Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2148/13.2TCLRS.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CONTRATO MISTO
EXEQUIBILIDADE
ÓNUS DE ALEGALÃO E PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.É contrato misto de compra e venda a prestações e de prestação de serviço e não contrato de crédito ao consumo, o contrato celebrado por uma aluna para adquirir um curso de inglês com vídeo, mediante o pagamento de 332.800$00, a pagar em 32 mensalidades de 10.400$00 cada uma e de 12.500$00 de direitos de matrícula pagos na data de celebração do contrato, sendo que, de acordo com as condições gerais da venda, a prestadora do curso obrigou-se a:
i)- entregar à aluna o material pedagógico de que consta o curso;
ii)- corrigir os exercícios escritos da aluna e a prestar a necessária orientação no decurso dos estudos, durante um período de 48 meses;
iii)- passar à aluna, no fim do curso com aproveitamento, o diploma certificativo dos estudos efectuados e a qualificação obtida.

2. Quanto às disposições por que se regem os contratos mistos, a resposta varia consoante se adopte a teoria da absorção ou da combinação.

3. Não sendo possível destacar uma parte preponderante, deve aplicar-se combinadamente os preceitos pertinentes aos vários tipos em que o contrato se inspira.

4. Dando-se à execução o Boletim de Matrícula relativo a esse contrato e estando a cedente obrigada para com a executada a uma contraprestação, incumbia à exequente/cessionária alegar e provar que tal contraprestação, ou uma das contraprestações, foi efectuada sob pena de não poder promover a execução

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:         Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



A instaurou contra N execução comum para haver desta a quantia de € 2 858,04 e juros vincendos até integral pagamento.
Após habilitação-legitimidade, como cessionário, deu à execução, em 12.03.2013, o documento particular outorgado em 01/03/2000 com a Executada, intitulado «Boletim de matrícula n° 1...4».

O tribunal, tendo considerado que o título dado à execução não integra a previsão do artigo 46.°, c), CPC, rejeitou a execução e, em consequência declarou extinta a execução, ordenou o levantamento das penhoras realizadas e determinou que o sr. A.E. procedesse à efectivação desse levantamento.

Inconformada, interpôs a exequente competente recurso, cuja minuta concluiu a seguinte forma:      
«A)O documento apresentado à execução titula um contrato, celebrado entre a apelante e a apelada, através do qual a Exequente/apelante concedeu um crédito à Executada para aquisição de um curso, através do qual esta se obrigou a reembolsar a Exequente da verba mutuada e efetivamente disponibilizada, mediante o pagamento de prestações mensais determinadas no contrato;
B)O contrato celebrado constitui um documento particular assinado pela Executada, constitutivo de uma obrigação por parte daquela, de restituição da quantia financiada/mutuada nos moldes acordados, a qual é aritmeticamente determinável;
C)Não obstante, interpelada para efectuar o pagamento das prestações em dívida, a Executada não pagou as mesmas e em consequência, incumprira definitivamente as condições de reembolso e o respectivo contrato, o que implicou o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, nos termos do Art. 781° do Código Civil;
D)A executada assumiu a obrigação do pagamento dessa quantia pecuniária mutuada, ainda que diluída num dado período temporal, mediante a aposição da sua assinatura no contrato, aceitando, assim, as condições particulares e gerais, aliás conforme declarado expressamente no contrato;
E)Pelo requerimento pretende-se obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelos devedores no contrato que titula a execução;
F)A propositura de uma acção executiva implica que o pretenso Exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro;
G)Do contrato de concessão de crédito resulta a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda, o título documenta o reconhecimento de uma obrigação de pagamento inequívoca e incondicionada;
H)O pagamento das mensalidades ora reclamadas constitui em facto extintivo do direito invocado pela Exequente, pelo que, nos termos do Art. 342°, n°2 do CC, o respectivo ónus compete aos Executados, ou seja, àqueles contra quem o direito é invocado, em sede de eventual oposição;
I)Do documento resulta ainda a aparência do direito invocado pela Exequente, direito que, por isso, é de presumir;
J)O Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 45° n° 1 e 46° n° 1 alínea c), ambos do C.P.C. de 1961, na sua actual redacção, porquanto o contrato sub júdice constitui título executivo bastante.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

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Constitui questão decidenda saber se a recorrente possui título bastante para promover a execução.

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É de considerar assente a seguinte factualidade:
1.A instaurou, em 12.03.2013, contra N execução para haver desta a quantia de € 2 858,04 e juros vincendos até integral pagamento.
2.Deu à execução o documento outorgado em 01/03/2000 entre a executada e CEAC-Edições de Ensino à Distância Lda, intitulado «Boletim de matrícula n° 1....4», assinado por ambas as partes, no rosto do qual no rectângulo destinado aos dados do responsável pelo pagamento do curso de Inglês com Vídeo, se lê o nome da executada, e nas condições de pagamento: A Crédito 332800$00 mais 12500$00 de direitos de matrícula, pagos nesta data; O valor a Crédito será pago da seguinte forma: 32 mensalidades de 10400$00 cada uma, com início no mês seguinte ao da compra.
3.A executada declarou «ter tomado conhecimento e compreendido as Condições Gerais de Venda e o Conteúdo dos Cursos, descritas no Verso, que me foram explicitadas pelo representante da CEAC —Edições de Ensino à Distância, Lda.

4. São as seguintes essas Condições Gerais de Venda:
a)-O CEAC-Edições de Ensino à Distância, Lda, entregará ao Aluno o material de que consta o Curso em que se tenha matriculado, de acordo com o conteúdo do mesmo. A referida entrega será sempre do curso completo.
b)-O curso é vendido com reserva de propriedade, até que se verifique a satisfação da totalidade dos pagamentos.
c)-O Aluno tem direito à correcção dos exercícios escritos e a receber a necessária orientação no decurso dos seus estudos, durante o período de 48 meses.
d)-O CEAC—Edições de Ensino à Distância, Lda, compromete-se, quando o Aluno terminar o Curso com aproveitamento, a passar-lhe o o Diploma Certificativo dos estudos efectuados, sem fins académicos, e que comprova os estudos realizados e a qualificação obtida nos mesmos.
e)-O Aluno obriga-se a satisfazer o pagamento total dos Honorários de Ensino, de acordo com as condições por si estabelecidas neste Boletim de Matrícula.
f)-O CEAC—Edições de Ensino à Distância, Lda. e o Aluno acordam em que o ritmo de pagamento dos Honorários de Ensino seja totalmente independente dos estudos e da entrega do material de estudo por parte da Empresa.
g)-O CEAC—Edições de Ensino à Distância, Lda. obriga-se a fazer a remessa do material de estudo e de práticas nos prazos previstos, sempre que se tratem de cursos novos em fase de publicação.
h)-O Aluno compromete-se, durante os seus estudos e pagamento dos Honorários de Ensino, a comunicar ao CEAC— Condições de Ensino à Distância Lda. qualquer mudança de residência a fim de manter as normais relações com a Empresa.
i)-O Aluno compromete-se a conservar em bom estado o material de estudo que lhe foi fornecido pelo CEAC—Edições de Ensino à Distância, Lda. para estudo do seu Curso, o qual é propriedade da Empresa até à satisfação integral dos pagamentos escolhidos pelo Aluno.
j)-Consideram-se causas de anulação do presente Boletim de Matrícula, o incumprimento por parte do CEAC---Edições de Ensino à Distância, Lda. das suas obrigações aqui estabelecidas.
k)-No respeito das estipulações legais, o Aluno disporá de sete dias úteis para a apreciação, sem compromisso, após a entrega, do Curso em que se matriculou.
1)-Qualquer pedido de anulação deverá respeitar aquele prazo, não sendo aceite ultrapassar o mesmo.
m)-O Aluno, no caso de pretender anular a matrícula, dentro do prazo atrás referido, deverá fazê-lo por escrito e por correio registado com aviso de recepção.
n)-Serão atendidas razões de força maior, consubstanciadas em factos imprevisíveis, e inevitáveis, sendo necessário serem comprovados com documentos justificativos, mas sempre dependente da prévia anuência do CEAC—Edições de Ensino à Distância, Lda.
o)-Para todas e quaisquer acções eventualmente emergentes do presente Boletim de Matrícula, fica desde já fixado como competente, com expressa renúncia das partes a qualquer outro, o foro da Comarca de Lisboa.

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Da aplicação da lei no tempo

Dispõe o artigo 6.°, n.° 3 da Lei n.° 41/2013, de 26 de junho, que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
A presente execução foi instaurada em 12.03.2013. Resulta assim, sem resto de dúvida, que é de acordo com a lei antiga, a que resultou das alterações introduzidas pelo DL 226/2008, de 20 de novembro, que se devem procurar as exigências formais e substantivas para que a recorrente possa promover a execução.

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Do direito da recorrente promover a execução

Desde já uma distinção se impõe. Uma coisa é saber se existe título exequível, outra apurar se a obrigação nele materializada tem os caracteres a que deve obedecer para ser eficaz (exigibilidade). Para verificar uma coisa e outra é necessário interpretar o documento dado à execução, que consubstancia um contrato, de acordo com a teoria de impressão do destinatário (artigos 236.° e 238.° CC). Veremos no final que se deve ainda distinguir as situações de inexequibilidade e inexigibilidade das de falta de preenchimento da condição de a execução não ser paralisável pela excepção de não cumprimento (artigo 804.°,1).
Foi dado à execução o chamado Boletim de Matrícula 1....4.
A ação executiva pressupõe sempre o dever de realizar uma prestação, determinado em face do título dado à execução.
A evolução legislativa foi paulatinamente consagrando uma maior amplitude aos títulos executivos ao ponto de permitir, com o DL 226/2008, que possam ser dados à execução «os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável, por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto» (artigo 46.°, n.° 1, alínea c).

O tribunal a quo qualificou o contrato materializado no título como de crédito ao consumo e entendeu inexistir título executivo.
Não perfilhamos tal entendimento.
O artigo 2.°, 1, al. a), do Decreto-Lei n.° 359/91, de 21/09, define contrato de crédito, o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante, para aquisição de bens ou serviços.
Acrescenta o n.° 2 que não é considerado contrato de crédito o contrato de prestação de serviço com carácter de continuidade, em que o consumidor tenha o direito de efectuar pagamentos parciais durante o período de prestação do serviço.
De um ponto de vista mais económico do que jurídico podemos dizer que Crédito ao Consumo é um tipo específico de crédito pessoal em que uma instituição financeira especializada disponibiliza a um particular os montantes necessários para a aquisição de bens de consumo e de serviços pessoais. Exemplos de créditos ao consumo são os empréstimos obtidos por particulares para a aquisição de férias, móveis, equipamentos informáticos, eletrodomésticos, o crédito automóvel, entre muitos outros. Estão ainda incluídos na categoria de créditos ao consumo os cartões de crédito e as contas ordenado.

Importante nesta matéria é, entre outros, o ASTJ de 14.02.2008. Proc. 08B074, onde se lê:
«Do disposto no artigo 2° daquele Decreto-lei 359/91, podemos extrair a noção de contrato de crédito ao consumo.
Trata-se de um contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito.
Sendo que, destinando-se ao financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações, deve indicar, para além dos outros requisitos referidos no artigo 6°, a descrição do bem a adquirir e a identificação do fornecedor do bem ou serviço — cfr. alíneas a) e b) do n°3 do citado artigo.
Conforme nos esclarece Paulo Duarte num trabalho publicado na revista Sub Júdice, n.°24, de Janeiro /Março de 2003, intitulado «A sensibilidade do mútuo às excepções do contrato de aquisição na compra e venda, no quadro do regime jurídico do consumidor», na compra e venda financiada, «o contrato de crédito, em vez de localizar-se na relação entre consumidor e vendedor, polariza-se naquele e no terceiro financiador», ou seja, «por um lado, o consumidor conclui com o vendedor um contrato de compra e venda a pronto, (ou seja, sem qualquer convenção de diferimento de preço); por outro lado,celebra com o terceiro financiador (uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira) um contrato de mútuo de dinheiro, sendo o capital mutuado destinado ao pagamento imediato do preço estabelecido no conexo contrato de compra e venda». Na prática, as coisas costumam funcionar do seguinte modo:
- o consumidor subscreve um contrato manifestando a intenção de beneficiar da concessão de um crédito;
- a entidade financiadora, em vista do exemplar do contrato e dos documentos que tenham sido exigidos, confirmará ou recusará a concessão do crédito;
- em princípio, a confirmação ou recusa será feita através do estabelecimento comercial aderente, como fornecedor de bens ao consumidor;
- confirmado o contrato, a sua execução prática traduz-se na entrega pelo estabelecimento ao consumidor, sendo o preço pago ao estabelecimento pela entidade financiadora.
No caso em apreço não se mostram reunidos estes elementos.
O ajuizado contrato foi celebrado entre a executada e a sociedade CEAC---Edições de Ensino à Distância, Lda., sem nenhuma entidade de permeio e dele não resulta qualquer financiamento.
A executada, significativamente designada por Aluno, subscreveu um contrato de aquisição de um curso de inglês com vídeo, mediante o pagamento de 332.800$00, a pagar em 32 mensalidades de 10.400$00 cada uma, com início em Abril de 2000, e de 12.500$00 de direitos de matrícula pagos na data de celebração do contrato, sendo que, de acordo com as condições gerais da venda, a prestadora do Curso obriga-se a:
i)- entregar à aluna o material pedagógico de que consta o curso;
ii)-corrigir os exercícios escritos da aluna e a prestar a necessária orientação no decurso dos estudos, durante um período de 48 meses;
iii)-passar à aluna, no fim do curso com aproveitamento, o Diploma Certificativo dos estudos efectuados e a qualificação obtida;
Não estão, por conseguinte, presentes as características de um contrato de crédito ao consumo, ou seja a coexistência de dois contratos distintos e autónomos, existindo uma ligação funcional entre os mesmos (o crédito serve para financiar o pagamento do bem que é objecto do coevo contrato de compra e venda).
A única alusão a crédito encontra-se a propósito da modalidade de pagamento em 32 mensalidades, sem que tal signifique qualquer forma de financiamento proprio sensu, o que a existir seria incompreensível (seria a vendedora/prestadora do curso a se financiar a si mesma).
De resto, de que se fala sempre é de condições de venda e da realização e conteúdo do curso e o Boletim não é, por hipótese, um Boletim de Crédito ao Ensino ou à Formação, mas um Boletim de Matrícula.
Observe-se que a jurisprudência citada pelo primeiro grau nada tem a ver com o caso que ora nos ocupa.
O ASTJ de 14.02.2008. Proc. 08B074, debruça-se sobre uma compra e venda financiada, polarizada entre o consumidor e o financiador.
O ARP de 29.06.2006. Proc. 0633128 trata de um caso em que os requerentes celebraram com determinada sociedade um contrato de compra e venda equiparado a um contrato ao domicílio, e, simultaneamente à celebração desse contrato de compra e venda celebraram um contrato de crédito com outra sociedade.
Por sua vez, o ARL de 02.11.2006. Proc. 8956/2006-6 debruça-se sobre uma compra e venda financiada, na qual se registou a intervenção de diversas pessoas: uma terceira, como compradora, o Banco A., enquanto entidade financiadora, e o Réu, enquanto pessoa a quem foi depositado na conta bancária, pelo A., a quantia relativa ao contrato de financiamento.
O objecto do contrato que está agora em causa abrange, simultaneamente, prestações típicas dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços. Configura um contrato misto.
Sabido é que os contraentes podem reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios (artigo 405.°, 2, CC).
Como explica muito bem o Conselheiro Torres Paulo, in ASTJ 19.02.1998, Proc. 98A679, www.dgsi.pt, o complexo fenómeno da liberdade contratual «desdobra-se em liberdade de celebração ou conclusão dos contratos - liberdade a contratar, como faculdade de realizar ou não determinado contrato (Alschlmfreibeit) e liberdade de modelação do conteúdo contratual - liberdade contratual (Gestaltungspeiheit), perspectivando a escolha do tipo de negócio atinente à melhor e mais eficaz satisfação dos seus interesses e à maneira de preencher o seu conteúdo concreto. Por isso, o legislador atento à evolução histórica e à relevância prática da dinâmica da vida acolhe certos negócios e sua regulamentação em normas jurídicas. Cria tipos de negócios, oferecendo o seu regime legal à iniciativa das partes. Por isso, tradicionalmente diz-se que os contratos típicos seriam aqueles para os quais existe uma disciplina legal e os atípicos aqueles onde tal disciplina não existe. Estes seriam construídos pela liberdade das partes, tradutora da sua iniciativa económica - art 405 CC.

Da leitura deste art 405 resultam quatro faculdades:
-  livre opção de escolha de qualquer tipo contratual, com submissão às suas regras imperativas - 1ª parte do n°1
- livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, designados por contratos atípicos - 2ª parte do n°1
- possibilidade de introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes, mas que não quebram a função sócio económica assumida pelo respectivo tipo - 3ª parte do n°1.
Ou seja, cláusulas que "não prejudicam a causa do contrato típico (ou seja, a função económico-social própria do contrato que a lei tem diante dos olhos ao fixar o seu regime) em que ele se integra" - Prof. A.Varela, Centros Comerciais, 1995, Pg. 47. Poder qualificado por Gorla, Il potere della volontá nella promessa com negozio giurídico, Bolonha, 1971: 306 e 307 - como o "poder do credor in fieri".
- Reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos»
Neste caso estamos perante os chamados contratos mistos. Inocêncio Gaivão Telles explica de uma forma muito clara esta figura: «Os contratos mistos resultam da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da inclusão num contrato de aspectos próprios de outro ou outros. Em qualquer dos casos há fusão e não simples cúmulo» (Direito das Obrigações, 7:a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997:86).
Quanto às disposições por que se regem estes contratos, a resposta varia consoante se adopte a teoria da absorção ou da combinação: «Pela primeira deve individualizar-se no contrato misto a parte preponderante, que lhe imprime carácter, e enquadrá-lo no tipo a que assim fundamentalmente pertence, salvas as modalidades diferenciais derivadas da presença de elementos estranhos; Pela segunda, a regulamentação do do contrato misto resultará da combinada aplicação dos preceitos pertinentes aos vários tipos em que o contrato se inspira» (idem).
Para este Professor de Lisboa a opção por uma ou outra categoria depende dos contornos de cada caso. Por exemplo, «a teoria da combinação é aplicável quando o contrato misto resulta do concurso de diferentes espécies contratuais que concorrem entre si», sendo, pelo contrário, de aplicar a teoria da absorção «quando o contrato misto se reconduz, pelo menos basicamente, a determinado tipo legal» (ibidem:86/87).
No caso sujeito, o pagamento do preço por banda da executada tem como sinalagma a entrega do material pedagógico do curso, mas também, não se esqueça, a administração do curso, isto é, o acompanhamento pedagógico, com correcção de exercícios, avaliação, notação e certificação final do curso por banda da CEAC. Todas estas prestações formam um todo económico: uma contraprestação não se compreende sem a outra; o material pedagógico não faz sentido sem a vertente pedagógica, não se dá um curso e se certifica a realização do mesmo com aproveitamento sem avaliação, sem testes. Torna-se incontornável a conclusão de que as partes quiseram celebrar um único contrato, misto de compra e venda a prestações, com reserva de propriedade, e de prestação de serviço. O que está indicada ao caso é a teoria de combinação é «fazer a conjugada aplicação das disposições respeitantes às espécies concorrentes» (idem).
Exclui-se, portanto, a existência de um contrato de mútuo, como pretende a recorrente, sendo certo que este, como se sabe, real quoad constitutionem, só se considera concluído e perfeito com a entrega da coisa.

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Do direito da exequente a promover a execução

Sendo assim as coisas, importa agora abordar a questão central do recurso, qual seja a poder a recorrente com base no título promover a execução.

O primeiro grau seguiu a seguinte orientação, na esteira do ARL de 01.07.2010: «Sendo convencionada ou prevista a constituição de prestações futuras, terá de ser anexado documento emitido na sua conformidade, demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição de obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (art. 50° do CPC).

E isto, porque é necessário que o título permita certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, pois só assim representa um facto jurídico constitutivo do crédito e que deve emergir do próprio título (cfr. Alberto dos Reis, processo de Execução, I, pág. 125).

Se não for junto tal documento complementar, que deve obedecer às condições estabelecidas no documento que constitui o título-base, não há prova da existência de obrigação dotada de força executiva (cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág.73, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 49 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2' ed., pág. 80).

In casu, não foi feita essa prova.

Não obstante (...), a exequente nunca poderia servir-se de tal mecanismo legal, porque na previsão do citado art. 50° do CPC apenas se têm em vista documentos em que se convencionem prestações futuras exarados ou autenticados pelo notário, o que não é manifestamente o caso».

Não concordamos com este ponto de vista.

Aquele 50.° refere-se a obrigações futuras, quando as partes previram a constituição futura de uma obrigação ou quando uma das partes se comprometeu a realizar uma prestação indispensável à conclusão de um negócio e, tendo-a efectuado, adquiriu o direito a uma prestação da contraparte, como acontece, por exemplo, com o contrato de mútuo e de depósito (Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998:101).

Neste caso, ao contrário do que defende a recorrente, não há um contrato de mútuo, nem qualquer promessa de constituição de uma obrigação futura.

Como refere este último autor, no local citado, «convém referir que a prestação futura da contraparte não se confunde com aquela cuja exigibilidade está dependente da prova do cumprimento ou oferecimento de uma prestação (cfr. art.° 804.°, n.°s. 1 e 2). Enquanto, nesta última situação, a dúvida só pode recair sobre o oferecimento ou cumprimento da prestação e sobre a exigibilidade da contraprestação, naquela hipótese existe uma incerteza sobre a efectivação da promessa de cumprimento e, portanto, sobre a constituição do dever de efectuar a contraprestação».

In casu, estamos perante obrigações sinalagmáticas, não estando o devedor obrigado a cumprir primeiro. A alínea h) do contrato não serve de contra argumento, não só porque os Honorários de Ensino é algo não individualizado na economia do contrato, mas também porque se fala em ritmo de pagamento e se relaciona este ritmo apenas com os estudos da devedora e a entrega de material pela credora, não abrangendo a totalidade das obrigações da Empresa.

Quer isto dizer que, estando a cedente obrigada para com a executada a uma contraprestação, incumbia à exequente/cessionária alegar e provar que tal contraprestação, ou uma das contraprestações foi efectuada (artigos 804.°, n.°s 1 a 4) sob pena de não poder promover a execução (Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol 1.°, 3.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985:461-469; Manuel Augusto Prazeres, Do Processo de Execução no Actual Código do Processo Civil, Livraria Cruz, Braga, 1963:118; Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, INCM, Lisboa, 1976:216-218; Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, Coimbra, 1970:52; José Sampaio, A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, Edições Cosmos , Lisboa, 1992:80; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4.a ed., Almedina, Coimbra, 2003:94 e José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2009:93).

Não tendo feito aquela prova a obrigação materializada no título não é exigível, por falta de condições legais.

Falece, por conseguinte, a tese da recorrente, sendo que, recaindo naturalmente sobre a executada demonstrar que pagou, não é menos certo que, antes disso e perfunctoriamente, recai sobre a exequente, por razões de segurança jurídica e de protecção do devedor, o ónus de demonstrar que foi realizada a prestação cargo da cedente do crédito.

Duas últimas palavras: a primeira para lembrar, como o faz Lebre de Freitas, que, no rigor dos princípios, não estamos perante um caso de inexigibilidade, mas de falta de demonstração de que a execução não é paralisável pela excepção de não cumprimento (Op. cit:93 e 29, nota 2); a segunda para sublinhar que no caso de cessão de créditos o devedor poderá sempre recusar o cumprimento da prestação, ainda que não possa exigir do cessionário o cumprimento da contraprestação (cfr. ARL de 27.11.97, CJ, V, 102).

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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar, ainda que por razões diversas, a decisão impugnada.
Custas pela recorrente.



LISBOA, 28/10/2021



LUÍS CORREIA MENDONÇA
AMÉLIA AMEIXOEIRA
(#) RUI MOURA


(#) Voto vencido porque:
A intentou em 12 de Março de 2013 a presente execução comum para pagamento de quantia certa — dívida comercial (Ag. de Exec.) contra N para dela haver a quantia de 2.858,04 euros, dando à execução o documento particular outorgado em 27/02/2000 com a Executada, intitulado "Boletim de matrícula n° 130974".
A execução prosseguiu seus termos.
Em 16-03-2015 é mandada abrir conclusão por ordem verbal e é lavrado o douto despacho de que se recorre, segundo o que, nos termos do artigo 734°, n.°1, do Código de Processo Civil actualmente em vigor foi rejeitada a presente execução por falta de título executivo e em consequência declarada extinta a execução, ordenando o levantamento das penhoras realizadas e determinando que o Sr. A.E. proceda à efectivação desse levantamento.
Fundamenta-se:
(...) Ora, e conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 1/7/2010, "sendo convencionada ou prevista a constituição de prestações futuras, terá de ser anexado documento emitido na sua conformidade, demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição de obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (art. 50° do CPC).E isto, porque é necessário que o título permita certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, pois só assim representa um facto jurídico constitutivo do crédito e que deve emergir do próprio título (cfr. Alberto dos Reis, processo de Execução, 1, pág. 125). Se não for junto tal documento complementar, que deve obedecer às condições estabelecidas no documento que constitui o título-base, não há prova da existência de obrigação dotada de força executiva (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., pág.73, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 49 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2a ed., pág. 80). (...)
Não obstante e como se adianta na decisão sindicanda, a exequente nunca poderia servir-se de tal mecanismo legal, porque na previsão do citado art. 50° do CPC apenas se têm em vista documentos em que se convencionem prestações futuras exarados ou autenticados pelo notário, o que não é manifestamente o caso". ( relator Carlos Valverde, disponível em www.dgsipt ) Mas ainda que do documento dado à execução decorresse para o executado a obrigação do pagamento das prestações indicadas ao longo do período temporal referido o mesmo não consubstancia título executivo nos termos preconizados pelo artigo artigo 46°, n° 1, c), do C.P.C. na versão referida. Na verdade tem sido entendimento maioritário da jurisprudência que o documento que corresponde a um contrato de concessão de crédito pessoal apenas configura título executivo, em execução fundada no incumprimento do mesmo contrato e na respectiva resolução pelo credor, quando a quantia exequenda coincida com o valor das prestações não pagas. ( por todos ver Acórdão da Relação de Lisboa de 25/11/2008 , relator Maria Rosário Barbosa, disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos tal não ocorre pelo que o título dado à execução não integra a previsão do art. 46, al c), do C.P. C..
À data da entrada do requerimento executivo dispunha o artigo 46°, 1, c) do CPC, na redacção introduzida pelo artigo 1° do DL n° 38/2003, de 8-3: À execução apenas podem servir de base entre outros que enumera taxativamente ... os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético ... Este dispositivo vigorou a partir de 15-9-2003 e teve aplicação aos processos instaurados a partir dessa data.
Foi com a reforma processual de 1995 — DL n° 329-A/95, de 12-12 - que o elenco dos títulos executivos foi significativamente ampliado, conferindo-se força executiva relativamente aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético em face do título ...Pretendeu-se fazer diminuir o número de acções declarativas de condenação, facultando assim ao autor o competente título executivo para instaurar a acção executiva, no caso para pagamento de quantia certa.
Antes da reforma processual de 1995 ver Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6a edição, Coimbra Editora, pág. 71, nota 45.
Com o novo C.P.C., na redacção introduzida pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, como e vê do seu artigo 703°, deixou de ser conferida força executória aos meros documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Esta alteração ficou aparentemente a dever-se às dificuldades sentidas na prática, designadamente pela jurisprudência, de, com segurança, se apurar que documento tinha a dívida e que dívida está efectivamente titulada quando o credor apresenta à execução um complexo documental. O fim do despacho liminar tornara delicadas algumas execuções, assentes em títulos pouco seguros. Cfr. Rui Pinto, Notas ao CPC, Coimbra Editora, 2014, pág. 466.
Para Amâncio Ferreira — in Curso de Processo de Execução, 11a edição, Almedina, 2009, pág. 42, face à redacção do artigo 46°, 1, c) do CPC aplicável ao caso - na redacção introduzida pelo artigo 1° do DL n° 38/2003, de 8-3 — para que tais documentos particulares sejam títulos executivos é mister obedecer aos seguintes requisitos (só consideramos as obrigações pecuniárias):
1-conterem a assinatura do devedor;
2-importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias;
3-as obrigações reportarem-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do documento.
À luz da nossa lei processual o título é o próprio documento. O título executivo não surge enquanto o documento se não forma, quer este certifique o acto do juiz, quer certifique o negócio jurídico celebrado entre as partes. Pode acontecer ser o acto documentado ineficaz ou terem cessado os seus efeitos e a execução todavia ser instaurada e prosseguir em termos de alguns dos seus efeitos perdurarem, mesmo depois de declarada aquela ineficácia ou extinção. O normal é tanto o conceito de direito material como o de direito instrumental coincidirem, de modo que o titular de um direito tenha em seu poder o documento que o justifica. Daí a execução promover-se em virtude do direito e do documento, se bem que não seja forçoso que assim aconteça. Assim o título deve reunir a dupla exigência de conter uma obrigação que se pretende executar e cumprir as condições formais que o apresentem apto para a execução. - Amâncio Ferreira — in Curso de Processo de Execução, 11' edição, Almedina, 2009, pág. 69/70.
A certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda têm de se verificar antes de serem ordenadas as providências executivas, quando não resultem do próprio título, enquadrado pelo elenco de factos complementar que o exequente desenvolve no requerimento executivo, ou de diligências anteriores.
Entendia-se - à semelhança com o que se passava com os documentos autênticos ou autenticados — que se no documento particular assinado, as partes não se tivessem vinculado bilateral ou unilateralmente, à celebração de um negócio jurídico, mas se tivessem limitado a prever a possibilidade dessa celebração, e não tivessem dado logo garantia que cobrisse a realização dessa prestação, então havia lugar à prova complementar da realização da prestação constitutiva da obrigação. Acontecia em relação aos contratos de abertura de crédito, promessa de mútuo, fornecimento, etc.
Volvendo ao caso dos autos temos
A Exequente junta o documento intitulado "boletim de matrícula" e enquadra o mesmo com o seguinte factualismo que expende no requerimento inicial:
5.- Nos termos e segundo o disposto da alínea c) do n° 1 do art. 46° do CPC, constitui título executivo ...
6.-O documento aqui dado a execução é título executivo, conforme Documento 2, que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7.-No qual se reconhece a existência de uma obrigação pecuniária.
8.-Sendo o montante determinável através de simples cálculo aritmético como mais à frente se explanará.
9.-Montante esse calculado de acordo com as cláusulas constantes no próprio documento.
10.-É a obrigação sub júdice certa, exigível e líquida, como disposto no art. 802° do CPC. DO CRÉDITO
11.-Por documento particular outorgado em 27-02-2000, foi celebrado pela CEAC — Blended Learning Portugal, Edições para a Formação e Educação, S.A. com o Executado um contrato com vista à aquisição de um Curso, no montante de 6 1.659,99 nas condições que constam do título executivo.
12.-O Executado comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas.
13.-O Executado nunca denunciou o contrato nos termos das respectivas cláusulas.
14.-No entanto, desde 2004-01-20, o Executado nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido.
15.-Tendo ficado em dívida o montante de 1 504,23.
16.-Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da presente execução os quais são, neste momento, no valor de €1 353,81.
17.-Pelo que, é pois, a quantia exequenda de 2.858,04, à qual acrescem juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como todas as custas de parte, a apurar a final.
Do documento pode ver-se:
- o curso é de inglês com vídeo. O valor do curso é de 332.800$00 mais 12.500$00 de direitos de matrícula a pagar da seguinte forma (sem entrada inicial): em 32 mensalidades de 10.400$00 cada com início no mês seguinte ao da compra.
- o curso é entregue na morada do aluno com um protocolo de entrega.
Como "condições gerais da venda" as partes acordaram, nomeadamente, em:
a)-o CEAC entrega o material pedagógico do curso na totalidade;
e)-o aluno obriga-se a satisfazer o pagamento total dos honorários de ensino de acordo com as condições por si estabelecidas neste boletim de matrícula.
Efectivamente compulsando o documento que titula o contrato, estando ele como está assinado pela ora executada, verificamos estar perante um contrato com vista à frequência de um curso de Inglês à distância, com reserva de propriedade do material pedagógico entregue, oneroso, cujo preço é pago em prestações mensais e sucessivas.
Tal documento traduz para o Aluno o reconhecimento da dívida relativa ao valor total da frequência no curso, bem como a obrigação de a pagar em prestações, estabelecendo para isso o seu n° e o valor mensal da prestação.
As obrigações aceites, reconhecidas e confessadas, reportam-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do documento que titula o contrato, informação completada, quanto às vicissitudes do mesmo, pela exposição de factos que a Exequente faz.
Trata-se do reconhecimento presuntivo de uma dívida por parte da Aluna, ora executada.
A Exequente só peticiona o montante que resultou do alegado incumprimento.
Tal documento reúne os requisitos do título executivo - artigo 46°, 1, c) do CPC.
É lícito porém ter dúvidas.
Em que termos houve resolução do acordo? A liquidação da quantia exequenda está ou não correctamente efectuada de acordo com as disposições do acordo? São tudo questões que se podem colocar, mas que não têm a ver com a falta de título.
São questões que ora não cabe tratar porque não foram no caso tratadas em sede de 1° grau.
São questões, que, a serem colocadas, e face ao princípio da cooperação (ora artigo 7° do CPC), carecem para respectivo e cabal esclarecimento de prévio convite à Exequente para em prazo a estabelecer juntar a competente prova, primacialmente documental (elencagem contabilística das mensalidades pagas e não pagas, detalhe dos cálculos da quantia exequenda, etc.,).
Com estes fundamentos, revogaria a decisão recorrida.
Lisboa, 28 de Outubro de 2021.

RUI MOURA