Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
74963/15.5YIPRT.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: CARTÃO DE CRÉDITO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - num contrato de crédito mediante a utilização de cartão de crédito, a superveniente alteração do limite de crédito originariamente acordado ou contratualizado deve observar, integralmente, os requisitos plasmados no artº. 12º do DL nº. 133/2009, de 02/06 ;
- deste modo, e entre outras exigências legais, tal alteração deverá ser exarada por escrito, em papel ou noutro suporte duradouro, e devidamente subscrita pelo consumidor e credor ;
- compete ao credor a prova do cumprimento de tais requisitos, pois presume-se-lhe imputável a sua inobservância, nos termos do nº. 5 do artº. 13º, daquele diploma ;
- a Autora, ora Apelada, na qualidade de financiadora, não ilidiu tal presunção, pois nenhuma prova por confissão do Réu Apelante foi produzida, nos quadros do nº. 2 do artº. 364º do Cód. Civil ;
- a ora Apelada poderia efectivamente provar a existência da alegada alteração contratual do limite do crédito concedido, ainda que apenas concretizada de forma verbal, mas sempre o teria que fazer por confissão do Réu consumidor, o que não logrou;
- não é suficiente ou bastante fazê-lo, como o fez, com recurso a prova testemunhal, atenta a exigência de formalidade ad probationem, ínsita àquele normativo ;
- não o fazendo, pode o consumidor, e só o consumidor pode, invocar a nulidade de tal alteração nas condições particulares de utilização do cartão de crédito, nos termos da 2ª parte do mesmo normativo (invalidade atípica).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes Desembargadores da 2ª Secção da Relação de Lisboa o seguinte.

           
IRELATÓRIO:


1–B., entretanto substituída (por habilitação) por H., intentou a presente acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que se transmutou a providência de injunção que requereu contra JOSÉ, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €9.714,79 (nove mil setecentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros compensatórios no montante de €1.934,98 (mil novecentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), até à data da entrada da providência (28-5-2015), e vincendos à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento, devida pela utilização de dois cartões de crédito que identificou, cujas contas associadas o réu movimentou livremente, a crédito e a débito, mas não provisionou devidamente, originando o saldo devedor peticionado.
2–Notificado o Requerido/Réu, veio o mesmo deduzir oposição, alegando, em súmula, o seguinte:
- Celebrou em tempos dois contratos relativamente á obtenção de dois cartões de crédito, mas não consegue identificar se são os aduzidos e identificados, pelo que, à cautela, impugna-os ;
- Tem a certeza que nunca assinou nenhum contrato com a ora Requerente que tivesse um plafond da ordem de grandeza invocada na aludida dívida ;
- Nem nunca efectuou qualquer movimento que pudesse provocar aquele saldo devedor ;
- Pretendendo que a Requerente junte aos autos todos os documentos/contratos subscritos, de forma a que o Tribunal possa aferir acerca do valor contratado e, consequentemente, concluir acerca do saldo que tenha sido efectivamente utilizado ;
- Desconhece, assim, o crédito reclamado, pelo que o impugna, dado não o dever.
Conclui pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição.
3–No prosseguimento dos ulteriores termos da forma de acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foi designada data para a realização de audiência final, que veio a concretizar-se conforme actas de fls. 90, 91, 141, 154, 155 e 164.
4–Posteriormente, em 16/03/2017, foi proferida sentença – cf., fls. 170 a 186 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
 “pelo exposto e decidindo, julgo a ação procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu, José, a pagar à autora, B., substituída por H., a quantia de €9.714,79 (nove mil setecentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros compensatórios vencidos no valor de €1.934,98 (mil novecentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), até 28-5-2015 e de juros de mora contados dessa data à taxa legal em vigor, até efetivo e integral cumprimento.
Custas pelo réu, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Fixo o valor da causa em €11.649,77 (onze mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e sete cêntimos).
Registe e notifique”.
5–Inconformado com o decidido, o Requerido/Réu interpôs recurso de apelação, em 08/05/2017, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se resumem ou condensam, atendendo a que, grande parte das mesmas não se traduzem em verdadeiras conclusões, mas antes mera repetição, por decalque, das alegações apresentadas, atenta a inobservância da síntese imposta pelo nº. 1 do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil):
De acordo com a prova testemunhal e documental produzida, o Tribunal “a quo” não poderia ter dado como provada a matéria constante de parte do referido 5.º da matéria de facto provada na sentença ;
Pelo que “deveria constar da matéria de facto não provada com relevância para a causa, que: a) O réu utilizou o cartão mencionado em 2. da referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extractos de conta-cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso” ;
Devendo constar da matéria de facto provada, “com relevância para a causa, apenas que: 5) O réu utilizou o cartão mencionado em 2. operando a transferência do montante de € 3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela autora para conta de depósitos à ordem, constante do extracto de conta-cartão datado de 11-4-2011, junto a fls. 112” ;
Pelo que deverá “ser rectificada a matéria de facto provada eliminando-se dela a matéria constante em parte do artigo 5.º passando a constar esta da matéria de facto não provada e rectificando-se a matéria assente no citado artigo 5.º nos moldes supra citados para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais” ;
Relativamente á matéria de direito, “cumpre referir que a modificação das condições gerais e particulares de utilização do cartão traduz uma alteração das condições contratuais inicialmente estabelecidas, com o estabelecimento de diferentes obrigações e direitos. Ademais, também se infere do alegado e do teor dos docs. que as condições particulares do contrato de crédito ao consumo também foram alteradas, pois que inicialmente o montante máximo de crédito no cartão light era de 3.500,00 e actualmente é de, aparentemente, € 6.500,00” ;
pelo que ocorreu uma renovação do contrato de crédito e não uma simples ou uma mera emissão e substituição de cartões, a qual não foi reduzida a escrito, conforme impõe o art. 12.º, n.º 1 e 2 do DL 133/2009, de 02 de Junho ;
a questão que se coloca é a de saber se devem ou não ser considerados provados os factos a tal atinentes alegados pela autora, pois no artigo 13.º do citado Decreto-Lei “estabelece-se uma presunção de imputabilidade ao credor da inobservância da forma escrita e que a inobservância da forma legal constitui uma invalidade atípica, pois que apenas o consumidor (e não terceiros ou oficiosamente conhecida pelo tribunal) pode arguir a nulidade do contrato” ;
pelo que, não tendo ficado demonstrado que o R. solicitou tal aumento do limite de crédito deverá ser entendido que “a obrigação do consumidor quanto ao pagamento é reduzida ao montante do crédito concedido e o consumidor mantém o direito a realizar o pagamento nas condições que tenham sido acordadas ou que resultem dos usos.”, conforme aliás prescreve o artigo 12.º n.º 7.º al. b) do citado DL” ;
donde, ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” o disposto no artigo 12.º e 13.º da citado DL D 133/2009 de 02/06 o artigo 615.º al. a), b), e d) do C.P.C.
Em conformidade, pugna o Apelante no sentido de ser dado provimento ao recurso, “revogando-se consequentemente a sentença ora recorrida substituindo-a por outra nos moldes supra citados para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devido efeitos legais”.

6 –A Apelada não apresentou quaisquer contra-alegações.

7 –Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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IIÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1–o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2–Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)As normas jurídicas violadas ;
b)O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”-.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1.–DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência ao indicado artº. 5º da matéria factual dada como provada, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ;
2.–DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
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III–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte:

1.–Autora e réu celebraram um acordo de utilização de cartão de crédito denominado ‘Cartão Light’, associado à conta de depósitos à ordem de que o réu é titular n.º 0003.25112939020, nos termos da declaração escrita datada de 1-4-2011, subscrita pela autora e pelo réu, este na qualidade de mutuário, junta a fls. 67 e de que se extrai o seguinte: « (…) mutuário(s) de contrato de crédito por utilização do Cartão CARTÃO LIGHT a celebrar nesta data com o B………... declara(m) que o BANCO, pelo modo mais adequado à minha (…) compreensão, me (…) prestou os esclarecimentos necessários e os por mim (…) solicitados, tendo-me (…) colocado em posição de me (…) permitir avaliar se o referido contrato se adapta às minhas (…) necessidades e à minha (…) situação financeira, tendo-me (…) sido entregue pelo BANCO, antes de celebração daquele contrato, as informações pré-contratuais nelas incluídas a “Informação Normalizada Europeia em Matéria de Crédito a Consumidores” (…) em papel [documento junto a fls. 63-66], a explicitar as características principais do crédito que será concedido pelo referido contrato bem como os efeitos que em mim (…) produzirá a sua contratação e as consequências da falta de cumprimento das obrigações assumidas. Mais declara(mos) que a minha (nossa) conta D.O. n.º 0003.25112939020, aberta junto do B………………., será utilizada para outras finalidades distintas do contrato de crédito a celebrar nesta data com o B. não tendo sido aberta exclusivamente para a utilização e pagamento do referido contrato de crédito» ;
2.–Mais acordaram autora e réu nas ‘Condições de utilização do cartão ‘CARTAO LIGHT’, referentes à proposta n.º 8581767, datada de 1-4-2011, juntas a fls. 68-72 subscrita pelas partes, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, a que veio a corresponder a conta cartão n.º 0031 56785520011 31 e o cartão com o n.º 5545060512534863 ;
3.–Autora e réu celebraram um acordo de utilização de cartão de crédito denominado ‘Cartão Ferrari’, associado à conta de depósitos à ordem de que o réu é titular n.º 0003.25112939020, nos termos da declaração escrita datada de 1-4-2011, subscrita pela autora e pelo réu, este na qualidade de mutuário, junta a fls. 77, de teor idêntico ao extratado em 1., cuja ficha de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores – informação pré-contratual figura de fls. 73-76 ;
4.–No âmbito mencionado em 3., autora e réu acordaram ainda nas ‘Condições de utilização do cartão CARTAO FERRARI’, referentes à proposta n.º 8582642, datada de 1-4-2011, juntas a fls. 78-82, subscrita pelas partes, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, a que veio a corresponder a conta cartão n.º0031 56785530011 31 e o cartão n.º 5203420010044547 ;
5.–O réu utilizou o cartão mencionado em 2. operando inicialmente a transferência do montante de €3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela autora para conta de depósitos à ordem, constante do extracto de conta-cartão datado de 11-4-2011, junto a fls. 112, mais movimentando a referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extractos de conta cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso ;
6.–A transferência da conta cartão n.º 0031 56785520011 31 para a conta de depósitos à ordem mencionada em 5. foi ordenada pelo réu em 7-4-2011, nos termos constantes do documento por si subscrito e pela autora junto a fls. 153 ;
7.–O réu utilizou o cartão mencionado em 3. operando a transferência do montante de €3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela autora para conta de depósitos à ordem, constante do extracto datado de 11-4-2011, junto a fls. 102, mais movimentando a referida conta nos termos constantes dos extractos de conta-cartão de fls. 102-v a 111, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €2.447,94 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso ;
8.–A transferência da conta cartão n.º 0031 56785530011 31 para a conta de depósitos à ordem mencionada em 7. foi ordenada pelo réu em 7-4- 2011, nos termos constantes do documento por si subscrito e pela autora junto a fls. 152 ;
9.–Por comunicações datadas de 17-9-2014, juntas a fls. 83-84, endereçadas ao réu por correio registado com aviso de recepção para a morada devolvida ao remetente com a menção ‘não atendeu’/’objeto não reclamado’, a autora informou com referência ao «contrato outorgado em 01 de Abril de 2011 relativo ao Cartão “10.10 TSI 5545060512534863”» e ao «contrato outorgado em 01 de Abril de 2011 relativo ao Cartão “Ferrari 5203420010044547”», respectivamente, o seguinte «verificando-se que a utilização do referido cartão tem sido efectuada em despeito das respectivas regras de funcionamento, vimos (…) comunicar que, ao abrigo das referidas Condições de Utilização, procedemos à resolução, com efeitos imediatos, do contrato inerente ao cartão em assunto, pelo que deverá proceder à sua restituição e ao pagamento das dívidas e encargos resultantes da sua utilização», mais solicitando o pagamento da quantia de €7.266,85, quanto ao primeiro cartão e de €2.447,94, relativamente ao segundo, no prazo de oito dias ;

10.–Do teor das Condições Gerais de utilização do cartão CARTAO LIGHT referidas em 2., consta o que se extrai:

10.1.- Cl. III - 8–«O Titular compromete-se a informar, por escrito, o Banco de qualquer eventual mudança ou modificação no endereço postal que tenha comunicado ao Banco como sendo o seu
10.2.- Cl. III - 10–«O presente contrato é celebrado por tempo indeterminado, podendo qualquer uma das partes resolvê-lo quando lhe aprouver, mediante declaração escrita dirigida à parte contrária, com a antecedência mínima de 3 a 30 dias, consoante a resolução seja, respectivamente, da iniciativa do Titular ou do Banco. A resolução terá, porém, eficácia imediata: (…) b) se se fundar no incumprimento das obrigações assumidas nos termos destas Condições Gerais ou Lei. Extinto o contrato por qualquer causa, o Titular deverá proceder, de imediato, à restituição do cartão. O Titular será, no entanto, responsável por todas as dívidas e encargos resultantes da utilização do Cartão, nos mesmos termos em que o era anteriormente.
10.3.- Cl. III - 11.1–«O Banco pode invocar a perda do benefício do prazo e exigir ao Titular o pagamento integral e imediato de tudo quanto lhe for devido em consequência das obrigações assumidas pelo Titular no âmbito destas Condições Gerais e das Condições Particulares, ou resolver o presente contrato, caso ocorram, cumulativamente, as circunstâncias seguintes: a) o Titular deixar de pagar ao Banco duas prestações sucessivas cujo valor exceda 10% do crédito utilizado em restituição; b) ter o Banco, sem sucesso, concedido ao Titular um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso e respectivos juros de mora e encargos emergentes do incumprimento, com expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
10.4.- Cl. III -16–«Sem prejuízo dos casos especificamente previstos nos números anteriores, este contrato pode ser resolvido nos termos gerais de direito.
10.5.- Cl. III - 17–«Os procedimentos a adoptar para a extinção do contrato são os seguintes: 17.2. O Banco goza do direito de colocar termo ao presente contrato através da sua resolução mediante declaração escrita enviada ao Titular nos termos e com os efeitos previstos nas Cláusulas III – 10ª, 11ª e 15ª.
10.6.- Cl. IV –12– «Com exceção da prévia autorização por escrito do Banco, em nenhuma outra circunstância poderá o Titular realizar operações que, mesmo só parcialmente, ultrapassem o limite máximo estabelecido. O momento da verificação do saldo autorizado (diferença entre o limite de crédito e o valor das operações, juros, impostos e eventuais encargos) é o da realização do movimento do Cartão e não o evidenciado no Extracto de Conta-cartão, o mesmo sucedendo aquando da liquidação de dívida que automaticamente renova o crédito em quantia igual à paga.
10.7.- Cl. V –1-«Os débitos pela utilização do Cartão relativos a operações de adiantamento a crédito ou de pagamento de bens e serviços, com excepção das operações de Baixo Valor, são escriturados na Conta-cartão aberta em nome do Titular no Banco Os restantes movimentos são de imediato escriturados a débito na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão.
10.8.- Cl. V –2-« (…) Por cada operação de adiantamento a crédito, como remuneração pela prestação dos serviços de concessão imediata de crédito em numerário e como retribuição do crédito concedido, o Titular será debitado pelas comissões e encargos mencionados no Anexo I a estas Condições Gerais.
10.9.- Cl. V –3-«Para cada Conta-cartão é previamente estabelecido entre o Banco e o Titular um limite máximo de crédito, entendendo-se por tal o valor total que, em cada momento, o Titular está autorizado a dever ao Banco pelo uso do(s) Cartão(ões) que esteja(m) associado(s) à Conta-cartão, incluindo-se os juros, impostos, comissões e demais encargos inerentes a movimentos realizados ou à adopção de modalidades de reembolso.
10.10.-Cl. V –4–«Os movimentos efectuados com o Cartão escriturados na Conta-cartão serão evidenciados em extracto autónomo – “Extracto de Conta-cartão”, com periodicidade mensal, que é remetido em formato digital para o endereço indicado pelo Titular, se o formato em papel não tiver sido expressamente escolhido pelo Titular, caso em que lhe será remetido por via postal. Os movimentos imediatamente escriturados e debitados na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão são evidenciados no extracto dessa conta, que é remetido ao Titular com a periodicidade em vigor no Banco.
10.11.-Cl. V –7– «O Titular fica obrigado a controlar o adequado uso do Cartão pela análise imediata e sistemática dos extractos de conta que o Banco for remetendo e que conterão a menção das operações realizadas com o Cartão, assim como o registo do débito da anuidade referida na Cláusula III – 2ª.
10.12.-Cl. V –8–«O Extracto de Conta-cartão indicará o valor total que o Titular deverá pagar ao banco pelas operações nele escrituradas.
10.13.-Cl. V –9–«O Titular deve pagar a quantia indicada no Extracto da Conta-cartão, calculada de acordo com a modalidade acordada com o Banco, no prazo de 20 dias, a contar da sua emissão. Se efectuar o pagamento parcial do saldo em dívida, o remanescente da dívida vencerá juros à taxa definida no Anexo I a estas Condições Gerais. O valor dos juros vencidos será debitado mensalmente na Conta-cartão, fazendo parte integrante da dívida.
10.14.-Cl. V –10–«O pagamento parcial que tenha sido acordado com o Banco, tem por limite mínimo a percentagem e montante igual ou superior ao fixado nas Condições Particulares.
 10.15.-Cl. V –11–«Não recebendo por outro meio o pagamento da quantia indicada no Extracto de Conta-cartão, o Banco está, desde já e em respeito do disposto nas condições anteriores, autorizado a debitar a Conta de Depósitos à Ordem do Titular pelos movimentos e operações efectuados com o Cartão, obrigando-se correlativamente o Titular a manter essa conta devida e previamente provisionada. A falta de provisão na conta na data do débito pelo Banco constitui o Titular em mora, sem necessidade de interpelação.
10.16.-Cl. V –12–«Na hipótese de falta de pagamento das responsabilidades decorrentes do uso do Cartão, o Titular será responsável perante o Banco pela totalidade da dívida, juros e demais encargos legais.
10.17.-Cl. V –13–«Caso o Titular não cumpra, pontual ou integralmente qualquer das obrigações emergentes das Condições Gerais e Particulares cessa imediata e definitivamente a aplicação da bonificação à Taxa Anual Nominal referida no Anexo I a estas Condições Gerais.
10.18.-Cl. VI –3–«Em caso de divergência sobre o sucedimento do conhecimento pelo Titular, o ónus da prova é do Banco, constituindo, porém, presunção elidível desse conhecimento a prova da expedição por via digital ou postal, consoante o que for aplicável, para o endereço do Titular de extracto que evidencie a operação (sublinhado nosso).

11.–Do teor das Condições Particulares de utilização do cartão CARTÃO LIGHT referidas em 2. e do Anexo I, consta o que se extrai:
11.1.-Cl. 3–Pagamentos: a) Tipo de pagamento: O pagamento é processado por débito na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão. Em alternativa, o Titular pode optar por efectuar o pagamento em Caixa Automático da Rede Multibanco, até 48 horas úteis antes da data limite de pagamento indicada no Extracto de Conta-cartão.
11.2.-Cl. 6–«Limite de crédito: €3.500,00.
11.3.-Anexo I –5. «Taxa de Juro (Convenção de cálculo de juros: 30/360). 5.1. Taxa Anual Nominal (TAN) Base: 24,00% (…) 5.2. Taxa Anual Nominal (TAN) Bonificada: 16,20% (…). 6. Taxa de Juro de Mora: Em caso de mora, o Banco não cobrará juros moratórios, sendo aplicáveis sobre as quantias devidas pela utilização do Cartão que se encontrem em dívida apenas juros remuneratórios calculados à Taxa Anual Nominal (TAN) Base de 24,00%, sem qualquer bonificação» (sublinhado e negrito nossos).

12.–Do teor das Condições Gerais de utilização do CARTÃO FERRARI mencionadas em 4., consta o seguinte:
12.1.-Cl. III -8–«O Titular compromete-se a informar, por escrito, o Banco de qualquer eventual mudança ou modificação no endereço postal que tenha comunicado ao Banco como sendo o seu.
12.2.-Cl. III -10–«O presente contrato é celebrado por tempo indeterminado, podendo qualquer uma das partes resolvê-lo quando lhe aprouver, mediante declaração escrita dirigida à parte contrária, com a antecedência mínima de 3 a 30 dias, consoante a resolução seja, respectivamente, da iniciativa do Titular ou do Banco. A resolução terá, porém, eficácia imediata: (…) b) se se fundar no incumprimento das obrigações assumidas nos termos destas Condições Gerais ou Lei. Extinto o contrato por qualquer causa, o Titular deverá proceder, de imediato, à restituição do cartão. O Titular será, no entanto, responsável por todas as dívidas e encargos resultantes da utilização do Cartão, nos mesmos termos em que o era anteriormente.
12.3.-Cl. III -11.1–«O Banco pode invocar a perda do benefício do prazo e exigir ao Titular o pagamento integral e imediato de tudo quanto lhe for devido em consequência das obrigações assumidas pelo Titular no âmbito destas Condições Gerais e das Condições Particulares, ou resolver o presente contrato, caso ocorram, cumulativamente, as circunstâncias seguintes: a) o Titular deixar de pagar ao Banco duas prestações sucessivas cujo valor exceda 10% do crédito utilizado em restituição; b) ter o Banco, sem sucesso, concedido ao Titular um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso e respectivos juros de mora e encargos emergentes do incumprimento, com expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
12.4.-Cl. III -16–«Sem prejuízo dos casos especificamente previstos nos números anteriores, este contrato pode ser resolvido nos termos gerais de direito.
12.5.-Cl. III -17–«Os procedimentos a adoptar para a extinção do contrato são os seguintes: 17.2. O Banco goza do direito de colocar termo ao presente contrato através da sua resolução mediante declaração escrita enviada ao Titular nos termos e com os efeitos previstos nas Cláusulas III – 10ª, 11ª e 15ª.
12.6.-Cl. IV –12–«Com exceção da prévia autorização por escrito do Banco, em nenhuma outra circunstância poderá o Titular realizar operações que, mesmo só parcialmente, ultrapassem o limite máximo estabelecido. O momento da verificação do saldo autorizado (diferença entre o limite de crédito e o valor das operações, juros, impostos e eventuais encargos) é o da realização do movimento do Cartão e não o evidenciado no Extracto de Conta-cartão, o mesmo sucedendo aquando da liquidação de dívida que automaticamente renova o crédito em quantia igual à paga.
12.7.-Cl. V –1–«Os débitos pela utilização do Cartão relativos a operações de adiantamento a crédito ou de pagamento de bens e serviços, com excepção das operações de Baixo Valor, são escriturados na Conta-cartão aberta em nome do Titular no Banco Os restantes movimentos são de imediato escriturados a débito na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão.
12.8.-Cl. V –2–«(…) Por cada operação de adiantamento a crédito, como remuneração pela prestação dos serviços de concessão imediata de crédito em numerário e como retribuição do crédito concedido, o Titular será debitado pelas comissões e encargos mencionados no Anexo I a estas Condições Gerais.
12.9.-Cl. V –3–«Para cada Conta-cartão é previamente estabelecido entre o Banco e o Titular um limite máximo de crédito, entendendo-se por tal o valor total que, em cada momento, o Titular está autorizado a dever ao Banco pelo uso do(s) Cartão(ões) que esteja(m) associado(s) à Conta-cartão, incluindo-se os juros, impostos, comissões e demais encargos inerentes a movimentos realizados ou à adopção de modalidades de reembolso.
12.10.-Cl. V –4–«Os movimentos efectuados com o Cartão escriturados na Conta-cartão serão evidenciados em extracto autónomo –“Extracto de Conta-cartão”, com periodicidade mensal, que é remetido em formato digital para o endereço indicado pelo Titular, se o formato em papel não tiver sido expressamente escolhido pelo Titular, caso em que lhe será remetido por via postal. Os movimentos imediatamente escriturados e debitados na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão são evidenciados no extracto dessa conta, que é remetido ao Titular com a periodicidade em vigor no Banco.
12.11.-Cl. V –6–«O Titular fica obrigado a controlar o adequado uso do Cartão pela análise imediata e sistemática dos extractos de conta que o Banco for remetendo e que conterão a menção das operações realizadas com o Cartão, assim como o registo do débito da anuidade referida na Cláusula III – 2ª.
12.12.-Cl. V –7–«O Extracto de Conta-cartão indicará o valor total que o Titular deverá pagar ao banco pelas operações nele escrituradas.
12.13.-Cl. V –8–«O Titular deve pagar a quantia indicada no Extracto de Conta-cartão, calculada de acordo com a modalidade acordada com o Banco, no prazo de 20 dias, a contar da sua emissão. Se efectuar o pagamento parcial do saldo em dívida, o remanescente da dívida vencerá juros à taxa definida no Anexo I a estas Condições Gerais. O valor dos juros vencidos será debitado mensalmente na Conta-cartão, fazendo parte integrante da dívida.
12.14.-Cl. V –9–«O pagamento parcial que tenha sido acordado com o Banco, tem por limite mínimo a percentagem e montante igual ou superior ao fixado nas Condições Particulares.
12.15.-Cl. V –10–«Não recebendo por outro meio o pagamento da quantia indicada no Extracto de Conta-cartão, o Banco está, desde já e em respeito do disposto nas condições anteriores, autorizado a debitar a Conta de Depósitos à Ordem do Titular pelos movimentos e operações efectuados com o Cartão, obrigando-se correlativamente o Titular a manter essa conta devida e previamente provisionada. A falta de provisão na conta na data do débito pelo Banco constitui o Titular em mora, sem necessidade de interpelação.
12.16.-Cl. V –11–«Na hipótese de falta de pagamento das responsabilidades decorrentes do uso do Cartão, o Titular será responsável perante o Banco pela totalidade da dívida, juros e demais encargos legais.
12.17.-Cl. V –12–«Em caso de mora no pagamento ao Banco das quantias devidas pela utilização do Cartão, serão devidos juros moratórios computados sobre a quantia em dívida, contados dia a dia, desde a mora, à taxa de juro, acrescida da sobretaxa máxima legal, referida no Anexo I a estas Condições Gerais, sobre todo o montante em dívida.
12.18.-Cl. VI –3–«Em caso de divergência sobre o sucedimento do conhecimento pelo Titular, o ónus da prova é do Banco, constituindo, porém, presunção elidível desse conhecimento a prova da expedição por via digital ou postal, consoante o que for aplicável, para o endereço do Titular de extracto que evidencie a operação (sublinhado nosso).
13. Do teor das Condições Particulares de utilização do cartão CARTAO FERRARI referidas em 4. e do Anexo I, consta o que se extrai:
13.1.-Cl. 3–Pagamentos: a) Tipo de pagamento: O pagamento é processado por débito na Conta de Depósitos à Ordem associada ao Cartão. Em alternativa, o Titular pode optar por efectuar o pagamento em Caixa Automático da Rede Multibanco, até 48 horas úteis antes da data limite de pagamento indicada no Extracto de Conta-cartão.
13.2.-Cl. 6–«Limite de crédito: €3.000,00.
13.3.-Anexo I –5. «Taxa de Juro (Convenção de cálculo de juros: 30/360). 5.1. Taxa Anual Nominal (TAN): 24,00% (…). 6. Taxa de Juro de Mora: Sobretaxa de 4,00%» (sublinhado e negrito nossos).
***

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

I)–Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 -A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 -A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:

“ 1 Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2.No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)-Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo o Recorrente/Apelante dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado[1].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[2] (sublinhado nosso).

O ora Recorrente/Apelante manifesta a sua discórdia relativamente à matéria factual vertida no ponto 5. dos factos provados, o qual tem a seguinte redacção:
O réu utilizou o cartão mencionado em 2. operando inicialmente a transferência do montante de €3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela autora para conta de depósitos à ordem, constante do extrato de conta-cartão datado de 11-4-2011, junto a fls. 112, mais movimentando a referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extratos de conta-cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso”.
Propondo que apenas se dê como provado que:
o Réu utilizou o cartão mencionado em 2. operando a transferência do montante de € 3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela Autora para conta de depósitos à ordem, constante do extracto de conta-cartão datado de 11/04/2011, junto a fls. 112”.
E, consequentemente, que se considere como matéria factual não provada que:
O réu utilizou o cartão mencionado em 2. da referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extractos de conta-cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso”.

Na sua argumentação, o Apelante invoca basicamente dois diferenciados fundamentos para a requerida alteração:
Por um lado, questionando a pertinência da prova testemunhal produzida, com específica indicação dos depoimentos, para a consideração daquele facto provado ;
Por outro, referenciando que da prova documental produzida (e atendendo igualmente à impugnação efectuada), não é possível extrair que tenha apresentado pedido de aumento de plafond de tal cartão de crédito, que a Autora não fez qualquer prova de tal pedido de aumento, que não existe nos autos qualquer documento comprovativo de que o Réu tenha solicitado tal aumento, que a prova de tal pedido, conforme legal exigência, apenas pode ser efectuada documentalmente, o que a Autora não fez, e que, para além de não existir tal prova documental, não foi igualmente realizada qualquer prova testemunhal de que foi alterado, a pedido do Réu, o limite do crédito (plafond), dos 3.500,00 € para os 6.500,00 €.
Urge, deste modo, aferir ou aquilatar acerca da pertinência do alegado pelo Recorrente, de forma a concluir-se se, no caso concreto, na análise das provas produzidas, se evidencia, ou não, ausência de razoabilidade na decisão de facto produzida, de forma a concluir-se acerca da necessidade de modificação da decisão de facto.
Nos termos legalmente determinados, procedeu-se à audição do suporte áudio, em concomitância com o exarado acerca da convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, não se olvidando, nos termos supra consignados, ter esta a seu crédito o princípio da imediação da prova, o que lhe possibilitou, fruto do contacto directo com a prova testemunhal, uma adequada percepção da seriedade, do rigor, do equilíbrio, da lucidez dos factos narrados e informação prestada, de forma a possibilitar-lhe a criação de um estado de (não) convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. E, efectuada esta análise, concluir-se-á então se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Ora, da audição dos depoimentos indicados (coincidente com a totalidade da prova testemunhal produzida), com maior ênfase nas partes ou pontos transcritos, não se vislumbra que a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo pudesse ser diferenciada da que fez constar no indicado facto nº. 5.
Efectivamente, o teor do narrado, fundamentalmente pela testemunha M………………., foi assaz esclarecedor quanto à forma de utilização do cartão light, a sua indexação relativamente á conta de depósitos à ordem, detalhou, por vezes mesmo exaustivamente, o teor dos extractos de conta-cartão junto aos autos a fls. 112 a 122 e explicitou, igualmente, a forma como se chegou ao saldo negativo indicado, determinando o encaminhamento da situação para o contencioso. A testemunha foi mesma confrontada com o teor dos documentos juntos aos autos, que explicitou, detalhou e esclareceu, resultando inclusive da audição que a mesma clarificou alguns equívocos de interpretação radicados em quem o arguía.
O que sempre fez, tal como a demais testemunha, de forma aparentemente isenta e idónea, o que a Exma. Juíza do Tribunal a quo fez consignar no esclarecer da sua convicção e que fundou a credibilidade atribuída, que não merece qualquer reparo.
Conforme supra enunciámos, insurge-se ainda o Apelante, no âmbito ainda da apelidada impugnação da matéria de facto, quanto ao considerar-se que o plafond do mesmo cartão light era de 6.500,00 € e não de 3.500,00 €, conforme consta das condições particulares de utilização juntas aos autos a fls. 71 e 72.
Considera que nenhuma prova foi produzida donde se possa concluir por tal alteração de limite de crédito concedido, bem como que tal prova apenas poderia ser efectuada por forma documental, conforme exigência da legislação em vigor, o que nunca foi feito, pois nunca foi apresentado qualquer documento que comprove que o Apelante efectuou tal pedido de aumento do limite do crédito.
Vejamos.
Relativamente ao primeiro argumento, não corresponde à verdade que nenhuma prova tenha sido efectuada no referenciado sentido.
Efectivamente, conforme refere a Exma. Juíza do Tribunal Recorrido, na fundamentação da decisão da matéria de facto, a testemunha M………………. “esclareceu, também, quanto ao plafond do cartão Light __ cf. extrato de fls. 112 e segs. de que se extrai o limite de crédito de €6.500,00 e não já o constante das condições particulares de utilização (€3.500,00), que encontra explicação na solicitação de aumento de plafond pelo cliente que, uma vez na posse do cartão de crédito, pode solicitá-lo, sendo concedido pelo sistema automático se não for necessária a solicitação da respetiva autorização, o que terá ocorrido no vertente, e se mostra igualmente concordante quer com a indicação nos extratos mensais da conta-cartão remetidos ao réu, de tal limite de crédito, quer com os montantes utilizados pelo réu aí refletidos __ designadamente no extrato de 10-10-2011 a fls. 115 que apresenta movimentos de adiantamento de dinheiro vários e atinge o saldo de €4.411,13, em consonância com o estipulado nas condições de utilização acordadas”. O que corresponde efectivamente às declarações prestadas por tal testemunha, pelo que não é legítimo ao Recorrente afirmar não ter sido produzida nenhuma prova relativamente a tal facto.

Diferenciada é a questão de se apurar se a prova produzida, no que concerne à sua natureza de prova testemunhal, era suficiente e bastante para considerar tal aumento de plafond como provado e assente. O que já é atinente a considerações de prova legal ou vinculada – princípio da prova legal.

Todavia, se bem atentarmos para o facto que ora está em equação (facto 5.), não resulta do mesmo qualquer consideração ou assentimento quanto ao aumento do limite do crédito concedido, ou seja, quanto à alteração das condições particulares de utilização. O que se dá como provado é a utilização e movimentação do cartão nos termos expostos, constantes dos extractos de conta-cartão, concluindo-se pelo seu não provisionamento e apresentação de saldo negativo, no montante indicado, transitando para o contencioso.

Pelo que, não pode concluir-se que o facto 5. dado como provado o tenha sido em contravenção de prova legalmente exigível, nomeadamente documental, donde decorre que o mesmo deverá manter-se nos precisos termos determinados.
Assim, e no que concerne à matéria factual objecto de impugnação (apenas o ponto 5º), a decisão é a da sua manutenção, nos termos expostos na 1º instância, pois nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do Tribunal a quo,assim improcedente a alegação do Apelante.

Aqui chegados, urge apreciar se á luz do transcrito nº. 1 do artº. 662º do Cód. de Processo Civil - a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa -, dever-se-á considerar como provado e assente o facto tradutor do alegado aumento de plafond do cartão de crédito light.
O que, conforme referenciámos, determina que se responda, em síntese, à seguinte questão: é suficiente e bastante a prova de natureza testemunhal (que já vimos ter sido concretamente produzida) para considerar tal aumento de plafond como provado e assente ? Ou não é suficiente a existência de prova com tal natureza, antes se exigindo prova de natureza superior ?
A resposta às presentes indagações determina, necessariamente, a análise do regime legal em que se enquadram os contratos referenciados nos autos, o que ora se apreciará, dispensando-se repetições aquando do conhecimento do alegado vício de julgamento na subsunção jurídica efectuada no Tribunal Recorrido.
O regime jurídico dos Contratos de Crédito a Consumidores – nos quais se inserem, conforme melhor veremos infra, os ora em apreciação – encontra-se presentemente previsto no DL nº. 133/2009, de 02/06 (sucedâneo do DL nº. 359/91, de 21/09), que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº. 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores – cf., artº. 1º, nº. 1.
A definição de contrato de crédito é efectuada pela alínea c), do nº. 1, do artº. 4º, no sentido de ser “o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante” (sublinhado nosso).
As informações pré-contratuais legalmente exigidas estão plasmadas nos artigos 6º e 8º, prevendo o artº. 12º acerca dos requisitos do contrato de crédito, enunciando, desde logo, o nº. 1 deste normativo que “os contratos de crédito devem ser exarados em papel ou noutro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade”. O nº. 3 enuncia quais os elementos que o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, entre os quais se enuncia “o montante total do crédito e as condições de utilização” – cf., a alínea c), do nº. 3, do artº. 6º, ex vi do proémio do nº. 3 do artº. 12º.

Aduz o artº. 13º, prevendo acerca da invalidade e inexigibilidade do contrato de crédito, que:
“1 -O contrato de crédito é nulo se não for observado o estabelecido no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo anterior, ou se faltar algum dos elementos referidos no proémio do n.º 3, no proémio do n.º 5, ou nas alíneas a) e d) do n.º 5 do artigo anterior.
2 -A garantia prestada é nula se, em relação ao garante, não for observado o prescrito no n.º 2 do artigo anterior.
3 -O contrato de crédito é anulável, se faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a) a f), h) a m) e o) do n.º 3 do artigo anterior ou nas alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo anterior.
4 -A não inclusão dos elementos referidos na alínea g) do n.º 3 do artigo anterior determina a respetiva inexigibilidade.
5 -A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.
6 -O consumidor pode provar a existência do contrato por qualquer meio, desde que não tenha invocado a sua invalidade.

7 -Se o consumidor fizer uso da faculdade prevista no número anterior, é aplicável o disposto nas alíneas seguintes:
a)-Tratando-se de contrato de crédito para financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento a prestações, a obrigação do consumidor quanto ao pagamento é reduzida ao preço a contado e o consumidor mantém o direito de realizar tal pagamento nos prazos convencionados;
b)-Nos restantes contratos, a obrigação do consumidor quanto ao pagamento é reduzida ao montante do crédito concedido e o consumidor mantém o direito a realizar o pagamento nas condições que tenham sido acordadas ou que resultem dos usos” (sublinhado nosso).

Conforme resulta do facto 11.2, o limite de crédito feito constar do teor das condições particulares de utilização do cartão light é de 3.500,00 €, o que resulta do teor da prova documental junta a fls. 71. E, tal constituiu uma das condições iniciais de utilização do referenciado cartão de crédito.

Pelo que, a ter sido efectivamente alterada tal condição particular do contrato de crédito ao consumo, passando o limite do crédito de 3.500,00 € para 6.500,00 €, tal traduzir-se-á numa renovação do contrato de crédito, e não uma simples prorrogação do mesmo ou uma mera substituição de cartões.

Donde resulta que tal alteração deveria ter sido devidamente exarada por escrito, e constar em papel ou noutro suporte duradouro, devidamente assinado pelos contraentes, devendo o ora Réu consumidor receber um exemplar de tal alteração contratual. O que não resulta provado nos autos, pois nenhum documento foi junto comprovativo de tal alteração ao contrato de crédito inicial, devidamente assinado, presumindo-se imputável à Autora a inobservância de tal requisito, nos termos do citado nº. 5 do artº. 13º do DL nº. 133/2009, de 02/06.

Estipulando acerca da exigência legal de documento escrito, aduzem os nºs. 1 e 2, do artº. 364º do Cód. Civil, que:
“1.-Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2.-Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”.

Nas palavras do douto aresto desta Relação de 17/01/2012 [3], “a exigência de documento pode constituir uma formalidade ad substantiam ou ad probationem.
As primeiras são exigidas sob pena de nulidade do negócio, sendo insubstituíveis por qualquer outro género de prova. As segundas são impostas, e não de modo absoluto, apenas para a prova do negócio. Sem elas o negócio não é propriamente nulo, só que a sua prova será mais custosa de obter. São, portanto, formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir – cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pag. 145”.
Seguidamente, questionando se a situação ínsita ao artº. 7º, do DL nº. 359/91 (correspondente ao vigente artº. 13º do DL nº. 133/2009, de 02/06) traduz formalidade ad substantiam, aduz que “neste normativo estabelece-se uma presunção de imputabilidade ao credor da inobservância da forma escrita e que a inobservância da forma legal constitui uma invalidade atípica, pois que apenas o consumidor (e não terceiros ou oficiosamente conhecida pelo tribunal) pode arguir a nulidade do contrato.
Pretende-se, deste modo, tutelar o beneficiário do crédito, que se encontra numa situação de especial debilidade - cfr. neste sentido Fernando de Gravato Morais, Crédito aos Consumidores, pag. 69.
A exigência legal da forma escrita não visa, assim, proteger os interesses gerais da contratação, mas tão só os interesses do consumidor.
Este poderá ainda, desde que não tenha invocado a nulidade, provar a existência do contrato por qualquer meio (n.º 5 do art. 7º [4]) e não apenas por confissão (art. 364º, n.º 2, do CC).
Por seu turno, o financiador pode ilidir a presunção tantum iuris estabelecida no art. 7º, n.º 4 do D.L. 359/91 [5] e se o conseguir o consumidor perde o direito de invocar a nulidade do contrato.
Deste normativo resulta que, para efeitos de ilisão dessa presunção, o financiador, à semelhança do consumidor, também poderá provar, um contrato meramente verbal, se bem que essa prova, segundo cremos, só possa ser feita por confissão, nos termos do art. 364º, n.º 2, do C.C.

Poderá ainda alegar e provar factos dos quais decorra que a arguição de nulidade do contrato por parte do beneficiário do crédito é abusiva, configurando um venire contra factum proprium (exemplo: o pagamento das prestações do mútuo durante um longo período seguido de arguição da nulidade).
Mas se assim é, então o vício da inobservância da forma escrita é suprível, pelo que a formalidade em causa tem a natureza ad probationem (art. 364º, n.º 2, do CC)”.

Ora, resulta claramente da decisão recorrida e sua motivação, não ter a Autora, ora Apelada, na qualidade de financiadora, ilidido tal presunção, pois nenhuma prova por confissão do Réu foi produzida, nos quadros do nº. 2 do artº. 364º do Cód. Civil. O que determina o reconhecimento de que a ora Apelada poderia efectivamente provar a existência da alegada alteração contratual do limite do crédito concedido, ainda que apenas concretizada de forma verbal, mas sempre o teria que fazer por confissão do Réu consumidor, o que não logrou. Não é suficiente ou bastante fazê-lo, como o fez, com recurso a prova testemunhal, atenta a exigência de formalidade ad probationem, ínsita àquele normativo.
Pelo que, nos quadros do nº. 1 do artº. 662º do Cód. de Processo Civil, não é possível aditar-se á matéria de facto provada tal alteração do contrato de crédito celebrado, mediante utilização de cartão de crédito, no que concerne ao limite de crédito concedido e por referência ao cartão light.
Acrescente-se, por fim, que o supra decidido não é minimamente questionado pelo facto de nos extractos de conta-cartão light, juntos a fls. 112 a 122, constar como limite crédito o valor de EUR 6.500,00 – cf., facto 5.. Com efeito, estamos perante meros extractos de conta-cartão emitidos unilateralmente pela Autora financiadora, o que não satisfaz minimamente as supra referenciadas exigências ou requisitos expostos no artº. 12º do DL nº. 133/2009, de 02/06, que enformam ou tutelam a posição mais fragilizada do beneficiário do crédito. 

Por todo o exposto, improcede, in totum, e nos termos sobreditos, a alegação do Apelante no que concerne à impugnação da matéria de facto.

II)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

No enquadramento jurídico da tipologia do contrato de crédito em equação – utilização de cartão de crédito -, aduz o douto Acórdão do STJ de 15/10/2009 [6] que “na ausência de legislação específica sobre a forma de utilização de cartões e de pagamento electrónico, será de acordo com as cláusulas do contrato de adesão prefixadas pelos bancos a que os clientes, candidatos à obtenção de um cartão, se limitam a aderir, que esta matéria será resolvida. Não sendo as cláusulas do contrato discutidas nem negociadas pelos clientes, que se limitam a aderir ao contrato de adesão, estas cláusulas gerais estão, por isso, sujeitas ao regime preconizado pelo citado Dec-Lei 446/85.
A atribuição e utilização dos cartões de débito integram-se num contrato de abertura de conta. Já os cartões de crédito, por sua vez, não estão associados à existência de fundos depositados no banco, são essencialmente cartões de pagamento diferido. De qualquer modo, os serviços anteriormente prestados pelo banco, através dos seus funcionários, passaram agora a ser prestados por meio de sistemas informáticos. Munido do cartão e da sua chave (PIN), o cliente tem acesso ao sistema informático e aos serviços por ele disponibilizados e, consequentemente, a poder dispor do dinheiro depositado a todo o momento ou de proceder a pagamentos automáticos sem intervenção do banco” (sublinhado nosso).
Resulta, assim, que a “emissão/utilização de cartões bancários, assenta numa relação triangular que tem como vértices um banco ou outra entidade autorizada (emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos, criado e gerido pela entidade emitente, constituindo o cartão um instrumento de pagamento que permite ao respectivo titular a respectiva utilização para a aquisição de bens e serviços, com pagamento diferido, junto de um terceiro” [7].

Relativamente à presente vertente do recurso em apreciação, invoca o Recorrente ter ocorrido uma renovação do contrato de crédito, atento o aparente valor do limite de crédito concedido, sendo que tal alteração não foi reduzida a escrito. Tal exigência legal de forma escrita pretende tutelar os interesses do consumidor, pelo que, não tendo ficado provado que o Apelante solicitou tal aumento do limite de crédito, deverá ser entendido que a obrigação do consumidor quanto ao pagamento é reduzida ao montante do crédito concedido e o consumidor mantém o direito a realizar o pagamento nas condições que tenham sido acordadas ou que resultem dos usos, conforme prescreve a alínea b), do nº. 7, do artº. 13º, do DL nº. 133/2009, de 02/06 (o Apelante alude ao artº. 12º, mas trata-se de evidente lapso).

Ora, conforme resulta do supra exposto, provou-se, conforme facto 5., que o Réu, ora Apelante, utilizou o cartão mencionado em 2. operando inicialmente a transferência do montante de €3.000,00 (três mil euros) disponibilizado pela Autora para conta de depósitos à ordem, constante do extrato de conta-cartão datado de 11-4-2011, junto a fls. 112, mais movimentando a referida conta a débito e a crédito nos termos constantes dos extratos de conta-cartão de fls. 112v-122, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, sendo certo que por não se encontrar devidamente provisionada, a mencionada conta passou a apresentar um saldo negativo que se cifrou no montante de €7.266,85 a 21-9-2012, data em que transitou para contencioso.
Também já reconhecemos não se poder considerar provada a alteração às condições particulares de utilização do cartão de crédito light, no que concerne ao limite de crédito, assim subsistindo o provado limite de crédito de 3.500,00 € , conforme facto 11.2..

O que se verifica é que, na prática, tal utilização excedeu manifestamente o limite de crédito acordado, sendo que nos próprios extractos da conta-cartão figurava como limite de crédito o valor de 6.500,00 €, o que aconteceu, desde logo, no 1º extracto, datado de 11/04/2011 – cf., fls. 112. Situação semelhante, ainda que não coincidente ou reconduzível, à de ultrapassagem de crédito, nos termos em que esta é definida pela alínea e), do nº. 1, do artº. 4º do mesmo diploma legal.

Ora, das conclusões apresentadas pelo Apelante, aduzindo à não formalização, por escrito, da alegada alteração das condições particulares de utilização do cartão light, no que especificamente concerne ao limite do crédito, só pode extrair-se a invocação da invalidade de tal contrato nessa parte, ou seja, na parte em que alegadamente o limite do crédito teria sido objecto de ampliação.
O que significa, desde logo, não se poder considerar preenchido o proémio do mencionado nº. 7 do artº. 13º, pois não foi o Apelante consumidor a efectuar a prova da existência do contrato (e muito menos da aludida alteração, que nunca reconheceu ou aceitou) e, por outro lado, invoca, ainda que de forma não totalmente explícita, a nulidade de tal aludida alteração, que imputa como unilateral.

Donde resulta que o limite de crédito a considerar é de 3.500,00 €, pelo que a utilização que o Apelado efectuou da quantia excedente de tal limite teve por base uma alteração contratual das condições particulares nula, por que não outorgada entre ambas as partes e não reduzida a escrito, conforme ónus probatório que se impunha à Autora Apelada financiadora e que esta incumpriu.

Ora, sendo nula tal ampliação do limite de crédito, mas tendo o mesmo sido utilizado pelo ora Apelante (e mesmo eventualmente excedido), urge operacionalizar o prescrito no artº. 289º do Cód. Civil, nomeadamente a restituição do que houver sido prestado, sendo certo que tal solução não extravasa o objecto da causa em equação nem o petitório deduzido, pois em ambas as situações é a restituição do que foi prestado que está em causa [8].  Pelo que recai sobre o consumidor, ora Apelante, a obrigação de restituir à financiadora, ora Apelada, aquilo que esta prestou em consequência da nula ampliação do limite de crédito.

Deste modo, escalpelizando os extractos conta-cartão de fls. 112 a 122, constata-se que o limite de crédito reconhecido (3.500,00 €) é atingido, de acordo os critérios expostos no ponto IV 12. das condições gerais de utilização do cartão light, em 16/09/2011, aquando do levantamento da quantia de 250,00 €, sendo que, aquando da efectivação desta, já ficou excedido o valor de 225,49 €, pois até aí faltava a quantia de 24,51 para atingir aquele limite (250,00 € [-] 24,51 € = 225,49 €).

Ora, a partir de tal data e até 21/09/2012, data de transferência do saldo para contencioso, em adiantamentos em dinheiro, transferência do cartão para conta à ordem e aquisição de bem ou serviço, foi utilizada pelo Apelante, mediante disponibilidade da Apelada, a quantia total de 2.864,21 € (incluindo aqueles 225,49 €), exceptuando juros e comissões, que ora não relevam, sendo esta a quantia que, à luz da restituição do recebido, deverá o ora Apelante pagar à Apelada. Sobre esta quantia deverá o Apelante pagar juros, à taxa legal sucessivamente vigente, a computar desde a data da citação (04/09/2015) e até integral pagamento, considerando-se ser desde tal data que cessou a boa-fé do Apelante possuidor da verba recebida e utilizada e, como tal, deixa de poder fazer seus os respectivos frutos civis, nos quadros dos artigos 564º, alín. a), do Cód. de Processo Civil e 1270º, nº. 1, 1271º e 212º, nº. 1, ex vi do nº. 3 do 289º, todos do Cód. Civil.
O que implica, por consequência, o reconhecimento da parcial procedência da presente apelação.
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Relativamente à tributação, quer a decorrente da acção, quer a decorrente da presente apelação, deverá ser assumida, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, por Apelante e Apelada, na proporção do respectivo vencimento/decaimento, sem prejuízo das regras do benefício do apoio judiciário de que aquele beneficia.
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IV.–DECISÃO.

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na parcial procedência da presente apelação, ainda que com diferenciado enquadramento jurídico e, consequentemente, decide-se:

A.– pela revogação da sentença recorrida ;
B.– em sua substituição, julga-se a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, decide-se:
I)–Em reconhecer como nula a ampliação do limite de crédito relativamente ao cartão de crédito light, do montante de 3.500,00 € para o montante de 6.500,00 €, permanecendo assim válido aquele valor outorgado e consignado nas condições particulares de utilização do mesmo cartão de crédito ;
II)–Condenar o Réu/Apelante José………… a pagar à Autora/Apelada B………………, substituída por H…………….., a quantia de 5.947,94 € (cinco mil novecentos e quarenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), correspondente ao valor do capital em dívida, referente ao saldo devedor de cada uma das contas cartão à data de 21/09/2012 (2.447,94 € do cartão Ferrari e 3.500,00 € do cartão Light) ;
III)–Bem como nos juros compensatórios, sob tais montantes, às taxas convencionadas, contabilizados entre 21/09/2012 e 28/05/2015, em valor a liquidar, mas nunca superior a 1.934,98 € (mil novecentos e trinta e quatro euros e noventa e oito cêntimos)
IV)–E ainda nos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, ou outras que entretanto lhe sobrevierem, sobre tal montante total, computados desde 29/05/2015 até efectivo e integral pagamento ;
V)–Condenar igualmente o Réu/Apelante José…… a pagar à Autora/Apelada B………………., substituída por H………………….., a quantia de 2.864,21 € (dois mil oitocentos e sessenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), a título de restituição do recebido desta na sequência do aumento do limite de crédito originalmente acordado relativamente ao cartão Light, considerado nulo ;
VI)–Bem como nos juros moratórios sobre tal quantia, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, ou outras que entretanto lhe sobrevierem, computados desde a data da citação (04/09/2015) e até integral e efectivo pagamento ;
VII)–Absolver o Apelante/Réu Apelante José……… quanto ao demais peticionado.
C.–Custas da acção e apelação a cargo de Autora/Apelada e Réu/Apelante, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário de que este goza.


                   
Lisboa, 19 de Outubro de 2017



Arlindo Crua - Relator 
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta
 (Presidente)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[2]Idem, pág. 285 a 287.
[3]Processo nº. 1833/10.5TJLSB.L1-1, Relator: Manuel Marques, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[4]Correspondente ao vigente nº. 6 do artº. 13º do DL 133/2009, de 02/06.
[5]Correspondente ao vigente nº. 5 do artº. 13º do DL 133/2009, de 02/06
[6]Processo nº. 29368/03.5TJLSB.S1, Relator: Alberto Sobrinho, in www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[7]Assim, o douto aresto da RC de 20/09/2016, Processo nº. 183554/14.0YIPRT.C1, Relator: Arlindo Oliveira, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf , citando Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág.s 552 e 553.
[8]Assim, o douto aresto desta Relação e Secção, datado de 21/04/2016, Processo nº. 187/14.5TBTVD.L1-2, Relator: Jorge
Leal, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf .