Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25075/12.6YYLSB-D.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
ADMINISTRAÇÃO DE BENS
MASSA FALIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“I – No domínio do CPEREF, a declaração de falência priva imediatamente o falido, por si ou, no caso de sociedade ou pessoa coletiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros.
II - Não estando findo o processo de falência, o saldo bancário anteriormente arrestado e depois penhorado em execução requerida após a declaração de falência, sempre teria de ser reconduzido à massa falida, independentemente de ter sido “indevidamente” (por erro da instituição de crédito depositária) retirado de conta bancária titulada por aquela, ou de, afinal, reportar a conta bancária de que fosse nominal titular o falido/executado.
III – É inoponível à massa falida o negócio celebrado pelo falido com terceiro, posteriormente à declaração de falência, ressalvada a situação em que estando o terceiro de boa-fé, o negócio foi celebrado antes do registo da sentença declaratória de falência.
IV – A prova de tais requisitos há-de porém ser feita pelo terceiro interessado.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – Por sentença de 20-11-2000, transitada em julgado em 20-12-2000, proferida pelo então 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no processo de falência n.º…, foi declarada a falência de CA, e decretada “a apreensão de todos os seus bens para efeitos de imediata entrega ao liquidatário judicial nomeado”.

Mais sendo fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos, conforme folhas 142-148.

E publicitada a declaração de falência no DR – III Série, n.º 288, de 15 de Dezembro de 2000.

Não tendo ainda tido lugar o encerramento desse processo.

Por decisão de 20-11-2012, proferida pela então 5ª Vara Cível de Lisboa, nos autos de procedimento cautelar n.º…, em que foi Requerente AB e Requerido CA, foi decretado o arresto de:

“a) - Conta bancária aberta na Caixa Geral de Depósitos, agência do Lumiar, com o NIB …, assim como conta bancária aberta em nome do requerido da agência do Palácio da Justiça, cujo número se desconhece, até ao montante de 95.490,99€;

b) - Contas bancárias existentes no Banco Português de Investimento, S.A, 6 com os n.sº…, até ao montante de 95.439,99€.” (vd. folhas 88-96).

Nos autos de execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente AB e executadas – herdeiras habilitadas do falecido primitivo executado, CA S. A. e MS – e a que reporta o presente caderno de recurso de apelação em separado – apresentaram as partes, em 27-09-2016, requerimento com o seguinte teor:

“1° O Exequente, entre 1997 a 2002, emprestou diversas quantias ao falecido Executado, as quais ascenderam a mais de €170,000,00 e que foram tituladas, parcialmente, por cheques e letras, mas todas eles emitidos em escudos.

2° Em 2002, o falecido Executado apenas substituiu e entregou ao Exequente as duas letras de câmbio que constituem os títulos executivos nesta execução.

3º Pelo exposto, Exequente e ora Executadas, acordam em que o montante do depósito penhorado nos autos a fls..., no valor de €95.439,99 seja todo ele entregue ao Exequente.

4º Em consequência desse acordo e com o recebimento dessa importância, o Exequente declara que prescinde do restante valor dos empréstimos referidos no ponto 1º deste requerimento, pelo que nada mais tem a receber das Executadas para além da referida importância de €.95,439,99, a qual se encontra depositada à ordem do IGFEJ, I.P., através do DUC 701 480 011 758 848 desde 27/02/2013, nos termos do procedimento cautelar de arresto n.º…, apenso a esta execução.

Para tanto, requerem a V. Exa., se digne ordenar a transferência dessa importância para a conta do Sr. Agente de Execução a Indicar pelo mesmo.

Em face do presente acordo, as Executadas desistem da oposição à execução, agora designada por embargos de executado;

Pelo exposto e em face do acordo para pagamento da quantia exequenda, Exequente e Executadas, requerem a V. Exa., se digne ordenar a extinção da Instância, por Inutilidade superveniente da mesma, nos termos previstos nos artigos 849º, n.º 1 alínea c) in fine e alínea f) do CPC., suportando o Exequente as custas na execução, sendo que as custas nos embargos serão suportadas em partes iguais.

Mais declaram Exequente e Executadas que renunciam ao direito de interposição de recurso, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 632º do C.P.C.” (vd. folhas 3 e 4).

Em 04-10-2016, veio a C, S. A., dar conhecimento de requerimento por si apresentado no apenso A., com o seguinte teor:

 “1. em 20.02.2013 foi a ora expoente notificada para depositar à ordem dos presentes autos de procedimento cautelar o montante de € 95.439,99, supostamente depositados na conta do requerido Carlos;

2. sucede que o requerido Carlos Avelino foi declarado falido por sentença transitada em julgado em 20.12.2000, proferida no então Proc n°…, do 1º Juízo de Comércio de Lisboa (doc. 01) e atualmente com o n°. …- Lisboa, Inst. Central, 1ª Sec. Comércio - J1;

3. acontece que a conta da CSA de onde foi transferido o referido montante de € 95.439,99, foi erradamente indicada pela CSA como titulada pelo requerido, quando é, efetivamente, a conta da massa falida;

4. pelo que o referido montante nunca poderia ser transferido para depósito à ordem dos presentes autos;

5. a expoente só agora se apercebeu da situação criada na sequência do rateio final e tentativa de pagamento aos credores por parte do Sr. AI (doc. 02).

Termos em que se requer a V. Exa se digne relevar o referido lapso e ordenar a devolução do referido montante de € 95.439,99 através de transferência para a conta massa falida de CA aberta na CSA com o IBAN…” (vd. folhas 12).

Notificado a propósito, propugnou o Exequente, em 14-10-2016, o indeferimento do requerido pela CSA, “uma vez que a quantia penhorada e depositada à ordem desta execução pertence exclusivamente ao Executado CA (…) devendo assim ser homologado o acordo apresentado pelas partes no dia 27/09/2016, nos termos aí requeridos.”, (vd. folhas 136-138).

Juntando cinco documentos, vd. folhas 139-149, dos quais um é certidão do Tribunal de Comércio de Lisboa (folhas 142-148).

Por despacho de 05-01-2017, reproduzido a folhas 37, foi ordenado que se “oficie ao Proc. n.º …que corre termos na 1ª Secção do Juízo de Comércio de Lisboa solicitando informação acerca do atual estado dos autos e se o depósito bancário penhorado nos presentes autos se encontra apreendido nos mesmos, juntando cópia do auto de penhora para melhor esclarecimento.”.

O que, cumprido, mereceu o seguinte esclarecimento:

“Informa-se Vª Exª conforme solicitado, de que se encontra penhorado o depósito bancário no valor de 95439,99 e que os presentes autos aguardam a reposição desse mesmo valor indevidamente retirado da conta da massa falida.

Para melhor esclarecimento junto cópia do último despacho datado de 07-12-2016.”.

Sendo tal último despacho:

“Com cópia de fls. 920 a 933, notifique a C, S.A. para proceder à reposição do valor indevidamente retirado da conta da massa falida, no prazo de cinco dias, conforme já solicitado pelo Sr. Liquidatário Judicial, comprovando nos autos, no mesmo prazo, tal reposição.

Dê conhecimento do presente despacho ao Sr. Liquidatário Judicial e bem assim ao processo identificado a fls. 924, sendo este também com cópia de fls. 920 a 933.” (vd. folhas 41).

Por despacho de 07-02-2017, do mesmo juízo de Comércio, foi determinado que se solicitasse “ao processo n.º …a colocação à ordem dos presentes autos do montante em causa” (folhas 61).

Vindo a ser proferido o despacho de 07-07-2017, reproduzido a folhas 150 a 153, com o seguinte teor:

“Certidão junta pelo exequente em 30.01.2017:

Tomei conhecimento.

Tal certidão, ao contrário do alegado pelo exequente no requerimento apresentado em 14.10.2017 – leia-se 14-10-2016, por ser evidente o lapso – não comprova o encerramento do Processo n.º … que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1 (falência do executado CA) e a remessa do mesmo ao arquivo, comprovando apenas que foi proferida sentença de graduação dos créditos reclamados e elaborado mapa de rateio.

Aliás, após ter sido solicitada informação acerca do atual estado daqueles autos, foi prestada a informação de que o processo de falência ainda não se encontra findo, encontrando-se o mesmo a aguardar que a C, S.A. proceda à reposição do valor de 95.439,99 € correspondente ao depósito bancário aqui penhorado e indevidamente retirado da conta da massa falida, conforme ali foi determinado.

Não obstante, o exequente pretende que sejam requisitados documentos com vista a apurar a titularidade da conta bancária penhorada.

Como é bem de ver, tal requisição de documentos afigura-se manifestamente impertinente, porquanto nunca antes foi questionada, em sede própria, a titularidade de tal bem, nem poderá sê-lo agora por iniciativa do exequente.

Assim sendo, e porque estamos perante um bem do executado que após a sua declaração de falência passou a integrar a massa falida, verificando-se agora que não poderia ter sido arrestado e/ou penhorado em virtude dos efeitos típicos da falência, impõe-se que a quantia penhorada nos presentes autos seja transferida para o processo de falência do executado, o que desde já se determina, após trânsito em julgado do presente despacho.

Notifique, com conhecimento ao agente de execução e à C, S.A.

D.N.


*

Em face do supra determinado, mostra-se inviabilizada a extinção da presente instância com base no acordo junto aos autos através do requerimento apresentado em 27.09.2016, porquanto apenas no processo de falência poderá ser dado pagamento aos credores do falido.

Notifique.


*

Uma vez concretizada a transferência da quantia penhorada para o processo de falência do executado, conclua os autos.”. (o grifado é nosso).

Inconformada com o assim decidido, recorreu o Exequente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1ª O presente recurso é Interposto douto despacho de fls ... , que ordenou a transferência da quantia penhorada nestes autos no valor de € 95.439,99 e sua remessa para o processo de falência nº …do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 1 e do indeferimento sobre a requisição de documentos requerida pelo recorrente sobre a titularidade a conta bancária donde foi penhorado o saldo bancário;

2ª Como preliminar à presente execução, instaurou procedimento cautelar de arresto que sob o nº…, correu termos pela extinta 5ª Vara Cível de Lisboa e nos quais requereu o arresto de contas bancárias do executado, tendo sido ordenado o arresto da conta bancária aberta na Caixa Geral de Depósitos, com o NIB…, agência do Lumiar, conta bancária em nome do requerido na agência do Palácio da Justiça, cujo número se desconhece, isto até ao montante de €95.490,99, bem como o arresto das contas bancárias existentes no B, S.A., com os n.ºs…;

3ª O recorrente juntou como títulos executivos duas letras, ambas com data de emissão de 28/02/2002 e com vencimento, uma para 31/08/2002 e outra para 31/12/2002, nos montantes de €.49.879,79 e €.45.560,20;

4ª O montante arrestado de €.95.439,99 foi convertido em penhora em 27/02/2013, tendo o Agente de Execução nestes autos elaborado o respectivo auto de penhora em 19/04/2013;

5ª A  C,S. A. aquando do arresto juntou, com data de 05/12/2012, um documento a informar que foi arrestada a referida quantia proveniente da quota-parte do saldo da conta de depósitos nº…, "constituída em nome de  CA";

6ª A mesma entidade, aquando da penhora em 27/02/2013 juntou dois documentos com essa data, com a indicação da penhora da importância de €.95.439,99, por débito na conta PT … pertencente a... "DR CA”, montante esse depositado na mesma data "em depósito autónomo mediante o DUC …do ICFEJ;

7ª Só em Julho de 2013 é que o recorrente tomou conhecimento da falência do executado;

8ª À data da falência (20/11/2000), o recorrente não era credor do executado;

9ª Nem se constituiu credor no decurso do prazo para reclamação de créditos, nem o crédito se constituiu dentro do ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de falência, a qual foi proferida em 20/11/2000 e o trânsito em julgado ocorreu, pelo menos, a partir de 21/12/2000, pelo que o prazo previsto no artigo 205º, nº 2, CPEREF terminou em 22/12/2001;

10ª O crédito do recorrente foi constituído e titulado pelas letras de 28/02/2002, mas com vencimento da obrigação de pagamento para 31/08/2002 e 31/12/2002;

11ª Como a prova documental demonstra, o recorrente não poderia reclamar o seu crédito na falência; Aliás, a execução deu entrada em 17/12/2012, decorridos mais de doze (12) anos após a prolação de sentença de falência do executado;

12ª Só em 14 Outubro de 2016 é que a C,S. A. se apercebeu do "lapso" da penhora "indevida" do saldo bancário.

13ª O recorrente só após a entrada em 14/10/2016 do referido requerimento entregue pela C,S. A. é que tomou conhecimento deste novo e primordial facto sobre a titularidade da conta bancária;

14ª Por requerimento entregue em 25/01/2017, o recorrente requereu a junção aos autos de cópias da fichas de abertura da conta bancária objecto de penhora, com indicação do nome e dados do ou dos seus titulares, data de abertura, cópia dos extratos bancários da mesmo, tendo em vista saber efectivamente quem é o titular dessa conta;

15ª Esse apuramento da verdade foi indeferido pelo Meritíssimo Juiz no despacho recorrido, porquanto considerou... "tal requisição afigura-se manifestamente impertinente, porquanto nunca antes foi questionada, em sede própria, a titularidade de tal bem, nem poderá sê-lo agora por iniciativa do exequente";

16ª A agravar o desfecho desta decisão e a manter-se a mesma, o que de modo algum se concebe, o exequente nunca poderá reclamar o seu crédito como credor na falência do executado;

17ª Face ao silêncio da C,S. A. e ao silêncio do Administrador Judicial ao não reagirem à penhora durante anos a fio, mais de três anos, afigura-se de primordial importância apurar a quem pertence a titularidade de tal conta bancária, ou seja há que apurar se o montante penhorado pertence ao Executado ou, ao invés, pertence à massa falida;

18ª Este facto novo foi levantado em 14/10/2016 pela C,S. A. ao suscitar a questão da titularidade da conta bancária, uma vez que até essa data o recorrente desconhecia em absoluto esta nova situação, pois estava e está convencido como está que o bem penhorado é do executado;

19ª O recorrente gastou dinheiro com taxas de justiça, com advogado, com o Agente de Execução, isto durante mais de 4 anos, sem que o executado, a C,SA, o Administrador Judicial ou terceiros, tivessem questionado a penhora do saldo bancário;

20ª A verdade é que fora desta execução, o recorrente está impedido de reclamar créditos na falência que apenas aguarda o pagamento dos créditos ali reclamados;

21ª É, pois, necessário e imprescindível apurar-se, por via documental, quem é o verdadeiro titular da conta penhorada;

22ª O Meritíssimo Juiz não cuidou de apurar a verdade sobre a titularidade da conta bancária ao impedir a junção dessa prova documental e ao ordenar de imediato a transferência do valor penhorado para o processo de falência, com prejuízo económico de muitos milhares de euros para o recorrente, sendo certo que da prova documental dos autos vai no sentido de que tal bem penhorado não pertence à massa falida;

23ª O despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 188º e 205º, n.º 2 do antigo CPEREF, artigo 763º do Código de Processo Civil e artigo 822º do Código Civil.”.

Remata com a revogação do despacho recorrido a substituir “por outro que ordene a remessa aos autos da prova documental requerida pelo recorrente no seu requerimento de 25/01/2017, a fim de aferir a titularidade da conta bancária …da qual foi penhorada em 27/02/2013 a quantia de €.95.439,99, com vista a apurar-se se esse montante pertence ao executado CA ou à massa falida.”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II- Dispensados que foram os vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se importa apurar a titularidade da conta bancária de que foi penhorado saldo – conta em nome do executado/falido ou conta da massa falida – requisitando para o efeito documentação bancária, antes de ser ordenado, de imediato, a transferência do valor penhorado para o processo de falência.


***

 Com interesse emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório.

Vejamos.

1. Nos termos do artigo 147º, n.º 1, do CPEREF – aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril – vigente à data da declaração de falência do aqui executado, CA, “A declaração de falência priva imediatamente o falido, por si ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial.”.

Convergentemente, dispõe-se no artigo 175º, n.º 1, do mesmo Código, que “Proferida a sentença declaratória da falência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens susceptíveis de penhora, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social.”.

Nas palavras de Oliveira Ascensão,[1] “A declaração de insolvência produz: I — A autonomização da massa insolvente”, que “É um efeito automático da sentença. Mas acentue-se que é predominantemente jurídico. Terá normal tradução jurídica na apreensão dos bens (…)”.

Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 155º, n.º 1, daquele compêndio normativo, “Os negócios realizados pelo falido, posteriormente à declaração de falência, são inoponíveis à massa falida; se forem, porém, celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé, serão inoponíveis se celebrados depois do registo da sentença.” (o grifado é nosso).

Ora, segundo o próprio Recorrente – que apenas invoca a relação cartular, sem qualquer referência a eventual relação subjacente – o mesmo “juntou como títulos executivos duas letras, ambas com data de emissão de 28/02/2002.

Pretendendo que “À data da falência (20/11/2000), o recorrente não era credor do executado;”, “Nem se constituiu credor no decurso do prazo para reclamação de créditos”; “nem o crédito se constituiu dentro do ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de falência”.

Mas, isto posto, cingindo-nos às alegações de recurso – e assim desprezando o que, em termos de problemática compatibilidade, o Recorrente e o falido hajam alegado, no seu requerimento de 27-09-2016, reproduzido a folhas 3 e 4 – sempre importará concluir estar em causa um negócio celebrado pelo Exequente/recorrente com o falido posteriormente à declaração de falência, que, como visto, teve lugar em 20-11-2000, sendo publicitada em DR, de 15-12-2000.

Não vindo alegado pelo Recorrente que tal negócio haja sido realizado anteriormente ao registo da sentença declaratória da falência – como seria seu ónus, vd. artigo 342º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil – nem tal sendo de presumir, ademais sendo aquela “logo (…) registada oficiosamente na conservatória competente com base na respectiva certidão, para o efeito remetida pela secretaria”, cfr. artigo 128º, n.º 2, do CPEREF.

Neste conspecto, o facto de o exequente “Só em Julho de 2013” ter tomado “conhecimento da falência do executado”, resulta, por si só, absolutamente inócuo na perspetiva – que é a prosseguida pelo exequente – de obter pagamento desse seu “ulterior crédito”, à margem do processo de falência, na execução em causa, e subtraindo um direito do falido à massa falida.

Revelando-se – tal como, de resto, a sua manifestada “convicção” “até prova documental em contrário, que o montante penhorado nestes autos pertence ao executado” igualmente inócuo no que tange à refutação da apreensibilidade de tal saldo para a massa falida, independentemente de provir de conta bancária ainda formalmente titulada pelo executado, ou de se tratar de saldo proveniente de conta da massa falida em processo de falência desse mesmo executado, declarada anteriormente à “emissão” das aludidas letra de câmbio.

Destarte, não estando findo, como não está, o processo de falência, o saldo bancário anteriormente arrestado e depois penhorado na execução – e cuja transferência para o processo de falência do executado foi determinada no despacho recorrido, correspondendo a solicitação do tribunal da falência – sempre teria de ser reconduzido à massa falida, independentemente de ter sido “indevidamente” (por erro da CGD) retirado de conta bancária titulada por aquela, ou de, afinal, reportar a conta bancária de que fosse nominal titular o falido/executado.

Improcedendo pois in totum as conclusões do Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, e confirmam o despacho recorrido.

Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 2017-06-29

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] In “Insolvência: Efeitos sobre os negócios em curso”, acessível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=45626