Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26094/15.6T8SNT-B.L1-6
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: INSOLVÊNCIA
FIADORES
GARANTIA REAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -De acordo com disposto nos arts. 25º, nº2, e 30º, nº1, do CIRE, no processo de insolvência as testemunhas devem ser indicadas nos articulados apresentados pelas partes e não ocorre lacuna que reclame a aplicação do disposto no art. 598º, nº2, do CPC.
-Tendo sido invocado no processo de insolvência instaurado contra os fiadores (que se obrigaram na qualidade de principais pagadores) um crédito garantido por hipoteca sobre bens dos devedores, não é necessária a prévia instauração de acção executiva, com vista à excussão dos bens hipotecados.
-Face à invocada situação de insolvência dos requeridos, o credor tem interesse processual e o recurso ao processo de insolvência não se afigura desnecessário.
-A norma contida no art. 752º, nº1, do CPC respeita ao processo executivo e às regras da penhora e apenas é aplicável na execução movida contra o devedor cujos bens estejam onerados pela garantia real e não se aplica aos demais devedores solidários.
-No contexto indicado, o recurso ao processo de insolvência não configura uma situação de fraude à lei e de abuso de direito.
-O art. 20º, nº1, do CIRE enumera os chamados factos índice ou factos presuntivos da situação de insolvência. A alínea b) deste preceito legal não exige uma pluralidade de credores, sendo suficiente que a falta de cumprimento (de natureza não transitória) respeite a obrigações significativas da incapacidade financeira do devedor para cumprir.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


BANCO S., com sede    , intentou a presente acção declarativa, com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de L. e M., casados entre si no regime de bens da comunhão de adquiridos, com residência ...

Alegou, em síntese, o requerente:

a)Por documento particular, outorgado em 13.02.2009, o requerente, a T.., e (entre outros) os requeridos celebraram um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar à segunda a quantia de 7.500.000,00 euros, e a segunda se obrigou a devolver ao primeiro a quantia acima referida, acrescida dos respectivos juros, no prazo de 72 meses;
b)A T. e, entre outros e na qualidade de fiadores, os requeridos  confessaram-se naquele documento devedores ao autor das quantias acima referidas;
c)Para garantia adicional do cumprimento de todas as obrigações emergentes do acordado, designadamente do pagamento do capital, dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, e de 80.000,00 euros a título de despesas contratuais, tudo importando no montante máximo assegurado de 20.000.000,00 euros, a T. constituiu hipoteca a favor do requerente  que incidiu sobre 25 prédios, sendo certo que um desses prédios pertencia a dois dos fiadores desse negócio, pertencendo os demais à T.;
d)Em 25.03.2013, as partes outorgantes do acordo acima referido outorgaram um novo acordo nos termos do qual a taxa de juro inicialmente prevista foi alterada para a taxa Euribor a 12 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 5,5%;
e)Mais tendo sido estabelecido que a T. ficava obrigada a amortizar integralmente o capital acima referido até ao termo do acordo inicialmente celebrado entre as partes;
f)Tendo ainda sido estabelecido que os juros seriam contados dia a dia, e pagos pela T. em prestações anuais e postecipadas, vencendo-se a primeira prestação em 13.02.2013, sendo a última das prestações coincidente com a data de vencimento integral do contrato;
g)Nos termos deste acordo, a T. constitui hipoteca voluntária a favor do requerente sobre mais dois imóveis;
h)Do montante de capital acima referido a T. usou 7.200.000,00 euros;
i)Em 13.02.2013, a T. deixou de pagar o que quer que fosse com relação ao acordado com o requerente;
j)Nessa sequência, o requerente resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 05.11.2014;
k)Naqueles acordos, os requeridos (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes dos mesmos para a T., tendo renunciado ao benefício da excussão prévia;

l)Em 09.10.2015, a T. devia ao requerente as seguintes quantias:
- 7.200.000,00 Euros, a título de capital;
- 1.352.484,30 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 26.565,73 Euros, a título de imposto de selo;
- 80.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais;

m)Por documento particular, outorgado em 16.08.2007, o requerente celebrou um acordo de mútuo com hipoteca e fiança, nos termos do qual se obrigou a entregar aos mutuários a quantia de 3.750.000,00 euros e estes se obrigaram a devolver ao requerente a quantia acima referida, acrescida dos respectivos juros, no prazo de 84 meses;
n)Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efectivamente disponibilizado, pagos em prestações semestrais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última com a data de vencimento do contrato;
o)A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%;
p)Os mutuários e os fiadores ( onde se incluem os requeridos) confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido;
q)E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, até ao montante de capital de 3.750.000,00 euros, designadamente das despesas judiciais e extrajudiciais que lhe estão associadas, no valor de 154.200,00 euros, e das livranças subscritas pelos terceiros até ao limite de capital de 105.000,00 euros, tudo no montante global de 3.855.000,00 euros, bem como dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora, os mutuários constituíram uma hipoteca voluntária a favor do requerente que incidiu sobre 6 imóveis;
r)Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito do mutuário C., os seus únicos herdeiros, entre os quais se conta o requerido, assumiram responder colectivamente pelo pagamento do capital em dívida, tendo igualmente os seus cônjuges assumido a responsabilidade pelo pagamento do capital;
s)No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%;
t)Mais tendo ficado acordado que, entre 17.05.2012 e 15.05.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos trimestral e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, cada uma no valor de 575.100,00 euros, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 18.08.2013. e coincidindo a última com a data de vencimento do contrato;
u)Os mutuários usaram efectivamente a quantia de 2.875.000,00 euros;
v)Em 16.02.2013, os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado;
w)Nessa sequência, o requerente resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 14.11.2014;

x)Em 09.10.2015, os mutuários deviam ao autor as seguintes quantias:
- 2.875.000,00 Euros, a título de capital;
- 538.380,77 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 12.000,92 Euros, a título de imposto de selo;
- 154.200,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais;

y)Por força deste último contrato a dívida dos requeridos é no montante global de €   3 579 581,69;
z)Por documento particular, outorgado em 09.10.2007, o requerente celebrou um acordo de mútuo com hipoteca e fiança, nos termos do qual se obrigou a entregar aos mutuários a quantia de 2.500.000,00 euros e estes se obrigaram a devolver ao autor a quantia acima referida, acrescida dos respectivos juros, no prazo de 84 meses, tendo sido acordado um período de carência de capital de 48 meses;

aa)Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efectivamente disponibilizado, pagos em prestações mensais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última delas com a data de vencimento do contrato;
bb)A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%;
cc)Os mutuários e os fiadores ( onde se incluem os requeridos) confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido;
dd)E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, até ao montante de capital de 2.500.000,00 euros,  dos juros e comissões que forem devidas e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais fixadas em 100.000,00 os mutuários constituíram uma hipoteca voluntária a favor do requerente que incidiu sobre 2 imóveis;
ee)Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito do mutuário C., os seus únicos herdeiros, entre os quais se conta o requerido, assumiram responder colectivamente pelo pagamento do capital em dívida, tendo igualmente os seus cônjuges assumido a responsabilidade pelo pagamento do capital;
ff)No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%;
gg)Mais tendo ficado acordado que, entre 30.04.2012 e 29.04.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos semestral e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações semestrais e sucessivas, cada uma no valor de 694.444,45 euros e a última prestação no valor do capital remanescente em dívida, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 29.10.2013;
hh)Os mutuários usaram efectivamente a quantia de 2.083.333,34 euros;
ii)Em 29.04.2013, os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado;
jj)Nessa sequência, o requerente resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 04.11.2014;

kk)Em 09.10.2015, os mutuários deviam ao requerente as seguintes quantias:
- 2.083.333,34 Euros, a título de capital;
- 361.022,78 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 7.364,08 Euros, a título de imposto de selo;
- 100.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais;

ll)Por força deste último contrato a dívida dos requeridos é no montante global de €    2 551 720,20;
mm)Os únicos bem dos requeridos são um prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º  ( sobre o qual incide uma hipoteca voluntária) e dois veículos automóveis;
nn)Os requeridos são também titulares de acções ( cujo o número desconhece) na sociedade C.
oo)O requerido é funcionário desta empresa e não é conhecida actividade profissional à requerida;
pp)O requerido é herdeiro de C.;
qq)Os bens imóveis que integram a referida herança correspondem, quase na íntegra, aos que foram dados de garantia ao requerente;
rr)Nos lotes de construção dados em garantia não foi construído qualquer edifício e não foram objecto de comercialização;
ss)O valor patrimonial dos referidos bens imóveis está desfasado da realidade, sendo o seu valor no mercado significativamente inferior e não existem perspectivas de comercialização, tendo ocorrido uma desvalorização de tais bens na ordem dos 50% a 60%;
tt)Os requeridos têm afirmado que não dispõem de qualquer liquidez para proceder ao pagamento da dívida;
uu)Estão preenchidos os requisitos das alíneas a), b) e g) do nº1 do art. 20º do CIRE. 

Os requeridos deduziram oposição, invocando a existência de causa prejudicial (processo de insolvência referente à sociedade T) e alegando em síntese:
- No que respeita o contrato de mútuo outorgado em 13.02.2009, o valor patrimonial do bens imóveis dados de garantia perfaz a quantia de €10 202 802,89;
- A sociedade T. é ainda dona de cinco bens imóveis que perfazem o valor de € 3 174 915,89;
- O valor correcto e actualizado dos bens desta sociedade é de, pelo menos, € 14 415 831.00, a que a acresce o valor de € 3 174 915,89;
- Quanto ao acordado com o requerente em 16.08.2007, os imóveis hipotecados, integrados na herança dos requeridos, aberta por morte do pai do requerido, têm o valor patrimonial de 3.951.648,87 euros, sendo certo que o respectivo valor de mercado ascende a 4.319.025,00 euros;
- Do património dos requeridos e da herança de C. também faz parte uma parcela de terreno, com o valor de mercado de 1.458.501,00 euros, e mais 26 imóveis, sendo certo que 12 desses imóveis, consubstanciados em prédios urbanos, têm o valor patrimonial de 2.010.711,56 euros;
- O valor de mercado dos bens pertencentes aos requeridos e aos herdeiros de C. é superior ao €11 000 000.

Por fim, os requeridos peticionam a condenação do requerente no pagamento da quantia de 5.112,00 euros, a título de danos patrimoniais, e de 10.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, por terem formulado pedido de insolvência, bem sabendo que os réus se encontravam solventes.

Em 20.05.2016 os requeridos vieram requerer o aditamento ao rol de testemunhas, o que foi indeferido.

Em 21.06.2016 o Tribunal a quo entendeu que inexistia causa prejudicial.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que declarou a insolvência dos requeridos.

Pelo Tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos:
-Por documento particular, outorgado em 13.02.2009, o autor, a T. e (entre outros) os réus celebraram um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar à segunda a quantia de 7.500.000,00 euros, e a segunda se obrigou a devolver ao primeiro a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 72 meses.
-A T. e (entre outros) os réus confessaram-se naquele documento devedores ao autor das quantias acima referidas.
-Para garantia adicional do cumprimento de todas as obrigações emergentes do acordado, designadamente do pagamento do capital, dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, e de 80.000,00 euros a título de despesas contratuais, tudo importando no montante máximo assegurado de 80.000.000,00 euros, a T. constituiu hipoteca a favor do autor que incidiu sobre 25 prédios, sendo certo que um desses prédios pertencia a dois dos fiadores desse negócio, pertencendo os demais à T..
-Em 25.03.2013, as partes outorgantes do acordo acima referido outorgaram um novo acordo nos termos do qual a taxa de juro inicialmente prevista foi alterada para a taxa Euribor a 12 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima,  acrescida de 5,5%.
-Mais tendo sido estabelecido que a T. ficava obrigada a amortizar integralmente o capital acima referido até ao termo do acordo inicialmente celebrado entre as partes.
-Tendo ainda sido estabelecido que os juros seriam contados dia a dia, e pagos pela T. em prestações anuais e postecipadas, vencendo-se a primeira prestação em 13.02.2013, sendo a última das prestações coincidente com a data de vencimento integral do contrato.
-Nos termos deste acordo, a T. constitui hipoteca voluntária a favor do autor sobre mais dois imóveis.
-Do montante de capital acima referido a T. usou 7.200.000,00 euros.
-Em 13.02.2013, a T. deixou de pagar o que quer que fosse com relação ao acordado com o autor.
-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 05.11.2014.
-Naqueles acordos, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes dos mesmos para a T., tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.

-Em 09.10.2015, a T. devia ao autor as seguintes quantias:
- 7.200.000,00 Euros, a título de capital.
- 1.352.484,30 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 26.565,73 Euros, a título de imposto de selo;
- 80.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

-Por documento particular, outorgado em 16.08.2007, o autor celebrou (entre outros) com os réus um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar a terceiros a quantia de 3.750.000,00 euros, e estes se obrigaram a devolver ao autor a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 84 meses.
-Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efetivamente disponibilizado, pagos em prestações mensais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última com a data de vencimento do contrato.
-A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%.
-Os terceiros confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido.
-E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, até ao montante de capital de 3.750.000,00 euros, designadamente das despesas judiciais e extrajudiciais que lhe estão associadas, no valor de 154.200,00 euros, e das livranças subscritas pelos terceiros até ao limite de capital de 105.000,00 euros, tudo no montante global de 3.855.000,00 euros, bem como dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora, os terceiros constituíram uma hipoteca voluntária a favor do autor que incidiu sobre 6 imóveis.
-Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito de C., os seus únicos herdeiros, entre os quais se contam os réus, assumiram responder coletivamente pelo pagamento do capital em dívida
-No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%.
-Mais tendo ficado acordado que, entre 17.05.2012 e 15.05.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos trimestralmente e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, cada uma no valor de 575.100,00 euros, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 18.08.2013. e coincidindo a última com a data de vencimento do contrato.
-Os terceiros usaram efetivamente a quantia de 2.875.000,00 euros.
-Em 16.02.2013, os terceiros deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado.
-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 14.11.2014.

-Em 09.10.2015, os terceiros deviam ao autor as seguintes quantias:
- 2.875.000,00 Euros, a título de capital.
- 538.380,77 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 12.000,92 Euros, a título de imposto de selo;
- 154.200,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

-Naquele acordo, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para os terceiros acima referidos dos já aludidos acordos, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
-Por documento particular, outorgado em 09.10.2007, o autor celebrou (entre outros) com os réus um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar a terceiros a quantia de 2.500.000,00 euros, e estes se obrigaram a devolver ao autor a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 84 meses, tendo sido acordado um período de carência de capital de 48 meses.
-Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efetivamente disponibilizado, pagos em prestações mensais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última delas com a data de vencimento do contrato.
-A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%.
-Os terceiros confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido.
-E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, até ao montante de capital de 2.500.000,00 euros, designadamente das despesas judiciais e extrajudiciais que lhe estão associadas, no valor de 154.200,00 euros, e das livranças subscritas pelos terceiros até ao limite de capital de 100.000,00 euros, tudo no montante global de 2.500.000,00 euros, bem como dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora, os terceiros constituíram uma hipoteca voluntária a favor do autor que incidiu sobre 2 imóveis.
-Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito de C., os seus únicos herdeiros, entre os quais se contam os réus, assumiram responder coletivamente pelo pagamento do capital em dívida.
-No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%.
-Mais tendo ficado acordado que, entre 30.04.2012 e 29.04.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos trimestralmente e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, cada uma no valor de 694.444,45 euros, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 29.10.2013 e coincidindo a última delas com a data de vencimento do contrato.
-Os terceiros usaram efetivamente a quantia de 2.083.333,34 euros.
-Em 29.04.2013, os terceiros deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado.
-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 04.11.2014.

-Em 09.10.2015, os terceiros deviam ao autor as seguintes quantias:
- 2.083.333,34 Euros, a título de capital.
- 361.022,78 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 7.364,08 Euros, a título de imposto de selo;
- 100.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

-Naquele acordo, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para os terceiros acima referidos dos acordos já aludidos, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
-O único bem dos réus, comprado na pendência do casamento, é constituído pelo prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º   , sobre o qual incide uma hipoteca voluntária para garantia do montante máximo de 90.000,00 euros, bem como uma outra hipoteca voluntária para garantia do pagamento de uma dívida fiscal no valor de 57.815,42 euros (capital), apresentando tal prédio o valor patrimonial tributário de 259.136,03 euros.
-Os réus despenderam nestes autos 612,00 euros a título de taxa de justiça.

Pelo Tribunal a quo foram considerados não provados os seguintes factos:
-Em relação ao acordado com o autor em 16.08.2007, os imóveis hipotecados, integrados na herança do réu, aberta por morte do seu pai, a que concorrem mais três pessoas, têm o valor patrimonial de 3.951.648,87 euros, sendo certo que o respetivo valor de mercado ascende a 4.319.025,00 euros.
-Do património do réu também faz parte uma parcela de terreno, com o valor de  mercado de 1.458.501,00 euros, e mais 26 imóveis, sendo certo que 12 desses imóveis, consubstanciados em prédios urbanos, têm o valor de mercado de 2.010.711,56 euros, e que o conjunto dos 14 prédios rústicos integrantes destes 26 imóveis tem o valor de mercado de 6.680.975,00 euros.
-O autor atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, deduzindo o presente pedido de declaração de insolvência bem sabendo que os réus se encontravam solventes.
-Os réus despenderam 4.500,00 euros em serviços prestados pelos seus advogados e por avaliadores.
-O presente pedido de declaração de insolvência foi do conhecimento dos vizinhos dos réus.  
             
Os requeridos recorreram do despacho que indeferiu o aditamento ao rol de testemunhas e formularam as seguintes conclusões:
A)O despacho que ora se recorre, indeferiu o aditamento ao Rol de Testemunhas apresentado pelos aqui Recorrentes, nos termos do art.º 598º do CPC aplicável ex vi art.º 17º do CIRE, com o fundamento na intempestividade do pedido.
B)O pedido apresentado não padece da intempestividade invocada, atentos o facto do mesmo ter sido apresentado quase três meses após a apresentação da Oposição, em momento em que a audiência de julgamento não se encontrava sequer marcada, e no momento em que a testemunha se mostrava essencial para a descoberta da verdade atenta a produção de prova a produzir – a solvência dos aqui Recorrentes.
C)A celeridade processual, característica do Processo de Insolvência, não pode ser motivo de impedimento da averiguação da verdade dos factos, e restringir os meios de prova das partes, desde logo pelo facto de, e no caso concreto, as testemunhas são a apresentar, pelo que não ocorreria qualquer delonga com fundamento no referido aditamento.
D)Assim, no caso de impossibilidade manifesta de as oferecer naquele momento, tem de se admitir a possibilidade de oferecimento em momento posterior.
E)O referido despacho judicial deve ser revogado, por se encontrar insuficientemente fundamentado e limitar o direito das partes à produção de prova, art.º 410º do CPC, bem como o seu direito a um processo equitativo e o direito de acção judicial e à tutela jurisdicional, com consagração constitucional nos termos dos arts. 20º n.º 4 e 202.º n.º 2º da Constituição da Republica Portuguesa, e em consequência ser inquirida testemunha cujo aditamento se requereu legal e tempestivamente.

O requerente contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

A)-Estando em crise o indeferimento quanto ao aditamento do rol de testemunhas, em momento posterior ao da oposição, resulta concluso da leitura conjugada dos arts. 25º, nº2 e 188º, nº7 do CIRE e 789º do CPC, que a lei é expressa ao admitir apenas o arrolamento das testemunhas nos articulados iniciais;
B)A não indicação das testemunhas pelos Recorrentes na oposição decorre negligência sua, só a eles lhes podendo ser imputável, já que também não lograram provar nem demonstrar “impossibilidade” de apresentação da mesma no momento em que deduziram a oposição;
C)Sendo as normas processuais ínsitas no CIRE especiais, em relação às que estão contidas no CPC e concluindo-se resultar expressamente daquelas a não possibilidade de aditamento, outra solução se não afigura possível senão a do seu indeferimento;
D)O facto de o CIRE nada se dizer sobre a produção de prova na fase posterior não consubstancia uma lacuna da lei, mas uma consequência da intenção do legislador, sendo que as regras que regulamentam o arrolamento e a apresentação de testemunhas fazem parte da conformação legal do princípio de livre acesso ao direito e não o violam;
E)Face ao exposto e perante lei expressa neste sentido, é forçoso concluir que o juiz a quo não podia deixar de indeferir o requerido, porquanto se as testemunhas têm de ser oferecidas com o requerimento inicial, não é possível o aditamento de novas testemunhas em momento posterior;
F)A natureza urgente do processo e o objectivo de celeridade prosseguido pelo legislador impõem que os meios de prova sejam oferecidos com os respectivos articulados, pelo que a aplicação do regime de aditamento do rol de testemunhas previsto no art. 598º do CPC deve ter-se por excluído;
G)Na audiência de discussão e julgamento nunca foi suscitada a questão da inquirição de nova testemunha, tal como nunca foi demonstrado pelos Recorrentes a razão de ciência que a tornasse pertinente ou essencial;
H)A anulabilidade do despacho de rejeição de meio de prova teve lugar antes da audiência de discussão e julgamento, estando já consolidada a decisão final com a sentença proferida nos autos, pelo que a anulação de todos os actos subsequentemente praticados nos presentes autos resultaria numa perturbação irremediável e violadora do princípio da economia e celeridade processual, corolário do processo de insolvência;
I)Conclui-se também não terem sido violados quaisquer princípios constitucionais, como o direito a um processo equitativo e de acção judicial, uma vez que este princípio, ínsito no art. 20º da Constituição da República, impõe que se assegure o acesso ao direito e aos tribunais não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, inerente à ideia de Estado de Direito, que no presente caso foi veementemente observado, não tendo ficado prejudicado;
J)Este princípio, bem como os princípios gerais do processo civil, como o da verdade material e o do inquisitório não excluem o estabelecimento de prazos de caducidade, que forçosamente têm de ser observados, sob pena de assim se estar a premiar a negligência das partes que o legislador intencionalmente quis reprimir;
K)Se os Recorrentes não souberam prevenir a possibilidade de ter provar outros factos para além dos que alegaram, como o chamamento de uma nova testemunha, que devia ter sido apresentada ab initio na oposição, terão agora de arcar com as consequências dessa falta de previsão;
L)O princípio do contraditório e da igualdade de armas ficou assegurado, na medida em que à semelhança do que sucedeu com os Recorrentes,  também  o pedido de substituição de testemunha requerido pelo ora Recorrido foi objecto de indeferimento, não havendo portanto quaisquer situações de desigualdade quanto aos meios de prova oferecidos tendo ambos disposto dos mesmos;
M)No âmbito do direito probatório, o princípio da igualdade assume particular relevo, porquanto é nesse domínio que mais sentido faz falar-se da igualdade de armas que são colocadas à disposição das partes, que em sede de discussão da matéria de facto esgrimem, verdadeiramente, provas ou meios de prova;
N)Face ao exposto, entende-se que o Tribunal a quo ao ter impedido os Recorrentes de aditar uma nova testemunha ao rol, com fundamento na sua intempestividade por a tramitação processual da insolvência expressamente o não permitir, cuidou assim de assegurar, ao longo de todo o processo, não só um estatuto de igualdade substancial das partes, como também o integral cumprimento pelas normas que o regem;
O)Termos em que nenhum juízo de censura merece a sua inadmissibilidade, devendo manter-se a decisão recorrida.
                                              
Os requeridos interpuseram recurso de apelação da sentença que declarou a sua insolvência e formularam as seguintes conclusões:

I.O Banco ., aqui Recorrido, requereu a insolvência dos Recorrentes, alegando serem estes devedores ao Banco Recorrido da quantia global de € 14.790.351,92 (catorze milhões setecentos e noventa mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos), resultante do não cumprimento de três contratos de mútuo com hipoteca, e respectivos aditamentos, destinados à construção das infra-estruturas de loteamento, um deles em que os Recorrentes figuraram como fiadores da sociedade T.., e o os restantes como mutuários, em conjunto com C. (entretanto falecido), e com os restantes herdeiros deste;
II.O financiamento concedido (3 primeiros contratos) destinava-se à construção de loteamento urbano e os bens dados de garantia têm um valor patrimonial global de € 17.319.367,65;
III.A sociedade T. é ainda proprietária de bens com o valor patrimonial de € 3.174.915,89 e os herdeiros de C., nos quais se incluem os aqui Recorrentes, de diversos bens rústicos e urbanos, estes últimos com o valor patrimonial de € 1.207.414;
IV.A sociedade T. e os demais obrigados solicitaram a avaliação do empreendimento tendo o perito avaliador concluído pela avaliação em € 14.415.831,00;
V.Foram concluídas as obras de loteamento e urbanização com os mútuos obtidos estando em venda os lotes de terreno para construção;
VI.Os aqui Recorrentes não figuram como devedores à Segurança Social ou às Finanças;
VII.O Requerente, aqui Recorrido não provou, como lhe competia, que (i) os bens relacionados na herança de C. correspondem, quase na íntegra, aos que foram dados de garantia ao Banco requerido, que (ii) não se vislumbra a possibilidade de vendas dos imóveis dados de hipoteca porquanto estão desvalorizados na ordem dos 50% a 60%, não existindo mercado para aos mesmos, que (iii) os bens imóveis têm um valor de venda manifestamente inferior ao valor porque estão inscritos na matriz, (iv) que os Requeridos (aqui Recorrentes) não têm acesso ao crédito;
VIII.Apesar disso, e dos factos que resultaram provados, decidiu o tribunal a quo a declaração de insolvência dos Recorrentes, embora, desconsiderando os factores índice previstos na alínea a) e e) do nº 1 do artº 20º do CIRE, estabelecendo que, nos presentes autos, o que importava era o factor índice previsto na alínea b) da mesma disposição legal - falta de cumprimento das obrigações pelos recorridos, que, pelo seu montante revelam a impossibilidade de o devedor (os recorrentes) satisfazerem pontualmente as generalidade das sua obrigações.
IX.Quer dizer, a falta de liquidez dos Recorrentes para satisfação da dívida do Banco recorrido, foi o (único) motivo para a declaração da insolvência.
X.Os Recorrentes discordam dos argumentos e fundamentação jurídica em que se baseou a decisão, pelo que consideram que mesmo face à matéria que se deu como provada na sentença, a insolvência dos requeridos não deveria ter sido decretada;

Da revisão da matéria de facto.

XI.Consideram ainda os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto, pelo deverá ser reapreciada a prova, documental e gravada, sendo revista a matéria de facto;
XII.Todos os bens pertencentes à sociedade T. e aos herdeiros foram objecto de avaliações por perito, apresentadas pelos Recorrentes, pelas quais foram atribuídos aos imóveis valores superiores aos valores patrimoniais, mas o tribunal a quo não considerou todas as avaliações;
XIII.O valor dos imóveis está sustentado na avaliação técnica elaborada por perito, confirmado pelo seu próprio depoimento, bem como pelo da mediadora imobiliária em sede de audiência de julgamento.
Da falta de liquidez,
XIV.O tribunal a quo considerou procedente o pedido, fundamentando a sua decisão na ideia de que a falta de liquidez imediata para pagamento da dívida ao Banco Recorrido é por si só bastante para a verificação de situação de insolvência;
XV.Salvo melhor e superior entendimento, tal linha de pensamento é errada, pois que não se aceita que a falta de liquidez, por si, constitua fundamento da insolvência.
XVI.Os contratos de mútuo que estão na origem da dívida reclamada, estão todos garantidos com hipoteca e, no caso do contrato celebrado com a sociedade T., garantidos também por fiança e com reforço de garantias hipotecária;
XVII.Quer de acordo com o valor patrimonial determinado pela Autoridade Tributária, quer mais ainda por avaliações de mercado actuais, o seu valor é superior (muito superior) ao valor da dívida ao Banco recorrido, o que reforça essa suficiência;
XVIII.A prova da existência do património imobiliário, do seu valor patrimonial, do seu valor de mercado e o facto de estarem em venda no mercado, demonstram que a falta de liquidez é transitória, pelo que não poderia o tribunal a quo ter concluído de forma contrária;
Da inexistência de situação de insolvência.
XIX. “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” - n.º 1, do Art.º 3º do CIRE
XX.No quadro actual do CIRE, de acordo com as Leis n.ºs 16/2012 e 66-B/2012, bem como após a reforma de 2013 do Código de Processo Civil, a atribuição aos credores do direito de, por iniciativa própria, requererem a insolvência do devedor, depende da verificação de determinados factos ou situações cuja ocorrência objectiva pode, nos termos da lei, fundamentar o pedido de declaração de insolvência, os chamados factos-índice consignados expressamente no n.º 1, do Art.º 20.º do CIRE;
XXI.O facto-índice a que se reporta a al. a), do n.º 1, do Art.º 20º do CIRE, reporta-se à hipótese tradicional de cessação de pagamentos anteriormente prevista no art.º 1.174.º, n.º 1, al. a), do CPC e, posteriormente, no CPEREF, que se reconduz a uma paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária;
XXII.Quanto ao facto-índice a que se reporta a alínea b) do mesmo preceito, o incumprimento de só alguma ou de algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, revele a impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações.
XXIII.O devedor não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas quando tem um património que a ser liquidado (voluntária ou judicialmente), é susceptível de satisfazer o pagamento das suas obrigações vencidas perante o requerente, e o facto de estar provado que houve incumprimento não permite, por si só, concluir pela “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (al. a) do nº 1 do art.º 20º do CIRE), mas antes e apenas por uma suspensão individualizada, perante um único credor”.
XIV.No caso presente ocorre (i) a impossibilidade de os devedores cumprirem as obrigações para com o Banco (único credor a exigir o pagamento), decorrentes dos contratos que celebraram enquanto fiadores da sociedade T. ou em conjunto com os demais obrigados, (ii) bem como a existência de um acervo patrimonial muito considerável e superior (muito superior) ao crédito do recorrido;
XXV.Existindo um único credor a exigir o pagamento, no caso um credor privilegiado (hipotecário), a declaração de insolvência excede o próprio fim da declaração de insolvência – a defesa dos interesses dos credores;
XXVI.Os Recorrentes não podem ser chamados ao pagamento da dívida reclamada na sua totalidade, pois que a dívida foi assumida e garantida em conjunto com a sociedade T, e com os restantes herdeiros de C., e o Banco Recorrido só o pode fazer através de execução, para que seja apurado o resultado da venda de todos os bens dados de garantia, e, esgotados estes, dos bens que aos executados pertencem;
Da preterição da acção executiva.
XXVII.No caso concreto, como único credor, em vez de lançar mão do processo de insolvência, o Banco Recorrido podia e devia ter lançado mão da acção executiva, como via de cobrança coerciva do seu crédito;
XXVIII.A acção executiva tem por finalidade a realização coactiva da obrigação (Art.º 10º, nº 4, do CPC): através dela, o credor obtém resultado idêntico ou equivalente ao da prestação voluntária da coisa ou facto devido;
XXIX.Proposta pelo credor contra o seu devedor, é qualificada como execução singular, sem prejuízo de para ela serem convocados os credores que tenham garantia real sobre os bens penhorados;
XXX.Por seu lado, o processo de insolvência constitui uma forma de execução universal dos bens do insolvente e não cuida duma particular relação jurídica de obrigação: o concurso de credores é universal, nele reclamando os seus créditos todos os credores, comuns ou privilegiados, do devedor;
XXXI.A insolvência constitui o modo de realização mais perfeito da ideia de garantia comum dos credores (Art.º 601º do CC), de tal modo que cessa com a sua declaração a garantia constituída pela penhora, tal como a resultante de hipoteca judicial (Art.º 140º, nº 3, do CIRE);
XXXII.Embora qualquer credor a possa requerer (Art.º 20º, nº 1, do CIRE), a organização da insolvência visa assim a protecção da sociedade em geral e, em especial, a dos credores comuns do insolvente, e a declaração de insolvência não tem como escopo a protecção do interesse individual dum credor, por muito avultado que seja o seu crédito, mas sim a protecção do interesse geral dos credores.
XXXIII.Admitir a declaração de insolvência em benefício de um só credor, como alternativa à acção executiva, constitui desvio da função própria do instituto para o subordinar à função própria desta acção, ainda mais estando o credor garantido com hipoteca sobre bens do devedor;
XXXIV.O devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de, na execução, se opor à penhora de outros bens do seu património enquanto não for reconhecida a insuficiência da garantia, o mesmo direito tendo, por maioria de razão, o fiador, ainda que principal pagador - art.º 697º CC;
XXXV.Por sua vez, o art.º 752º do CPC só admite a penhora de bens diferentes daqueles que, pertencendo ao devedor, estejam onerados com garantia real quando se reconheça a insuficiência destes para o fim da execução, o que, dada a posterioridade da lei processual (2013) em face da lei civil (1966), dispensa a oposição do devedor: a verificação, no processo executivo propriamente dito, da existência da garantia basta para impedir o prosseguimento da execução sobre outros bens, salvo se for feita prova dessa insuficiência.
XXXVI.Por fim, o art.º 20º, nº 1, al. e), do CIRE prevê, como índice da insolvência, a insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento do crédito do exequente, desde que verificada em processo executivo movido contra o devedor.
XXXVII.No caso concreto, e enquanto fiadores da sociedade T., os Recorrentes nunca seriam chamados ao pagamento coercivo (penhora) antes de verificada a impossibilidade de os bens hipotecados satisfazerem a dívida reclamada e os seus bens não responderiam pela dívida enquanto não se verificasse a insuficiência da garantia constituída sobre os bens do devedor;
XXXVIII.O mesmo sucedendo quanto aos contratos em que, em conjunto com os restantes herdeiros de C., figuram como devedores – os Recorrentes nunca poderiam ser chamados ao pagamento coercivo (penhora) antes de verificada a impossibilidade de os bens que em conjunto deram de garantia (hipoteca) satisfazerem a dívida reclamada.
XXXIX.Quer dizer, a utilização do processo de insolvência subverte, totalmente, o princípio da prioridade da garantia real para pagamento das dívidas, pois que antes de se esgotarem essas garantias, e sem que a recorrente tenha outros credores, são chamados todos os seus bens (em simultâneo) a responder pelas dívidas ao Banco credor e aqui recorrido.
Do interesse do credor na insolvência.
XL.O Banco credor, preferencial, está a utilizar um meio processual inadequado para atingir a satisfação de um interesse que poderia atingir pela acção executiva; enquanto credor com garantias reais sobre os bens dos devedores não pode considerar-se o pedido de insolvência como processualmente adequado ao caso;
XLI.O seu interesse em requerer a insolvência antes da acção executiva só pode ser pressionar o devedor o que significa que não tem interesse jurídico em requerer a insolvência;
XLII.Quer dizer, carece de interesse em agir, o que constitui pressuposto processual essencial que leva à absolvição da instância – artº 577º do CPC;
Do abuso de direito.
XLIII. Mesmo que o Art.º 20º, nº 1, al. b), do CIRE devesse ser interpretado no sentido de o crédito (ou créditos) do credor maioritário preencher, só por si, o conceito de generalidade das obrigações do devedor, constituiria abuso de direito o requerimento da insolvência, por credor hipotecário, nestas condições.
XLIV.Apreender bens do devedor, não onerados pelas hipotecas, sem a prévia demonstração da insuficiência dos bens hipotecados, como sucede nos presentes autos, constitui fraude à lei.
XLV.Em processo de insolvência em que, na sequência da oposição de devedor, se verifique que o valor dos bens hipotecados é superior ao da dívida, está feita a prova do contrário do facto que ao credor cabia provar, nos termos das disposições referidas;
XLVI.Pelo que é inteiramente justo afirmar, que no quadro negocial de boa-fé, não é expectável considerar o pedido de declaração de insolvência, tendo em atenção todas as garantias dadas aquando da celebração dos contratos e, posteriormente, em sede de reforço de garantias;
XLVII.O recurso ao processo de insolvência é extremamente injusto e desnecessário, excessivo e manifestamente desproporcional, de cobrança do crédito do Banco recorrido, o que se traduz num verdadeiro abuso de direito o que constitui violação do disposto no art.º 334.º do Código Civil.
XLVIII.A sentença recorrida violou, pelo menos, o disposto nos art.ºs 1º nº1, 3º, 20º nºs 1 a) e b), 30.º, n.º 3, todos do CIRE, art.ºs 334.º e 697ºdo Código Civil.
Os recorrentes terminaram, requerendo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido.

Juntaram parecer.

O requerente contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

A.Nenhum lapso ou erro resulta dos factos dados como provados, designadamente no que concerne à avaliação de que os imóveis foram objecto, porquanto o tribunal a quo legitimamente só considerou provado o valor atribuído pelo perito aos lotes da urbanização pertencentes à T. tendo, considerado não provado o valor de mercado atribuído aos imóveis pertencentes à herança de C.;
B.Nenhuma incoerência ou incongruência resulta da avaliação realizada, já que o tribunal a quo para formar esta sua convicção, assertivamente considerou que perante a ausência de certeza quanto ao valor dos mesmos, para além do que resulta como valor patrimonial tributário das respectivas cadernetas prediais, sendo diversos os critérios utilizados na avaliação de imóveis, como tão bem esclareceu a testemunha que procedeu à avaliação a pedido dos requeridos, não ficou o Tribunal suficientemente convencido, por forma a dissipar quaisquer dúvidas possíveis quanto ao seu valor;
C.Conclui-se que o valor de mercado apurado para os imóveis dados de garantia ao abrigo dos contratos de mútuo e decorrente da avaliação particular requerida pelos aqui Recorrentes, carece de integral fiabilidade, uma vez que o valor de mercado apurado não corresponde ao real valor e nem tampouco se aproxima do valor de venda rápida, conforme resultou da avaliação do Banco;
D.Tratando-se aqui de um mero empreendimento com terrenos para construção, sem que nada tenha sido edificado quer com moradias ou apartamentos para venda, será forçoso concluir que o valor comercial e de venda rápida, contando apenas com lotes de terreno, é muito inferior aquele que teria se estivesse edificado, o que não sucede;
E.A avaliação realizada pelo perito não merece acolhimento, atento o facto de dela ter resultado o valor de mercado atribuído aos imóveis sub judice de €17.293.273,00, valor este que além de estar bastante acima do valor real de mercado, assentou em critérios que não se mostraram claros nem confiáveis sustentados no falso pressuposto do que poderá vir a ser edificado, relacionando a oferta e a procura e tendo em conta a expectável melhoria do mercado;
F.Também a avaliação de que os imóveis foram objecto, destinou-se a fornecer bases para a transacção destes imóveis na suposição de estarem livres de quaisquer ónus ou encargos, porém compulsadas as certidões permanentes dos imóveis juntas aos autos, concluiu-se que muitos deles estão onerados com garantias hipotecárias em favor de outros credores, o que determina indubitavelmente a dificuldade que será a ressarcibilidade do crédito aqui em causa;
G.Critérios estes que sendo meramente subjectivos sem qualquer termo de comparação com imóveis da zona, não permitem extrair o real valor de mercado, pois situando-se próximo ao T., onde o flop foi acentuado e a desvalorização exponencial, o valor atribuído aos imóveis sitos naquela zona esta claramente desfasado da realidade;
H.O resultado da avaliação consubstancia assim uma situação que em termos abstractos ou hipotéticos não coincide com a prática, não havendo um activo superior ao passivo;
I.Ainda que o valor do empreendimento fosse suficiente para solver a dívida, o que por mero absurdo se admite, essa é uma expectativa irrealizável, já que conclui-se ser absolutamente megalómano conceber a venda de todos os lotes do empreendimento num curto espaço de tempo e ainda pelo valor em que foram avaliados;
J.Prova disso mesmo é o facto de o empreendimento aqui em causa, para que foi concedido o empréstimo bancário sub judice, ter terminado em meados de 2011 e desde então não se ter afigurado qualquer hipótese possível de comercialização;
K.Há cerca de cinco anos que os imóveis estão para venda, sem que em tal período tenha sido vendido um único lote e não se conhecendo qualquer interessado na aquisição desses mesmos lotes, nem é expectável que se venha a conhecer a curto/médio prazo, impede assim os Recorrentes de dispor do activo líquido necessário para solver as dívidas de que o aqui Recorrido é credor;
L.Na verdade, não é expectável que a venda da totalidade dos lotes ocorra em período mínimo inferior a 5 anos, atendendo ao estado actual do mercado imobiliário e tendo em conta que o património imobiliário tem estado sujeito nos últimos anos a desvalorização constante;
M.Apesar de se terem concluído as obras de loteamento com os financiamentos obtidos junto do aqui Recorrido, não vendeu a Sociedade T., nem tampouco os aqui Recorrentes, qualquer dos lotes, inexistindo efectivamente qualquer perspectiva de comercialização de tais bens e estando aquela impedida de prosseguir o seu objecto social;
N.É forçoso concluir-se, que a venda de todo o loteamento irá prolongar-se no tempo, por período que não se sabe precisar, mas que demorará, com toda a certeza, alguns anos se nada de extraordinário acontecer, não sendo possível prever quando acontecerá, pelo que não passará, neste momento, de uma mera expectativa e de probabilidade incerta;
O.Nestes termos, conclui-se que pese embora os Recorrentes tenham invocado a existência de património em valor superior ao da dívida para com o Recorrido, não só não lograram demonstrar tal factualidade como lhes competia, como o que releva para a decisão a proferir nos autos, não é o património de pessoa distinta dos Recorrentes, mas sim o activo disponível destes para proceder ao pagamento integral e imediato do débito em causa, o que não sendo vendável, não logrou demonstrar-se;
P.Quanto à avaliação requerida pelo Banco Recorrido ter tido como objecto 32 lotes num total de 47, conclui-se que tal facto se deveu unicamente por só sobre esses, se ter constituído garantia hipotecária no âmbito dos contratos celebrados;
Q.Além disso, a diferença entre o valor atribuído ao empreendimento na data do financiamento e agora deve-se unicamente às prospecções de mercado na altura do financiamento serem francamente superiores às que são agora, decorridos que estão cinco anos sobre o término das obras sem que nenhum único lote tenha sido vendido;
R.O facto de os contratos de mútuo aqui em causa estarem garantidos por hipoteca, não garantem in totum a ressarcibilidade do aqui Recorrido, pois muitos deles ou estão onerados com outras garantias de outros credores ou correspondem a prédios rústicos que não dispondo de qualquer licença, não têm valor para venda no mercado imobiliário
S.Afinal, um empreendimento edificado com moradias ou apartamentos para venda, além de ter um valor comercial e de venda rápida muito superior aquele que tem agora, por se tratarem de meros terrenos para construção, dependentes que estão duma reanimação de mercado que já dura há mais de cinco anos, não é, nem pode ser, expectável que o valor de mercado actual seja o mesmo de quando se concedeu o financiamento;
T.De igual forma, atender à soma aritmética dos valores matriciais resultantes das respectivas cadernetas prediais, consubstancia também assim critério absolutamente falacioso, uma vez que o valor patrimonial dos imóveis é determinado pela Administração Tributária para efeitos de receitas de IMI;
U.O VPT corresponde a um valor apurado somente com vista à liquidação de impostos e só por muito acaso é que o valor patrimonial tributário coincide com o valor no respectivo mercado, pois o VPT pode estar muito acima do valor de mercado;
V.Este desfasamento da realidade deve-se sobretudo ao facto de dois parâmetros do cálculo do imposto - a idade do imóvel e o preço por metro quadrado - não serem actualizados automaticamente pelas Finanças, cuja reavaliação só é efetuada de três em três anos e se for requerida, o que no caso dos presentes autos consubstancia um valor patrimonial "distorcido" em relação ao valor de mercado, uma vez que à Recorrente decerto não lhe subjaz o interesse de requerer a referida reavaliação tendo em conta que o valor patrimonial atribuído pela AT é claramente superior e mais vantajoso em relação ao real valor de mercado, o que decerto lhe convirá;
W.Por outro lado, o valor patrimonial atribuído aos bens não garante que o valor obtido com a venda dos mesmos bens seja a este igual ou equivalente, sendo por demais sabidas as flutuações a que o mercado imobiliário está sujeito e as suas vulnerabilidades a momentos de crise económica como a que se tem vivido em Portugal, como aliás patenteia a total ausência de vendas dos lotes de terreno que constituem o empreendimento financiado pela requerente, não obstante a sua conclusão;
X.Ficou assim essencialmente provado, na perspectiva e convicção segura do tribunal a quo, que apesar de se terem concluído as obras de loteamento com os financiamentos obtidos junto do aqui Recorrido, não vendeu a Sociedade T., nem tampouco os aqui Recorrentes, qualquer dos lotes, concluindo-se inexistir qualquer perspectiva de comercialização de tais bens;
Y.Não obstante o ora Recorrido ter intentado cinco insolvências contra todos os obrigados nos contratos de mútuo, a verdade é que todos os fiadores contra quem foi intentada a respectiva insolvência, foram declarados insolventes, sendo unânime o entendimento jurisprudencial quanto à impossibilidade de todos obrigados cumprirem pontualmente as suas obrigações;
Z. A falta de liquidez não é assim meramente transitória mas sim definitiva, já que o empreendimento aqui em causa, para que foi concedido o empréstimo bancário sub judice, terminou em meados de 2011 e desde então nenhum imóvel foi comercializado;

AA.Não foi feita qualquer prova de que o património dos Recorrentes gerasse fluxos financeiros susceptíveis de contrariar penúria absoluta que ficou provada, já que havendo inversão do ónus da prova, caberia aqueles demonstrar e provar a sua solvência, bem como provar que haviam sido feitos pagamentos ao Banco Recorrido por conta dos mútuos celebrados e dos quais se constituíram fiadores, o que não sucedeu;
BB.Impossibilitados de movimentar o activo ilíquido de que dispõem, para fazer face a generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, bem como liquidar as dívidas dos seus credores, conclui-se ser irrelevante o seu activo ser superior ao passivo, já que a insolvência ocorre logo que se verifica a impossibilidade de pagar as suas dívidas;
CC.Os Recorrentes podem também por si só ser chamados ao pagamento da dívida reclamada na sua totalidade, porquanto além de serem devedores solidários, o aqui Recorrido intentou a insolvência não só da mutuária mas de todos os fiadores que com ela se obrigaram ao pagamento e pontual cumprimento dos contratos de mútuo sub judice, em face da renúncia ao benefício da excussão prévia;
DD.Nos termos do artigo 627º, nº 1, do C. Civil, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”;
EE.A fiança é, por isso, uma garantia pessoal das obrigações, através da qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento perante o credor, sub-rogando-se na posição daquele;
FF.Conclui-se existir uma solidariedade passiva entre devedores, termos em que qualquer deles responde perante o credor comum pela prestação integral, daí que o credor possa exigi-la, no todo ou em parte, da totalidade dos devedores ou só de alguns deles nos termos do artigo 519º do CC;
GG.O benefício da divisão nos termos do artigo 518º do CC não é aqui oponível, porquanto ainda que tenham sido demandados os outros devedores/fiadores, nem por isso se libera os Recorrentes da obrigação de efectuar a obrigação por inteiro, uma vez que aquela responsabilizou-se, tal como os demais fiadores, solidariamente com o devedor por todos os pagamentos que fossem devidos;
HH.Os fiadores renunciaram ao benefício da excussão prévia, sendo por isso igualmente responsáveis pelo pagamento da dívida, pois trata-se aqui de uma responsabilidade solidária e não subsidiária, o que confere ao credor o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação ou parte dela;
II.Também a falta de activo financeiro líquido, não gerando ele próprio liquidez, não permite obter nem possibilitar aos Recorrentes a liquidação das suas dívidas;
JJ.Ainda que houvesse uma superioridade do activo sobre o passivo, o que não se admite, forçosamente se conclui que os Recorrentes não têm capacidade creditícia para cumprir, pontualmente, as suas obrigações, incorrendo assim numa emergente situação de insolvência;
KK.Para que se verifique a insolvência, basta a não satisfação de uma única obrigação para que se indicie, só por si, a penúria, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo de obrigações não é suficiente para fundar saúde financeira bastante;
LL.Dos factos-índice caracterizadores da situação de insolvência importa assim concluir que a factualidade alegada e tida como demonstrada, é de molde a permitir legitima e fundadamente inferir pelo preenchimentos dos pressupostos ou requisitos indiciadores da insolvência mencionados no artigo 20º CIRE, verificando-se a impossibilidade dos Recorrentes cumprirem as suas obrigações vencidas, quer agora quer num futuro próximo;
MM.Embora os meros atrasos no pagamento não justifiquem a declaração de insolvência, também não se exige que a impossibilidade seja duradoura, nem que haja pluralidade credores, só obstando à declaração de insolvência a falta transitória de liquidez recuperável a curto prazo, o que se conclui não ser este o caso;
NN.O hiato temporal decorrido desde a verificação do incumprimento em 2013, bem como o montante avultado da dívida que se consubstancia à data do requerimento da insolvência em mais de quinze milhões de euros, sem que nenhum imóvel tenha sido vendido nos últimos anos que pudesse conferir-lhe a liquidez necessária para proceder ao pagamento dívida, permitem concluir sem mais pela comprovada situação de insolvência;
OO.Como bem concluiu o tribunal a quo “a falta de cumprimento pelos réus da obrigação de pagamento do crédito, que é de valor muitíssimo elevado, reclamado pelo autor, a antiguidade desse crédito e a circunstância de os mesmos não terem liquidez para o pagarem são factos que, devidamente conjugados entre si, fazem concluir pela sua insolvência, bem demonstrando a total impossibilidade de os mesmos satisfazerem, pontualmente e de forma integral, a generalidade das suas obrigações (n.º 1 do artigo 3.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE)”;
PP.Face ao exposto, nunca seria a acção executiva o meio idóneo para permitir o ressarcimento do Recorrido;
QQ.Demonstrado que ficou que património/liquidez é insuficiente para ressarcimento da dívida, o processo executivo revelar-se-ia manifestamente inútil face ao efeito que se pretende alcançar, dando lugar a gastos judiciais desnecessários que iriam culminar necessariamente numa inutilidade superveniente da lide face à emergência de um processo de insolvência;
RR.As acções executivas não devem servir para obter o ressarcimento de entidades insolventes, que não têm qualquer actividade nem vislumbram vir a ter, devendo somente ser usada contra empresas solventes ainda que devedoras ou em dificuldades;
SS.A sociedade mutuária investiu tudo no empreendimento objecto dos contratos de mútuo ora em crise, pelo que ao não conseguir o fim esperado, ou seja, a venda dos lotes, tanto ela como os fiadores que com ela solidariamente se obrigaram, ficaram desprovidos de qualquer liquidez que lhe permitisse ressarcir a dívida existente;
TT.Não existindo qualquer perspectiva de ressarcimento, conclui-se que o recurso à acção executiva daria lugar a atrasos processuais e a tramitações judiciais inúteis, numa veemente violação do princípio da economia e celeridade processual;
UU.O objectivo do recurso à acção executiva propugnado pelos aqui Recorrentes seria apenas o de protelar o mais possível no tempo a cobrança desta dívida, dando lugar a manobras manifestamente dilatórias que obstassem ao pagamento da dívida.
VV.Não obstante ter recebido os valores mutuados e nunca ter feito nenhum pagamento, o recurso à acção executiva pretendida pelos Recorrentes destinava-se somente a evitar as repercussões que o processo de insolvência implica para a sua esfera patrimonial individual que não quer egoisticamente ver afectada, apesar de bem saber estar impossibilitada de cumprir com a generalidade das suas obrigações e de solver a dívida ora em causa;
WW.Face ao exposto, só o processo de insolvência permite satisfazer, na plenitude, o interesse do credor, ficando precludida a necessidade do recurso à acção executiva pelo facto do valor dos imóveis dados como garantia não permitirem o pleno e total ressarcimento da quantia em dívida;
XX.Ainda que a insolvência seja vista, como uma forma de execução universal, tal não significa que se destine mormente à satisfação de uma pluralidade de credores que neles reclamem os seus créditos vencidos, pois a insolvência não exige uma pluralidade de incumprimentos, nem tampouco uma pluralidade de credores;
YY.Atenta a inviabilidade económica manifestada pela incapacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da dívida, bem como a insuficiência do património imobiliário dado de garantia, é forçoso concluir que uma liquidação universal do património dos Recorrentes é muito mais adequada e célere para satisfazer o crédito do credor aqui Recorrido;
ZZ.Os Recorrentes nada mais têm, senão um conjunto de lotes de terreno que não conseguem vender para pagar aos seus credores, não podendo ser o Banco aqui Recorrido, a suportar o ónus de ter que aguardar pacientemente que aqueles sejam vendidos para finalmente ser ressarcido dos valores que mutuou e que a mutuária dos contratos desde logo fez seus;

AAA.Ora em face do exposto, não se vislumbrando uma recuperação possível que lhes permita liquidar a dívida existente, outro entendimento se não pode conjecturar senão o do decretamento da insolvência dos Recorrentes e demais devedores;
BBB.Nenhuma questão há a levantar quanto à legitimidade do banco Recorrido para requerer a insolvência, porquanto o artigo 20.º do CIRE, epigrafado de “Outros legitimados”, atribui legitimidade processual ou “ad causam” a “qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito (…)”;
CCC.Os meios de defesa e reacção do devedor estão assegurados com a prerrogativa de que dispõe para impugnar a existência e montante do crédito invocado pelo credor de modo a pôr em causa a sua legitimidade, não havendo nenhuma exigência adicional quanto a isso;
DDD.Tendo o Recorrido indicado com precisão qual a origem do crédito reclamado, o montante em dívida, bem como as garantias de que dispõe, justificou desde logo a sua qualidade de credor, concluindo-se assim pela legitimidade do credor em agir;
EEE.A alegada falta de interesse em agir pela preterição da acção executiva não logrou ficar demonstrada, porquanto o processo de insolvência destinado à declaração judicial da situação de insolvência pressupõe o desencadeamento de vários mecanismos jurídicos, adequados às necessidades especiais de tutela do credor e criados por aquela situação;
FFF.Conclui-se que o processo de insolvência visando a satisfação de um crédito, desencadeia outro tipo de efeitos e realiza outros fins ou interesses que não apenas aquele de que o credor é titular, obstando a uma cadeia de incumprimentos que poderia culminar num prejuízo irreparável e que assim é evitado;
GGG.Tendo ficado provada a inexistência de qualquer interessado na aquisição dos referidos imóveis, tendo em conta que se trata de um loteamento com cerca de 5 anos, infere-se desde logo que a avaliação assenta claramente numa expectativa que não é concretizável, atento o hiato temporal decorrido e a zona em que se insere;
HHH.Face ao exposto, conclui-se que os imóveis dados de garantia, além de consubstanciarem um activo não activo não líquido, não permitem o integral ressarcimento do aqui Recorrido, sendo sempre necessário excutir outros bens do património dos devedores que permitam assegurar o pagamento da dívida ao credor;
III.Termos em que, o montante e a longevidade do incumprimento, conjugada com a não demonstração de liquidez para o seu pagamento por parte dos Recorrentes, levam à imediata conclusão de que estes não dispõem de activo disponível para proceder ao pagamento integral e imediato do débito em causa, devendo manter-se a decisão da insolvência dos ora Recorrentes.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

II-São as seguintes as questões objecto de recurso:
A)No que respeita ao recurso do despacho de 06.06.2016, importa verificar se deve ser admitido o requerido aditamento ao rol;
B)Quanto ao recurso da sentença que decretou a insolvência, as questões em apreço são as seguintes :
-Se deve ser admitido o recurso quanto à matéria de facto;
-Se o requerente da insolvência carece de interesse processual;
-Se ocorre preterição da acção executiva e fraude à lei;
-Se estamos perante uma situação de abuso de direito;
-Se ocorre falta de cumprimento de obrigações que revele a impossibilidade de os devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do nº1 art. 20º do CIRE.
*

III-Recurso de apelação do despacho de 06.06.2016 que indeferiu o aditamento ao rol requerido em 20.05.2016:
Defendem os recorrentes que deveria ser admitido o aditamento ao rol ao abrigo do disposto no art. 598º do CPC.
O Exmº juiz a quo indeferiu o aditamento ao rol, por intempestividade e invocou, para tanto, o disposto no nº2 do art. 25º do CIRE.
À data do referido despacho ainda não tinha sido designada audiência de julgamento.

Vejamos.

Resulta do disposto nos arts. 25º, nº2 e 30º, nº1 do CIRE que as testemunhas devem ser indicadas nos articulados apresentados pelas partes ( petição inicial e oposição). Incumbe ainda às partes a apresentação das testemunhas em audiência.

Estas normas do CIRE revestem natureza especial e a sua razão de ser prende-se com a celeridade do processo de insolvência.

Não ocorre, assim, lacuna que determine a aplicação do disposto no art. 598º, nº2 do CPC ( vide Acórdãos desta Relação de 11.09.2009 e de 03.03.2011- www.dgsi.pt).

Este preceito legal prevê a possibilidade de aditamento ou alteração do rol até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, o que não se coaduna com a natureza urgente do processo de insolvência que prevê a realização da audiência nos cinco dias subsequentes à oposição ( art. 35º, nº1 do CIRE).

O despacho recorrido está fundamentado ( embora de forma sucinta) e não violou o direito a um processo equitativo consagrado no nº4 do art. 20º da CRP. À norma contida no nº2 do art. 25º do CIRE  estão subjacentes razões de celeridade impostas a ambas as partes e a sua aplicação não impediria a audição de testemunha necessária para a justa composição do litígio ( caso tal essencialidade resultasse da audiência de julgamento). 

Invocaram ainda os recorrentes a norma contida no art. 202º, nº2 da CRP que estabelece : «Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.»

Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo aplicou as normas próprias do processo de insolvência, com vista à composição do litígio de forma célere, pelo que não ocorre a invocada violação do citado preceito legal.

Deverá, assim, ser mantido o despacho recorrido que indeferiu o aditamento ao rol de testemunhas.
                                  
IV-Vejamos, agora, se deverá ser admitido o recurso quanto à matéria de facto.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto nos seguintes termos:
« 1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3-O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do art. 636º.»

Esta norma corresponde ao art. 685º-B do CPC de 1961 ( na redacção dada pelo Dec-Lei nº 303/2007), com o aditamento de mais um ónus a cargo do recorrente: o de especificar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas deverão constar das conclusões de recurso.

No caso concreto, os recorrentes, no corpo das alegações, referiram que a matéria dada como não provada quanto ao valor da herança aberta por óbito do pai do recorrente deveria ser dada como provada e sustentaram ainda que o património garante do financiamento bancário tinha o valor mínimo de €20 000 000.

Em sede de conclusões das alegações os recorrentes referiram :
-Consideram ainda os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto, pelo deverá ser reapreciada a prova, documental e gravada, sendo revista a matéria de facto;
-Todos os bens pertencentes à sociedade T. e aos herdeiros foram objecto de avaliações por perito, apresentadas pelos Recorrentes, pelas quais foram atribuídos aos imóveis valores superiores aos valores patrimoniais, mas o tribunal a quo não considerou todas as avaliações:
-O valor dos imóveis está sustentado na avaliação técnica elaborada por perito, confirmado pelo seu próprio depoimento, bem como pelo da mediadora imobiliária em sede de audiência de julgamento.

Verificamos, assim, que em sede de conclusões os recorrentes não especificaram, como lhes competia, os concretos pontos de facto que os mesmos consideram incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida.

Assim e por falta de cumprimento dos referidos ónus, decide-se rejeitar o recurso quanto à matéria de facto.                                                              
No que respeita à matéria de facto, importa corrigir, perante a posição das partes nos articulados e os documentos apresentados pelo ora recorrido com a petição inicial, os lapsos verificados nos pontos infra indicados sob 3 (vide art. 11º da petição inicial), 13 ( com especificação dos nomes dos mutuários - documento de fls. 452 a 459), 26 ( com especificação dos nomes dos mutuários e  correcção da data do contrato- documento de fls. 471 a 477), 14 ( as prestações acordadas tinham a periodicidade semestral- documento de fls. 452 a 459), 30 ( vide art. 47º da petição inicial),  18 e 31 ( cingindo a qualidade de herdeiro ao ora recorrente- arts. 32º e 49º da petição inicial que foram admitidos na oposição).
Nos pontos 16, 21, 24, 29, 34 e 37 proceder-se-á à substituição do termo “terceiro” por “mutuários”.

Os factos provados são os seguintes:
1-Por documento particular, outorgado em 13.02.2009, o autor, a T.., e (entre outros) os réus celebraram um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar à segunda a quantia de 7.500.000,00 euros, e a segunda se obrigou a devolver ao primeiro a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 72 meses.
2-A T. e (entre outros) os réus confessaram-se naquele documento devedores ao autor das quantias acima referidas.
3-Para garantia adicional do cumprimento de todas as obrigações emergentes do acordado, designadamente do pagamento do capital, dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, e de 80.000,00 euros a título de despesas contratuais, tudo importando no montante máximo assegurado de 20.000.000,00 euros, a T. constituiu hipoteca a favor do autor que incidiu sobre 25 prédios, sendo certo que um desses prédios pertencia a dois dos fiadores desse negócio, pertencendo os demais à T.
4-Em 25.03.2013, as partes outorgantes do acordo acima referido outorgaram um novo acordo nos termos do qual a taxa de juro inicialmente prevista foi alterada para a taxa Euribor a 12 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima,  acrescida de 5,5%.
5-Mais tendo sido estabelecido que a T. ficava obrigada a amortizar integralmente o capital acima referido até ao termo do acordo inicialmente celebrado entre as partes.
6-Tendo ainda sido estabelecido que os juros seriam contados dia a dia, e pagos pela T. em prestações anuais e postecipadas, vencendo-se a primeira prestação em 13.02.2013, sendo a última das prestações coincidente com a data de vencimento integral do contrato.
7-Nos termos deste acordo, a T. constitui hipoteca voluntária a favor do autor sobre mais dois imóveis.
8-Do montante de capital acima referido a T. usou 7.200.000,00 euros.
9-Em 13.02.2013, a T, deixou de pagar o que quer que fosse com relação ao acordado com o autor.
10-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 05.11.2014.
11-Naqueles acordos, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes dos mesmos para a T., tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.

12-Em 09.10.2015, a T. devia ao autor as seguintes quantias:
- 7.200.000,00 Euros, a título de capital;
- 1.352.484,30 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 26.565,73 Euros, a título de imposto de selo;
- 80.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

13-Por documento particular, outorgado em 16.08.2007, o autor celebrou (entre outros) com os réus um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar a  C e mulher, O , quantia de 3.750.000,00 euros, e estes se obrigaram a devolver ao autor a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 84 meses.
14-Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efetivamente disponibilizado, pagos em prestações semestrais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última com a data de vencimento do contrato.
15-A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%.
16-Os mutuários confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido.
17.E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, até ao montante de capital de 3.750.000,00 euros, designadamente das despesas judiciais e extrajudiciais que lhe estão associadas, no valor de 154.200,00 euros, e das livranças subscritas pelos terceiros até ao limite de capital de 105.000,00 euros, tudo no montante global de 3.855.000,00 euros, bem como dos juros, à taxa fixada em 7%, acrescida de 4% em caso de mora, os mutuários constituíram uma hipoteca voluntária a favor do autor que incidiu sobre 6 imóveis.
18-Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito de C, os seus únicos herdeiros, entre os quais se contam o requerido, assumiram responder coletivamente pelo pagamento do capital em dívida, tendo igualmente a requerida assumido a mesma obrigação.
19-No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%.
20-Mais tendo ficado acordado que, entre 17.05.2012 e 15.05.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos trimestralmente e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, cada uma no valor de 575.100,00 euros, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 18.08.2013. e coincidindo a última com a data de vencimento do contrato.
21-Os mutuários usaram efetivamente a quantia de 2.875.000,00 euros.
22-Em 16.02.2013, os terceiros deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado.
23-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 14.11.2014.

24-Em 09.10.2015, os mutuários deviam ao autor as seguintes quantias:
- 2.875.000,00 Euros, a título de capital;
- 538.380,77 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 12.000,92 Euros, a título de imposto de selo;
- 154.200,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

25-Naquele acordo, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para os terceiros acima referidos dos já aludidos acordos, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
26-Por documento particular, outorgado em 29.10.2007, o autor celebrou (entre outros) com os réus um acordo nos termos do qual, e designadamente, o primeiro se obrigou a entregar a C  e mulher, O  a quantia de 2.500.000,00 euros, e estes se obrigaram a devolver ao autor a quantia acima referida, acrescida dos respetivos juros, no prazo de 84 meses, tendo sido acordado um período de carência de capital de 48 meses.
27-Nos termos daquele acordo, os juros seriam contados dia a dia sobre o capital efetivamente disponibilizado, pagos em prestações mensais e postecipadas, sendo certo que decorrido o período de carência acordado o capital seria devolvido e os juros seriam pagos em prestações semestrais, constantes e sucessivas, coincidindo a última delas com a data de vencimento do contrato.
28-A taxa de juro prevista correspondia à taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 0,8%.
29-Os mutuários confessaram-se naquele documento devedores do capital, dos juros e dos encargos associados à celebração do acordo acima referido.
30-E, para garantia do pagamento de todas as obrigações decorrentes do acordado, os mutuários constituíram uma hipoteca voluntária a favor do autor que incidiu sobre 2 imóveis.
31-Em 24.07.2012, as partes outorgaram um novo acordo nos termos do qual, por óbito de C, os seus únicos herdeiros, entre os quais o requerido, assumiram responder coletivamente pelo pagamento do capital em dívida, tendo igualmente a requerida assumido a mesma obrigação.
32-No âmbito deste aditamento, foi alterada a taxa de juro para a Euribor a 3 meses do mês anterior ao período de contagem de juros, arredondada à milésima, acrescida de 4,25%.
33-Mais tendo ficado acordado que, entre 30.04.2012 e 29.04.2013, existiria um período de carência de capital, sendo os juros contados dia a dia sobre o capital disponibilizado, pagos trimestral e postecipadamente, sendo certo que o capital mutuado seria amortizado em prestações trimestrais e sucessivas, cada uma no valor de 694.444,45 euros, as quais seriam acrescidas de juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação em 29.10.2013 e coincidindo a última delas com a data de vencimento do contrato.
34-Os mutuários usaram efetivamente a quantia de 2.083.333,34 euros.
35-Em 29.04.2013, os terceiros deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do acordado.
36-Nessa sequência, o autor resolveu os acordos acima referidos, facto que comunicou às demais partes neles intervenientes em 04.11.2014.

37-Em 09.10.2015, os mutuários deviam ao autor as seguintes quantias:
- 2.083.333,34 Euros, a título de capital;
- 361.022,78 Euros, a título de juros remuneratórios e de mora;
- 7.364,08 Euros, a título de imposto de selo;
- 100.000,00 Euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais.

38-Naquele acordo, os réus (entre outros) constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para os terceiros acima referidos dos acordos já aludidos, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia.
39-O único bem dos réus, comprado na pendência do casamento, é constituído pelo prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º  , sobre o qual incide uma hipoteca voluntária para garantia do montante máximo de 90.000,00 euros, bem como uma outra hipoteca voluntária para garantia do pagamento de uma dívida fiscal no valor de 57.815,42 euros (capital), apresentando tal prédio o valor patrimonial tributário de 259.136,03 euros.
40-Os réus despenderam nestes autos 612,00 euros a título de taxa de justiça.
                                  
V-Importa, agora, apreciar se o recorrido carece de interesse processual.

Os recorrentes alegaram :
-O Banco ( credor com garantias reais) está a utilizar um meio processual inadequado para atingir a satisfação de um interesse que poderia atingir pela acção executiva;
-O seu interesse em requerer a insolvência antes da acção executiva só pode ser pressionar o devedor o que significa que não tem interesse jurídico em requerer a insolvência.
Conforme refere o professor Antunes Varela in “ Manual de Processo Civil”, pág. 179 e 180, « o interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e dá-lhe a doutrina germânica, com maior propriedade, o nome de necessidade de tutela judiciária (…). O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais.»
Os processos de execução e de insolvência e de execução têm finalidades distintas.

De acordo com o art. 1º do CIRE, «o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.»

No caso concreto, o recorrido poderia ter instaurado acção executiva, mas, perspectivando a situação de insolvência dos recorrentes, instaurou a presente acção. A verificação dos requisitos da insolvência será infra apreciada e não se confunde com o pressuposto processual ora em apreço.

O que significa que os recorridos têm interesse processual e não estavam obrigados a instaurar previamente acção executiva, pelas razões que passaremos a indicar.
                                  
VI-Sustentam os recorrentes que «o devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de, na execução, se opor à penhora de outros bens do seu património enquanto não for reconhecida a insuficiência da garantia, o mesmo direito tendo, por maioria de razão, o fiador, ainda que principal pagador - art.º 697º CC; Por sua vez, o art.º 752º do CPC só admite a penhora de bens diferentes daqueles que, pertencendo ao devedor, estejam onerados com garantia real quando se reconheça a insuficiência destes para o fim da execução, o que, dada a posterioridade da lei processual (2013) em face da lei civil (1966), dispensa a oposição do devedor: a verificação, no processo executivo propriamente dito, da existência da garantia basta para impedir o prosseguimento da execução sobre outros bens, salvo se for feita prova dessa insuficiência.»

No caso concreto, os recorrentes estão obrigados como principais pagadores.

Embora a sua obrigação não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória relação ao devedor, o que lhe permite a utilização dos meios de defesa deste ( art. 637º, nº1 do Código Civil). Daí que seja defendido que estamos perante uma situação de “solidariedade imprópria”.

Mas tal não significa que, ao contrário do que sustentam os recorrentes, que, tendo ocorrido renúncia ao benefício da prévia excussão, ao fiador seja permitido recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido os bens do devedor, mesmo que este tenha constituído garantia real.

O art. 752º, nº1 do Código de Processo Civil estabelece que « executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução» ( sublinhado nosso).

A norma contida neste preceito legal respeita ao processo executivo e às regras da penhora e apenas é aplicável na execução movida contra o devedor cujos bens estejam onerados pela garantia real e não se aplica aos demais devedores solidários ( neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 08.09.2008- www.dgsi.pt).

Não colhem, por isso, os argumentos aduzidos com base no art. 697º do Código Civil e no art. 752º, nº1 do CPC.

O recorrido defende que os recorrentes estão numa situação de insolvência e, nesta perspectiva, não teria de instaurar previamente acção executiva no âmbito da qual se reconhecesse a insuficiência dos bens hipotecados para conseguir o fim da execução. O processo executivo também visa a satisfação do interesse do credor, mas, à partida, é instaurado contra uma entidade solvente.
                                  
VII-Poder-se-á defender que ocorre fraude à lei ?
Conforme refere o prof. Castro Mendes in “ Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, pág. 173, na fraude à lei, «as partes pretendem os efeitos jurídicos declarados, porque com esse efeitos pretendem conseguir um resultado ilícito».

A instauração dos presentes autos de insolvência constitui uma forma de alcançar um resultado ilícito que não seria permitido no âmbito do processo executivo ?

Conforme supra referimos, os processos de insolvência e executivo têm finalidades distintas e não é necessária a prévia instauração do segundo antes da dedução do primeiro.

E, pelas razões acima indicadas, também não é obtido no âmbito da presente acção um resultado que não seria permitido no âmbito do processo executivo.

Concluímos, assim, que inexiste fraude à lei.                                                                     
VIII-Vejamos, agora, se estamos perante uma situação de abuso de direito.

De acordo com o disposto no art. 334º do Código Civil, « é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Para aferir os indicados limites importa atender, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela in “ Código Civil Anotado”, vol I, pág. 297, “ às concepções ético jurídicas dominantes na colectividade”.

São as seguintes as modalidades do abuso de direito: o venire contra factum proprium , a exceptio doli, da inalegabilidade de nulidades formais, da  supressio e surrectio e do desequilíbrio no exercício jurídico.

No caso em apreço, importa verificar se ocorreu um desequilíbrio no exercício jurídico.

A este propósito defendem os recorrentes que o « o recurso ao processo de insolvência é extremamente injusto e desnecessário, excessivo e manifestamente desproporcional» e invocam as demais garantias reais.

Vejamos se ocorre desproporção grave entre o benefício do recorrido e o sacrifico por ele imposto aos recorrentes.

A fiança e a hipoteca constituem formas de garantia autónomas concedidas ao credor que poderá, ao abrigo do disposto no art. 519º, nº1 do Código Civil, exigir prestação a todos os obrigados perante a invocada situação de insolvência dos mesmos.

Conforme resulta do disposto no art. 95º, nº1 do CIRE, « o credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das massas insolventes de devedores solidários e garantes, sem embargo de o somatório das quantias que receber de todas elas não poder exceder o montante do crédito.»

Neste contexto e atenta a invocada dificuldade de obtenção da prestação, concluímos pela inexistência de desproporção grave no recurso aos presentes autos de insolvência, pelo que não ocorre abuso de direito.
                                  
IX-Por último, vejamos se ocorre falta de cumprimento de obrigações que revele a impossibilidade de os devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do nº1 art. 20º do CIRE.

De acordo com o disposto no art. 3º, nº1 do CIRE, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações.

O art. 20º, nº1 do CIRE enumera os chamados factos índice ou factos presuntivos da situação de insolvência.

In casu cumpre verificar se estão reunidos os requisitos da alínea b) do nº1  art. 20º do CIRE que estabeleceu como facto índice: a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de os devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações.

O Tribunal a quo deu resposta afirmativa a esta questão, levando em atenção o valor e a antiguidade dos créditos e a falta de liquidez dos ora recorrentes para pagarem os montantes em dívida.

Sufragamos este entendimento.

Conforme refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.05.2013- www.dgsi.pt, o art. 20º, nº1, b) do CIRE não exige uma pluralidade de incumprimentos, nem tampouco uma pluralidade de credores.

A tal entendimento não obsta a utilização das expressões “ generalidade das suas obrigações”. Ou seja, não se exige que o devedor esteja impossibilitado de cumprir todos os seus débitos, mas sim a generalidade das suas obrigações. O preceito em causa exige que a falta de cumprimento respeite a obrigações significativas da incapacidade financeira do devedor. 

Dos factos em apreço resulta, por parte dos recorrentes, a impossibilidade de os mesmos cumprirem ( desde 2014) as obrigações vencidas de montante assaz elevado.

Os recorrentes não lograram provar, como lhes competia, que o seu património seja superior ao valor dos débitos em causa, sendo certo que, no que concerne à sociedade afiançada, o seu património não foi indicado na decisão recorrida perante a renúncia dos ora recorrentes ao benefício da prévia excussão.

Em todo o caso, sempre se dirá, conforme sintetiza o Acórdão da Relação de Coimbra de 20.11.2007, www.dgsi.pt, «a existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento».

Ora, dos factos provados resulta que a impossibilidade de os recorrentes cumprirem as suas obrigações de montante significativo não reveste natureza transitória, pelo que concluímos pela verificação do facto índice de insolvência previsto na alínea b) do nº1 do art. 20º do CIRE.

Improcede, desta forma, o recurso de apelação da sentença que decretou a insolvência.
                                  
X-Decisão.

Em face do exposto, acorda-se em:
a)-Julgar improcedente o recurso de apelação do despacho que indeferiu o requerido aditamento ao rol de testemunhas e confirmar a decisão recorrida;
b)-Julgar improcedente o recurso de apelação da sentença que decretou a insolvência dos recorrentes e confirmar a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos apelantes.
Registe e notifique.


                                           
Lisboa, 24 de Novembro de 2016   


 
Francisca Mendes
Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: