à luz do disposto no art. 7.°, n.° 2 do CPP, por não haver, “in casu”, causa prejudicial que o justifique, nem ser a presente causa prejudicada pela decisão a ocorrer em processo de trabalho.
D) Requer-se a revogação da decisão de sobrestar a audiência de julgamento até ao trânsito em Julgado da decisão a proferir em processo de trabalho.
E) Devendo ser emitida decisão que ordene a continuação da audiência em processo penal com a finalidade de preservação da prova já produzida e a produzir nos autos, com a celeridade que permita produção de decisão em tempo útil.
3. Admitido o recurso, na respectiva resposta o Ministério Público manifestou o entendimento de que «não existe causa prejudicial em sentido estrito, nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, nada obstando a que os autos prossigam para julgamento».
4. Subidos os autos, neste Tribunal da Relação a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta aderiu à resposta apresentada pelo MP em primeira instância.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.
6. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos a que se refere o artigo 418.º, n.º 1, do mesmo Código e teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO:
1. Vejamos, em primeiro lugar, os fundamentos do despacho recorrido, reproduzindo-se o seu teor:
«O Ministério Público, findo o inquérito, proferiu o despacho de arquivamento que consta de fls. 242 a 245, por entender que os autos não continham indícios da prática dos crimes de falsidade de testemunho e falsificação de documento pelos quais o assistente apresentou queixa.
Inconformado, o assistente LS   requereu a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia do arguido pela pratica dos crimes de falsidade de testemunho e de falsificação de documento, p. e p., respectivamente, pelos artigos 360.°, n.° 1 e n.° 3 e 256.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal.
Inicialmente foi indeferido o RAI quanto ao crime de falsificação de documentos; no entanto Tribunal da Relação de Lisboa revogou tal indeferimento indicando o objecto de tal tipo de crime a considerar.
Por outro lado, tendo sido proferida decisão de não pronúncia quanto ao crime de falsidade de testemunho, o Tribunal da Relação de Lisboa determinou o proferimento de novo despacho declarando a nulidade do primitivo.
Proferido segundo despacho no termo da fase de instrução, o arguido foi pronunciado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo art.° 360°, n.°s 1 e 3 do Código Penal, pelos factos descritos nos pontos 25 a 39, 42 a 47 e 50 a 51 do requerimento de abertura de instrução.
Ultrapassadas várias vicissitudes processuais (interposição de recurso desta decisão julgado improcedente e subsequente reclamação, indeferida), os autos foram recebidos na fase de julgamento.
Designada e iniciada a respectiva audiência, no decorrer da mesma, apurou-se, das declarações prestadas pelos inquiridos, que a sentença proferida no processo n.° 3237/15.4TDLSB (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, J3), na sequência da audiência na qual foi prestado o depoimento objecto destes autos, ainda não transitou em julgado.
Encontra-se junta aos autos certidão atestando tal facto - fls. 724-741, bem como certidão das alegações do recorrente, apresentadas no recurso pendente daquela decisão.
Notificados para se pronunciar, o Ministério Público e o assistente pugnam pela inexistência de causa prejudicial, alegando o assistente que, no seu entender, a boa decisão da causa penal, não está dependente da decisão final a proferir no processo em referência.
Cumpre apreciar:
Como pressuposto da decisão importa consignar que em processo penal a suspensão dos autos deve decorrer exclusivamente da necessidade de conhecer uma questão não penal, objecto da competência de um tribunal não criminal, sendo inaplicáveis na matéria as regras do processo civil (cf. neste sentido Ac. TRL de 1-10-2013, CJ, 2013, T4, pág.145).
Daqui resulta que, ao caso concreto deverá aplicar-se exclusivamente a disciplina consagrada no art.° 7° do Código de Processo Penal: “O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
2  - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.
3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova.
4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal” (cf. art.° 7° do Código de Processo Penal).
Conforme melhor se refere no Ac. TRC de 23-05-2012 (disponível in www.dgsi.pt) em matéria de devolução de questões prejudiciais para processo não penal, o legislador optou por um regime de discricionariedade juridicamente vinculada.
O critério legal que vincula esse poder discricionário assenta cumulativamente nos requisitos da «necessidade» e na «conveniência», exigindo ainda a autonomia e a anterioridade da questão prejudicial relativamente à questão prejudicada.
a) A «necessidade» reporta-se aos elementos do tipo legal de crime e pressupõe a indispensabilidade de conhecimento da questão dita prejudicial em termos tais que a questão penal não poderá sequer ser decidida sem a prévia decisão da questão prejudicial;
b)  A «conveniência» deverá resultar de razões de natureza subjectiva ou processual, como seja a decisão por um tribunal de competência específica ou a utilização de uma determinada tramitação ou forma processual dificilmente compatível com a prevista para o processo penal;
c) A «autonomia» relativamente à questão prejudicada traduz-se em a questão prejudicial poder ser tratada como questão juridicamente autónoma, susceptível de constituir objecto de um processo específico;
d) A sua «anterioridade» relativamente à questão prejudicada significa que a questão prejudicial deve ser pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal (pré-existente do ponto de vista fáctico; a natureza prévia do ponto de vista jurídico, aquilo a que a doutrina chama a antecedência lógico-jurídica, está abrangida na necessidade do conhecimento da questão prévia).
No caso dos autos, está sob julgamento um conjunto de afirmações alegadamente feitas pelo arguido, no âmbito de um depoimento prestado, na qualidade de testemunha, na audiência de julgamento de um processo pendente na jurisdição laboral, que, no entender do assistente, consubstanciam factos falsos, susceptíveis de integrar a prática do crime por que vem pronunciado.
Os factos concretos resumem-se às seguintes declarações imputadas ao arguido:
Ser director financeiro da sociedade B. (...);
Declarar conhecer o aqui assistente, autor naquele processo pendente na jurisdição laboral, por ter trabalhado na sociedade (...);
Ter declarado não conhecer a natureza do contrato entre o aqui assistente e a sociedade B. por esta ter cerca de 400 trabalhadores (...);
Ter feito referência à existência de queixas de um cliente da sociedade B. relativas ao assistente, enquanto funcionário;
Ter afirmado desconhecer as razões que levaram à colocação de outro trabalhador, com experiencia e qualificações inferiores às do assistente, noutra empresa cliente da B. em detrimento do assistente (...);
Ter afirmado que a comunicação à segurança social das folhas de vencimento do aqui assistente em data posterior a 30.04.2013 se deveu às características de automaticidade do programa informático em uso naquela empresa para o efeito.
Importa precisar que o que está em causa no processo n.° 3121/13.6TTLSB é o reconhecimento do direito à resolução do despedimento com justa causa pretendido pelo aqui assistente, ali autor, contra a sociedade B. , Lda, no âmbito de cuja audiência de julgamento apenas foi produzida prova documental e por depoimento exclusivo do aqui arguido.
Importa também consignar que a referida acção, objecto de recurso intentado pelo assistente (nela autor) foi julgada parcialmente procedente, decaindo o autor parcialmente na sua pretensão, e que, a decisão da matéria de facto provada e não provada se alicerçou, também, no depoimento prestado pelo aqui arguido.
Do quanto se expos, face à pendencia de recurso daquela decisão, e porque o recurso em causa versa sobre matéria de facto e de direito (cf. alegações de recurso de fls. 753 e seguintes) do que resulta, consequentemente, uma possibilidade de alteração da matéria de facto ali consignada como provada.
Perante este cenário, impõe-se a conclusão de que, independentemente da verdade material que nem sempre é susceptível de ser apreendida pelos Tribunais, a verdade jurídica acerca do objecto do litigio no processo pendente na jurisdição laboral, e consequentemente a falsidade ou veracidade das declarações do arguido, naquela audiência de julgamento, não está estabilizada, sendo indispensável (necessário) aguardar o transito em julgado daquela decisão, para correcto apuramento dos elementos típicos do crime por que o arguido vem pronunciado.
Por outro lado, não pode olvidar-se que seria uma incongruência do sistema de justiça, julgar-se o arguido pela prática de crime de falsidade de testemunho prestado em audiência de julgamento, decidindo-se, a final, pela veracidade ou falsidade das afirmações que lhe são imputadas, correndo o risco de ser atribuído àquele depoimento credibilidade que sustenta a decisão.
Por fim, sempre se dirá que, abstraindo dos factores elencados, na hipótese de uma decisão final condenatória neste autos, se o peso do depoimento objecto destes autos na decisão final a proferir no processo em que foi prestado não constitui elemento típico do crime, sempre terá relevância determinante numa hipotética pena a aplicar, donde sempre se verifica preenchido também o critério da conveniência acima elencado.
Por todo o exposto, porque os demais critérios referidos (autonomia e anterioridade) estão também preenchidos, entende-se que a pendencia do processo 3121/13.6TTLSB constitui causa prejudicial nos presentes autos, devendo sobrestar a audiência de julgamento até ao trânsito em julgado da decisão ali proferida - cf. art.° 7°, do Código de Processo Penal.
Notifique.
*
Face ao lapso de tempo já decorrido, solicite ao processo em causa informação sobre o estado dos autos.»
2. O tribunal recorrido sustentou aquela decisão, em despacho posteriormente proferido (a 15/07/2019, conforme decorre de fls. 11), do seguinte teor:
«Em cumprimento do disposto no art.° 414°, n.° 4 do CPP o Tribunal recorrido mantém integralmente a decisão sob recurso, nos termos e com os fundamentos exarados no respectivo despacho, ao que se acrescenta que, conforme se alcança do dispositivo do acórdão do TRL proferido no proc.° n.° 3121/13.6TTLSB.L2 (fls. 782 e ss.), a apelação interposta obteve provimento parcial sendo, além do mais, ordenada a reabertura da audiência para ser proferida decisão que se pronuncie sobre o teor de documentos não ponderados pela primeira instância.
Ora, a reapreciação da matéria de facto determinada pelo TRL poderá levar a uma alteração do sentido da decisão e consequentemente a uma diferente valoração do depoimento ali prestado pelo aqui arguido, sendo incoerente e susceptível de originar soluções jurídicas que colocam em crise a unidade do sistema, apreciar da verdade ou falsidade do declarado, antes do Tribunal destinatário da declaração tomar posição sobre tal conteúdo.
Pelos fundamentos expostos, mantem-se integralmente a decisão recorrida.
...»
3. Contrariamente ao invocado pelo recorrente, o despacho recorrido não padece de qualquer nulidade, nomeadamente, da alegada falta de fundamentação.
Vigora nesta matéria o princípio da legalidade, consagrado no artigo 118.º, do CPP, segundo o qual, «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei».
No que concerne à fundamentação das decisões judiciais, determina o artigo 205.º, n.º 1, da CRP, que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Sem prejuízo da existência de disposições específicas que fixam os requisitos de determinados actos processuais mais relevantes - como são os casos do art. 374.º, que fixa os requisitos da sentença e elenca no subsequente art. 379.º, n.º 1, os casos de nulidade, por inobservância de alguns desses requisitos, e do art. 194.º, n.º 6, relativamente aos fundamentos do despacho que aplica uma medida de coacção diferente do TIR -, quanto aos despachos em geral vigora o disposto no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, segundo o qual, «os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
No caso em presença, tratando-se de um despacho em que a lei não exige requisitos particulares e que, por isso, está sujeito à disciplina do último normativo mencionado, na eventualidade de total ausência de fundamentação haveria uma mera irregularidade, sujeita ao formalismo do art. 123.º, do CPP, nunca traduzindo uma nulidade, porque não prevista na lei. Consequentemente, estando a decisão minimamente fundamentada, ainda que de forma muito sucinta, não há qualquer tipo de invalidade.
Sucede que, o despacho recorrido está amplamente fundamentado, dando o tribunal a conhecer, minuciosamente, as razões pelas quais decidiu no sentido em que o fez, pelo que, cumpre satisfatoriamente as exigências do n.º 5 do mencionado artigo 97.º, que é o bastante para afastar a existência de qualquer irregularidade.
A eventual não demonstração no despacho recorrido da verificação dos pressupostos enunciados no art. 7.º, n.ºs 2 e 4 do CPP, conforme alegado pelo recorrente, teria a ver com o mérito da decisão, podendo tal lacuna conduzir à procedência do recurso e revogação do despacho recorrido, nunca à declaração da sua nulidade, a qual não é cominada pela aludida norma, ou por qualquer outra do mesmo Código.
Conclui-se, pois, pela inexistência de qualquer nulidade que afecte o despacho recorrido.
4. Foi o mesmo proferido ao abrigo do aludido artigo 7.º, do CPP, cujo teor se mostra integralmente transcrito na decisão recorrida e que, por isso, nos dispensamos de o repetir, aí se determinando, sob o título de suficiência do processo penal, que «o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa» e «quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente».
Também se prevê na referida norma que tal suspensão pode ser ordenada oficiosamente pelo tribunal (cfr. n.º 3), como o foi no presente caso.
Daquela resulta, inquestionavelmente, que a suspensão tem lugar quando for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal.
Como se refere no sumário do acórdão do STJ de 17-02-1999 (relatado pelo Sr. Cons. Virgílio Oliveira e proferido no Proc. n.º 1202/98 - 3.ª Secção, consultável em Sumários do STJ, www.dgsi.pt/stj) “o tribunal só pode suspender o processo penal quando exista questão não penal que pertença ao núcleo dos factos pertinentes ao conhecimento «da existência de um crime». Releva, pois, a prejudicialidade substantiva, inerente aos elementos essenciais do crime, sobre a qual pode ou não ocorrer a prejudicialidade processual, consoante o tribunal, no seu prudente arbítrio, entenda ou não que a questão não penal pode ser convenientemente resolvida no processo penal. Pretendendo o arguido a suspensão do processo, para o que invoca acção pendente no STJ que tem como objecto uma questão prejudicial para o processo penal, a decisão que nega tal pretensão por considerar não existir, no caso, a prejudicialidade substantiva, move-se dentro de um poder vinculado. Diferentemente, a decisão que se pronuncie exclusivamente sobre a conveniência ou inconveniência da resolução da questão substantiva no processo penal assume já natureza discricionária e, como tal, insindicável pelo tribunal de recurso (art.º 400, n.º 1, b), do CPP)”.
No caso dos presentes autos, o objecto de julgamento é, como mencionado no despacho sob recurso, «um conjunto de afirmações alegadamente feitas pelo arguido, no âmbito de um depoimento prestado, na qualidade de testemunha, na audiência de julgamento de um processo pendente na jurisdição laboral, que, no entender do assistente, consubstanciam factos falsos, susceptíveis de integrar a prática do crime por que vem pronunciado», ou seja, o crime de falsidade de testemunho.
Saber se as aludidas afirmações feitas pelo arguido em julgamento no tribunal do trabalho são falsas, ou seja, saber se o arguido mentiu naquela qualidade de testemunha, prestando depoimento falso, é um pressuposto do respectivo tipo objectivo, previsto no artigo 360.º, n.º 1, do CP, tratando-se, pois, da questão fundamental para a verificação do crime imputado ao arguido, a qual está claramente incluída na competência própria do tribunal criminal, onde pode e deve ser feita a respectiva prova.
Por isso, o que aqui está verdadeiramente em causa, não é uma questão de prejudicialidade substantiva da questão laboral face ao processo criminal, mas sim um problema de conveniência ou inconveniência em que o julgamento penal prossiga, para prova da falsidade das ditas declarações do arguido no tribunal do trabalho, sem que a respectiva acção esteja finda, o mesmo é dizer, sem que o tribunal, perante o qual foram produzidas as declarações pretensamente falsas, tenha valorado estas, ou seja, sem que o mesmo se tenha pronunciado, de modo definitivo, quanto à credibilidade que tais declarações lhe mereceram.
A prova a produzir quanto à questão da falsidade do depoimento, no tribunal criminal, não será seguramente diferente da que foi produzida no processo laboral, não se podendo olvidar, como referido no despacho impugnado, que «seria uma incongruência do sistema de justiça, julgar-se o arguido pela prática de crime de falsidade de testemunho prestado em audiência de julgamento, decidindo-se, a final, pela veracidade ou falsidade das afirmações que lhe são imputadas, correndo o risco de ser atribuído àquele depoimento credibilidade que sustenta a decisão» ou, como se afirma no despacho de sustentação, «a reapreciação da matéria de facto» no processo laboral «poderá levar a uma alteração do sentido da decisão» que havia sido proferida pelo tribunal do trabalho e que foi revogada pela Relação e, «consequentemente, a uma diferente valoração do depoimento ali prestado pelo aqui arguido, sendo incoerente e susceptível de originar soluções jurídicas que colocam em crise a unidade do sistema, apreciar da verdade ou falsidade do declarado, antes do Tribunal destinatário da declaração tomar posição sobre tal conteúdo».
Na verdade, se o depoimento do arguido no processo laboral for considerado não credível, tal não implica necessariamente que estejamos perante um depoimento falso, assim como, a declaração da sua falsidade no tribunal criminal não contende com a falta de credibilidade na valoração feita pelo tribunal do trabalho. Todavia, na situação contrária, se neste último tribunal o mesmo depoimento for considerado credível na nova decisão a proferir e servir de fundamento à convicção formada pelo julgador, tal seria frontalmente incompatível com a decisão do tribunal criminal que condenasse o arguido por depoimento falso.
O despacho recorrido tem em vista evitar que, para salvaguarda da unidade do sistema jurídico e da harmonia das decisões judiciais, sejam proferidas decisões contrárias e incompatíveis quanto à apreciação e valoração do depoimento prestado pelo aqui arguido no processo laboral, na qualidade de testemunha, preocupação que, pela sua relevância, justifica o adiamento do julgamento criminal, até se saber qual a apreciação definitiva, feita pelo tribunal do trabalho, quanto à credibilidade do depoimento em causa.
Porém, a suspensão dos termos do processo não pode vigorar por tempo ilimitado, pelo que, não devia a decisão recorrida limitar-se a fixar para o seu termo o trânsito em julgado da decisão a proferir no processo laboral, mas fixar um prazo para tal, susceptível de prorrogação se necessário, sem ultrapassar um ano, face ao disposto no n.º 4 do artigo 7.º, do CPP, para evitar o perigo de ocorrer uma grande e desajustada dilação até ao aludido trânsito.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso.
III – DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso do assistente LS  , confirmando-se o despacho impugnado, sem prejuízo de o tribunal recorrido dever fixar prazo para a suspensão, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do CPP.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 3 UC.
Notifique.

 (Texto elaborado em computador e revisto pelo relator – art. 94.º, n.º 2, do CPP).