Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4420/15.8T8LSB-A.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PROCESSO LABORAL
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I-A reconvenção é admissível em processo laboral: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a acção por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
II-Quando o pedido reconvencional tem por objecto a compensação de créditos, o réu, além de invocar o contracrédito, tem de formular na contestação a declaração de compensação (art.s 847.º e 848.º, n.º 1 do CC), só podendo ser admitido o pedido até esse montante.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:


Autora (também designado adiante, por comodidade, abreviadamente por) AAA, Rés (adiante designada por RR. /recorrentes): BBB e CCC.
A A. demandou as RR. alegando designadamente resolução do vinculo laboral pela trabalhadora, com justa causa, retribuições em divida e danos não patrimoniais.
Estas contestaram, pedindo a absolvição do pedido e, em reconvenção, a condenação da A. a pagar 105.092,96 €, ou subsidiariamente € 90.588,69 €, operando a compensação de € 7.065,65 entre o crédito da A. e o pedido reconvencional.
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No saneador o Mmo Juiz pronunciou-se sobre a reconvenção destarte:
Vem a R, na sua contestação, deduzir pedido reconvencional contra a A.
Esta, notificada, impugnou os fundamentos desse pedido.
Tudo visto, cumpre desde já decidir da admissibilidade da reconvenção.
Dispõe o artigo 30.°, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho:«Sem prejuízo do disposto no n.º 3, do artigo 98.°-L, reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.0 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.0 da Lei n.º  52/2008, de 28 de Agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal».
Esta norma vem restringir o âmbito de admissibilidade da reconvenção previsto no artigo 266º do Código de Processo Civil. Assim, aqui já não se prevê a dedução de pedido reconvencional fundamentado e factos que sirvam apenas de suporte à defesa.  (1)

Como impressivamente decidiu o Supremo Tribunal de Justiça,
"1.O sentido da expressão "facto jurídico que serve de fundamento à acção" empregue na primeira parte do n.º 1 do artigo 30 do Código de Processo do Trabalho, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática, só pode ser entendido como referindo-se à causa de pedir, "ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão". 2. Por outro lado, o que se extrai do texto das conjugadas alíneas o) e p) do artigo 85. da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, é que as relações de conexão aí em causa são as que emergem entre as questões reconvencionais e a acção, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência. 3. Assim, nos termos do n.º 1 do citado artigo 30.°, a reconvenção é admissível: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a acção por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos. 4. Tendo o autor fundamentado a acção na ilicitude do despedimento promovido sem a precedência de processo disciplinar, não é admissível a reconvenção deduzida pela empregadora, cuja causa de pedir assenta no não cumprimento, por parte do autor, do contrato de trabalho celebrado entre as partes." (2)

No caso vertente, a R, na reconvenção, deduz o seguinte pedido: indemnização pelos prejuízos emergentes da violação de pacto de não concorrência ou, subsidiariamente, por ilícito aliciamento de diversos trabalhadores da R para que passassem a trabalhar para empresa concorrente.
Ora, esta pretensão emerge de factos diversos daqueles que fundamentam o pedido. Assim, a A invoca a justa causa na sua resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de créditos salariais vencidos e não pagos para sustentar os pedidos deduzidos contra a R. Já a R se defende lançando mão da violação dos deveres da A enquanto sua trabalhadora.
Existe manifesta contradição entre ambos os fundamentos, sendo que a posição assumida pela R na sua contestação configura uma clara defesa por excepção.
Apenas será de admitir tal pedido reconvencional na medida em que a R declara pretender operar a compensação de créditos. (3) Contudo, esta compensação estará sempre limitada ao valor reconhecido pela R como estando em dívida.
Como é sabido, a compensação é uma das causas de extinção das obrigações e depende da existência de créditos recíprocos que, além do mais, sejam judicialmente exigíveis — artigo 847.° do Código Civil. Ou seja, a R. apenas pode lançar mão deste instituto relativamente ao montante de que se reconhece devedora para com a A, a saber: 7.065,65 € (cfr. artigos 314.° e 386.° da contestação). Aliás, nem outro entendimento faria qualquer sentido.
Quanto ao pedido indemnizatório pelos prejuízos, o mesmo seria sempre de indeferir por manifesta inadmissibilidade [sobre situação semelhante, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/01/1996: "1 — Em processo laboral a reconvenção está restringida aos casos em que o pedido do réu emerge do facto que serve de fundamento à acção. II — Se a acção tem por fundamento o despedimento ilícito e o não pagamento de retribuições, não é possível a reconvenção fundada em prejuízos causados pelo Autor (trabalhador) à Ré (entidade patronal)"]. (4).
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/05/1999, (5) versando sobre caso em que o pedido principal se funda em rescisão do trabalhador com invocação de justa causa, dispõe no mesmo sentido.
Face ao exposto, admitimos o pedido reconvencional deduzido pela R limitado ao valor de € 7.065,65, acrescido de juros de mora, para efeitos de se operar a pretendida compensação.

(1)V. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/1999, BMJ, 485, pág. 480.
(2)Acórdão de 03/05/2006 (www.dgsi.pt)
(3)Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/05/1991,  BTE, 2.a Série, n.º 1-2-3/92, pág. 313.
(4) CJ, 1, pág. 62.
(5) BMJ, 487, pág. 373.
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Inconformadas, as RR. recorreram, concluindo:
a)A decisão recorrida é nula por violação do disposto na alínea c) do artigo 615.º do C.P.C., ex vi do artigo 1.°, n.º 2, alínea a) do C.P.T.;
b)Os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo estão em clara oposição com a decisão;
c)O pedido reconvencional foi admitido com base nos seguintes argumentos: (a) "a reconvenção é admissível (...) (N) quando o réu invoca a compensação de créditos", (b) nos termos da alínea p) do artigo 85 da Lei n.º 3/99, a compensação dispensa a "conexão" e (c) "a compensação é uma das causas de extinção das obrigações e depende da existência de créditos recíprocos que, além do mais, sejam judicialmente exigíveis;
d)Seguindo um raciocínio lógico com base em tais premissas, o Tribunal a quo teria, necessariamente, de concluir pela admissão do pedido reconvencional sem qualquer reserva ou limitação de valor;
e)Tendo o pedido reconvencional sido admitido pelo Tribunal a quo para fazer operar a compensação e se a compensação exige a existência "créditos recíprocos", como o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo reconhece, apenas a prova dos créditos objeto dos autos e dos respectivos montantes permite operar a compensação a final.
f)Falta um nexo lógico entre as premissas que o Tribunal a quo apresenta e a conclusão que alcança;
g)Os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo, pelo seu alcance e significado, conduzem a uma decisão diferente da proferida, qual seja a de admitir o pedido reconvencional nos termos e pelos montantes peticionados pela 1ª Ré Apelante;
h)A decisão sob recurso é obscura e ambígua, o que a torna ininteligível quanto aos seus fundamentos, sendo por isso nula, nos termos do disposto no artigo 615°., n.º 1, alínea c) do C.P.C., ex vi do artigo 1.°, n.º 2, alínea a) do C.P.T.;
i)As Apelantes não sabem o que o Tribunal a quo quis dizer com a afirmação "existe manifesta contradição entre ambos os fundamentos";
j)Se, por um lado, parece que a tal afirmação quer significar que não existe conexão entre o pedido da Autora e o pedido reconvencional; por outro lado, atento o enquadramento jurídico que o Tribunal a quo apresenta (artigo 30.° do C.P.T.) e que remete para a alínea o) do artigo 85.° da Lei n.º 3/99, nos termos do qual são dispensadas quaisquer relações de conexão em situações de compensação, como é o caso dos autos, não parece ser esse o sentido de tal afirmação;
k)Se o Tribunal a quo pretendeu dizer que não existe conexão entre o pedido da Autora e o pedido reconvencional, tal afirmação cai em absoluta contradição com a base legal que o Tribunal a quo invoca para admitir o pedido reconvencional;
l)Se assim é, então, a decisão para além de obscura é também ambígua, por a mesma ser suscetível de interpretações contraditórias;
m)Não compreendem também as Apelantes a afirmação de "que a posição assumida pela R. na sua contestação configura uma clara defesa por excepção", quando nos presentes autos não foi apresentada qualquer defesa por exceção;
n)A 1ª Ré Reconvinte invocou a compensação de créditos mediante a dedução de um pedido reconvencional que, aliás, veio a ser admitido - ainda que limitado ao valor do crédito da Autora, aqui Apelada -, e não através de defesa por exceção.
o)A decisão recorrida contém duas afirmações cujo alcance e significado as Apelantes não compreendem, sendo confusa, de difícil e contraditória interpretação.
p)Para além de nula, a decisão recorrida não interpretou, nem aplicou corretamente o Direito aos factos;
q)O n.º 1 do artigo 30º do Código de Processo do Trabalho, por remissão para a alínea o) do artigo 126º da atual Lei n.º 62/2013, prevê três situações de admissibilidade da reconvenção: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
r)A compensação de créditos, enquanto fundamento autónomo para a admissibilidade do pedido reconvencional, não pressupõe qualquer identidade entre os factos jurídicos ou uma relação de conexão com o pedido da ação, ao contrário do que parece ser o entendimento do Tribunal a quo – artigos 85.°, alínea p) da Lei n.º 3/99 (actual, artigo 126.°, n.º 1, alínea o) da Lei n.º 62/2013 e artigo 118.°, alínea p) da Lei n.º 52/2008;
s)A decisão recorrida confunde de forma flagrante as distintas situações de admissibilidade do pedido reconvencional em processo laboral;
t)Os arestos mencionados ao longo da decisão recorrida não são aplicáveis in caso, porque aí são apreciadas situações distintas daquela que é objeto dos presentes autos;
u)No caso sob judice, o pedido reconvencional é admissível porque a 1ª Ré Reconvinte reconheceu um crédito à Autora, aqui Apelada, e declarou querer operar a sua compensação;
v)Não se percebe a afirmação de que "a posição assumida pela R na sua contestação configura clara defesa por excepção", porque as Apelantes não apresentaram qualquer defesa por excepção;
w)A decisão de limitar o valor da reconvenção ao montante da compensação que se pretende operar é absolutamente contraditória, analisada quer à luz do quadro normativo processual anterior, quer do atual;
x)À luz do quadro normativo anterior, sempre que o valor da compensação fosse igual ou inferior ao valor do crédito do Autor, o Ré teria de recorrer à defesa por excepção; quando o crédito do Ré fosse superior ao crédito do Autor, a compensação apenas poderia operar mediante dedução de reconvenção;
y)Apenas esta interpretação era admitida, sob pena de tornar absolutamente inútil a alínea o) do citado artigo 126.°, na parte em que individualiza o caso da compensação para admitir o pedido reconvencional;
z)Atualmente, e em virtude da alteração introduzida pelo artigo 265.°, 2, alínea c), do C.P.C., a compensação implica sempre a dedução de reconvenção pela parte que pretende aproveitar-se da mesma;
aa)Atenta a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que limitou o valor do contra-crédito ao montante da compensação que se declarou pretender operar, apenas seria possível ao réu defender-se por exceção, o que não é admissível;
bb)Não é lícito ao Julgador reduzir oficiosamente o valor de um pedido reconvencional, assim como não pode reduzir o valor de uma ação,
cc)Ao limitar a admissibilidade do pedido reconvencional ao valor de € 7.065,65, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 30°., n°. 1 do C.P.T., na alínea o) do artigo 126°,  da Lei n°. 62/2013, de 26 de Agosto (anteriormente, alínea o) do artigo 85°. da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro), na alínea p) do artigo 118°. da Lei n°. 52/2008, de 28 de Agosto, e no artigo 265.°, n°.1 do C.P.C;
dd)Da conjugação dos referidos preceitos legais resulta que o pedido reconvencional, no qual é invocaria e requerida a compensação de créditos, dispensa a invocação de quaisquer relações de conexão e que o valor do crédito invocado pelo Réu Reconvinte, para efeitos de compensação, deve ser integralmente admitido e não limitado ao contra-crédito do Autor;
ee)É vasta e pacífica a jurisprudência a admitir pedidos reconvencionais em casos em que o réu invocou querer compensar um crédito de valor superior ao pedido da ação;
ff)A decisão recorrida, além de profundamente ilegal e injusta, põe em causa o acesso ao Direito e à Justiça, princípio constitucional previsto no artigo 20.0 da C.R.P.;
gg)Até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, as Apelantes estão impedidas de reclamar o valor excedente do pedido que reclamam, sob pena de haver quem entenda que existe uma situação de litispendência;
hh)A decisão ora recorrida, pelas razões acima indicadas, deve ser revogaria e substituída por outra que admita o pedido reconvencional, pelos valores peticionado pela 1ª Ré Reconvinte.
Remata impetrando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita o pedido reconvencional pelos valores pedidos.
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A A. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso, concluindo:
A.Dizem as presentes contra-alegações respeito ao recurso interposto pelas RR. em face do despacho saneador proferido pelo douto Tribunal a quo na parte em que admitiu o pedido reconvencional deduzido pela 1ª Ré "limitado ao valor de € 7.065,65, acrescido de juros de mora, para efeitos de se operar a pretendida compensação."
B.Alegam as Rés a nulidade da decisão recorrida por considerarem que os fundamentos estão em oposição com a decisão, de acordo com o previsto no artigo 615,   n.º 1, alínea c), do CPC.
C.Porém, existe um nexo mais que lógico entre as premissas e as conclusões.
D.As RR., na reconvenção deduzem os seguintes pedidos: indemnização pelos prejuízos emergentes da violação de pacto de não concorrência (pedido 2 da Contestação) ou, subsidiariamente, por danos diretos e lucros cessantes com origem no alegado aliciamento de diversos trabalhadores da Primeira R. para iniciarem atividade na empresa dita concorrente (pedido 3 da Contestação). As RR. pedem, ainda, a título principal ou subsidiário, a compensação do crédito da Autora reconvinda no valor líquido de € 7.065,65 com o montante peticionado na reconvenção (pedido 4 da Contestação).
E.Sabendo que a A. - aqui Recorrida – fundamentou a sua P.I. na justa causa de resolução do seu contrato de trabalho e no pagamento de créditos salariais vencidos e não pagos pelas RR., é manifesta a contradição e falta de conexão entre a causa de pedir da P.I. e as causas de pedir subjacentes aos pedidos 2 e 3 da Reconvenção.
F.É evidente que se tratam de factos diversos, não existindo qualquer relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
G.Andou pois bem o Mmo Juiz a quo ao considerar não serem admitidos os pedidos reconvencionais números 2 e 3 da Reconvenção.
H.Os pedidos formulados num pedido reconvencional, funcionam de forma autónoma entre si, o que significa que o Julgador pode decidir aceitar determinado pedido, por o mesmo ser admissível perante a lei, e não admitir determinado pedido por ser contraditório com as disposições legais.
I.Por reconhecerem esta autonomia entre cada pedido, as RR. formularam os pedidos separadamente.
J.Questão diferente é o tratamento da compensação de créditos, uma vez que a o art.º 30, n.º 1, do CPT, o qual remete para o (revogado) art.º 85, alínea p) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (atual art.º 126, n.º 1, al. o) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), aceita a compensação de créditos como um fundamento para admissibilidade do pedido reconvencional, sem se exigir a verificação de relações de conexão, por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
K.Verificados os requisitos do artigo 847, n.º 1, do Código Civil, onde se conclui que a compensação é uma das causas de extinção das obrigações e depende da existência de créditos recíprocos que, além do mais sejam judicialmente exigíveis, o nosso Julgador considerou a possibilidade de existirem créditos recíprocos, não negando, por isso, a procedência do pedido reconvencional n.º 4.
L.É importante salientar que a compensação de créditos comporta sempre a declaração, por parte de quem a invoca, de que se confessa devedor de certa quantia à outra parte.
M.Há pois um reconhecimento expresso pelas RR. de que são devedoras à A. de € 7.065,65, e é exatamente a essa confissão que o Tribunal a quo dá relevância prática.
N.Conforme resulta aliás do seguinte excerto no despacho saneador "A R. apenas pode lançar mão deste instituto (leia-se compensação) relativamente ao montante de que se reconhece devedora para com a A., a saber: € 7.065,65. Aliás nem outro entendimento faria qualquer sentido".
O.As Rés sustentam ainda a sua alegação recursiva na ambiguidade e obscuridade da parte da decisão em que o Tribunal a quo defende que "existe manifesta contradição entre ambos os fundamentos", invocando a ininteligibilidade da decisão como outro fundamento da alegada nulidade prevista no art. 615, n.º 1, al. c) do CPC.
P.No entanto, este argumento não pesou na admissibilidade da compensação, a qual é aceite por força da aplicação do artigo 30, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho.
Q.Já concluímos que só pode existir um motivo com base no qual o Tribunal a quo não admitiu o pedido reconvencional na sua totalidade: a manifesta contradição entre os fundamentos do pedido da Autora, ora Recorrida, e os fundamentos das Recorrentes, no pedido reconvencional.
R. Em suma, o nosso Julgador admitiu a compensação, na medida exata em que os créditos eram recíprocos, e recusou o excedente do pedido reconvencional, devido à manifesta contradição entre as causas de pedir.
S.Com efeito, não se verifica qualquer obscuridade ou ambiguidade ao analisar a questão nestes moldes.
T.Carece também de fundamento a alegação da Recorrente, segundo a qual "A decisão recorrida padece ainda de outra violação de lei, e grave: é que não é lícito ao Julgador reduzir oficiosamente o valor de um pedido reconvencional, assim como não pode reduzir o valor de uma ação".
U.Com efeito, embora o juiz seja livre para o fazer, não houve propriamente uma redução do pedido ou do pedido de uma ação. Houve simplesmente a declaração de não admissibilidade de dois pedidos e a declaração de admissibilidade de outro pedido, simplesmente olhando aos fundamentos legais de admissibilidade dos pedidos reconvencionais, não olhando pois ao mérito, o qual é relegado para apreciação da prova que venha a ser produzida.
V.Repita-se, uma vez mais, o Mmo. Juiz, ao reconhecer o pedido de compensação de crédito, está verdadeiramente a reconhecer a confissão promovida pelas RR. de que eram devedoras à A. do valor de € 7.065,65, como aliás resulta logo do pedido formulado pelas RR.:
"deve ser declarada a compensação do crédito da Autora reconvinda no valor líquido de € 7.065,65 ( ... ).
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O DM do MºPº teve vista e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
As partes responderam ao parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – , se se verifica alguma das arguidas nulidades e se o pedido reconvencional é admissível.
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Factos provados: os descritos supra.
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Das nulidades
Arguem as recorrentes
a)oposição entre os fundamentos e a decisão (art.º 615/1/c, 1ª parte, do CPC);
b)ambiguidade e obscuridade da decisão (art.º 615/1/c, 2ª parte).
Apreciando e decidindo.
a)Existe oposição entre os fundamentos e a decisão quando há "um desconcerto formal ou estrutural entre os fundamentos e a decisão que se consubstancia no facto de aqueles caminharem num determinado sentido vindo, porém, a desaguar num sentido desarmónico" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.16, disponível, como todos os que citarmos doravante sem menção da fonte, em www.dgsi.pt). Ou seja, a motivação toda dirige-se num determinado sentido e eis senão que, a final, surge uma decisão de sentido contrário. "Só ocorre a causa de nulidade da al. c) do n.º 1 do art. 668 do CPC quando os fundamentos invocados pelo julgador conduzam logicamente, não ao resultado expresso na decisão mas um resultado diverso ou mesmo oposto" (STJ, acórdão de 11.10.2001). "A oposição entre fundamentos e decisão que constitui causa de nulidade só ocorre quando a construção da sentença, despacho ou acórdão é viciosa, isto é, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto" (STJ, acórdão de 7.2.2002).
É claro que aquilo que releva é o que o Tribunal exarou, e não o que a parte acha que devia ter escrito para chegar àquela decisão ("Os fundamentos de um acórdão são os aduzidos pelo juiz para neles basear a decisão, constituindo o respectivo antecedente lógico e não os fundamentos que a parte entende existir para, no seu entender se dever decidir de modo diverso" - acórdão STJ de 11.1.2000).
Entende a R. que os fundamentos invocados conduzem à admissão da reconvenção nos seus precisos termos.
O despacho recorrido assenta na seguinte lógica:
1.em processo laboral a reconvenção só é admissível quando o pedido do R. emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, ex vi art.º 30, n.º 1, do CPT;
2.a reconvenção não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas de violação do pacto de não concorrência ou, subsidiariamente, de aliciamento ilícito de trabalhadores da R.;
3.a R. defende-se por exceção;
4.o pedido reconvencional só é admissível na medida em que a R. pretenda operar a compensação de créditos;
5.a R. reconhece dever 7.065,65 €;
6.a compensação só pode ter lugar até este montante (7.065,65 €).
Com estes fundamentos admitiu o pedido reconvencional até ao aludido valor.
Forçoso é reconhecer, aqui chegados, que não há qualquer  contradição entre os fundamentos e a decisão - ao contrário do que existiria, sim, se a decisão fosse de admissão dos pedidos reconvencionais, como pretendido pelas recorrentes -, já que representa o corolário lógico dos pressupostos em que assenta.
O que as RR. pretendem é, na realidade, que a reconvenção seja admitida, permita-o a lei ou não, fazendo a instância laboral extravasar dos limites cominados no art.º 30, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de modo a nela passar a discutir-se tudo, nomeadamente as expectativas das RR. de verem reconhecidos pretensos créditos alheios ao facto que serve de fundamento à ação. Isso não pode ser acolhido. O pedido reconvencional nada tem a ver com o da ação e assim, salvo nos termos da compensação, não pode, logicamente, ser admitido.
Donde se verifica inexistir nulidade.
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b) ininteligibilidade por obscuridade ou ambiguidade
Esta questão é muito simples.
Obscuro é aquilo cujo sentido não se descortina (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anot., V, 151). Ambíguo é o que pode ter, razoavelmente, mais do que um sentido ou interpretação (Alberto dos Reis, idem; Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, 3ª ed., 1987, 168).
Ora, a decisão é perfeitamente clara e inteligível, e as RR. bem a entenderam.
As questões que as RR. suscitam não afastam esta óbvia conclusão.
Mas vejamo-las, de forma concisa.
Dizem as RR. que não entendem o trecho "existe manifesta contradição entre ambos os fundamentos".
O segmento do despacho em causa é este:

"No caso vertente, a R, na reconvenção, deduz o seguinte pedido: indemnização pelos prejuízos emergentes da violação de pacto de não concorrência ou, subsidiariamente, por ilícito aliciamento de diversos trabalhadores da R para que passassem a trabalhar para empresa concorrente.
Ora, esta pretensão emerge de factos diversos daqueles que fundamentam o pedido. Assim, a A invoca a justa causa na sua resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de créditos salariais vencidos e não pagos para sustentar os pedidos deduzidos contra a R. Já a R se defende lançando mão da violação dos deveres da A enquanto sua trabalhadora.
Existe manifesta contradição entre ambos os fundamentos, sendo que a posição assumida pela R na sua contestação configura uma clara defesa por excepção".
Porém entende-se perfeitamente: os fundamentos da ação não são os fundamentos da reconvenção.
Alegam ainda que não entendem a que propósito se fala em compensação quando o que deduziram foi reconvenção, não se tendo defendido, no seu entender, por exceção.
É sabido que um pedido de compensação pode relevar como exceção e como reconvenção. Até ao montante do pedido do A., como exceção; a partir de aí, como reconvenção (por todos cfr. a exposição de Marco Borges, in A Demanda Reconvencional, Quid Júris, 70 e ss.; Antunes Varela, Direito das Obrigações, 3ª ed., II, 182-183). Pelo menos pode ser e tem sido assim concebido (é um entendimento, havendo outros). E assim sendo, é óbvio que nunca poderia haver ininteligibilidade alguma neste segmento.
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Inexistem, pois, quaisquer nulidades.
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De fundo
Alegam as RR. que nos termos do disposto no art.º 126 da Lei n.º 62/2013, que revogou a Lei n.º 3/99, de 13.1 (Lei da Organização do Sistema Judiciário),
1-Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:
(...)
 n)Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
o)Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão; (...).
Embora trazendo à discussão a al. n), as recorrentes não se estribam nela. O que se mostra avisado, já que, nos termos do art.º 30, n.º 1, do CPT, a conexão sempre teria de ser com a ação, o que manifestamente não acontece aqui (por todos cfr. o acórdão da Relação do Porto de 27-10-2008: "1. “I - De acordo com o art. 30º do CPT, “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido no art. 85º da Lei 3/99 de 13.1, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal”. II - O art. 85º do citado diploma (LOFTJ) estabelece na sua alínea p) que compete aos Tribunais de Trabalho conhecer das “questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação em que é dispensada a conexão”. Na alínea anterior, al. o), referem-se “questões… emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência…” III - Se a Autora pede a condenação da ré a pagar-lhe as quantias decorrentes da cessação do contrato de trabalho e a ré, por seu turno, pede a condenação da autora em € 15.000,00, por danos provocados na sua imagem e credibilidade, por a autora ser procurada no âmbito de processo criminal a correr contra ela, é claro que entre os pedidos da A. e Ré não existe qualquer nexo ou ligação de acessoriedade, complementaridade e dependência, pelo que a reconvenção deduzida é inadmissível, já que o pedido da ré é perfeitamente estranho ao pedido da autora e não foi invocada compensação)".
Louvam-se, sim, no segmento final da al. O) do aludido art.º 126: "salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão".
E referem que essa situação dispensa outros requisitos, sendo que até o próprio acórdão do STJ o reconhece na fundamentação. Vejamos, então, a fundamentação do dito acórdão:

"A admissibilidade da reconvenção está dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros, agora de carácter processual ou adjectivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.
(...) Saliente-se que, enquanto a alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil, admite a reconvenção «[q]uando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa», o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, pelo que, no domínio do processo laboral, não é admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
(...) Esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa claramente «evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção [...]».
(...) O n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho estabelece a admissibilidade da reconvenção «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro».
Ora, quer o contrato de trabalho, quer o alegado despedimento ilícito, são factos jurídicos, já que consubstanciam eventos que produzem efeitos jurídicos.
No entanto, o sentido da expressão «facto jurídico que serve de fundamento à acção» empregue no primeiro segmento do preceito em exame, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Instância», em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artigo 28.º), só pode ser entendido como referindo-se, precisamente, à causa de pedir, isto é, «ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão» (cf. n.º 4 do artigo 498.º do Código de Processo Civil; também, VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, 109.º, p. 313), no caso, o alegado despedimento ilícito do autor, e não, como pretende o recorrente, «o contrato de trabalho, ou melhor, a relação jurídica complexa dele emergente».
O segundo segmento da norma em exame remete para o caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99.
A remissão supõe uma regulação per relationem a outra regulação: a norma de remissão refere-se a outra ou outras disposições de forma tal que o conteúdo destas deve considerar-se parte integrante da normação que inclui a norma remissiva; o conteúdo do objecto da remissão incorpora-se ou estende a sua aplicabilidade ao âmbito de vigência da norma remissiva.
A alínea p) do citado artigo 85.º reporta-se às «questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão». (...) O n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, com a remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, prevê três situações de admissibilidade da reconvenção: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos".
Portanto ou se verificam os pressupostos da reconvenção, ou se trata de um pedido de compensação de créditos.
Processualmente, porém, o que é uma exceção e uma reconvenção?
A reconvenção é uma contra-ação, uma ação de sinal contrário, "que se enxerta na que foi proposta pelo A., com pedido diferente e causa de pedir diferente" (António Colaço Canário, A Reconvenção e a Compensação em Processo Civil, AAFDL, 1983, 12, nota 17). Nela "o R. promove a junção de uma nova ação à demanda do A. (... É) uma verdadeira ação, quanto à sua natureza jurídica, pois que contém em si todos os elementos necessários ao seu exercício" (idem, 12).
A natureza da reconvenção como ação cruzada é de capital importância para se entender o sentido e o alcance do art.º 30 do CPT.
Com efeito, foi claramente intenção do legislador, vertida na lei, limitar significativamente os casos em que o empregador possa contra-atacar no processo, sob pena de subversão completa da natureza social da jurisdição laboral, já que, a não ser assim, muito frequentemente a diferença de meios ao dispor de um e de outro, a certeza do contra-ataque estratégico, com todas as consequências, nomeadamente a nível de custos materiais e humanos e de tempo, seria suficiente amiúde para dissuadir o trabalhador de demandar a entidade patronal. Como exarou o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça imediatamente acima parcialmente transcrito, citando aliás Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, p. 167, in fine, "Esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa claramente «evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção".
Eis pois por que o art.º 30 é muito mais restritivo que o correspondente preceito processual civil (art.º 266/2, CPC): as vantagens na junção de ações, que se verificam na área cível, não existem na laboral.
O lugar paralelo do art.º 98-L, n.º 3, do CPT, reforça esta ideia: neste caso, em que é o trabalhador, dada a configuração dada à ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, quem reconvém, já não se verificam as mesmas limitações, podendo reconvir "nos casos previstos no n.º 2 do art.º 274 do Código de Processo Civil ... independentemente do valor da ação" (mas mesmo nesse caso tem-se entendido que há limites para a reconvenção do trabalhador, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 17.6.2015, relat Jerónimo Freitas: "I. A reconvenção admitida pelo art.º 98.º L/3 CPT afasta-se do art.º 30.º do CPT, sendo mais amplos os termos em que podem ser deduzidos pedidos. II. Não obstante, cremos que o trabalhador não poderá na acção especial para impugnação da licitude ou regularidade do despedimento, por via reconvencional, deduzir pedidos que respeitem à violação ou cessação do contrato de trabalho e excluam como causa de pedir a ilicitude do despedimento"... IV. Não é que na reconvenção não possam ser pedidos créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho. Podem, mas são aqueles que decorrem da lei por efeito da ilicitude do despedimento e são deduzidos ao abrigo da primeira parte da norma, ou seja, “nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC”, mormente quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. V. Subjacente à acção especial de impugnação da licitude e regularidade do despedimento estão os princípios da simplicidade, urgência e celeridade processual, que também explicam a restrição da sua aplicação apenas aos despedimentos que sejam comunicados por escrito (art.º 98.º C / 1 do CT). VI. Sob pena de se subverterem esses princípios, não faria muito sentido que se admitisse a dedução de todo e qualquer pedido reconvencional, na ampla fórmula “emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação”.  VII. O legislador ao utilizar a expressão mais restritiva créditos emergentes do contrato de trabalho”, quis evitar que fossem desvirtuados os propósitos desta acção especial, isto é, procurou obstar a que a acção afinal acabe apenas para servir para discutir o que se entendeu não justificar urgência, podendo mesmo abrir-se o caminho à sua instrumentalização. VIII. Neste pressuposto, crê-se que o art.º 98.º L n.º 3, do CPT, não admite a possibilidade da trabalhadora A. deduzir na reconvenção pedidos subsidiários exclusivamente para o caso de procedência da excepção de caducidade do direito de acção arguida pela Ré.).
O que nos ajuda também a surpreender o sentido da admissibilidade da compensação.
A compensação é o modo de extinção das obrigações pelo qual o devedor que é simultaneamente titular de um crédito sobre o seu credor, se livrar da sua obrigação (art.º 847 e ss., Código Civil; A. Varela, Das Obrigações em Geral, 3ª ed, II, 161; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, II, 219).
Bastará invocá-la para ser admissível a reconvenção?
De certo que não; é preciso que o R. seja já titular de um crédito sobre o trabalhador. De outra forma estar-se-ia a admitir, afinal, uma reconvenção disfarçada de compensação.
No sentido do exposto dizia Raul Ventura, no Curso de Direito Processual do Trabalho de 1964 (Lisboa, Suplemento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 84):
"b)Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à exceção, o problema da competência por conexão pode surgir. Por exemplo (supondo que é lícita a compensação nas circunstancias que vamos apontar), o réu é titular de um crédito já vencido, proveniente da relação não de trabalho e de montante superior ao pedido da ação; exceciona com a compensação até ao montante do pedido e pede reconvencionalmente o pagamento da parte restante;
c)Idêntica consideração haverá a fazer quanto aos casos em que a reconvenção tem em vista a compensação judicial".
No caso, as RR. invocam créditos de valor superior ao demandado pela A., por fundamentos diversos dos que subjazem à ação, acabando por formular os seguintes pedidos:
1)Deve a presente acção ser julgada improcedente e não provada, e as Rés absolvidas do pedido, com todas as legais consequências;
2)Deve ser julgada procedente por provada a Reconvenção e, por via dela, a Autora Reconvinda condenada no pagamento à 1.ª Ré Reconvinte da quantia de € 105.092,96;
3)A título subsidiário, deve a Autora Reconvinda ser condenada a pagar à 1.ª Ré Reconvinte uma indemnização no valor de € 90.588,69;
4)Deve ser declarada a compensação do crédito da Autora Reconvinda no valor líquido de € 7.065,65 com o montante da indemnização peticionado na reconvenção, a título principal ou a título subsidiário;
5)Deve a Autora Reconvinda ser condenada no pagamento de juros de mora sobre as quantias arbitradas, à taxa legal em vigor, desde a data da notificação da reconvenção até integral pagamento.
Ou seja: pedem sempre a condenação da A. a titulo reconvencional, salvo no n.º 4, em que pedem a compensação pelo aludido valor, montante por que foi admitido.
Sendo assim, porém, é ininteligível a al. u) das conclusões de recurso de que "o pedido reconvencional é admissível porque a 1ª R. reconvinte reconheceu um crédito à A. e declarou querer operar a compensação". Isto porque ou reclama o pedido reconvencional, o que fez, pedido que, porém, não pode ser admitido por inverificados os pressupostos legais contidos no art.º 30, n.º 1, do CPT; ou pede a compensação de um crédito que tenha - o que não fez senão na medida referida e que a decisão recorrida admitiu. 
Não pode é pretender a improcedência da ação e simultaneamente a condenação da Autora no pedido reconvencional emergente de factos diversos da ação. E foi o que fez, como resulta dos pedidos (e no art.º 386 da contestação, para que ficassem bem claras as suas pretensões, referiu: "Uma vez operada a compensação do crédito da Autora Reconvinda no valor líquido de € 7.065,65 cuja declaração se pretende, deve a Autora Reconvinda ser condenada, a título subsidiário, a pagar à 1.ª Ré Reconvinte o valor de € 83.523,04.").
É que só pode relevar como compensação desde logo aquilo que ela própria refere querer que valha como tal. Mais claramente: para dada pretensão relevar em sede de compensação é necessária a correspondente declaração do R.. Como declarou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 22.11.2006 (relat. Laura Leonardo), "quando o pedido reconvencional tem por objecto a compensação de créditos, o réu, além de invocar o contracrédito, tem que formular na contestação a declaração de compensação (art.s 847.º e 848.º, n.º 1 do CC)". (e acrescenta: "I - A reconvenção é admissível em processo laboral: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a acção por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos (arts. 30.º, n.º 1 do CPT, e 85.º, als. o) e p) da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro). (...) III - As relações de acessoriedade e dependência pressupõem que haja um pedido principal a que estão objectivamente subordinadas; a diferença está na intensidade do nexo de subordinação: o pedido dependente não subsiste se desligado do pedido principal. IV - A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na acção, isto é, esteja interligado com ele").
Assim sendo, não merece censura a decisão recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, o tribunal julga o recurso improcedente e confirma a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 25 de janeiro de 2017

Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Paula Santos