Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1044/18.1PVLSB-B.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
INDÍCIOS SUFICIENTES
CO-AUTORIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I A existência de indícios suficientes da prática dos imputados crimes a todos os arguidos e a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação da prisão preventiva a todos, logo também a um deles ao qual não foi decretada a medida de coacção de prisão preventiva, ao contrário dos demais co-arguidos, e pelos mesmos factos, alicerçados nas mesmas provas e precavendo-se idênticos perigos, não se justifica este tratamento diferenciado.

II Assim à luz da definição dada pelo art.° 283.°, n.° 2, do C.P.P. , "suficientes indícios" existem sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.Assim, ante os evidentes elementos probatórios já constantes dos autos, não poderá deixar de perspectivar-se uma muito provável e sustentada futura condenação de todos eles. Deste modo, indiciariamente comprovado nos autos o envolvimento de um deles na prática dos factos que lhe estão a ser imputados, em co-autoria com outros agentes, a medida de coacção de prisão preventiva deverá também ser quanto a ele decretada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1— No Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 5, Processo n.° 1044/18.1PVLSB, onde, para além de outros, é arguido GG… foi imputada a este, em co-autoria, a prática de 10 (dez) crimes de furto qualificado, ps. ps. nos termos do art.° 210.°, n.° 2, al. g) do Cód. Penal.

Porém, na sequência da referida imputação criminosa, aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, ocorrido no dia 23/11/2018, foi fixada como medida de coacção a obrigação de apresentações semanais no posto policial da área da sua residência e de proibição de contactar, por qualquer meio, com os co-arguidos FF…, MM… e RR…, decisão esta com a qual não
se conforme o MINISTÉRIO PÚBLICO, que a considerou insuficiente, inadequada e desproporcional às respectivas necessidades cautelares, tanto mais que os co-arguidos FF… e PP…, pelos mesmos factos e sustentados nos mesmos meios de prova, ficaram a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

O tribunal "a quo" sustentou a sua decisão com a prolação do seguinte despacho:
A detenção do arguido foi legal porque efectuada na sequência de mandados de detenção, art.° 257. ° do CPP.
O arguido foi presente no prazo legal.
Julgo válida a detenção.
Indiciam os autos a prática pelo arguido de todos os factos
constantes da promoção que antecede que se dão por reproduzidos.

Os factos integram a prática pelo arguido, em co-autoria material e na forma consumada, de 10 (dez) crimes de furto qualificado, p. e p. cada um deles pelo art.° 204.°, n.° 2, aL g) do Código Penal.

Na verdade e analisando a prova produzida, constata-se que a mesma é insuficiente para se constatar que a actuação dos arguidos até à data identificados, integra os requisitos objectivos do crime de associação criminosa, designadamente a existência de uma estrutura hierarquizada e/ou com exacta divisão de tarefas e caracter de permanência no tempo.

Assim sendo a figura jurídica que corresponde à actuação descrita pelo Ministério Público é apenas a de bando, integrando-se a conduta em causa no disposto no art° 204.°, n.° 2, al. g) do CP.

Concorda-se igualmente com a Defesa quando refere que no caso vertente a prova produzida até à presente data contra o arguido GG... não corresponde a fortes indícios que permitam a aplicação da medida de prisão preventiva, não tendo sido recuperados objectos na sua posse nem existindo outros elementos de prova que o identifiquem como co-autor de todos os factos ilícitos descritos.
O arguido tem antecedentes criminais e encontra-se no decurso de suspensão de pena de prisão.

Alega exercer actividade profissional, tendo a mesma carácter precário.

Analisando os factos que se encontram indiciados há a referir que estes ocorreram num curto espaço de tempo mas demonstram uma atitude de reiteração que justifica a conclusão de que existe perigo de continuação da actividade criminosa.

Os autos encontram-se ainda numa fase inicial, importando identificar a conduta de outros comparticipantes.

Assim sendo, atenta a gravidade dos factos, o perigo de perturbação do decurso do inquérito e o perigo de continuação da actividade criminosa, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo em liberdade, sujeito à medida de apresentações semanais, no posto policial da área da sua residência e à proibição de contactar por qualquer meio os co-arguidos FF..., MM... e RR…, artºs. 191.°, 193.°, 194.°, 196.°, 198.°, 200.° e 204.°, als. b) e c) do C.P.P.. (...)".

Do recurso interposto pelo Ministério Público foram extraídas, a final, as seguintes conclusões:
(• • .)
1.º Em sede de primeiro interrogatório judicial do arguido GG… ocorrido no dia 23/11/2018, o Ministério Público entendeu que se encontrava fortemente indiciada a prática pelo mesmo de todos os factos constantes do despacho de apresentação de arguido detido, os quais são susceptíveis de integrar a prática, em concurso real, dez crimes de furto qualificado p. e p. cada um deles pelo art. 204.°, n. ° 2, al. g), com pena de prisão de 2 a 8 anos e um crime de associação criminosa, pelo que promoveu a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva.
2.º E fê-lo, em face da prova existente no processo, por entender que resulta evidente o perigo da continuação da actividade criminosa, o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
3.º Entendeu porém a Mm.a JIC que inexistiam outros elementos de prova que o identifiquem como co-autor de todos os ilícios descritos, considerando existirem apenas indícios suficientes, e não fortes, da autoria dos factos pelo arguido GG....
4.ºAcontece que os factos ilícitos em causa encontram-se amplamente sustentados em todos os elementos de prova já recolhidos nos autos e indicados no despacho de apresentação, de onde se destacam os relatórios de vigilância delis. 38 e 39, 48 a 53, 57 a 68, 70 a 74 e 139 a 144, concatenados com as reportagens fotográficas aos veículos, autos de busca e apreensão e inquirições nos diversos NUIPC's já identificados.
5.º O arguido GG… foi identificado pelas autoridades policiais, tal como consta dos relatórios de vigilância, como co-autor dos furtos qualificados que deram origem ao NUIPC 1198/18.7PLLSB, NUIPC 1197/18.9PLLSB, NUIPC 631/18.2PIRS, NUIPC 1655/18.5PULSB, NUIPC 847/18.1PBLRS, NUIPC 2036/18. 6PSLSB e NUIPC 1248/18.7PLLSB, pois nas concretas datas e horas constantes em tais relatórios de vigilância, o arguido GG..., em conjunto com os demais co-arguidos FF... e PP…, retirou os conjuntos de pneus e jantes a diversos veículos, com a ajuda de
um macaco, com o que os levantava, e posteriormente transportava para o interior de uma carrinha marca Ford, matrícula 2……
6.º Concorre ainda para a prova de tais ilícitos, praticados pelo arguido GG…, em co-autoria com os demais co-arguidos, a recuperação dos objectos furtados que foram encontrados em várias buscas, nomeadamente conjuntos de jantes e pneus, que constam dos autos de busca e apreensão de fls. 308/309, de fls. 340 a 345, de fls. 145 a 148 e 152 a 153, de fls. 303 e 304, bem como os correspondentes autos de exame e avaliação.
7.º Na garagem sita na Estrada…, Lisboa, utilizada pelo co-arguido MM..., foram encontrados e apreendidos três conjuntos de quatro jantes e pneus, marca Renault, e um macaco usado para levantar veículos.
8.º Na arrecadação sita na Praça… Lisboa, utilizada pelo co-arguido FF..., foi encontrado e apreendido um conjunto de oito rodas, compostas por jantes de cor preta, marca Renault, com Pneus Michelin Energi, com as medidas 195/55/R16, oito rodas compostas por jantes de cor cinzenta, marca Renault, com pneus Michelin Energi, com as medidas 195/55/R16, e quatro rodas, compostas por jantes de cor preta marca Renault, com pneus marca Continental com as medidas 195/55R16 e ainda quatro jantes de cor preta sem marca visível, usadas e colocadas em caixas de papel.
9.º Na arrecadação sita no Bairro… Lisboa, utilizada pelo arguido GG..., foi apreendido, a fls. 303 a 307, uma caixa de cartão, com a inscrição "GG…" manuscrita numa das faces contendo no seu interior, uma caixa de luvas de cor preta.
10.º O arguido GG... era visualizado pelos agentes policiais, em vários momentos da prática dos factos, calçando um par de luvas de cor preta, semelhantes às que foram apreendidas na sua arrecadação.
11.º Foram ainda apreendidas quatro rodas, compostas por um conjunto de jantes de cor preta de marca Citroen com pneus medidas 205/45R17, no Stand denominado C...Ldª", e na oficina sita na Avenida ….., foram apreendidas duas viaturas equipadas com conjuntos de quatro jantes com pneus cada uma e outro conjunto de quatro rodas, compostas por um conjunto de jantes de cor preta marca Smart.
12.º A identificação do arguido GG... como co-autor material dos crimes de furto qualificado, que deram origem aos inquéritos
supra identificados, e pelos factos aí constantes, resulta, deste
modo, da actividade das autoridades policiais, que efectuaram
seguimentos e vigilâncias às movimentações dos arguidos, de modo muito próximo e que se encontram pormenorizadamente descritas nos relatórios de vigilâncias juntos aos autos principais.
13.º Tais relatórios de vigilância, demonstram a ocorrência dos furtos e do concreto modo de actuação do arguido GG... em tais ilícitos.
14.º– Os mencionados elementos de prova não foram apreciados aquando da prolaçã o do despacho ora em crise, porquanto à revelia de tais elementos, considerou a Mm.a JIC inexistir prova que o identificasse como co-autor de todos os factos ilícitos descritos.
15.º Os relatórios de vigilância constituem elementos de prova comuns a todos os inquéritos, nomeadamente os supra referidos e foram indicados no despacho de apresentação, não se podendo negar que constituem fortes indícios da autoria de tais factos por parte do arguido GG.
16.º Deveria a Mm. ° JIC ter aplicado a medida de coacção, de prisão preventiva, ao arguido, GG..., por se verificarem os pressupostos de facto e de direito para a sua aplicação.
17.º Dispõe o art.° 202.°, n.° 1, al. a), c) e d), do C. P. Penal, que a prisão preventiva é aplicável desde que haja fortes indícios de um agente ter cometido crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior, em abstracto, a 5 (cinco) anos, a prática de crime doloso a que corresponda criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos e houver fortes indícios da prática de furto qualificado, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
18.º A expressão "fortes indícios" constitui uma exigência acrescida de probabilidade de condenação relativamente ao conceito de "indícios suficientes", sendo uma conditio sine qua non
e não o fundamento da imposição das medidas cautelares, estabelecendo apenas o seu limite.
19.º A natureza dos ilícitos aqui em causa, por parte de GG..., bem como o seu modo de actuação, grupal e de forma reiterada e premeditada, com os demais co-arguidos, tendo ainda em conta que a propagação deste tipo criminal, que atenta contra o património, caso não seja de imediato cessada, faz surgir um sentimento geral de impunidade, tornam evidentes os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
20.º O arguido GG..., actuando em bando com os demais co-arguidos, praticou no espaço de 3 semanas, 10 crimes de furto qualificado.
21.º O arguido alegou exercer actividade profissional, de carácter precário, não possuindo contrato de trabalho.
22.º Tendo em conta todos os factores relativos aos crimes, e às condições pessoais e de vida do arguido, ressalta de forma evidente que este faz da prática de furtos o seu modo de vida e subsistência, de onde surge igualmente o forte perigo de continuação da actividade criminosa.
23.º Aos perigos referidos supra, acresce a perturbação da ordem e a tranquilidade públicas que este fenómeno acarreta, e que despoleta no cidadão um sentimento de insegurança e vulnerabilidade dos seus bens materiais.
24. Atenta a dimensão da actividade dos arguidos, bem como a existência de suspeitos não constituídos arguidos e outros por identificar, verifica-se um concreto perigo de perturbação do inquérito, pois uma vez em liberdade facilitará a ocultação de bens subtraídos, bem como poderá alertar os demais sujeitos envolvidos, ainda não constituídos arguidos, fazendo perigar a aquisição e conservação da prova, inquinando ou manipulando provas.
25.º Acresce que, por despachos datados de 06 e de 27 de Novembro de 2018, portanto um anterior e outro posterior à decisão de que ora se recorre, foram aplicadas neste processo, por diferentes Mm°s. Juízes de Instrução Criminal, aos arguidos FF... e PP.., pela mesma factualidade, assente nos exactos mesmos
meios de prova e com fundamento nos mesmos perigos, a prisão preventiva, o que desde logo deixa entrever deficiências na apreciação da prova existente relativamente ao arguido GG.…
26.º Não se poderá o Ministério Público conformar com a aplicação de diferentes medidas aos três arguidos, sendo os factos, meios de prova e perigos considerados exactamente os mesmos, com a agravante de o arguido GG…, ao qual não foi aplicada a medida de prisão preventiva, ter no momento da aplicação da medida coactiva no âmbito destes autos, ao contrário dos demais arguidos que se encontram presos preventivamente à ordem destes autos, duas penas de prisão suspensas pendentes contra si, o que torna mais premente quanto ao mesmo o perigo de continuação da actividade criminosa, uma vez que se conclui que a aplicação das penas suspensas na sua execução não serviu de advertência suficiente ao arguido para o coibir de continuar a praticar factos ilícitos.
27.º Não se compreende, nem será certamente a bem da justiça material, que acerca dos exactos mesmos factos, praticados em co-autoria por três arguidos, nos mesmos momentos, com base nos mesmos indícios, sejam aplicadas diferentes medidas de coacção a cada um, umas privativas e outras não privativas da liberdade.
28.º Por tudo o que antecede, tendo ainda em consideração que o arguido possui já antecedentes criminais registados, pela prática de crimes de roubo e tráfico de estupefacientes, tendo à data da realização de 1.° interrogatório judicial pendentes duas penas suspensas contra si, conjugada com a sanção penal que previsivelmente lhe será aplicada, de prisão efectiva, tem-se por adequada e proporcional, ao caso em apreço, e às exigências cautelares que se fazem sentir, a aplicação da prisão preventiva.
29.º Quanto à medida de coacção de obrigação de apresentações semanais no posto policial, e proibição de contactos com os co-arguidos, que foi aplicada ao arguido consideramos praticamente improfícua quanto às necessidades cautelares que urge prevenir.
30.º As medidas de coacção aplicadas pela Mm.° Juiz de Instrução ao arguido não são suficientes, adequadas e proporcionais às necessidades cautelares que, no caso concreto, importa prevenir, e violam o disposto nos artigos 191.° 193.°, 202.°, n. ° 1, alíneas a) e d) e 204.°, todos do Cód. Processo Penal.
31.º Por tudo o exposto, deve ser revogado o despacho proferido pela Mm. a JIC, que aplicou ao arguido GG…, tão só as medidas de coacção de apresentações semanais, no posto da área policial da sua residência e à proibição de contactos com os co-arguidos FF..., MM... e RR..., e ser estas medidas substituídas pela prisão preventiva, mantendo-se a proibição de contactos com os demais co-arguidos.
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser o despacho recorrido objecto de revogação, e substituído por outro que aplique ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, por ser adequada, necessária e proporcional às necessidades cautelares que o caso requer e que urge prevenir (...)".
Notificado da interposição do recurso, apresentou o arguido a respectiva "resposta", onde, a final, formulou, também, as seguintes conclusões:
CC(...)
1. Entende o recorrente MP, quanto ao arguido GG... que, resultam dos autos fortes indícios da prática, em co-autoria, e em concurso real, dez crimes de furto qualificado p. e p. cada um deles pelo art. 204.°, n.° 2, al. g), com pena de prisão de 2 a 8 anos e um crime de associação criminosa.
2.º Acontece que, analisando de forma isenta, objectiva e imparcial os elementos de prova referidos a fls. 417 e 419, facilmente se consta que, os indícios contra o requerente, na esmagadora maioria dos inquéritos nem sequer são suficientes, senão vejamos:
a)-Limitam-se ao auto de notícia, autos de inquirição e fotografias;
b)-Inexiste, qualquer auto de reconhecimento presencial (nem sequer fotográfico);
c)- Impressões digitais;
d)- Prova Pericial;
e)-Intercepçõestelefónicas;
f)
-Localização celular;
g)-Não foi apreendido na sua posse qualquer objecto proveniente dos furtos ou que, permita conectá-lo com os factos.

3.º Em alguns poucos, inquéritos, existem relatórios de vigilâncias, os quais, na óptica do OPC, o requerente seria um dos intervenientes, todavia importa salientar que, tais relatórios:
a)-Não são meios de prova, pois destinam-se a obtenção de elementos destinados a sustentar o pedido de passagem de mandados de busca;
b)-Porém a prova propriamente dita, é a que for obtida com as buscas e revistas efectuadas;
c)-Aliás, analisando a sistemática do CPP, debalde se constata, que as buscas são meios de obtenção de prova (titulo III do livro III) e não meios de prova (titulo II do mesmo livro).
d)-Assim sendo as vigilâncias mais não são do que meios instrumentais para a obtenção de mandados de busca.

4.º A prova, propriamente dita, é que resultar das buscas, as quais in casu, em nada se traduziram.
5.º Em face do supra exposto, entendeu e bem, a Mm.º JIC, que os indícios existentes contra este arguido, não são fortes, motivo pelo qual, por inadmissibilidade legal (art.° 202.0, n.° 1, al. a) do CPP, não lhe poderia ser aplicada medida privativa da liberdade.
6.º No despacho recorrido considerou-se que, quanto a este arguido apenas se verificavam os perigos de perturbação do decurso do inquérito e o perigo de continuação da actividade criminosa.

7.º E bem assim que, para salvaguardar tais perigos, é suficiente e adequada a sujeição do arguido, cumulativamente, às seguintes medidas de coacção de:
a)- Apresentações semanais, no posto policial da área da sua residência (art.° 198 do CPP);
b)- À proibição de contactar por qualquer meio os co-arguidos BB…, CC… e DD…, 200.°, n.° 1, al. d) do C.P.P.

8.º Não assiste razão ao recorrente quando argumenta a favor da prisão do recorrente o facto de a dois outros co- arguidos, pelos mesmos indícios, ter sido aplicada prisão preventiva.

9.º Porque tal afirmação não corresponde ao que consta dos autos porquanto:
a)- A actuação em co-autoria, não pressupõe, logicamente, que os indícios sejam os mesmos para todos os comparticipastes;
b)- Ao contrário de co-arguidos, ao requerente não foi, conforme supra referido e ora reiterado, apreendido qualquer objecto relacionado com os crimes em causa nestes autos, tudo se resumindo, quanto a ele, a meras vigilâncias;
c)- Finalmente não é pelo facto de aos co-arguidos ter sido aplicada prisão preventiva, que a decisão recorrida é injusta, ou contém "deficiências na apreciação da prova", pelo contrário a medida de coacção aplicada aos co-arguidos é que foi exagerada e desproporcional.

10.º Por todo o exposto as medidas de coação aplicadas a este arguido, são suficientes e adequadas a acautelar os perigos que, quanto a ele se verificam.
11.º A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, mormente as invocadas pelo recorrente.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo M.P. (...)".
O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito não suspensivo *
Neste Tribunal a Exm.a Sr.a Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu "visto".
Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, ao qual foram correctamente fixados o efeito e o regime de subida. Não existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal.

2— É o objecto do recurso em causa, à luz das respectivas conclusões, a existência de indícios suficientes da prática dos imputados crimes e a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação da prisão preventiva ao arguido GG..., sendo que aos demais co-arguidos, pelos mesmos factos, alicerçados nas mesmas provas e precavendo-se idênticos perigos, fixou o tribunal como medida de coacção a prisão preventiva.

Vejamos:

Analisados os elementos probatórios já trazidos aos autos, começa-se por dizer que se considera suficientemente indiciada a prática dos crimes imputados ao aqui arguido GG... Aliás, o mesmo, na sua "resposta", até nem se insurge contra a referida imputação!

Efectivamente, à luz da definição dada pelo art.° 283.°, n.° 2, do C.P.P. - diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem -, "suficientes indícios" existem sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Assim, ante os evidentes e robustos elementos probatórios já constantes dos autos, não poderá deixar de perspectivar-se uma muito provável e sustentada futura condenação do arguido GG….

Deste modo, indiciariamente comprovado nos autos o envolvimento deste na prática dos factos que lhe estão a ser imputados, em co-autoria com outros agentes, a medida de coacção sempre haveria de lhe ter sido fixada.

Agora, pergunta-se: Foi a "obrigação de apresentações semanais no posto policial da área da sua residência" e a "proibição de contactar, por qualquer meio, com outros arguidos" a medida coactiva mais ajustada, quer à gravidade dos factos, quer à sanção previsivelmente aplicável, quer, principalmente, às respectivas exigências cautelares?

Entende-se que não!

Desde logo, não é compreensível nem justificável que, estando vários arguidos envolvidos na prática dos crimes aqui em causa, à luz, essencialmente, dos mesmos meios probatórios, aos outros tenha sido imposta, como medida coactiva considerada como mais ajustada às circunstâncias, a prisão preventiva, enquanto que ao arguido GG…, que até tem contra si duas penas de prisão suspensas na sua execução, já foi fixada, tão só, a "obrigação de
apresentações semanais no posto policial da área da sua residência" e a "proibição de contactar, por qualquer meio, com outros arguidos".

Depois, a decisão recorrida, no nosso modo de ver, é contraditória nos seus próprios fundamentos. Afinal, há indícios, ou não, da prática dos crimes, também, por parte do arguido GG…?

Se não há indícios, que terão de ser fortes, necessariamente, como a decisão recorrida bem o reconhece, como é que, logo depois, na mesma decisão, visando-se o comportamento do aqui arguido, já se diz que "os factos se encontram indiciados, que os mesmos ocorreram num curto espaço de tempo, que estes indiciam uma atitude de reiteração e que existe perigo  de continuação da actividade criminosa"!? (sublinhado nosso).

Por outro lado, se o tribunal "a quo" não relevou positivamente todas as provas indiciariamente já carreadas para os autos e considerou como justificação para a não imposição da prisão preventiva o facto de "não terem sido recuperados objectos na posse do arguido GG... que o identifiquem como co-autor de todos os factos ilícitos descritos", como se isto, só por si, fosse bastante para justificar a decisão recorrida, pergunta-se, então, com base em que elementos probatórios se sustentou o mesmo tribunal para concluir que os factos em causa são graves e que os mesmos integram a prática, pelo referido arguido, em co-autoria material, de dez crimes de furto qualificado!?

A verdade, porém, à luz das provas já constantes dos autos, designadamente os relatórios de vigilância, é que o envolvimento directo e activo do arguido GG… na prática dos crimes aqui em causa é por demais evidente, pelo que, com o respeito devido, não se compreende a conclusão extraída pelo tribunal "a quo", o qual, como se referiu, se contradiz na respectiva fundamentação.

E, porque assim se entende, pergunta-se: Se, como se reconhece, os autos se encontram numa fase inicial, importando apurar a conduta de outros comparticipantes, alguns deles já em prisão preventiva, não é mais do que previsível que, estando o aqui arguido em liberdade, faça o mesmo tudo aquilo que puder no sentido de perturbar a investigação, designadamente, como diz o Ministério Público na sua motivação de recurso, ocultando bens subtraídos, alertando os demais sujeitos envolvidos, ainda não
constituídos arguidos, fazendo perigar a aquisição e conservação de provas, etc.? Entende-se que sim!

Ora, prevendo os chamados P°s. da Adequação e da Proporcionalidade, preceitua o art.° 193.°, n.° 1, que "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas", sendo que, nos termos do seu n.° 2, "a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção", privilegiando a lei a opção por esta última sempre que se justificar a privação da liberdade, conforme o n.° 3 do preceito em causa.

Estas são, pois, medidas de excepção.

Por outro lado, relativamente às "condições de aplicação das medidas coactivas", dispõe o art.° 204.° que "nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no art.° 196.° (T.I.R.), pode ser aplicada se, em concreto, se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a)- Fuga ou perigo de fuga;
b)- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas".
No que à possibilidade de aplicação da "prisão preventiva" importa, já que é ela que aqui está em causa, dispõe o art.° 202.°, n.° 1, que "se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos;
b)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a três anos;
d)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e)-Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão".

Contudo, como já se referiu, para que se opte pela prisão preventiva como medida de coacção é necessário que se verifique, cumulativamente com qualquer um dos pressupostos constantes do referido art.° 202.°, pelo menos, uma das condições ou requisitos descritos no citado art.° 204.°.

Assim, a prisão preventiva, enquanto medida de coacção, só poderá ser aplicada quando todas as outras se mostrarem inadequadas ou insuficientes, tendo a mesma, como diz Tolda Pinto in "A Tramitação Processual Penal", 21.' Edição, um carácter residual ou subsidiário, o que resulta, aliás, do princípio constitucional consagrado no art.° 28.° da C.R.P.: "O recurso aos meios de coacção deve orientar-se pelos princípios da sua necessidade e menor intervenção possível (...) e é no âmbito da prisão preventiva (enquanto meio de coacção mais gravoso) que se afirmam com particular intensidade aqueles princípios, especialmente o da necessidade", refere, ainda, o mesmo autor.

Germano Marques da Silva, por sua vez, in "Curso de Processo Penal", II Vol., págs. 243, sgs., também diz que "não pode nunca esquecer-se o princípio constitucional da presunção de inocência que impõe que as medidas de coacção e de garantia patrimonial sejam na maior medida possível compatíveis com o estado processual de inocência inerente ao momento em que se
encontram os arguidos a quem são aplicadas e por isso que, ainda que legitimadas pelo fim, devam ser aplicadas as menos gravosas, desde que adequadas".

Deste modo, reportados, novamente, ao caso dos autos, como foi já referido, a prática dos imputados crimes mostra-se fortemente indiciada, contrariamente ao entendido na decisão recorrida.

Por outro lado, os apontados perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, reconhecidos, até, na decisão recorrida, são bem reais e justificam, por demais, a opção feita pela medida coactiva mais grave. Veja-se que o aqui arguido, sem trabalho certo e regular, tem antecedentes criminais, praticou os factos em investigação no decurso da suspensão da execução da pena e actuou em grupo, o que indicia uma indisfarçável propensão para a prática de actividades ilícitas, designadamente de natureza criminal, fazendo-o como modo de vida e segundo planos pré definidos.

Depois, se a simples prática deste tipo de crimes, só por si, já desperta um grande sentimento de repulsa e intranquilidade social, a actuação concertada e em grupo dos respectivos agentes mais faz acentuar o referido sentimento, que se transforma, muitas vezes, em pânico.

Importa, pois, acautelar os perigos em causa, o que só será possível através do recurso à prisão preventiva, como bem se decidiu relativamente aos demais arguidos, os quais, aliás, até devem evidenciar alguma perplexidade ante a medida coactiva fixada pelo tribunal "a quo" ao arguido GG..., indiciando uma dualidade de critérios.

Assim sendo, concedendo-se provimento ao recurso, haverá de revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra, que, agora, aplique a prisão preventiva ao arguido GG... como medida de coacção.

3 Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, a qual substituem por outra que fixa ao arguido GG..., como medida de coacção, a prisão preventiva.
Sem custas.
Notifique.
Passem-se, oportunamente, os respectivos mandados.


Lisboa, 28/02/2019


Almeida Cabral
Fernando Estrela