Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3310/15.9T8OER-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: SERVIDÃO CONTRATUAL DE PASSAGEM
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 4.1.– A renúncia a uma servidão contratual de passagem, sendo em tese susceptível de consubstanciar facto extintivo de obrigação (a cargo do beneficiário da servidão) de pagamento de comparticipações para despesas de conservação e manutenção, pode em abstracto servir de fundamento de oposição a execução baseada em sentença.

4.2. Porém, enquanto facto extintivo, e em razão do disposto na alínea g), do artº 729º, do CPC, carece o mesmo de ter-se verificado já depois do encerramento da discussão no processo declarativo no âmbito do qual foi o obrigado condenado no pagamento de prestações devidas a título de comparticipações para despesas de conservação e manutenção do prédio objecto da servidão contratual da qual beneficia o referido obrigado.

4.3. É que, a ter o referido e pretenso facto extintivo ter ocorrido em momento anterior ao referido em 4.2., e para que do mesmo pudesse o ora apelante servir-se, obrigado estava o reconvindo/executado/obrigado e logo no âmbito da acção declarativa da qual emerge o título executivo, a carrear para os referidos autos o aludido facto [ v.g. logo em sede de Réplica deduzida - articulado no qual deve o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, cfr. artº 584º, do CPC -, ou , então , e se ocorrido já posteriormente, no âmbito de articulado superveniente a apresentar nos termos do artº 588º, do CPC e com vista à respectiva atendibilidade, nos termos do disposto no artº 611º,nº1, do CPC ] .

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA


1.Relatório:


Na sequência da instauração de acção executiva movida por A ( …., Serviços SA), contra B e C, com vista à cobrança coerciva da quantia de €69.662,85 [ sendo o valor líquido de 43.764,58€ ( 38.035,35€ + 4.302,15€ + 1.432,08€ ) ; €25.398,27 a título de juros de mora calculados à taxa supletiva de juros de natureza comercial e 500€ a título de despesas administrativas com a cobrança do crédito ], vieram os executados deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuarem o pagamento da quantia total supra referida .

Outrossim, e concomitantemente, vieram os executados deduzir oposição à/s penhora/s.
1.1.– Para tanto, alegaram os executados/embargantes, em síntese, que :
- verifica-se a falta de título executivo que possibilite a exigida cobrança da quantia de €500,00, alegadamente a título de despesas administrativas de cobrança ;
- verifica-se também a falta de título executivo para a cobrança da quantia de €1.432,08 e reclamada a título de custas de parte, maxime por falta de interpelação nos termos do artigo 25°, n.° 1 do RCP ;
- Não existe título executivo que sustente a exigibilidade da obrigação de pagamento de comparticipações para despesas de conservação e manutenção, vencidas a partir de 28.02.2010 até 28.02.2015, no montante global de €16.005,00 [ que não de €38.030,35 ], e isto porque a sentença apenas condenou o executado no pagamento das comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, vencidas na pendência da acção ;
- Incorre a exequente, em sede de requerimento executivo, em incorrecta liquidação dos juros de mora no que à natureza da taxa diz respeito, pois que a respectiva taxa é a taxa legal para os juros civis;
- Em suma, e com base no título dado à execução, apenas poderia a exequente reclamar a quantia exequenda no valor total de € 28.909,12 ( sendo 22.025,35, a título de capital, e €6.883,77, a titulo de juros vencidos );
- Acresce que, a penhora de imóvel com o valor patrimonial de um milhão de euros e de parte da pensão do executado são manifestamente excessivas face ao valor da quantia exequenda efectivamente em dívida, tendo sido prestada garantia bancária para acautelar o pagamento da quantia exequenda e despesas da execução com consequente levantamento das penhoras efectuadas.

1.2.– Notificada a exequente da oposição à execução, apresentou a mesma articulado/contestação, no essencial deduzindo “defesa” por impugnação motivada, e sustentando a inevitável improcedência in totum dos embargos, impetrando concomitantemente a forçosa condenação do embargante/executado como litigante de má fé e em montante não inferior a €3.000,00.

Mais veio o exequente/embargado pugnar pela improcedência da oposição à penhora deduzida pelos executados e, outrossim, pelo indeferimento da almejada substituição das penhoras concretizadas por prestação de garantia bancária.

1.3.– Proferida de seguida decisão ( que foi objecto de apelação interposta e que subiu em separado ) que indeferiu a requerida substituição das penhoras concretizadas por prestação de garantia bancária, foi dispensada a realização da audiência prévia e, considerando-se que o estado dos autos permitia de imediato conhecer-se do mérito da oposição à execução, foi então proferido o competente saneador-sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
VI. - DECISÃO
a)- Julgo os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, porque parcialmente provados, no que respeita ao montante global em dívida, devendo a execução prosseguir quanto à importância de €26.335,37 ( vinte e seis mil trezentos e trinta e cinco euros e trinta e sete cêntimos ).
b)- Absolvo a embargada e o embargante do pedido de condenação como litigantes de má fé.
c)- Julgo a oposição à penhora procedente por provada, com consequente levantamento imediato da penhora que incide sobre o imóvel e pensão de reforma do oponente marido, descritos no auto de penhora de 29.05.2015.
Custas pela exequente/embargada/oposta e pelo embargante, na proporção do decaimento, que se fixa em 40% e em 60%, respectivamente - artigo 527°, n.° 1 e 2, e 607° n.° 6 do CPC.
Registe e notifique.
Comunique ao Agente de Execução.
Oeiras, 04.11.2017
A Juiz de Direito “

1.4.– Inconformado com a sentenciada procedência parcial da oposição, veio então o executado/embargante B, da referida sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1)- A decisão recorrida padece de erro na interpretação e aplicação do Direito ;
2)- A sentença recorrida entendeu, quanto à questão da inexigibilidade da obrigação exequenda, que consubstanciando o título executivo dado à execução uma sentença de condenação, não podia o executado vir invocar nos embargos fundamentos que poderia e deveria ter invocado nos autos declarativos, mas o recorrente entende que mal ;
3)- O recorrente discorda do entendimento do tribunal, pois que a questão da renúncia à servidão contratual de passagem não era objecto da acção declarativa que foi intentada pelo ora recorrente, ali Autor, em 14/12/2009 e, quando foi intentada a acção, existia uma servidão e o objecto da acção não foi a renúncia à servidão contratual de passagem, foi a exigibilidade e a cobrança de comparticipações devidas pela existência daquela servidão e a mora no cumprimento das obrigações;
4)- O Recorrente entende, pois, que existiu erro de julgamento do tribunal a quo porquanto não existiu qualquer pronúncia da Mma Juiz na decisão proferida no Processo N° 9574/09.0TBCSC sobre a renúncia à servidão de passagem, nem sobre a mesma a Mma Juiz fez qualquer consideração, pelo que a renúncia não foi tomada em conta, nem afectou a decisão proferida no Processo N° 9574/09.0TBCSC, sendo certo que a renúncia só podia produzir efeitos para o futuro e não para a dívida já vencida;
5)- A partir do momento em que desapareceu a servidão, não são devidas comparticipações por uma servidão que já não existe porque foi renunciada e cancelada registralmente ;
6)- A decisão proferida no Processo N° 9574/09.OTBCSC é uma decisão em branco, sem valor, quanto a esta matéria após a renúncia à servidão contratual de passagem, pelo que o juiz a quo fez mal em não conhecer os embargos quanto a esta questão;
7)- O recorrente considera que as comparticipações não são exigíveis porque não se tratam de comparticipações devidas com prazo certo, "vencidas na pendência da presente acção", e porque inexistindo servidão direito de passagem por renúncia expressa do executado, da qual a exequente teve conhecimento em 02/12/2009, e com o cancelamento da servidão registado no registo predial a partir de 2010/01/11, não são devidas as comparticipações decorrentes de uma servidão que foi legalmente cancelada e que produziu efeitos a partir de Dezembro de 2009, ou pelo menos, a partir da data do registo de cancelamento desse encargo;
8)- Donde resulta que não existe título executivo e é inexigível ao executado a obrigação de pagar à exequente as comparticipações desde as vencidas a partir de 28/02/2010, relativa ao Iº semestre de 2010, até à relativa ao Iº semestre de 2015.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, considerando-se que nenhuma comparticipação se venceu, nem é exigível desde a declaração de renúncia à servidão, como é de JUSTIÇA!
1.5.– A apelada/exequente A, tendo apresentado contra-alegações, veio na referida peça impetrar :
- a total improcedência da apelação no tocante à sustentada inexigibilidade do pagamento das comparticipações vencidas após 1/1/2010, e respectivos juros moratórios, incluindo sobre o IVA desde 26/5/2015 ;
- a condenação do Recorrente como litigante de má-fé .
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Thema decidendum
1.6.– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I– Se em face da factualidade assente, se impõe revogar o saneador- sentença apelado, sendo a oposição à execução julgada como procedente no tocante :
a)- às comparticipações exigidas pela exequente e vencidas a partir de 28/02/2010, relativa ao 1º semestre de 2010, até à relativa ao 1º semestre de 2015;
II– Se importa, porque existe fundamento legal para tal, sancionar o Recorrente como litigante de má-fé em sede de instância recursória.
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2.– Motivação de Facto
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1. O título executivo dado à execução consiste numa sentença condenatória proferida no processo nº 9574/09.0TBCSC que correu termos junto do extinto 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, em 29.04.2013, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24.03.2015.

2.2.- Na sentença dada à execução foi decidido:
" Julgar a reconvenção que A. deduziu contra o Autor procedente e, em consequência, condenar o A. a pagar à Ré A. as quantias de:
- € 19.125.58 relativa a facturas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal para juros civis, contados desde o vencimento das facturas até integral e efectivo pagamento.
- € 3.240,00, relativa a comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, incluindo o respectivo IVA, acrescida de juros de mora à taxa legal para juros civis, contados desde o vencimento das facturas até integral e efectivo pagamento.
- Condenar, ainda, o Autor no pagamento à 3ª Ré A das comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, vencidas na pendência da presente acção, incluindo o respectivo IVA, acrescidas de juros de mora à taxa legal para juros civis desde o vencimento até integral e efectivo pagamento.
- Custas da acção e reconvenção pelo A."

2.3.– No âmbito do Acórdão proferido em 24.03.2015, pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi decidido " revogar a sentença recorrida na parte em que condena o Autor a pagar a quantia de 540,00€ (3.240,00€ - 2.700,00€), a título de IVA, e, bem assim, o IVA relativo às comparticipações vencidas na pendência da acção, ora se condenando o autor [ Executado ] a pagar à R. [ Exequente ] os montantes devidos a título de IVA, no momento em que lhe seja/m entregue/s a/s correspondente/s factura/s" e " revogar a sentença recorrida na parte em que condena o autor a pagar juros de mora sobre os montantes devido a título de IVA, absolvendo o autor do pagamento desses juros", mantendo, no mais, a sentença recorrida.

2.4.– A exequente instaurou a execução em 30.03.2015, peticionando o montante global de €69.662,85, sendo o valor líquido de 43.764,58€ (38.035,35€ + 4.302,15€ + 1.432,08€ ), €25.398,27 a título de juros de mora calculados à taxa supletiva de juros de natureza comercial , e 500€ a título de despesas administrativas com a cobrança do crédito.
2.5.– Por requerimento datado de 15.06.2015 a exequente procedeu à redução do pedido exequendo para o montante global de €55.744,49 face à verificada incorrecção no cálculo dos juros de mora, cujo valor, contabilizados à taxa de juros civis, cifrava-se, à data, em €11.479,91.
2.6.– A exequente procedeu à notificação do I. mandatário da executada, em 30.03.2015, por carta registada e por correio electrónico, da nota justificativa das custas de parte relativas ao processo declarativo do qual emanou a sentença dada à execução, tendo remetido cópia de tal notificação ao respectivo processo.
2.7.– O Sr. Agente de Execução procedeu à penhora, em 22.04.2015 de crédito a favor do executado no valor de €4.871,56.
2.8.– O Sr. Agente de Execução procedeu à penhora, em 29.05.2015 de imóvel com o valor patrimonial tributário atribuído de €968.140,00 e de 1/3 da pensão mensal ilíquida de €1.231,65 auferida pelo executado.
2.9. A propriedade do mencionado imóvel encontra-se inscrita em nome do executado B e de C, casados, entre si, no regime de comunhão geral de bens.
2.10.– O executado é titular de outros nove imóveis, três dos quais sem ónus e encargos cujo valor patrimonial tributário foi fixado entre €163.000,00 e €84.000,00.
2.11.– O executado foi citado para a execução em 16.06.2015.
2.12.– C foi citada, na qualidade de cônjuge do executado, em 16.06.2015.
2.13.– Em 26.06.2015, o executado procedeu ao pagamento ao Agente de Execução, por conta da quantia exequenda, do montante de €28.909,12.
2.14.– O Sr. Agente de Execução procedeu à penhora, em 24.08.2015 de crédito fiscal a favor do executado no valor de €863.65.
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3.– Motivação de Direito
3.1.- Da almejada revogação do saneador- sentença apelado no tocante à decidida improcedência da oposição relativamente à quantia exequente reclamada a título de comparticipações vencidas a partir de 28/02/2010, relativa ao Iº semestre de 2010 e até à relativa ao Iº semestre de 2015.
Veio o executado, em sede de oposição, insurgir-se contra a exigida - pela exequente - cobrança coerciva de quantia exequenda que reclamada foi a título de comparticipações nas despesas de conservação, manutenção e segurança dos arruamentos existentes no prédio serviente.

Para tanto, alegou o executado apelante , em síntese, que:
- A sentença apenas condenou o executado no pagamento à exequente das comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, vencidas na pendência da acção, incluindo o respectivo IVA, acrescidas de juros de mora à taxa legal para juros civis desde o vencimento até integral e efectivo pagamento;
- As comparticipações referidas, seriam da responsabilidade do proprietário do prédio dominante, o executado, porque proprietário do lote 42, e sendo as mesmas do valor mensal correspondente a metade do salário mínimo nacional em vigor para a indústria e serviços, a título de comparticipação nas despesas de conservação, manutenção e segurança dos arruamentos existentes no prédio serviente ;
- Ocorre que, porque o ora executado veio RENUNCIAR À SERVIDÃO CONTRATUAL DE PASSAGEM, o que fez através de comunicação recebida em 2/12/2009 pela exequente, a partir de então deixaram de se vencer quaisquer comparticipações devidas pelo executado ;
- Logo, extinta, por renúncia, a servidão de passagem, ficou concomitantemente extinta a contrapartida da mesma, ou seja as ditas comparticipações e, consequentemente, nenhuma comparticipação se venceu a partir de 2010/01/11, ou seja, é inexigível ao executado as quantias reclamadas a título de comparticipações vencidas a partir de 28/02/2010 relativa ao 1º semestre de 2010 até à relativa ao 1º semestre de 2015, no montante total de €16.005,00.

Tendo a oposição “naufragado” na referida parte, no essencial e para o efeito alicerçou-se o tribunal a quo nos seguintes fundamentos:
“ (…) consubstanciando o título executivo dado à execução uma sentença de condenação, não pode agora o executado vir invocar fundamentos que poderia e deveria ter invocado nos autos declarativos, excepto se tivesse ocorrido algum facto extintivo ou modificativo da obrigação após o encerramento da discussão no processo de declaração - cfr. art. 729°, g), do CPC.
Pressuposto é, então, que o executado não tenha tido oportunidade de, em acção declarativa prévia, se defender perante a alegação e pretensão da exequente.
E é assim porque a oposição à execução, não serve nem tem como finalidade a abertura de nova ou segunda possibilidade de discussão sobre a matéria de facto alegada em sede de processo declarativo.
Ora, o facto ora alegado pelo embargante - renúncia a servidão contratual de passagem - terá ocorrido entre 27.11.2009 e 02.12.2009, sendo a data de prolação da sentença - 29.04.2013, com confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24.03.2015.
(…)
A sentença dada à execução mostra-se transitada em julgado há muito.
Assim sendo, facilmente se constata que os factos ora alegados não ocorreram após o encerramento da discussão no processo declarativo, mas muito antes, não constituindo, por isso, fundamento válido de oposição à execução.
Por outro lado, o dispositivo da sentença é claro quanto à condenação do executado no pagamento das comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, vencidas na pendência da acção, acrescidas de juros de mora à taxa legal para juros civis desde o vencimento até integral e efectivo pagamento.
Pelo que fica dito, os presentes embargos terão de improceder, também nessa parte e, consequentemente, a execução prossegue para pagamento da quantia global de €26.335,37 (€55.744,49 - €500 - €28.909,12).

Conhecidas que estão as razões da discordância, e adiantando desde já o nosso veredicto, é para nós de alguma forma pacífico que, também nesta parte, bem decidiu tribunal a quo, tudo indicando que incorre o apelante em manifesto, mas “conveniente”, erro de interpretação do alcance do título executivo ( a sentença) dado à execução.

Senão,vejamos.

Sendo a decisão judicial ( in casu o título executivo ) escrita um dos principais actos do juiz, maxime na vertente/modalidade de acto de composição judicial ou de decreto ou ordem, e do qual decorre uma consequência com eficácia material jurídica, inquestionável é que constitui a sentença um verdadeiro acto jurídico, ao qual se aplicam portanto as regras reguladoras dos negócios jurídicos ( cfr. art. 295º do Código Civil ).

Senão,vejamos.

Sendo a decisão judicial ( in casu o título executivo ) escrita um dos principais actos do juiz, maxime na vertente/modalidade de acto de composição judicial ou de decreto ou ordem, e do qual decorre uma consequência com eficácia material jurídica, inquestionável é que constitui a sentença um verdadeiro acto jurídico, ao qual se aplicam portanto as regras reguladoras dos negócios jurídicos ( cfr. art. 295º do Código Civil ).

Em razão do referido, e como acto jurídico que é, está também ela – a decisão judicial - sujeita a imperfeiçoes e/ou deficiências em sede de transmissão da declaração/mensagem que incorpora, ou de dúvidas sobre o exacto sentido da decisão/comando, o que tudo obriga inevitavelmente à necessidade da sua interpretação.

Paífico é, portanto, que a decisão judicial, como acto jurídico, está sujeita a interpretação, sendo que esta última, todavia , não tem por objecto a reconstrução da mens judicis , mas apenas a busca do exacto sentido da estatuição que a mesma incorpora.

Isto dito, e por força do disposto no artº 295º, do CC, temos assim que, desde logo, as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são, também elas ( artºs 236º e segs. do CC ) aplicáveis em sede de interpretação de uma decisão judicial. (1)

Ora, em razão do disposto no artº 236º, nº1, do CC, a decisão judicial carece de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.

Para o efeito, porque tem a interpretação por desiderato essencial a descoberta do sentido do comando decisório da decisão judicial, há-de a tarefa interpretativa debruçar-se, essencialmente, e numa primeira fase, na parte dispositiva da decisão e a que alude o nº3, in fine, do artº 607º, do CPC.

É que, em regra, é o teor da decisão que nos indica qual o alcance do julgado, isto é, as questões que devem considerar-se resolvidas .(2)

Mas, depois, estando como está, todo o comando decisório, alicerçado e interligado a concretos e antecedentes fundamentos ( de facto e de direito) , pertinente é que a interpretação deva igualmente socorrer-se da motivação da decisão e para, através da mesma, melhor se poder aferir do exacto alcance do decisum, ou do dispositivo.

Na verdade, como adverte Carnelutti (3), se em princípio a sede do julgado está na parte dispositiva, certo é que tal princípio deve se manejado com cautela, pois que “ o que se quis decidir há-de derivar, não unicamente do dispositivo da sentença, mas ainda da motivação “, ou seja , a sentença não é “nem dispositivo sem motivos, nem motivos sem dispositivo, mas a fusão deste com aqueles”.

Por fim, necessário é, por vezes, ir mesmo mais longe ( maxime quando a fundamentação é escassa, inconclusiva ou até às vezes praticamente inexistente ), o que não é de admirar, pois que, se uma decisão representa por regra o resultado final de um procedimento ( muitas vezes longo), o normal é que possa/deva ser a mesma interpretada à luz da globalidade dos actos que a precederam, quer se trate de actos das partes ou até de actos do próprio tribunal. (4)

Dito de uma outra forma, “embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que, nessa tarefa interpretativa, há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar ( Vaz Serra, RLJ, 110-42 ) “ . (5)

Postas estas breves considerações, se atentarmos ao teor do comando decisório da sentença , é inequívoco que do mesmo emerge a condenação do ora apelante a pagar ao Autor/ora exequente as comparticipações devidas com prazo certo, não facturadas, vencidas na pendência da acção.

Ou seja, e logo do próprio comando decisório, emerge implicitamente o pressuposto de que, no decurso da pendência da acção, existe fundamento obrigacional que permite a exigência pela exequente de prestações devidas pelo executado a “título de comparticipações nas despesas de conservação, manutenção e segurança dos arruamentos existentes no prédio serviente “ .

Por outra banda, e se analisarmos também a fundamentação da referida sentença e na parte em que de alguma forma o aludido excerto/comando decisório se acoberta, pacífico se nos afigura que o entendimento/fundamento que o apelante invoca para sustentar a inevitável procedência da oposição no tocante á questão ora em sindicância mostra-se expressis verbis arredado.

É assim que, da referida fundamentação, e a dado passo, se considera, que (sic):
Uma das suas formas legais de constituição é por contrato, de acordo com o art. 1547°, n.° 1, do Código Civil, foi o que aconteceu no caso em análise. As referidas contrapartidas pelo uso da servidão decorrem da escritura pública de compra e venda outorgada pelo Autor e por esta aceite.
(…)
Assim, com a celebração do contrato que constitui a servidão, geraram-se obrigações para ambas as partes, a Ré de permitir a passagem, por qualquer meio, nos arruamentos existentes na Quinta da Marinha, e o Autor de pagar a contrapartida acordada, por esse proveito.
De harmonia com o disposto no n.° 1 do art. 406° do CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, com as respectivas partes a submeterem-se, na sua execução, ao princípio da boa fé, art. 762. ° n. ° 2, do CC.".
Ou seja, a partir de uma interpretação conjugada do comando decisório do título executivo/sentença e dos concretos e antecedentes fundamentos, não se descortina de todo como passível de aceitação o entendimento do apelante no sentido de que não decorre do executivo a sua condenação a pagar as comparticipações vencidas a partir de 2010/01/11.
Acresce que, e como bem o salienta o tribunal a quo, e estando em causa um título executivo dado à execução com a natureza de “sentença”, e a admitir-se ( segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito ) que a invocada RENUNCIA À SERVIDÃO CONTRATUAL DE PASSAGEM ( comunicada a 2/12/2009 ) integra facto extintivo do direito do qual se arroga titular a exequente/apelada, não pode o mesmo consubstanciar fundamento de oposição, porque manifestamente e alegadamente ocorrido em momento anterior ao enceramento da discussão no processo de declaração.

Dir-se-á que, para que do mesmo pudesse o ora apelante servir-s, obrigado estava o reconvindo/executado e logo no âmbito da acção declarativa da qual emerge o título executivo, a carrear para os referidos autos o invocado facto extintivo do pedido reconvencional [ logo em sede de Réplica deduzida - articulado no qual deve o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, cfr. artº 584º, do CPC-, ou , então , e se ocorrido já posteriormente, no âmbito de articulado superveniente a apresentar nos termos do artº 588º, do CPC ] e com vista à respectiva atendibilidade, nos termos do disposto no artº 611º,nº1, do CPC .

Em conclusão, e sem necessidade de mais considerações, porque dispensáveis, não é portanto a sentença recorrida merecedora de qualquer censura em sede de decidida improcedência da oposição no tocante à quantia exequenda reclamada pela apelada a título de comparticipações devidas pelo executado e vencidas a partir de 28/02/2010, relativa ao 1º semestre de 2010 , e até à relativa ao 1º semestre de 2015.
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3.2. Se deve o executado/apelante ser condenado como litigante de má fé, ex novo , e em sede de instância recursória.

Nas suas contra-alegações, veio a recorrida/apelada A, impetrar a condenação do recorrente/executado B , como litigante de má fé, nos termos do disposto no artigo 543º,nº1, alínea b), do CPC.
Como é consabido, a condenação como litigante de má fé não está sujeita ao princípio do pedido, podendo ser decretada oficiosamente pelas instâncias [ in casu por este tribunal da Relação ] e outrossim pelo Supremo Tribunal de Justiça, apenas sendo de exigir, sob pena de se proferir uma decisão-surpresa , que a parte sancionanda seja previamente ouvida sobre a matéria, para que se possa defender.
Ocorre que, in casu, recorda-se, foi a questão da condenação do ora apelante/executado despoletada logo no âmbito da tramitação dos embargos na primeira instância, e , como tal, foi apreciada outrossim em sede do saneador-sentença recorrido, no mesmo se tendo decidido Absolver o embargante do pedido de condenação como litigante de má fé.

Não tendo a ora apelada A, da referida sentença interposto a competente apelação, e isto apesar - como o alega nas suas contra-alegações - de da referida decisão discordar , é óbvio que não pode em sede de meras contra-alegações suscitar novamente a referida questão [ invocando e relembrando toda a actuação processual do embargante , quer no âmbito da acção declarativa que culminou na sentença que integra o titulo executivo, quer na execução, quer ainda nos próprios embargos ] v.g. , porque a tal obriga a força do caso julgado - cfr. artº 621º, do CPC.

Restando aferir se, perante o que resulta da instância recursória da apelação pelo executado B despoletada e ora em apreciação , existe fundamento para a sua condenação como litigante de má fé [ reclamada pela apelada A ] , importa começar por não olvidar que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental – cfr. art. 20º da Constituição da República Portuguesa –, razão porque apenas na presença inequívoca de um mau uso desse direito faz sentido qualifica-lo como uma conduta abusiva, susceptível portanto de ser sancionada nos termos do art. 542º,nº2, do CPC, maxime porque susceptível de consubstanciar o uso reprovável de meio adjectivo com o propósito exclusivo de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

É que, estando as partes obrigadas a agir com boa-fé processual ( cfr. artº 8º, do CPC), sobretudo de modo a não enveredar pelo uso de meios impertinentes e meramente dilatórios que apenas têm por desiderato obstar à justa composição do litígio em prazo razoável, é óbvio que o abuso do direito de recorrer consubstancia igualmente um acto censurável - porque põe em causa o objectivo de realização de uma justiça pronta - que merece ser sancionado.
Na verdade, como afirma MICHELE TARUFFO (6), “também os remédios ou instrumentos processuais em concreto, não existem desligados de uma finalidade, e o seu uso não se autojustifica .

Seja como for, sabido que muitas das situações subjectivas processuais gozam de protecção constitucional ( cfr. art. 20º CRP ), exigível é que a responsabilização da parte como litigante de má fé, maxime com base em comportamentos susceptíveis de preencher a previsão das alíneas a) e d), do nº1, do artº 541º, do CPC, apenas aconteça perante situações de facto clarividentes, que não em face de casos de dúvida e/ou de fronteira entre o mero uso processual de concreto instituto e o seu abuso.

Isto dito, e para além de in casu não ter sido, em sede de instância recursória, garantido ao apelante o efectivo contraditório no tocante à eventualidade do seu sancionamento como litigante de má-fé, certo é que não é de todo o processado nos autos suficientemente esclarecedor e inequívoco no sentido de apenas visar o apelante, ao lançar mão do expediente recursório, tão só protelar , sem qualquer fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

É que, para todos os efeitos, não permite o processado nos autos concluir, com toda a segurança, que o apelante, e em sede de instância recursória, vem manifestar e deduzir oposição ao julgado com base em raciocínio e entendimento cuja manifesta falta de fundamento era de todo já conhecida ou, pelo menos, só com negligência grave da mesma não logrou de imediato alcançar.
Destarte, não se justifica que deva o apelante ser sancionado como litigante de má-fé.

E, porque parte vencida no que se reporta ao incidente de litigância de má fé, que despoletou em sede de instância recursóra, deve forçosamente a apelada pagar custas pelo mesmo [ cfr. artº 527º, do CPC e artigo 7.º/4, do Regulamento de Custas Processuais/RCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, com alterações posteriores, e pela Tabela II ( incidentes e procedimentos anómalos - 1 a 3 UC ]. (7)
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Rematando, a apelação improcede in totum.
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4 - Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) .
4.1 - A renúncia a uma servidão contratual de passagem, sendo em tese susceptível de consubstanciar facto extintivo de obrigação ( a cargo do beneficiário da servidão ) de pagamento de comparticipações para despesas de conservação e manutenção, pode em abstracto servir de fundamento de oposição a execução baseada em sentença;
4.2. - Porém, enquanto facto extintivo, e em razão do disposto na alínea g), do artº 729º, do CPC, carece o mesmo de ter-se verificado já depois do encerramento da discussão no processo declarativo no âmbito do qual foi o obrigado condenado no pagamento de prestações devidas a título de comparticipações para despesas de conservação e manutenção do prédio objecto da servidão contratual da qual beneficia o referido obrigado.
4.3. - É que, a ter o referido e pretenso facto extintivo ter ocorrido em momento anterior ao referido em 4.2., e para que do mesmo pudesse o ora apelante servir-se, obrigado estava o reconvindo/executado/obrigado e logo no âmbito da acção declarativa da qual emerge o título executivo, a carrear para os referidos autos o aludido facto [ v.g. logo em sede de Réplica deduzida - articulado no qual deve o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, cfr. artº 584º, do CPC -, ou , então , e se ocorrido já posteriormente, no âmbito de articulado superveniente a apresentar nos termos do artº 588º, do CPC e com vista à respectiva atendibilidade, nos termos do disposto no artº 611º,nº1, do CPC ] .
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5. Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA , em , não concedendo provimento à apelação de B :
5.1. - Manter e confirmar a sentença da primeira instância ;
5.2. - Condenar a apelada A nas custas do incidente de litigância de má fé que despoletou em sede de instância recursória, e em taxa de justiça de 1,5 Ucs.
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Custas pelo apelante .
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Notifique
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Lisboa, 19/4/2018



António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto) Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)



(1)Cfr. António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2004, pág. 227 .
(2)Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, Volume V, págs. 46 e segs. .
(3)Citado por José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, Volume V, págs. 46 e segs. .
(4)Cfr. Ac. do TR de Coimbra, de 15/1/2013, in www.dgsi.pt.
(5)Cfr. Ac. do STJ de 5/11/2009, sendo Relator Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt.
(6)In Elementos para una definición de «Abuso del Processo», in « Páginas sobre Justicia Civil », Marcial Pons, 2009, pág. 301.
(7)Vide António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol. 1998, págs. 337 e 338.