Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
48/17.6YHLSB.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
CONCORRÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O n.º 4 do art. 312.º do Código da Propriedade Industrial alarga a protecção da concorrência que motiva esse código a produtos (ou seja, bens resultado de um processo de produção, geralmente de natureza industrial) sem identidade ou afinidade (id est, colocados fora de um eixo de competição comercial directa) quando estejamos perante «denominação de origem ou (...) indicação geográfica com prestígio em Portugal, ou na Comunidade Europeia»;
Para que o preceito se aplique, mister se torna, à luz do regime erigido pelo legislador, que os ditos produtos sem identidade ou afinidade pretendam ostentar específico étimo referenciador sem justo motivo e buscando tirar partido, de forma ilegítima, «do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada» ou quando esse uso possa prejudicá-las;
A tutela normativa da propriedade industrial corresponde, essencialmente, à protecção da concorrência, logo, do bom funcionamento do mercado (leia-se, funcionamento equilibrado, com igualdade de oportunidades, não gerador de assimetrias, subsidiário do sucesso da economia nacional);
Nenhuma interpretação a assumir a este nível pode, pela apontada razão sistemática, produzir como resultado final a apropriação individual da onomástica colectiva, dos referentes de índole local ou nacional, astronómica, geográfica, histórica, cultural ou relativa aos usos e costumes. Por assim ser, é impensável que alguém ou alguma entidade se possam, por exemplo, assenhorear, à luz do sistema desenhado e das suas finalidades, das palavras «sol», «lua», do nome de alguma estrela, planeta ou constelação, de um rio, de uma vila, de uma cidade, de uma personagem histórica ou festividade secular;
A protecção conferida pelo n.º 4 do art. 312.º do Código da Propriedade Industrial tem a exacta dimensão da necessidade concreta de proteger a concorrência;
O referido preceito faz menção exclusiva a produtos sem identidade ou afinidade, o que afasta liminarmente os pares: produtos versus serviços e serviços versus serviços;
Não sendo o nome de um rio nacional susceptível de apropriação individual e revelando as estruturas fonéticas e gráficas suficiente carácter distintivo, insusceptível de gerar confusão entre os consumidores - já que a letra «D», separada do nome de um rio e precedendo-o se distingue, de forma clara, da palavra que faz a crase das letras «A» e «M», associadas, com o referido elemento da geonímia lusa - não está preenchida a fattispecie da al. c) do n.º 1 do art. 245.º do encadeado normativo mencionado.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:   
  
        
O INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, I.P. (IVDP), com os sinais identificativos constantes dos autos, interpôs recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial I.P. (INPI) que admitiu o registo da marca nacional n.º 564340 «AMDOURO», requerido por A... LDA., aí melhor identificada, solicitando em Juízo que fosse declarado anulado o respectivo despacho de concessão e ordenado o seu cancelamento.

Alegou, para o efeito, que: é titular do registo da denominação de origem “DOURO”; é ainda titular do registo da marca da EU "D DOURO", com o nº 010110567, desde 8/7/2011, destinada a assinalar serviços das classes 35ª (publicidade, gestão de negócios comerciais, administração comercial, trabalhos de escritório) e 43ª [serviços de restauração (alimentação), alojamento temporário]; a Recorrida pediu o registo de uma marca nominativa "AMDOURO”, destinada a assinalar serviços  da  classe 39ª (agências de viagens e turismo, organização  de viagens, etc.); essa marca reproduz integralmente a denominação de origem "DOURO" e o núcleo fundamental de marca "D DOURO"; a decisão impugnada permite a lesão do carácter distintivo da denominação "Douro", através da sua vulgarização indevida.

A... LDA. respondeu ao requerimento de interposição de recurso sustentando que O IVDP não alinha qualquer argumento que possa suportar o seu recurso, nomeadamente que integre a previsão do n.º 4 do artigo 312.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), e como tal não é possível ao tribunal, com os elementos do processo, concluir pela proibição do uso da denominação “DOURO” na denominação “AMDOURO” que aglutina as iniciais da actividade a que a ora Respondente se dedica com a identificação do local onde desenvolve tal actividade, literalmente no rio Douro; também não carreia elementos que permitam demonstrar que tal denominação a prejudica e/ou que se pretende utilizar o prestígio da denominação de origem Douro atribuída aos vinhos produzidos na RDD – registo classe 33 de Nice; é a própria entidade que deveria velar pelo respeito da denominação, “Douro”, o Recorrente IVDP, que a banaliza ao requerer o registo da denominação “D DOURO” para actividades que nada têm a ver com a defesa dos produtos vitivinícolas da RDD;  como o Recorrente IVDP reconhece, tem a sua sede em Vila Nova de Gaia, frente ao rio Douro”; tem como sócia Sociedade que explora um estaleiro de barcos rabelos precisamente no rio Douro, o que constitui “justo motivo” para a pretensão de registo.

Foi proferida decisão judicial que decretou:
(…) concedo provimento ao recurso interposto por Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P. da decisão do Instituto Nacional da propriedade Industrial de 23.11.2016, publicada no BPI de 7.12.2016, que concedeu o registo da marca nacional nº 564340 AMDOURO, recusando-se assim protecção à referida marca e ordenando-se o cancelamento do respectivo registo.

É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por A... LDA., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A Não pode ser dado como provado o indicado sob o nrº 1 na sentença, que teria que ser provado por documento, indicação do reconhecimento legal, reconhecimento que só ocorreu com a Portaria 1080/82 de 17 de Novembro.
B O facto indicado como provado sob o nrº 2 na sentença refere a denominação de origem "PORTO" que não está em causa nos presentes autos e não foi invocada pelo que a referência a este terá que ser eliminada.
C O facto indicado como provado sob o nrº 3 deverá à semelhança com o indicado no ponto 3-bis ser completado com todos os serviços incluídos nas Classe 35 e na Classe 43 da classificação de Nice.
D- O registo da marca AMDOURO diz respeito a SERVIÇOS, e não a produtos, e o registo da Denominação Geográfica "DOURO" diz respeito a PRODUTOS.
E A lei distingue PRODUTOS de SERVIÇOS, tratando-os como coisa diversa e com âmbito de protecção diversa, nomeadamente no que diz respeito aos alargamento e afastamento do princípio da especialidade na protecção da marca.
F A aplicação do artigo 242º do CPL marcas de prestigio, impunha que fosse alegados factos dos quais se pudesse inferir que "DOURO" constitui uma marca de prestigio, o que não foi feito.
G O artº 2° nrº 5 do Decreto-Lei nrº 173/2009 de 3 de Agosto, só alarga a protecção de Marcas Produtos não Vitícolas e não a Marcas de Serviços como é o caso da marca AMDOURO, não lhe sendo aplicável.
H Sempre não poderia ser aplicado este dispositivo legal pois não foram alegados e demonstrados factos que demonstrassem que se procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da DO ou possa prejudicá-las.
I- Sempre existiria justo motivo para o uso da Marca AMDOURO por parte da ora recorrente.
J É a própria entidade que deveria velar pelo respeito da denominação, “Douro” o Recorrente  IVDP, que a banaliza ao requerer o registo da denominação "D DOURO" para actividades que nada têm a ver com a defesa dos produtos vitivinícolas da RDD.
K Não se aplica o disposto no artigo 245° nr. 1 al. a) do CPI, quanto ao registo da Marca "D DOURO” por os serviços que identificam não são afins,  semelhantes ou confundíveis além de não serem nem gráfica nem foneticamente semelhantes, não sendo passíveis de criar confusão no consumidor.
L A revogação da sentença de t1s. e consequente manutenção da decisão proferida pelo INPI e da Marca de Serviços AMDOURO, é de inteira e sã Justiça.

INSTITUTO DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO, IP respondeu a tais alegações concluindo:
A– Sendo certo que a Denominação de Origem “DOURO” só veio a ser especificamente reconhecida como tal em 1982 (e não em 1907), não o é menos que a  mesma constitui um direito prioritário face à marca registanda, constituindo uma D.O. de prestígio, conforme vem sendo repetidamente declarado pelo legislador.
B– A marca “AMDOURO” reproduz integralmente o nome “DOURO”, limitando-se a acrescentar-lhe um prefixo de duas letras ("AM").
C– Por isso, tal marca é manifestamente confundível com tal nome, constituindo uma alusão manifesta à D.O. protegida.
D– O Regulamento (UE) nº 1308/2013, nos seus arts. 102 e 103/2, reconhece às denominações de origem com reputação (como é  o caso em apreço) protecção contra qualquer utilização comercial directa ou indirecta de um nome protegido, na medida em que tal utilização explore a reputação de uma denominação de origem ou indicação geográfica.    
E– Estas normas não limitam a protecção da denominação aos casos de utilização desse sinal em “produtos”. Tal proibição abrange “qualquer utilização comercial directa ou indirecta de um nome protegido”, seja em produtos, seja em serviços.
F– Impunha-se, por isso, a recusa do pedido de registo, independentemente de haver ou não afinidade entre os serviços e produtos a que se destinam os sinais em confronto, por força do citado art. 103/2 do Regulamento 1308/2013, bem como dos arts. 312º/4 do CPI, 5º/4 do DL 212/2004, e 2º/5 do DL 173/2009, que proíbem o respectivo uso para produtos sem identidade ou afinidade sempre que o uso das mesmas procure, sem justo motivo, tirar partido indevidamente do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada, ou possa prejudicá-las.         
G– O ónus da prova da existência desse justo motivo impende sobre o interessado em usar o nome prestigiado, como já sublinhou a Relação de Lisboa: "ponderando o disposto nos artigos 342º, nº 2 do Código Civil e 414º do  Código de  Processo Civil, quem se utiliza da denominação de origem de prestígio deve justificar o respectivo uso para composição da marca" (ac. 9.7.2015, Proc. Nº 867/09.7TYLSB, recusando o registo da marca "ROSA CHAMPANHE", na classe 25ª, para assinalar  vestuário, calçado e chapelaria).
H– Esta protecção reforçada das DO’s de prestígio não se justifica apenas quando haja um risco de confusão quanto à origem dos produtos ou serviços, ou uma intenção de aproveitar indevidamente aquele prestígio,  pois a tutela que a lei lhe dispensa é de cariz objectivo.
I– É que a maior lesão que pode causar-se a um sinal distintivo de prestígio é a sua diluição e banalização, pelo seu uso generalizado, mesmo em produtos e serviços sem afinidade com aqueles a que o mesmo se destina.
J– Por estes motivos, os tribunais portugueses já proibiram o uso e o registo de marcas como “AZDOURO”, para azeite, chá, café, ervas aromáticas  e vinagre, “ESSÊNCIA D’OURO” para azeite, “PORTO ORIENTE” para tapetes, “DOURO SUPERIOR”, para azeite, “CHAMPAGNE OF BEERS” para cerveja, “PORT  LUNA” para materiais de construção, “PORTDOWN” para calçado, e o nome de estabelecimento “PERFUMARIA BORDEAUX”, como susceptíveis de diluir ou enfraquecer a notoriedade e o prestígio destas denominações de origem.
K– A recusa deste registo é imposta, ainda, pela existência da marca prioritária "D DOURO", atenta a afinidade dos serviços da classe 43ª [alojamento temporário] com os serviços (turísticos) a que se destina a marca registanda.
L– Sendo assim, bem andou o tribunal recorrido em recusar o registo da marca “AMDOURO", para assinalar serviços de viagens turísticas e afins.
 
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1) Pelas razões indicadas no recurso, devem ser alterados os factos fixados, nos termos propostos?
2) Deve ser mantida a decisão proferida pelo INPI porquanto: a) o registo da marca AMDOURO diz respeito a serviços, e não a produtos, e o registo da Denominação Geográfica "DOURO" diz respeito a Produtos; b) não foram alegados factos dos quais se possa inferir que "DOURO" constitui uma marca de prestigio; c) não foram alegados e demonstrados factos que patenteiem que a Recorrente tenha procurado tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da DO ou que possa prejudicá-los?
3) Não se aplica o disposto no artigo 245.° n.º 1 al. a) do CPI quanto ao registo da Marca "D DOURO” por os serviços que as marcas em confronto identificam não serem afins, semelhantes ou confundíveis, além de não serem nem gráfica nem foneticamente semelhantes, não sendo passíveis de criar confusão no consumidor?

II. FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
1. Pelas razões indicadas no recurso, devem ser alterados os factos fixados, nos termos propostos?
A Recorrente sustenta não poder ser dado como provado o indicado sob o n.º 1 na sentença já que o aí vertido teria que ser provado por documento.

Tal número recebeu o seguinte conteúdo:
1. A palavra “DOURO” constitui uma denominação de origem legalmente reconhecida desde 1907.
Referir que uma realidade foi legalmente reconhecida ou consta da lei, corresponde a declaração retirada de um processo analítico que pressupõe a localização de um diploma legal e a existência de facto relativamente ao qual se pretenda concluir haver consagração legal. Corresponde, pois, ao momento final de um percurso lógico tendo, necessariamente, carácter conclusivo. Não consiste na afirmação de uma realidade do mundo físico, não corresponde a coisa vivida e narrável em documento, declarações ou depoimentos ou apreensível mediante arbitramento ou inspecção judicial.
Neste âmbito, desde logo, não podia o Tribunal «a quo» fazer, em sede fáctica, a afirmação que fez. Sempre seria no âmbito da fundamentação jurídica que deveria extrair, se fosse essa a situação concreta, face à lei respectiva (neste caso de 1907) a conclusão de que a aludida palavra foi pela primeira vez reconhecida como denominação de origem no referido ano.
Atenta a natureza de conclusão, não estamos perante facto, logo não nos encontramos ante realidade susceptível de acolhimento com esteio em prova documental ou acordo, únicos meios apontados na sentença posta em crise – aliás indicados de forma por demais genérica e desprovida de qualquer especificação, assim tocando as raias da inexistência de fundamentação de facto.
Face ao exposto – e ainda que por razão diferente da indicada no recurso – determina-se a remoção do ponto n.º 1 de entre os factos provados.
Segundo a mesma Recorente, o «facto indicado como provado sob o nrº 2 na sentença refere a denominação de origem "PORTO" que não está em causa nos presentes autos e não foi invocada pelo que a referência a este terá que ser eliminada».
Tem inteira razão. O carácter patente e flagrante desta ausência de conexão com o alegado nos autos patenteia, com segurança, o lapso do Tribunal «a quo» e dispensa mais dilatadas considerações.
Sustentou-se, ainda, no recurso que o facto «indicado como provado sob o nrº 3 deverá à semelhança com o indicado no ponto 3-bis ser completado com todos os serviços incluídos nas Classe 35 e na Classe 43 da classificação de Nice».

Foi dado ao referido n.º 3 o seguinte conteúdo textual:
3. O recorrente é ainda titular da marca da UE (figurativa) n° 10110567 (vd. imagem lateral), solicitado em 8.07.2011 e concedido em 29.03.2012 para assinalar “Publicidade; Gestão dos negócios comerciais; Administração comercial; Trabalhos de escritório” (classe 35) e “Serviços de restauração (alimentação); Alojamento temporário” (classe 43).
O cristalizado nesse número reproduz fielmente o alegado no n.º 4 da alegação inicial do processo em que se gerou a impugnação judicial que se aprecia.
Ao verter o invocado pela parte que motivou o processado de recurso de marca, o Tribunal não só não violou como respeitou rigorosamente o regime emergente do art. 5.º do Código de Processo Civil. Nada há, pois, neste âmbito a alterar. Improcede, nesta parte, a impugnação judicial.
Por se tratar de matéria de Direito e não de facto, suprime-se também o ponto n.º 7 da fundamentação da decisão recorrida que tinha o seguinte teor:
7. Ao recorrente IVDP, I.P. incumbe, nos termos da respectiva Lei Orgânica (Decreto-Lei nº 97/2012, de 23 de abril), a protecção e defesa das denominações de origem “Douro” e “Porto”.
Com vista à simplificação das referências face ao já lançado nos autos, mantém-se a numeração dos factos feita na 1.ª Instância, incluindo a duplicação de um número 3.

Está provado que:
3. O recorrente é ainda titular da marca da UE (figurativa) n° 10110567 (vd. imagem lateral), solicitado em 8.07.2011 e concedido em 29.03.2012 para assinalar “Publicidade; Gestão dos negócios comerciais; Administração comercial; Trabalhos de escritório” (classe 35) e “Serviços de restauração (alimentação); Alojamento temporário” (classe 43).
3. Em 2.05.2016, a recorrida solicitou o registo da marca (verbal) nº 564340 AMDOURO, para assinalar na classe 39 da Classificação de Nice: “agência de viagens; agências de reservas de viagens; agências de viagens; agentes de organização de viagens; acompanhamento de passageiros; consultadoria em viagens; consultadoria para planeamento de itinerários de viagens; cruzeiros de barco; cruzeiros de barcos de recreio; consultadoria em matéria de viagens proporcionada através de centros de chamadas e linhas de assistência telefónica; disponibilização de barcos para realizar cruzeiros; disponibilização de informação sobre viagens turísticas através da Internet; disponibilização de informação sobre viagens através de uma rede informática mundial; disponibilização de informação sobre serviços de transporte marítimo; disponibilização de informação através da Internet sobre reserva de viagens de negócio; disponibilização de informação através da Internet sobre viagens; disponibilização de informação online sobre viagens; emissão de bilhetes de viagem; fornecimento de bilhetes de viagens; fornecimento de dados relacionados com o transporte de passageiros; fornecimento de informações relacionadas com viagens; fornecimento de informações de viagem; fornecimento de informações sobre viagens; fornecimento de transporte de passageiros por via marítima; guias turísticos; informações de viagens; informações sobre viagens; organização de acompanhamento para viajantes; organização de acompanhantes para viajantes; organização de cruzeiros; organização de excursões; organização de excursões em autocarros; organização de bilhetes de companhias aéreas, bilhetes de cruzeiros e bilhetes de comboio; organização de excursões e cruzeiros; organização de férias; organização de transporte de passageiros por mar; organização de transporte de férias; organização de transporte de passageiros; organização de transporte para utilizadores empresariais; organização de transporte de passageiros pelo ar, caminho de ferro e por mar; organização de viagens; organização de viagens de férias; organização de viagens de negócios; organização de viagens e passeios de barco; organização de visitas turísticas; organização de visitas turísticas de autocarro; organização do transporte de passageiros por via marítima; organização e reserva de cruzeiros; organização e reserva de viagens; organização e realização de excursões; organização e mediação de viagens; organização para o transporte de passageiros por comboio; organização e reserva de viagens para pacotes de férias; organizações de cruzeiros; planeamento de viagens; planeamento e reserva de viagens e transportes, através de meios eletrónicos; planificação, organização e reserva de viagens através de meios eletrónicos; planificação, organização e reserva de viagens; prestação de informações relacionadas com viagens; prestação de informações computorizadas sobre viagens; prestação de informações sobre viagens através de computador; prestação de informações relacionadas com itinerários de viagens; realização de excursões; reserva de assentos para viagens; reserva de bilhetes; reserva de bilhetes de barco; reserva de bilhetes de comboio; reserva de bilhetes para viagens; reserva de lugares para transporte por via aquática; reserva de lugares para viajar; reserva de lugares para viagens; reserva de lugares para viagens de comboio; reserva de viagens; reservas para viagens; serviços de agência de reservas relativas a viagens; serviços de agência de reservas para viagens; serviços de agência para a organização de cruzeiros; serviços de agência para organização de viagens; serviços de agência para a organização de viagens; serviços de agências de viagens e de reservas; serviços de barcos de recreio; serviços de cruzeiros; serviços de embarque; serviços de emissão de bilhetes para viagens; serviços de guias turísticos; serviços de guias turísticos e informações sobre viagens; serviços de informação computorizados relacionados com o transporte de passageiros; serviços de informação computorizados relacionados com viagens; serviços de informação relacionados com viagens; serviços de organização de cruzeiros; serviços de operadores turísticos; serviços de organização e reserva de viagens; serviços de reserva de cruzeiros”.
4. Em 7.07.2016, o Recorrente IVDP deduziu reclamação contra o referido
pedido (ponto 3 do presente enunciado de factos), por considerar, nomeadamente, que a concessão do registo prejudicaria a mencionada denominação de origem “DOURO” pelo enfraquecimento do seu carácter distintivo e banalização, além de infringir os direitos exclusivos conferidos pela marca  (vd. imagem lateral) do recorrido, nos termos constantes de fls. 10 a 20 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos.
5. Por despacho de 23.11.2016 publicado no BPI de 7.12.2016, o INPI indeferiu a reclamação, tendo concedido o solicitado registo (ponto 3 do presente enunciado de factos), nos termos constantes a fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos.

6. O despacho de concessão do registo (ponto 5 do presente enunciado de factos) menciona, nomeadamente, que:
“a concessão do pedido ora apreciado para os serviços assinalados na classe 39 […] não procura, em nossa opinião, tirar partido indevido do prestígio da Denominação de Origem Douro, nem tão pouco nos parece que exista no caso utilização do sinal em causa, para os produtos e serviços aqui em causa, qualquer intenção de a prejudicar”;
“atendendo ao facto desses serviços não terem qualquer relação com o ramo vinícola (serem portanto de natureza muito distinta), concluímos que esta circunstância impossibilita que o consumidor estabeleça um elo de ligação entre os sinais em confronto, pelo que é difícil de descortinar no caso destes serviços, a tentativa parasitária de se tirar partido indevido da Denominação de Origem de prestígio”.
8. A recorrida tem por objecto social “Organização de viagens marítimas turísticas, por intermédio de barcos” e sede em Vila Nova de Gaia, sendo sua sócia maioritária (com mais de 97% do capital social) a S... Lda., cf. certidão junta a fls. 21-25 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por reproduzida.
9. Encontram-se registadas no INPI outras marcas com a expressão “DOURO”, para assim alar nomeadamente serviços na classe 39 da Classificação de Nice, cf. doc. Nº 1 junto a fls. 32-33 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.

Fundamentação de Direito.
2. Deve ser mantida a decisão proferida pelo INPI porquanto: a) o registo da marca AMDOURO diz respeito a serviços, e não a produtos, e o registo da Denominação Geográfica "DOURO" diz respeito a Produtos; b) não foram alegados factos dos quais se possa inferir que "DOURO" constitui uma marca de prestigio; c) não foram alegados e demonstrados factos que patenteiem que a Recorrente tenha procurado tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da DO ou que possa prejudicá-los?

Conforme devidamente assinalado quer na decisão no INPI quer na do Tribunal de 1.ª Instância, impugnada, a norma do Direito luso que se revela central para o esclarecimento da questão registral suscitada é o n.º 4 do  art. 312.º do Código da Propriedade Industrial. Este preceito alarga a protecção da concorrência que motiva o referido Código a produtos (ou seja, bens resultado de um processo de produção, geralmente de natureza industrial) sem identidade ou afinidade (id est , colocados fora de um eixo de competição comercial directa) quando estejamos perante «denominação de origem ou (...) indicação geográfica com prestígio em Portugal, ou na Comunidade Europeia». Para que o preceito se aplique mister se torna, à luz do regime erigido pelo legislador, que os ditos produtos sem identidade ou afinidade pretendam ostentar específico étimo referenciador sem justo motivo e buscando tirar partido, de forma ilegítima, «do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada» ou quando esse uso possa prejudicá-las.

A primeira abordagem a fazer no seio da interpretação deste preceito é de natureza sistemática, ou seja, buscando compreender a sua inserção no sistema nacional de protecção da concorrência através da regulação do regime das marcas e das grandes linhas orientadoras das opções que legitimam as intervenções legislativas incidentes sobre a matéria. A este nível, o elemento analítico nuclear corresponde à noção já enunciada de que a tutela normativa da propriedade industrial (ou «intelectual», conforme mencionado noutros sistemas, particularmente, ao nível do Direito da União Europeia) corresponde, essencialmente, à protecção da concorrência, logo, do bom funcionamento do mercado (leia-se, funcionamento equilibrado, com igualdade de oportunidades, não gerador de assimetrias, subsidiário do sucesso da economia nacional).

A conclusão primária que se deve retirar do dito é que, quando não interesse à defesa da concorrência, qualquer tese meramente expansiva, invasiva ou «ultra-montana» está votada à rejeição.

Na mesma linha, nenhuma interpretação a assumir a este nível pode, pela apontada razão sistemática, produzir como resultado final a apropriação individual da onomástica colectiva, dos referentes de índole local ou nacional, astronómica, geográfica, histórica, cultural ou relativa aos usos e costumes. Por assim ser, é impensável que alguém ou alguma entidade se possam, por exemplo, assenhorear, à luz do sistema desenhado e das suas finalidades, das palavras «sol», «lua», do nome de alguma estrela, planeta ou constelação, de um rio, de uma vila, de uma cidade, de uma personagem histórica ou festividade secular. Aliás, para além da violação que nos revela a interpretação sistemática e, também, a de natureza teleológica, tocaria as raias do ridículo e do caricatural que, exempli gratia, os transportadores de pessoas ou mercadorias no rio Douro ou no Guadiana tivessem que se denominar «Transportes Tejo» por respeito da vontade centrípeta e invasiva que parece subjazer à tese da Recorrida.

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 173/2009, enquadrando a realidade histórica e sócio-económica subjacente – através, entre outras, da menção «Ao lado do vinho generoso desenvolveu-se progressivamente a denominação de origem “Douro”, cuja consagração legislativa surge em 1907, tendo a sua regulamentação sido completada apenas em 1982. Hoje, o prestígio granjeado pela denominação de origem «Douro» é internacionalmente reconhecido e valorizado e a excepcional qualidade do vinho é particularmente enaltecida» –, o legislador veio deixar bem claro o carácter instrumental da tutela. Fê-lo, designadamente, quando, no n.º 1 do  art. 2.º desse diploma legal, a focou na protecção dos «produtos do sector vitivinícola». Não podia deixar de assim ser, sob pena de se permitir a inqualificável usurpação do nome de um rio por um projecto económico, ainda que de inquestionável relevo e indiscutível interesse para a economia portuguesa, o que sempre envolveria o sequestro da onomástica nacional e a privatização de bem colectivo integrado no seu imaginário e nas sua referências, conscientes e subconscientes, de índole axilar.

Aqui chegados temos, pois, como claro que a protecção dada pelo n.º 4 do  art. 312.º do Código da Propriedade Industrial tem a exacta dimensão da necessidade concreta de proteger a concorrência.

A outro nível, importa ter presente que o legislador, bem ciente da distinção entre bens e serviços – cf., por todos, os arts. 2.º, 197.º-3-a), 222.º-1 e 2, 224.º-, 225-e), 228.º-2, 229.º, 230.º-1, 231.º-1-a), 232.º, 233.º-1-b), 236.º-2, 238.º-6-a) e 241.º – lançou, no n.º 4 do  art. 312.º do Código da Propriedade Industrial, menção exclusiva a produtos sem identidade ou afinidade, o que afasta liminarmente os pares: produtos versus serviços e serviços versus serviços. 

Neste contexto, e no que aqui nos importa, é insofismável não haver concorrência entre produtos e serviços, sendo que não nos encontramos no quadro da previsão normativa que põe em relação produtos com outros produtos sem identidade ou afinidade.

Ciente e bem focado na importância da ligação à questão concorrencial, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial esteou a sua conclusão conducente à concessão requerida, na noção de que este paralelismo sem linhas secantes não permitia qualquer «tentativa parasitária» já que o consumidor médio nunca estabeleceria um nexo de conexão «entre os sinais em confronto». Da mesma forma devidamente focado, o aludido Instituto recordou que o uso de nomes de localidades, regiões e países na actividade económica não implica «qualquer lesão para o prestígio da Denominação de Origem anterior».

O referido paralelismo sem linhas de confluência e espaços de conflito sempre determinaria, até por razões de estrita lógica formal, que não fosse possível conceber que a Recorrente tivesse procurado tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da Denominação de origem ou que assim se possa prejudicar os interesses protegidos.

A tudo isto não atendeu o Tribunal «a quo», pelo que se justifica a censura que lhe foi dirigida através do recurso.

É claramente positiva a resposta a dar à questão proposta.

3. Não se aplica o disposto no artigo 245.° n.º 1 al. a) do CPI quanto ao registo da Marca "D DOURO” por os serviços que as marcas em confronto identificam não serem afins, semelhantes ou confundíveis, além de não serem nem gráfica nem foneticamente semelhantes, não sendo passíveis de criar confusão no consumidor?
Da análise dos factos provados extrai-se que não existe, conforme sustentado, identidade ou afinidade relevante entre os serviços associados à marca «D DOURO» e «AMDOURO», para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 1 do  art. 245.º do Código sempre sob referência.

Ainda que assim não fosse, não sendo o nome de um rio nacional susceptível de apropriação individual e revelando as estruturas fonéticas e gráficas suficiente carácter distintivo, insusceptível de gerar confusão entre os consumidores – já que a letra «D», separada do nome de um rio português e precedendo-o se distingue de forma clara da palavra que faz a crase das letras «A» e «M», associadas, com o referido elemento da geonímia lusa – não faria sentido considerarmos preenchida a fattispecie da al. c) do n.º 1 do  art. 245.º do encadeado normativo mencionado.

Por assim ser, como com segurança é, tem razão a Recorrente também a este nível .

É positiva a resposta a esta questão.

Impõe-se a declaração de procedência do recurso.

III.DECISÃO.
Pelo exposto, julgamos a apelação procedente e, em consequência, revogamos a decisão impugnada e declaramos a manutenção da decisão proferida pelo INPI no sentido da concessão de permissão de registo à marca nacional n.º 564340, «AMDOURO».
Custas pelo Apelado.



Lisboa, 18.11.2018



Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)
Decisão Texto Integral: