Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17997/16.1T8LSB.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO
CÁLCULO ARITMÉTICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Face a uma sentença condenatória cujo dispositvo determina que o valor da condenação será a liquidar, não é de afastar logo a possibilidade da liquidação poder ser feita por simples cálculo aritmético, desde que esta assente em factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo.
II. Depende de simples cálculo aritmético quando a obrigação, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido.
III. No caso dos autos e da sentença que serve de título executivo estão apenas em causa cálculos matemáticos, ou seja, aferir qual o valor das prestações devidas desde a resolução do contrato, valor esse que se reportará apenas ao valor mutuado, e a obtenção desse valor não deixa de ser uma mera operação aritmética, cujos dados da equação podem ser encontrados na sentença que serve de título à execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
C… intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra M…, Lda e outros, apresentando como título executivo a sentença proferida pelo 4° Juízo Cível de Lisboa, no processo n°. 17997/16.1T8LSB transitada em julgado em 2.11.2012, procedendo à liquidação no requerimento executivo.
No despacho liminar decidiu-se rejeitar a execução por inexistência de título executivo quanto à peticionada quantia exequenda, por carecer de liquidação. Refere-se no despacho liminar de indeferimento o seguinte:« Lê-se, a propósito, no art. 716º, n.º 1, do N.C.P.C., que «sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido», considerando-se como ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado, sendo o executado, então, citado para contestar a liquidação. O regime referido, contudo, só é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração (como decorre do n.º 5 do art. 716º do N.C.P.C.). Ora, nos termos do disposto no art. art. 661º, n.º 2 do C.P.C., actual 609º do N.C.P.C., «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado».
Neste caso, a liquidação é deduzida mediante incidente de liquidação, apresentado no processo de declaração, cuja instância extinta se renova (arts. arts. 378º, n,º 2, 379º e 380º do C.P.C. de 1961, actuais arts. 358º, 359º e 360º do N.C.P.C.).
Nessa conformidade, estipulou-se, no art. 704º, n.º 6 do N.C.P.C., que «tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661º [609º do N.C.P.C.], e não dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo» (sublinhado meu).
Logo, «quando o pedido genérico não é subsequentemente liquidado na pendência do processo declarativo, bem como quando o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação não foram provados, o tribunal “condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida” (art. 609-2). Esta redacção do art. 609-2 proveio da reforma da acção executiva, antes dela se determinando que o tribunal condenasse no que se liquidasse em execução de sentença. É que a liquidação da obrigação tem, desde a reforma, sempre lugar na acção declarativa que decorra nos tribunais judiciais (art. 704 - 6), renovando-se para, o efeito, a instância quando o pedido de liquidação tenha lugar depois do trânsito em julgado da sentença» (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, p. 101). Este regime de liquidação de sentença resultou da reforma da acção executiva introduzida pelo Dec. Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, aplicável às acções declarativas instauradas após 15 de Setembro de 2003.
Temos, assim, que o art. 716º, n.º 1 do N.C.P.C., aplica-se apenas aos casos de liquidação da obrigação na acção executiva constante de título diverso da sentença judicial, ou quando, tratando-se de sentença judicial, baste o cálculo aritmético, o que não é o caso vertente.
Na verdade, a obrigação correspondente “à parte de capital incluída em cada umas das prestações …” apresenta-se ilíquida em face do título executivo, sendo que a liquidação deve ser efectuada no processo declarativo, mediante incidente, como declarado na sentença que se executa, já que não basta para o efeito simples o cálculo aritmético, dependendo, ao invés, de prova, designadamente, do valor das prestações de capital por pagar sem a componente de juros remuneratórios, seguros e outras despesas.
Na verdade, «a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, quando assenta em factos (i.é., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão». Por outras palavras, sempre que o quantum da obrigação exequenda dependa da alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido, não se está perante uma obrigação cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (neste sentido ainda v. Ac. do TRP de 16/12/2015, disponível em www.dgsi.pt).Também o Ac. do TRL de 29/11/2016, proferido no processo n.º 33.758/5.7T8LSB deste Juízo de Execução de Lisboa, decidiu que «“o que vier a ser liquidado” acontece no tribunal da acção declarativa. Evita-se agora que o enxerto declarativo se faça nos juízos de execução, conferindo maior maleabilidade e rapidez à execução. Tudo em nome da eficácia do sistema. O tribunal da declaração já lá tem a maior parte dos elementos para proceder à liquidação. Assim se perde portanto menos tempo». Deste modo, «o sistema novo sistema promete ser mais eficiente e agilizar as execuções». E o certo é que no caso em apreço, como vimos, a determinação do montante em dívida a título de capital respeitante às prestações em causa excluídas do valor correspondente aos juros remuneratórios, seguros e outras quantias, depende da alegação e prova do montante singelo de cada uma das prestações de capital sem a componente de juros remuneratórios (alegação que o exequente não cumpriu sequer na sua exposição de facto no requerimento executivo, no qual se limita a remeter para a liquidação apresentada, que, por sua vez, também se limita a remeter para um documento particular, dito plano financeiro, que não está subscrito pelo executado), factos esses que não estão abrangidos pela segurança do título executivo (se o estivessem o exequente não sentiria a necessidade de juntar o documento de fls. 3 verso a 5 para a respectiva prova – o dito plano financeiro), não são notórios nem de conhecimento oficioso, mas passíveis de controversão. Inexiste, pois, título executivo quanto à peticionada quantia exequenda, por carecer de liquidação em incidente de liquidação de sentença a deduzir na acção declarativa, como declarado na sentença que se executa.
No mesmo sentido decidiram os recentes Acórdãos o Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2018 no Proc. n.º 15.382/16.4T8LSB – J9, 07/06/2018, proferido no Proc. n.º 10.276/16.6T8LSB – J9, e de 13/09/2018 proferido no Proc. n.º 20.838/13.8YYLSB – J9.
Lê-se no art. 734, n.º 1, do N.C.P.C. e no que ora nos interessa, que o juiz, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados, pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar do requerimento executivo. E lê-se no art. 726.º, n.º 2, alínea a), do N.C.P.C., que «o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título».
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, sendo manifesta a falta de título executivo, rejeito oficiosamente a execução».
Inconformado recorreu a exequente, concluindo da seguinte forma:« Em conclusão, portanto, a decisão recorrida violou o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 716º e nos arts. 726º nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil, o disposto também no nº 4 do referido normativo legal, o disposto também nos artigos 358º a 361º, e igualmente no artigo 297º do referido normativo legal, donde, atento o que dos autos consta, e por violação dos citados preceitos, o recurso dever ser julgado procedente e provado e a sentença recorrida ser substituída por acórdão que determine que o Tribunal em 1ª Instância ordene o normal e regular prosseguimento dos autos, com o prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo,justiça.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido e colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber:
1ª Se o segmento decisório que ordena a condenação da Ré na quantia que se vier a apurar em sede de liquidação pressupõe a liquidação nos autos declarativos e a renovação da instância, com a consequente incompetência do tribunal de execução..
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes do relatório que antecede que se dão por reproduzidos, bem como os seguintes:
1) O título executivo apresentado é a sentença condenatória que na parte do dispositivo conclui da seguinte forma:« (…)o tribunal decide julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação, e consequentemente: a) Condenar os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia, a liquidar posteriormente, correspondente à soma das prestações vencidas e não pagas (54) referentes apenas a capital, com exclusão dos juros remuneratórios, acrescida de juros de mora à taxa de 16,691% desde 10.12.2009 até efectivo e integral pagamento, deduzido o valor de 176,05€»;
2) No requerimento executivo a exequente liquida o valor da seguinte forma:« CAPITAL  I €7.215,51 [ CORRESPONDENTE ÀS 54 PRESTAÇÕES DE CAPITAL NÃO PAGAS ( 29.ª A 84.ª, À EXCEPÇÃO DA 30.ª E 32.ª, QUE FORAM PAGAS ) E DEDUZIDA DA QUANTIA DE € 176,05, ENTREGUE EM DATA INDETERMINADA, OU SEJA € 7.764,34 – (2 X € 186,39) - € 176,05] – VIDÉ PLANO FINANCEIRO
JUROS VENCIDOS À TAXA DE 16,691% DESDE 10.12.2009 ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, EM 15.11.2012 ----- € 3.533,83
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 15.11.2012 ------------- € 141,35
JUROS VENCIDOS À TAXA DE 21,691% (16,691% + 5%, ARTIGO 829.º-A, N.º4 C.CIVIL) DESDE 16.11.2012 ATÉ 30.03.2016----€ 5.278,52
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 30.03.2016--- € 211,14
JUROS À TAXA DE 21,691% (16,691% + 5%, ARTIGO 829.º-A, N.º4 C.CIVIL) DESDE 31.03.2016 ATÉ AO PRESENTE 03.07.2016---- € 407,36
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 6% (VERBA 17.2.1 DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO, ART.º 70.º A DO CÓDIGO DE IMPOSTO DE SELO ALTERADO PELO ART.º 155.º DA LEI 7-A/2016, DE 30 DE MARÇO) DESDE 31.03.2016 ATÉ 03.07.2016-------- € 24,44
TAXA DE JUSTIÇA ----------------- € 38,25
TOTAL (EXCLUIDOS JUROS VINCENDOS E IMPOSTO DE SELO DESDE 04.07.2016) --- € 16.850,40
MAIS JUROS VINCENDOS À TAXA DE 21,691% SOBRE € 7.215,51 DESDE 04.07.2016 ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO E IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 6% SOBRE ESSES JUROS.».
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III. O Direito:
Importa aferir da necessidade ou não de liquidação com recurso prévio ao incidente de liquidação previsto nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil, indagando saber se, no caso concreto a obrigação é determinável, ou não, por simples cálculo aritmético.
Assim, preconiza o n.º 6 do artigo 704.º do Código de Processo Civil que tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a condenação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
Nos termos prescritos no n.º 2 do artigo 358.º, o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso, seja admitido, a instância extinta considera-se renovada. Além disso, de acordo com o disposto no artigo 556.º, n.º 2 do CPC é permitido formular pedidos genéricos quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito, ou ainda quando não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.10.2014 (João Nunes), acessível em www.dgsi.pt, “A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução; Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique, também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título e que não são notórios nem de conhecimento oficioso.”.
Rui Pinto (in “Manual da Execução e Despejo”, pág. 237 e ss) escreve que «o acertamento da obrigação cujo objecto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado – cfr. O princípio da proporcionalidade estabelecido no nº 3 do artº 735º do CPC. Como tal, deve ter lugar preliminarmente à execução propriamente dita, uma operação de quantificação da obrigação – a liquidação – feita, por força do artº 10º do CPC, dentro dos limites que lhe são fixados pelo título executivo não podendo constituir um modo de extensão do seu âmbito».
Donde, a execução assentará numa obrigação, e estando em causa uma execução para pagamento de quantia certa a regra é que o valor deva ser indicado e liquidado pela exequente. Porém, a dúvida surge se face a uma sentença condenatória cujo dispositvo determina que o valor da condenação será a liquidar, se tal afasta logo a possibilidade da liquidação poder ser feita por simples cálculo aritmético nos termos do artº 716º e artº 704º à contrario, ambos do CPC.
Rui Pinto Duarte (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 483) escreve que «[a] liquidação dependente de simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento (…). A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, uma cálculo aritmético, assenta em factos (i.é., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão».
A liquidação pressupõe sempre um cálculo aritmético, mas este constitui um acto juridicamente relevante, tanto nos factos em que assenta, como nos efeitos que do mesmo decorre, porém  todos os títulos executivos podem estar sujeitos ou a um simples cálculo aritmético ou a uma liquidação prévia, incluindo as sentenças condenatórias, competindo ao exequente efetuar tal liquidação no requerimento executivo – cf. artº 724º nº 1 alínea h) do CPC.
Deste modo, sempre que o título executivo é uma sentença e o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido, deve a liquidação ser realizada na própria acção declarativa através do incidente de liquidação: nestes casos só perante a indicação pelo Autor de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efectuar, bem como a apresentação das respectivas provas, elementos esses que serão objecto de contraditório a ser exercido pela outra parte, é possível fixar o montante da obrigação.
Ao contrário, a liquidação depende de simples cálculo aritmético, processando-se na própria execução, se, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido (cfr. artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); esta situação poderá verificar-se ainda que a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, uma vez que também aqui estão em causa factos não controvertidos – pois encontram-se abrangidos pelo título executivo –, e do que se trata é tão só de apurar da verificação da condição suspensiva ou do cumprimento da prestação por parte do credor ou de terceiro, fixados na obrigação a cumprir (cfr. n.º 1 do artigo 715.º).
Como refere Rui Pinto ( in ob. Cit. Pág. 243) «a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos ( i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão.»
Decidiu-se no Ac da RL de 10/04/2018 ( in www.dgsi.pt/jtrl): «A liquidação não depende de simples cálculo aritmético se os pressupostos do cálculo da obrigação pecuniária a que se reporta a condenação genérica assentarem em factos novos, suscetíveis de prova, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo e não sejam notórios, nem de conhecimento oficioso. In casu, os R.R. foram condenados ao pagamento do capital das prestações vincendas, pelo valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, expurgadas de juros remuneratórios vincendos, por estes não serem devidos, porquanto a sentença considerou que haver insuficiência de alegação que não permitia aferir com precisão qual o montante exato das prestações de capital por pagar. Resultando da liquidação feita pelo exequente, no seu requerimento executivo, que o valor do capital de cada prestação era mensalmente variável com o decurso do tempo, segundo critério económico que não foi especificado, as exigências decorrentes de um processo justo e equitativo justificam que seja deduzido o incidente de liquidação de sentença, nos termos dos Art.s 358.º e ss do C.P.C, para apurar o valor exato de cada prestação vincenda de acordo com os termos do contrato celebrado entre as partes.»
Os elementos objetivos constantes da sentença condenatória, que serve de título executivo, permitem ou não evidenciar só por si que, por mero cálculo aritmético, qual o valor das prestações em divida expurgadas as mesmas do valor dos encargos com seguro e outros, bem como juros remuneratórios?. Ora, além de constar da decisão executóriao valor inicial mutuado, também na sentença resulta o valor devido a título de juros remuneratórios. Acresce que também resulta dos factos que o valor mutuado seria pago em 84 meses, estabelecendo-se também o valor devido em cada prestação. Ora, bastará dividir o capital mutuado pelo número de prestações e teríamos o valor amortizado em cada mês a título de capital, pelo que deduzido tal valor ao capital mutuado encontraríamos o valor em divida a título de capital.
Assim, no âmbito da sentença condenatória que constitui o título executivo apresentado nos autos, conclui-se em: «a) Condenar os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia, a liquidar posteriormente, correspondente à soma das prestações vencidas e não pagas (54) referentes apenas a capital, com exclusão dos juros remuneratórios, acrescida de juros de mora à taxa de 16,691% desde 10.12.2009 até efectivo e integral pagamento, deduzido o valor de 176,05€».
Ora, na liquidação efectuada pela exequente refere a mesma qual o valor do capital total em dívida, valor pago também considerado na sentença, e por fim os juros moratórios, os quais também são devidos face à sentença.
Entendemos pois, que inexistem as razões relativas ao respeito por um processo justo e equitativo que justificariam no caso concreto que o exequente devesse deduzir previamente o incidente de liquidação de sentença. Pois do teor dos factos tidos em conta na sentença já se consegue, através de operações matemáticas, estabelecer em termos definitivos qual o valor exato de cada prestação devida a título de capital vencido por força do Art. 781.º do C.C, obtendo uma conclusão justa e com a necessária segurança jurídica.
Logo, no caso dos autos e da sentença que serve de título executivo estão apenas em causa cálculos matemáticos, ou seja, aferir qual o valor das prestações devidas desde a resolução do contrato, valor esse que se reportará apenas ao valor mutuado, e a obtenção desse valor não deixa de ser uma mera operação aritmética, cujos dados da equação podem ser encontrados na sentença que serve de título à execução.
Seguindo de perto o Ac. da RL de 27/02/2018 que decidiu desta questão numa situação similar «I- A liquidação do montante condenatório quando do que se trata, essencialmente, é destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61, depende de simples cálculo aritmético. II– Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva. III– Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético. IV– Assim sendo, tal liquidação deverá ser feita no presente requerimento executivo, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6 e 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil.» ( in endereço da net supra cit.).
No caso dos autos, a sentença apenas determina que face à resolução do contrato se contabilize apenas o capital mutuado devido nas 54 prestações restantes, pelo que entendemos, tal como pretende o recorrente, que não subsiste qualquer tipo de dúvida de que a liquidação do montante condenatório em apreço é apurável através de simples cálculo aritmético e a sentença é título executivo bastante.
Como se alude no Ac. da RL supra referido «cumpre, a este propósito, salientar que não nos encontramos aqui perante a necessidade de tornar líquidos pedidos genéricos, referentes a uma universalidade de facto ou de direito ou às consequências de um facto ilícito, tal como prevenido no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Civil.(…) Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético.»
Importa ainda considear que tal foi a posição por nós defendida no Acórdão desta Relação proferida em 11/12/2018 ( publicado em www.dgsi.pt/jtrl), o qual quanto à sua fundamentação se reproduziu infra.
Logo, considerando o título executivo junto a sua exequibilidade obtém-se por simples cálculo aritmético, pelo que a liquidação poderia ser feita pelo exequente no requerimento executivo nos termos do artº 716º do CPC, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto no artigo 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil, o que determina desde logo a procedência do recurso, devendo ordenar-se o prosseguimento da execução.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo exequente, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se que se prossiga com a normal tramitação dos autos de execução.
Custas a final pela parte vencida – artigo 527.º, n.º 1 do CPC.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Julho de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Fátima Galante