Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
859/14.4PBMTA-B.L1-9
Relator: TRIGO MESQUITA
Descritores: EXTINÇÃO DA PENA
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECIDIDO
Sumário: -Na actualidade a circunstância que decorre indubitávelmente dos elementos de interpretação da lei, literal, histórico  e sistemático não deixam margens para dúvida de que no regime agora em vigor, instituído pela Lei n° 115/2009, a competência para declarar extinta a pena é do tribunal de execução das penas, sendo a intenção do legislador de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I.
No processo nuipc 859/14.4PBMTA-B em que é arguido AA, suscita-se a resolução de um conflito negativo de competência que opõe os Mmos Juízes do Tribunal da condenação, Juízo Central Criminal de Lisboa — Juiz 5 e do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa - Juiz 2, porquanto ambos se declaram incompetentes para tramitar e julgar os presentes autos - declaração de extinção da pena de prisão efectiva aplicada ao arguido -, assentando a respectiva divergência no facto de se atribuírem mutuamente a competência territorial dos respectivos tribunais.
Ambos os despachos transitaram em julgado gerando-se um conflito negativo de competência (art. 34.°, n.° 1 CPP).
Neste Tribunal foi cumprido o art. 36.°, n.° 1 CPP.
II.
Idênticos conflitos foram recentemente dirimidos pelas três secções criminais deste Tribunal da Relação, com decisão uniforme, nomeadamente no processo 102/06.0PFPDL do 4° Juízo do tribunal de Ponta Delgada, em decisão do então presidente da 5.a secção criminal deste TRL, Desembargador Nuno Gomes da Silva , por nós inserido no site da DGSI, e com cujo teor nos identificamos e subscrevemos1.
Neste decisão escreveu-se:
«A Lei 115/2009, de 12 de Outubro, introduziu alterações significativas em matéria de competências dos tribunais da condenação e de execução de penas privativas de liberdade.
Pode ler-se no ponto 15 da Proposta de Lei no 252/X (Diário da Assembleia da República, Série II-A, n.279, de 5.3.2009), que originou a Lei 115/2009 e o CEPMPL:
"No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema."
Daí que, em materialização dessa intenção, a Proposta da Lei, na decorrência do regime que se visava instituir pelo CEPMPL, nomeadamente no seu artigo 138°, n.° 4, al. r) —que veio a ser acolhida, nos seus precisos termos, no texto fmal do CEPMPL (actual al. s), por virtude da alteração introduzida pela Lei 40/2010, de 3 de Setembro) —contivesse alterações aos artigos 91° da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, e 124° da Lei n.° 52/2008, de 28 de Agosto - que reproduzem o texto daquela alínea r) - e ainda ao artigo 470°, n° 1, do CPP, que também vieram a ser acolhidas, nos seus precisos termos, no texto final da Lei 115/2009.
Decisiva, no sentido da clarificação operada, é a alteração ao n.° 1 do artigo 470° do CPP que, mantendo a regra segundo a qual a execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de P instância em que o processo tiver corrido, a restringiu fortemente no que se refere à execução de penas privativas de liberdade, estabelecendo, por aditamento do actual segmento final daquele preceito, que tal regra vale "sem prejuízo do disposto no artigo 138° do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade".
De relevo também para a decisão da questão sub judice é a circunstância de as alterações legislativas então operadas terem deixado intocado ao artigo 475.2 do CPP, segundo o qual o tribunal competente para a execução declara "extinta a pena".
Do exposto, perante o que se extrai do elemento literal, histórico (nomeadamente dos trabalhos preparatórios) e sistemático de interpretação, parece não haver margem para qualquer dúvida de que, no regime instituído pela Lei n.° 115/2009, a competência para declarar a extinção da pena de prisão é do tribunal de execução das penas.
Esta solução veio afastar, definitivamente, as dúvidas anteriormente existentes nesta matéria, face à anterior redacção do artigo 470°, n° 1, do CPP e do artigo 91°, n.° 2, al. h), da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro.
Dispunha o artigo 91°, n.° 2, al. h), da Lei n.° 3/99, na redacção originária, que compete aos tribunais de execução das penas "declarar a extinção da execução da pena de prisão".
No confronto desta norma com a anterior redacção do artigo 470°, n.° 1, e com o artigo 475° do CPP foi-se formando o entendimento segundo o qual a competência do TEP se limitaria aos "casos especiais" indicados no n.° 2 do artigo 91° da Lei 3/99, em que este tribunal tenha modificado a execução da pena em virtude da actividade do TEP, nomeadamente através da concessão da liberdade condicional, entendimento que, neste caso, é seguido pelo senhor juiz do TEP no despacho em que se declara incompetente, pois que "ao recluso não foi concedida liberdade condicional" (cfr., neste sentido, o acórdão de 19.6.2007, desta Relação, proferido no Proc 1999/2007-5, www.dgsi.pt).
A este propósito convém notar as diferenças de redacção do artigo 91°, n.° 2, al. h), na redacção originária, que se manteve até às alterações introduzidas pela Lei 115/2009, e na redacção da al. s) daquele preceito, que corresponde à anterior al. h), resultante deste diploma (com a alteração da Lei 40/2010 - simples alteração de numeração). Na versão anterior, o TEP tinha competência para "declarar a extinção da execução da pena de prisão"; na actual, o TEP tem competência para "declarar extinta a pena de prisão", coincidindo com a letra do artigo 475° do CPP, que, como se referiu, se manteve inalterada. O que significa que, em rigor, o TEP não tinha, em caso algum, competência para declarar "extinta a pena", mesmo nos casos em que tivesse concedido a liberdade condicional, mas tão somente para declarar a "extinção da execução da pena"; ou seja, seria sempre da competência do tribunal da condenação, enquanto tribunal de execução (artigo 470° do CPP), declarar extinta a pena (artigo 475° do CPP) por virtude da sua execução (cumprimento) declarada finda pelo TEP (artigo 91.°, n.° 2, al. h) da Lei 3/99).
A Lei 115/2009 veio conferir coerência a este regime, eliminar as "incertezas e sobreposições" quanto à repartição de competências entre o tribunal da condenação e o TEP, por virtude das alterações introduzidas no artigo 470.2, n.° 1, do CPP no anterior n.9 2, al. h), da Lei 3/99. Isto é, se ao TEP competia declarar a "extinção da execução da pena", cabe-lhe agora, inequivocamente, declarar a "extinção da pena" uma vez que esta se mostre executada (cumprida).»
*
3. — Está assim evidenciada, em termos que se crêem claros e se subscrevem, a circunstância de os elementos de interpretação da lei, literal, histórico (nomeadamente dos trabalhos preparatórios) e sistemático não deixarem margem para dúvida de que no regime agora em vigor, instituído pela Lei n° 115/2009, a competência para declarar extinta a pena é do tribunal de execução das penas. E que a intenção do legislador é a de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Nesse sentido se decidiu também em 2013.02.13, no conflito negativo 163/12.2PTPDL-A.L1 da 3' Secção deste Tribunal da Relação mencionado, aliás, pelo Sr. juiz do 4° Juízo do Tribunal de Ponta Delgada na tentativa baldada de levar a uma mudança de posição do 4° Juízo do TEP que fizesse cessar o conflito.".
III.
Em face do que se decide o presente conflito atribuindo ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa a competência para declarar a extinção da pena.
Sem tributação.
Cumpra o art. 36.°, n.° 3 CPP.

Lisboa, 06.07.2019
Elaborado e computador e revisto pelo signatário — TRIGO MESQUITA.

1- vide conflito n.° 154/13.6pbagh-A.L1 dos tribunais conflituantes, por mim decidido em 09-03-2015, entre outros