Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2964/09.0TBALM.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
DEPÓSITO DA RENDA
NÃO USO DO ARRENDADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O pagamento da renda – como principal obrigação do arrendatário – sendo incumprida , considera-se que o comportamento é grave e a subsistência do vínculo insustentável, se a falta de cumprimento se protelar por três meses (artigo 1083.º, n.º 3 , CC).
II - Contudo, o arrendatário pode obstar à resolução se puser fim à mora no prazo de três meses (artigo 1084.º, n.º 3, do CC).
III - Apesar de o pagamento da renda ser o principal dever do arrendatário, este não só pode estar em mora durante seis meses, como lhe é facultado recorrer a este mecanismo múltiplas vezes, pois a limitação constante do n.º 2 do artigo 1048.º do CC só vale em fase judicial.
IV - Para se concluir pelo encerramento há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, suas causas e mesmo o seu carácter temporário e definitivo.
V - Assim, e, em geral, não será de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado, a não ser que essa redução seja de tal ordem que se deva, razoavelmente, equiparar a efectiva paralisação,
VI - Mas a utilização esporádica já caracteriza a situação de encerramento do estabelecimento.
VII - Se, por um lado, a abertura de um estabelecimento comercial sem luz e por curtos períodos durante o dia não é mais do que uma forma de defraudar o direito do senhorio, a verdade é que, no caso particular dos autos, a não abertura justifica-se, quer pelo lado dos réus, cuja actividade foi afectada pelas obras, quer pela parte da autora, uma vez que o valor locativo do imóvel não foi desvalorizado pelo encerramento, mas pelas obras que causaram excepcional transtorno para o comércio de.
(ISM)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A…. instaurou acção declarativa (de despejo), com processo experimental decorrente do DL n° 108/2006, contra B… e C… representado pela sua mãe, pedindo que:
a) seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os Réus;
b) sejam os réus condenados a despejar imediatamente o locado, livre de pessoas e bens;
c) sejam os réus condenados no pagamento da quantia em dívida, referente à diferença entre o valor das rendas pagas pelos réus e o valor actualizado das rendas, no montante global de € 64,08.
Fundou o seu pedido na falta de uso do locado por mais de um ano, na falta de pagamento integral de rendas e no incumprimento da obrigação de utilização prudente do imóvel e de o manter em bom estado de conservação.
Os réus contestaram. Invocaram a excepção de caso de força maior para o encerramento do estabelecimento, impugnando, no entanto, que tal se tenha verificado por mais de um ano consecutivo; invocaram a caducidade do direito de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas em virtude de depósito das mesmas e respectiva indemnização; impugnaram o alegado incumprimento da obrigação de utilização prudente do imóvel.
A autora respondeu à matéria de excepção tendo, designadamente, invocado o incumprimento do disposto no art. 18° da NRAU no que respeita ao depósito liberatório, cujo valor considera insuficiente, acrescentando que os réus já haviam feito uso desta faculdade uma outra vez, na sequência do recebimento de notificação judicial avulsa.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que, verificando estarem reunidos os pressupostos previstos pelo art. 1048°, n° 1, do Cód. Civil, declarou a caducidade do direito da autora à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas e indemnização, com efeitos a partir da data em que os réus procederam ao respectivo pagamento e, em consequência, declarou extinta a instância no que se refere aos pedidos formulados com tal fundamento.
No demais, julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os réus do pedido.
Inconformada interpôs a ré competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma:
«1. Com importância para o presente recurso, importa considerar que a Recorrente fundou o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento, agora em crise, na falta de uso do locado por mais um ano e na falta de pagamento de rendas.
2 - Na douta sentença, de que se recorre, entendeu a Meritíssima Juíza que o direito de resolução do contrato com o fundamento de falta de pagamento de rendas caducou com o depósito feitos pelos Recorridos, e que o depósito realizado foi liberatório da obrigação em mora, nos termos do artigo 1048.° do Código Civil.
3 - Em virtude dos aumentos legais e da redenominação em euros, a renda relativa ao imóvel dado em arrendamento, aos Recorridos, foi sofrendo actualizações anuais, não tendo aqueles procedido ao pagamento correcto das rendas vencidas.
4 - Nos termos da alínea a) do artigo 1038.° do Código Civil é obrigação do locatário: "Pagar a renda ou aluguer; (...)",dispondo o n.° 1 do artigo 1041.° do Código Civil: "Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, (... ). ".
5 – Os Recorridos realizaram o depósito do valor correspondente à diferença entre a renda paga pelos mesmos e a renda (actualizada) efectivamente devida - € 64,08 (Sessenta e quatro euros e oito cêntimos), acrescido de uma indemnização igual a 50% daquele valor referido no artigo anterior, ou seja, € 32,04 (Trinta e dois euros e quatro cêntimos), 50% da diferença em dívida.
6 – Contudo, tal depósito não pode ser liberatório: o valor do mesmo teria de corresponder ao montante em falta das rendas (ou seja, à diferença entre a renda (antiga) paga pelos Recorridos e a renda (actualizada) efectivamente devida - € 64,08), acrescido do montante equivalente a 50% do valor total de cada renda (e não 50% da diferença, como defendem os Recorridos), em virtude do teor do artigo 1041.° do Código Civil.
7 – Porque apesar de os Recorridos terem pago parte do montante respeitante às várias rendas devidas, o certo é que a mora ocorre relativamente à totalidade da renda, por via do mencionado princípio da indivisibilidade da prestação, e sendo a totalidade da renda que está em mora, é sobre o seu valor integral que deve incidir a indemnização de 50%, conforme o preceituado nos artigos 762.° e 763.° do Código Civil.
8 - A Meritíssima Juiz a quo, na douta sentença, de que se recorre, acolheu os argumentos dos Recorridos, contudo, tal interpretação não se afigura correcta, violando sobremaneira o estatuído no artigo 9.° n.° 2 do Código Civil.
9 – O depósito não possui carácter liberatório, de acordo com os fundamentos expostos, aliás, interpretação contrária será contra legem.
10 – Acresce que o depósito feito pelos Recorridos, das rendas em dívida e da indemnização, ou a falta dela conforme o exposto, foi feito sem observância das formalidades legais, violando o artigo 18 do NRAU.
11 – E a verdade é que tem sido constante o atraso no pagamento das rendas, por parte dos Recorridos, com efeito, já foram judicialmente notificados da resolução do contrato por uma vez, não podendo em consequência beneficiar mais uma vez desta faculdade.
12 – Quanto à questão de falta de uso do locado, entendeu a Meritíssima Juíza que a "circunstância de o estabelecimento dos réus não ter energia eléctrica desde Setembro de 2007 é fortemente indiciária do seu fecho a partir de então."
13 - Assim, resulta da factualidade apurada em sede de audiência e discussão de julgamento, sérias dúvidas quanto ao facto do locado ter estado aberto pelo menos durante o período Setembro de 2007 até 2009.
14 - E se não esteve completamente fechado, o estabelecimento laborou em circunstâncias que permitissem defraudar a lei, como a Meritíssima Juíza reconheceu, pois é coerente deduzir que os Recorridos soubessem que é fundamento para despejo o encerramento por mais de um ano do estabelecimento.
15 - Para além das obrigações que impendem sobre o locatário, constantes do artigo 1038.° do Código Civil, existe também a obrigação constante do n.° 1 do artigo 1072.°, também do Código Civil "O arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano. ".
16 – Sendo que a utilização esporádica do locado caracterizará uma situação de encerramento do locado/estabelecimento, como se verificou no caso em apreço, o que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento de acordo com o artigo 1083.°, n.° 2 d) do Código Civil, "O não uso do locado por mais de um ano, (...)."
17 – Entendendo a Meritíssima Juíza a quo, na fundamentação e no enquadramento jurídico da sentença, que a abertura de um estabelecimento comercial esporadicamente sem luz e por curtos períodos durante dia não é mais do que defraudar o direito do senhorio, configurando um abuso de direito.
18 - Por outro lado, não assiste qualquer razão aos Recorridos na invocação de um caso de "força maior", para procederem ao encerramento do estabelecimento comercial, pois as obras em causa não foram de algum modo imprevistas, nem impediam o normal funcionamento diário do aludido estabelecimento.
19 - A sentença de que se recorre padece, nesta parte, em que decide sobre a resolução do contrato de arrendamento, por falta de uso do locado, de uma nulidade prevista no artigo 668.°, n.° 1 c) do Código de Processo Civil.
20 - A nulidade da alínea c) pressupõe um vício lógico de raciocínio: a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
21 - Se a Meritíssima Juíza no seu raciocínio analítico formula que à situação sub Júdice não se pode deixar de aplicar o artigo 1083.°, n.º 2, alínea d) do Código Civil, porque a utilização esporádica do locado caracterizará uma situação de encerramento do locado/estabelecimento. 22 – E depois considera no seu juízo crítico, e bem, que as obras do metro não constituem um motivo da quebra das vendas estabelecimento dos Recorridos, não assistindo qualquer razão a estes na invocação de um caso de "força maior"; e depois conclui que não se verifica o fundamento de despejo em causa, não pode deixar de existir uma contradição entre os fundamentos e o decidido. 23 – Sendo nula a sentença, no tocante a este ponto, de acordo com o artigo 668.°, n.° 1 c) do Código do Processq Civil, justamente porque a fundamentação da Meritíssima Juíza deveria ter levado a concluir no sentido de se dar como verificado o fundamento de despejo, nos termos do artigo 1083.º, n.° 2, alínea d) do Código Civil, e não o contrário, ou seja o decidido pela Meritíssima Juíza.
24 – Por conseguinte, pelos motivos expostos a acção de despejo deveria ter tido provimento, sendo declarado resolvido o contrato de arrendamento entre a Autora e os Réus, com fundamento na violação de obrigação de uso efectivo do locado e da, obrigação de pagamento integral das rendas.
25 – Tendo sido violados os citados normativos legais, na sentença, de que agora se recorre, e designadamente o estatuído no artigo 9.º, n.° 2 do Código Civil, o disposto no artigo no 668.°, n.° 1 c) do Código de Processo Civil, estando assim ferida de nulidade a decisão.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ao presente recurso ser dado provimento, e revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
Foram apresentadas contra-alegações em que os recorridos pugnam pela confirmação do julgado.
***
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. A Autora é proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, n° 22, em …, inscrito na matriz sob o artigo ….
2. Em 15-10-1980, o anterior proprietário do imóvel referido no ponto antecedente deu de arrendamento, por contrato, titulado por escritura pública outorgada em Lisboa, no …° Cartório Notarial, a J…, a loja correspondente ao rés-do-chão esquerdo do citado imóvel, com início no dia 01-10-1980 e pelo prazo de 18 meses, renovando-se sucessivamente por períodos de 6 meses.
3. O locado foi destinado ao comércio de modas, fanqueiro, camisaria e sapataria ou de qualquer outro ramo de comércio que o inquilino resolvesse explorar, com excepção de carvoaria, taberna, drogaria, agência funerária e depósito de quaisquer matérias explosivas e inflamáveis.
4. A renda mensal convencionada na data da celebração do contrato foi de Esc. 8.000$00(€ 39,90), a pagar no 1° dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeitasse, no domicílio da senhoria.
5. Em 22-08-2005, faleceu J…., anterior arrendatário do locado, deixando como únicos herdeiros sucessores os seus filhos, aqui réus, a quem se transmitiu o arrendamento "sub judice".
6. No arrendado funcionava um estabelecimento de pronto-a - vestir denominado "T…".
7. Em Janeiro de 2008, a renda relativa ao estabelecimento arrendado foi actualizada de € 259,12 para € 265,60.
8. Em Janeiro de 2009, a renda relativa ao estabelecimento arrendado foi actualizada para € 274.
9. Nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2008, os réus pagaram a título de renda o valor de € 259,12.
10. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 os réus pagaram a título de renda o valor de € 265,60.
11. Em 13-07-2009, os réus procederam ao depósito numa conta da autora da quantia de € 96,12, "para efeitos do art. 1048 n 1 CC", conforme consta do documento de fls. 121, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Em Setembro de 2007 foi suspenso o fornecimento de electricidade no estabelecimento arrendado.
13. O estabelecimento arrendado esteve encerrado, pelo menos, entre 04-07-2007 a 31-07-2007, Outubro de 2007 a meados de Junho de 2008 e a partir de Novembro de 2008.
14. Desde, pelo menos, data concretamente não apurada do ano de 2007, é frequente a acumulação de correspondência endereçada no chão do estabelecimento arrendado, imediatamente a seguir à porta.
15. Desde, pelo menos, data concretamente não apurada do ano de 2007, o letreiro com o horário de funcionamento desse estabelecimento encontra-se degradado e com partes ilegíveis.
16. Desde, pelo menos, data concretamente não apurada do ano de 2007, o interior do arrendado tem mercadoria para venda em quantidade substancialmente menor do que aquela que aí se encontrava anteriormente, tendo sido retirada grande parte da mercadoria que aí se encontrava e suspendido as encomendas de mercadoria para esse estabelecimento.
17. O facto referido no ponto antecedente é visível e constatável por qualquer transeunte que passe na rua e olhe pelo exterior/montra do estabelecimento.
18. Desde 2007, sem qualquer interrupção, permanece na montra do estabelecimento arrendado a mesma sinalética assinalando um desconto de 50% sobre o preço dos produtos aí à venda.
19. A Autora enviou aos réus, para o estabelecimento arrendado, missivas referentes à comunicação da actualização do valor das rendas nos anos de 2008 e 2009, as quais vieram devolvidas.
20. Após as devoluções referidas no ponto antecedente, a autora, juntamente com duas testemunhas, durante o dia, deslocou-se pessoalmente ao estabelecimento dos autos para entregar as mencionadas comunicações aos réus.
21. Em ambas as ocasiões a autora, por ter encontrado a porta do estabelecimento arrendado encerrada e sem ninguém no seu interior, colocou cada uma das comunicações por debaixo da porta do estabelecimento arrendado.
22. Em ambas as ocasiões, a Autora informou posteriormente os réus do recurso ao procedimento referido no ponto anterior.
23. O estabelecimento arrendado aos réus tem um logradouro na retaguarda.
24. O referido logradouro tem lixos diversos e ervas daninhas, nele existindo insectos e roedores.
25. Em Março de 2007, no eixo central da cidade de Almada, designadamente, nas Avenidas ..., ... – avenida onde se situa o imóvel arrendado – e ..., iniciaram-se obras para a construção da linha do Metro Sul Tejo.
26. Estas obras surtiram um impacto negativo generalizado no comércio local.
27. Na reunião da Sessão Ordinária de Assembleia Municipal de … realizada no dia 28 de Junho de 2007 foi aprovada uma moção/deliberação assente no protesto, efectuado em 18-05-2007, pelos comerciantes das avenidas atingidas pelas referidas obras, nos termos do documento de fls. 102 a 109, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
28. Em 10-03-2007, através de notificação judicial avulsa, os réus foram notificados nos termos constantes do documento de fls. 176 a 195 dos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido.

**
DA Nulidade da sentença
Entende o recorrente que a sentença é nula, ex artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Não tem, porém, razão.
Um dos princípios da motivação das sentenças é o da coerência lógica. Quer isto dizer que não pode haver contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
Não se prevê, na referida norma, a hipótese de uma sentença com erro de julgamento, quer porque o julgador interpretou mal a norma, quer porque infringiu as regras da subsunção dos factos à norma.
Cuida-se antes da estrutura lógica da sentença, de saber se entre os fundamentos e a decisão, existe «o mesmo nexo que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão».
«Quando a decisão seguiu um caminho diferente do sentido apontado pelos fundamentos» há incongruência (Ac. RP de 12.04.99, CJ, T 2:251).
Ora, no caso vertente, não há qualquer incongruência.
Na verdade a sentença impugnada começou, desde logo, por afirmar que « no caso vertente, não se provou que o estabelecimento instalado no imóvel arrendado aos réus esteve efectivamente encerrado por mais de um ano, como resulta dos factos provados e tendo em conta que a presente acção foi intentada em Maio de 2009, tendo os réus sido citados em Junho do mesmo ano - vide arts. 267°, n° 1, e 268° do Cód. Proc. Civil»
E, depois, é certo que no culminar de algumas inflexões de raciocínio, concluiu que «em suma, se, por um lado, a abertura de um estabelecimento comercial sem luz e por curtos períodos durante o dia não é mais do que uma forma de defraudar o direito do senhorio, a verdade é que, no caso particular dos autos a não abertura justifica-se, quer pelo lado dos réus, cuja actividade foi afectada pelas obras, quer pela parte da autora, uma vez que o valor locativo do imóvel não foi desvalorizado pelo encerramento, mas pelas obras que causaram excepcional transtorno para o comercio de Almada.
Pelo que ficou dito, entendo que não se verifica o fundamento de despejo em causa».
Não se vê assim que tenha havido contradição entre os fundamentos e a decisão-
***
Do Mérito do Recurso

Foram quatro as causas de pedir invocadas pela recorrente nesta acção, a saber: violação da obrigação do uso efectivo do locado; violação da obrigação de pagamento integral das rendas; violação da obrigação de não fazer do locado um uso imprudente; violação de manter o locado em bom estado.
No recurso interposto, a autora recorrente «deixou cair» os dois últimos fundamentos, cingindo-se o objecto do recurso aos restantes (artigos 685.º-A. e 684, n.ºs 2 a 4, do CPC).
Vejamos se lhe assiste razão nos capítulos recorridos.

i) Do incumprimento do pagamento integral das rendas vencidas.

Sabido é por todos – e por isso vem logo enunciado em primeiro lugar na enumeração do artigo 1038.º do CC – que a principal obrigação do locatário é a de pagar a renda ou o aluguer.
Como refere Luís Menezes Leitão « a lei procede, nos artigos 1083.º, n.ºs 2 e 3 a uma enumeração exemplificativa das causas de resolução do arrendamento pelo senhorio, sendo que a primeira consiste na ocorrência de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargo ou despesas(artigo 1083,º, n.º 3). Efectivamente o não pagamento da renda ou dos encargos constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato, a qual neste caso opera por comunicação à contraparte (artigo 1084.º, n,º 1)a qual deve obedecer aos requisitos do artigo 9.º, n.º 7 do NRAU.
Num benefício suplementar, o legislador determina, porém, que «a resolução pelo senhorio quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses» (artigo 1084.º, n.º 3).
Caso o senhorio venha intentar acção declarativa ou execução para a entrega do imóvel arrendado, determina igualmente o artigo 1048.º, n.º 1, que o «direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até à contestação da acção declarativa ou oposição destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no artigo 1041.º» aplicando-se igualmente esse regime «á falta de pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário» (artigo 1048.º, n.º 3). No entanto, o arrendatário na fase judicial, só pode fazer uso dessa faculdade uma única vez, com referência a cada contrato» (Arrendamento Urbano, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007:96/97).
No caso vertente, a autora instaurou a presente acção peticionando, como vimos, para além da resolução do contrato de arrendamento, a condenação dos réus mo pagamento da quantia referente à diferença entre o valor das rendas pelos réus e o valor actualizado daquelas rendas, no valor global de € 64,08., acrescido de juros.
Os réus entendem que operaram depósito liberatório ao depositarem na conta da autora o valor € 98,12, que corresponde a 50% do diferencial entre a rendas antigas e as novas.
O entendimento da recorrente, a partir de uma ideia de indivisibilidade da prestação consagrado no artigo 763.º do CC, entende que o depósito não é liberatório porquanto os recorridos deveriam ter depositado 50% sobre o valor da totalidade da renda em mora.
Não cremos que os recorrentes tenham razão.
Interessa recordar que ficou provado o seguinte:
- Em Janeiro de 2008, a renda relativa ao estabelecimento arrendado foi actualizada de € 259,12 para € 265,60.
- Em Janeiro de 2009, a renda relativa ao estabelecimento arrendado foi actualizada para € 274.
- Nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2008, os réus pagaram a título de renda o valor de € 259,12.
- Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2009 os réus pagaram a título de renda o valor de € 265,60.
- Em 13-07-2009, os réus procederam ao depósito numa conta da autora da quantia de € 96,12, "para efeitos do art. 1048 n 1 CO", conforme consta do documento de fls. 121, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A soma devida até à contestação era portanto de € 64,08, sendo a indemnização prevista no 1041.º de 50% sobre tal quantia montante, valor que foi efectivamente depositado pelos recorridos.
Insurge-se a recorrente, como vimos, sobre esta conclusão.
Porém, sem razão.
Num estudo extensíssimo sobre o «Depósito de Rendas», á luz da Lei do Inquilinato n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, José Alberto dos Reis, não se pronuncia directamente sobre este problema em concreto (RLJ 81.º).Mas não deixa de referir que para o arrendatário evitar o despejo, teria de depositar até à contestação o triplo (era então esse o valor consagrado para se purgar a mora do devedor) das rendas cuja falta de pagamento a acção se funda (op. cit: 232).
Transpondo esta conclusão para o caso ocorrente facilmente se entende que o os recorridos purgaram a mora, «considerando as rendas cuja falta de pagamento a acção se funda».
É verdade que o artigo 763.º, n.º 1, do CC dispõe que a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se fot outro o regime convencionado ou imposto por le ou pelos usos.
Mas logo o n.º 2 acrescenta que o credor tem a faculdade de exigir uma parte da prestação; a exigência dessa parte não priva o devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro.
Quer isto dizer que a aceitação pelo credor de parte da prestação, não obsta à mora do devedor quanto à parte restante da prestação.
A este propósito, e com especial interesse para o caso sujeito, não pode deixar-se de convocar Mário Júlio de Almeida Costa quando refere: «Fixemo-nos neste último princípio da integralidade do cumprimento. Quer dizer, a prestação tem de ser efectuada por inteiro e não parcialmente, excepto se a convenção das partes, a lei ou os usos sancionarem outro regime (artigo 763.º n.º1).
Portanto, o devedor, tal como não pode forçar o credor a receber uma prestação diversa da estipulada , ainda que porventura mais valiosa, também não pode em regra constrangê-lo a um cumprimento parcial. Mas concede-se ao credor a faculdade de abdicar dessa vantagem, reclamando apenas uma parte da prestação; muito embora a exigência do cumprimento parcial não prive o devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro (artigo 763.º, n.º 2). Explica-se a solução da lei, pois também o devedor pode ter interesse em cumprir por inteiro, mormente para se libertar dos incómodos das prestações fraccionadas» (Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 11.ªed., Almedina, Coimbra,997).
Com mais ênfase, porém, se destaca, a nota n.º 2 do citado texto quando se afirma que: «quando se tenha realizado uma prestação parcial com aquiescência do credor e a esta não se siga o cumprimento da parte restante, poderá o referido credor restituir o que recebeu, considerando-se o devedor inadimplente pela totalidade? A resposta será negativa se a prestação parcial extingue uma parte proporcional da obrigação (ex: cumprimento parcial de uma obrigação pecuniária). Mas será afirmativa sempre que a prestação se apresente economicamente indivisível (ex: o cumprimento parcial de uma obrigação cujo objecto consista num conjunto de maquinismos que funcionem acoplados). No primeiro caso, produzem-se os efeitos do não cumprimento apenas pelo que respeita à parte da prestação não efectuada, quer dizer, a mora ou o incumprimento definitivo».
Quer isto dizer que mesmo perante o princípio da integralidade do cumprimento, perante os autos o depósito efectuado pelos recorridos teria , em princípio efeito liberatório.
Empregamos o condicional, porquanto a recorrente suscita duas outra questões suplementares, para pôr em crise o depósito feito. Em primeiro lugar o facto de não ter respeitado os requisitos do artigo 18.º do NRAU; em segundo lugar, a circunstância de ter havido violação do artigo 1048.º, n.º 2, do CC.
Vejamos.
O artigo 18.º do NRAU tem antecedente no artigo 23.º do RAU que , por sua vez, corresponde ao artigo 992.º do CPC.
Já num longínquo ARP, de 24/7/1952, se deliberou que «se na declaração para depósito da renda houver engano quanto ao nome do senhorio, que foi indicado como JM, quando se chamava AM, é de deferir o pedido feito pelo réu na acção de despejo que, por falta de pagamento, o senhorio intente contra ele, para ser rectificado esse evidente erro de escrita, pois, embora, o artigo 665.º do CC esteja inserto no título referente aos contratos, ele estabelece um principio geral de direito» /Ver Tribunais 70:º: 344).
Já se vê aqui a manifestação da preocupação da prevalência do fundo sobre a forma, depois contemplada noutros acórdãos.
Destacamos, desde logo, o ARE, de 12.06.1986. Aqui o depósito foi feito em favor de JJPB… Lda, quando deveria ter sido em nome de JJP Lda».
O primeiro grau considerou não ser o depósito regular por inexactidão relativamente à pessoa da senhoria. O segundo grau discordou e com perfeita pertinência argumentou: «Um processo judicial deve tentar resolver diferendos.
E resolver diferendos não é o mesmo que sacralizar fórmulas.
O que o artigo 2.º do artigo 979.º do CPC preconiza é que os arrendatários podem obstar ao despejo incidental desse que documentem que fizeram o pagamento ou o depósito das rendas vencidas na pendência da causa, numa hipótese como a vertente.
Não fala o n.º 2 desse artigo 979.º, em referência ao benefício de eventual depósito.
Todavia e exactamente procurando a «ratio legis» e não apenas a sua literalidade, tem de se entender que o depósito para ser liberatório como o pagamento, terá de poder beneficiar o senhorio, terá de ser levantado por este; simplesmente e na mesma ordem de ideias, não pode deixar de se entender que a causa final do preceito está cumprida, mesmo quando exista uma imperfeição formal facilmente ultrapassável.
O problema consiste, apenas, em saber se os depósitos foram feitos, para crédito da A, a seu favor, e se são, ou não, levantáveis por ela – ainda que mediante a correcção da inexactidão formal ultrapassável » (CJ, T 3: 263)
E, mais abaixo, o Acórdão conclui: «o que importa é que os depósitos tenham sido feitos e possam beneficiar a A. ainda que o nome desta enferme de um lapso remediàvel (Ac, RL, de 01,03.68, RT, 87:114).
Dando um salto para 2006, já num regime diferente, encontramos o ARE, de 16.03.2006, que desenvolve a argumentação anteriormente expendida nos restantes arestos «entendemos que a inobservância de algumas das formalidades previstas para o depósito das rendas não podem impedir o efeito substantivo da caducidade do direito à resolução do contrato:
Numa interpretação sistemática de todas as normas atinentes aos depósitos das rendas [agora artigos 17 e ss do NRAU] as formalidades previstas para o depósito previstas no artigo 23.º do RAU [agora 18.º do NRAU] visam facultar a identificação do depósito , a sua finalidade, o beneficiário e o controle do seu levantamento» In: www.dgsi.pt.
Ora no caso vertente a senhoria não mostra que o depósito não está sujeito ao seu controle e que não pode levantá-lo.
Observe-se que a reforma do CCJ de 2003 operou uma alteração substancial ao nível dos serviços de tesouraria dos Tribunais, introduzindo-se vários tipos de depósitos e de procedimentos diferenciados em função da respectiva modalidade. Ora os depósitos autónomos são ex artigo 124.º do CCJ adequados ao depósito de rendas.
Também hoje o artigo 32,º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Feverreiro, dá calara prevalência ao pagamento por via electrónica, arrendada caminhos mais burocráticos e anacrónicos que se não compadecem com a via moderna e com os meios electrónicos postos ao seu dispor.
Não assiste, por conseguinte, razão à recorrente também neste ponto.
Prova-se que, em 10-03-2007, através de notificação judicial avulsa, os réus foram notificados nos termos constantes do documento de fls. 176 a 195 dos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido.
A recorrente funda-se no artigo 1048.º, n.º 2, do CC, para concluir pela procedência da acção.
Preceitua este artigo que em fase judicial, o locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
Ora a notificação judicial avulsa não constitui processo ou fase judicial, pelo que, em consequência não pode encontrara suporte para fundamentar o exercício direitos, esses mesmos que só podem ser fazer-se através de fase judicial.
A notificação judicial avulsa, regulada, como é sabido pelos artigos 261 e ss do CPC; não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, poie «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso» e se se emprega a forma judicial é porque dá mais garantias de certeza (Alberto os Reis, Comentário,,, Vols I: 238 e II:589) pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de um cto judicial em algum processo, mas numa simples comunicação com valor idêntico à que poderia ser feita extrajudicialmente.
Acresce ainda que tem oportunidade citar Romano Martinez, quando refere: «Em primeiro lugar, como fundamento da resolução do contrato, na alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do Rau, surge a falta de pagamento pontual da renda, nos termos , já referidos do artigo 1048.º do CC; solução reiterada no n.º 3 do artigo 1083.º do CC, esclarecendo-se que a resolução pode ser exigida exigida no caso de mora superior a três meses.
Em suma, o pagamento da renda – como principal obrigação do arrendatário – sendo incumprida , considera-se que o comportamento é grave e a subsistência do vínculo insustentável, se a falta de cumprimento se protelar por três meses (artigo 1083.º, n.º 3 , CC), contudo, o arrendatário pode obstar à resolução se puser fim à mora no prazo de três meses (artigo 1084.º, n.º 3, do CC). Apesar de o pagamento da renda ser o principal dever do arrendatário, este não só pode estar em mora durante seis meses, como lhe é facultado recorrer a este mecanismo múltiplas vezes, pois a limitação constante do n.º 2 do artigo 1048.º do CC só vale em fase judicial» (Da Cessação do Contrato, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006:345/346).
Não merece assim qualquer censura a decisão do primeiro grau quando sustenta: « Por fim, a autora refere que, face ao disposto no n° 2 do mencionado art. 1048°, os réus não têm a faculdade de fazer cessar a mora por esta via, pois que já efectuaram o depósito de rendas em atraso e respectiva indemnização após terem sido judicialmente notificados da resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
A notificação judicial avulsa não é mais que uma carta enviada ao requerido com a chancela do tribunal. Esta notificação não pode ser objecto de resposta ou oposição e não dá origem a nenhum processo - vide arts. 261° e 262° do Cód. Proc. Civil. Assim sendo, a notificação judicial avulsa não constitui uma fase judicial.
Os réus têm, pois, a faculdade, que exerceram, de fazer caducar o direito de resolução do contrato por falta de pagamento de renda através do depósito do valor em dívida acrescido de uma indemnização correspondente a 50% do devido.
Nesta conformidade, o direito de resolução do contrato com tal fundamento caducou com o depósito feito pelos réus».
***
ii) Falta de uso do locado por mais de um ano
Nos termos do actual art. 1083°, n° 2, alínea d), do Código Civil, é fundamento de resolução do contrato por parte do senhorio «O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no artigo n.º 2 do artigo 1072.º».
Esta alínea corresponde no essencial, ao que vinha previsto. nas alíneas h) e I) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU. A lei anterior distinguia entre o não uso do locado para fins não habitacionais e a falta de habitação ou residência permanente , em qualquer dos casos, por mais de um ano.
«A lei actual uniformizou o critério de funcionamento da resolução, estabelecendo uma fórmula mais simples e sintética, abrangente dos dois tipos de situações. Continua , contudo, a excepcionar com as situações excepcionais actualmente previstas no n.º 2 do artigo 1072.º» (José A. França Pitão, Novo Regime de Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006:576).
Tem, ao que supomos, interesse recordar o que a propósito do anterior 64.º, n, 1.º, alínea h) nos é dito por Aragão Seia:« Na alínea h) do artigo 1093.º do CC, revogado por este preceito, fazia-se referência ao encerramento por mais de uma ano consecutivamente (…).
O advérbio foi agora eliminado para pôr termo às dúvidas então surgidas: se o prédio estivesse aberto um ou mais dias já se podia considerar que o encerramento não era consecutivo?
A previsão desta alínea tem por finalidade evitar a desvalorização arrendado, pela consequente degradação motivada pelo encerramento do local, e lançar no mercado locativo todos os espaços susceptiveis de ocupação por terceiros» (Arrendamento Urbano, 3,ª Ed., Almedina, Coimbra:339).
Mais abaixo refere: «Para se concluir pelo encerramento há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, s suas causas e mesmo o seu carácter temporário e definitivo. Assim, e, em geral, não será de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estiver justificado, a não ser que essa redução seja de tal ordem que se deva, razoavelmente, equiparar a efectiva paralisação, Mas a utilização esporádica já caracteriza a situação de encerramneto do estabelecimento» (op. cit:340).
Por sua vez Mário Frota chama também a atenção para a necessidade de prevenir aquelas situações de abertura esporádica do estabelecimento só para iludir o locador e fraudar a lei (Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, Coimbra, 1987:276).
No caso vertente, provou-se que o estabelecimento arrendado esteve encerrado, pelo menos, entre 04-07-2007 a 31-07-2007, Outubro de 2007 a meados de Junho de 2008 e a partir de Novembro de 2008.
Quer isto dizer que não resultou provado que o imóvel arrendado aos réus esteve efectivamente encerrado por mais de um ano, como resulta dos factos provados e tendo em conta que a presente acção foi intentada em Maio de 2009 tendo os réus sido citados em Junho do mesmo ano - vide arts. 267°, n° 1, e 268° do Cód. Proc. Civil.
A decisão impugnada no desenvolvimento do seu raciocínio equaciona depois, como vimos, a eventualidade já suscitada de, apesar de tudo, se tratar de um caso de abuso de direito (as tais situações a que alude Mário Frota de ilusão do senhorio e de fraude a lei).
Mas fá-lo, tal como nós o fizemos, como enquadramento doutrinário da questão ou no mínimo como obter dictum, para logo afastar a hipótese.
Isto porque, «neste caso em particular há que atender a que, em face das obras do metro em … - com os inerente graves transtornos e restrições no comercio da cidade, os quais propagaram-se para além do fim das obras, como é do conhecimento geral -, o interesse da senhoria na não degradação do imóvel, bem como os demais interesses de ordem geral e do comercio jurídico, já estavam beliscados. Por outras palavras, a violação dos interesses que subjazem ao disposto no citado art. 1083°, n° 2, alínea d) deriva de factores exteriores e verificar-se-iam independentemente do fecho ou abertura da loja em causa.
Por outro lado, em face das referidas circunstâncias específicas do caso concreto nem sequer se pode falar em abuso de direito por parte dos réus, já que o comércio praticado no estabelecimento arrendado foi igualmente afectado por ocorrências excepcionais a eles alheias, não sendo exigível que fizessem o mesmo volume de encomendas e os mesmos dispêndios que mantinham até então sabendo, à partida, que iria haver uma redução drástica das vendas.
Em suma, se, por um lado, a abertura de um estabelecimento comercial sem luz e por curtos períodos durante o dia não é mais do que uma forma de defraudar o direito do senhorio, a verdade é que, no caso particular dos autos a não abertura justifica-se, quer pelo lado dos réus, cuja actividade foi afectada pelas obras, quer pela parte da autora, uma vez que o valor locativo do imóvel não foi desvalorizado pelo encerramento, mas pelas obras que causaram excepcional transtorno para o comércio de …».
Não nos merece qualquer reparo esta conclusão.
***

Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente , em confirmar a decisão impugnada.
Custas pela recorrente.
***

Lisboa, 19 de Abril de 2012

Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
A. Ferreira de Almeida