Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
369/20.0TELSB-B.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: BUSCA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL(ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO ACORDÃO DESTE TRIBUNAL DE 15 DE DEZEMBRO DE 2020)
Decisão: IMPROCEDENTE ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Sumário: –A omissão de pronúncia traduz-se na ausência de decisão do tribunal quanto às questões que lhe são submetidas pelas partes e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições»

–No acórdão cuja nulidade é agora arguida, este tribunal conheceu concretamente das questões suscitadas pelos ora reclamantes – validade da busca efectuada ao veículo no qual os mesmos se faziam transportar e verificação dos pressupostos da medida da prisão preventiva, designadamente quanto à sua necessidade e proporcionalidade, tendo concluído pela validade da busca, pelo facto de a ter enquadrado no âmbito da medida cautelar prevista no artigo 251.º, alínea a) do C.P.P., considerando estarem preenchidos os pressupostos, de facto e de direito exigidos nessa disposição legal para a realização da busca ao veículo, sem prévia autorização judiciária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.–Relatório

Os arguidos RP e AJ vieram arguir a nulidade do acórdão proferido por este tribunal, a 15 de Dezembro de 2020, que julgou improcedentes os recursos por eles interposto da medida de prisão preventiva que lhes foi aplicada quando do seu interrogatório judicial, com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do n.º 4 do artigo 425.º e da alínea c) do n. º1 do artigo 379.º, do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.)

Para tanto alegam que:


1.–O Acórdão que indeferiu o recurso dos arguidos, na parte em que pugnavam pela nulidade da busca documentada a fls. 615/616, padece o vicio a que alude a al. c) do n.0 1 do art.º. 3790 do Cód. do Processo Penal porque não julgou uma questão que, nesse segmento, foi colocada à consideração deste Venerando Tribunal.

2.–Os arguidos foram os primeiros a levantar a hipótese de a busca poder integrar-se no âmbito das medidas cautelares e de policia, nos termos da al. a) do n.0 1 do art. 251 0 do Cód. do Processo Penal, cfr. conclusões 8a, 9a, 10ª e 11ª, com prévia abordagem nas paginas 6 a 11 da motivação.

3.–A defesa não é de todo alheia à orientação jurisprudencial segundo a qual A «pronúncia» cuja «omissão» determina a consequência prevista no art. 379. 0, n. 0 1, cd. c), do CPP — nulidade da sentença — deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas mas, realmente e pese embora esta Veneranda Relação tenha decidido oferecer validade à busca por meio da configuração da mesma como uma medida cautelar e de policia, não se debruçou minimamente por aquele que eram e que são os problemas que nesse âmbito se colocam.

4.–A al. a) do n.0 1 do art. 251 0 do Cód. do Processo Penal faz depender a validade a busca a seu titulo realizada da verificação cumulativa de quatro requisitos e, nesse contexto, os recorrentes defenderam a inverificação de um desses requisitos e a nulidade de um ato de que depende outro.

5.–Os recorrentes sustentaram que o carro podia ser apreendido, removido e, após autorização judicial, aberto e sujeito a busca, tornando a medida cautelar não urgente e desnecessária - não tiveram, todavia, a sorte ou o privilégio de obter decisão judicial sobre esse problema.

6.–Os recorrentes sustentaram que a sua detenção — de que depende a medida cautelar e de policia — é nula por desrespeito do disposto no n.0 2 do art. 2570 do Cód. do Processo Penal e absolutamente violadora da Constituição por colidir ferozmente com o comando ínsito no seu n.0 3 do art. 270 - também aqui não tiveram a sorte de ver a sua liberdade integralmente sindicada por esta instância de recurso.

7.–Constatarão Vossas Excelências, com ou sem confirmação, que o cuidado que foi dado à apreciação dos requisitos da busca, enquanto meio de obtenção de prova, é, de longe, muito diferente daquele que se lhe deu enquanto medida cautelar e de policia: os pressupostos de validade do art. 1740 foram apreciados, ponderados e julgados por este tribunal; o mesmo não aconteceu com os requisitos de verificação cumulativa a que alude a al. a) do n.0 1 do art. 251 0, ambos do Cód. do Processo Penal, que foram ultrapassados sem qualquer fundamentação e, portanto, presumivelmente sem qualquer ponderação.

8.–Aliás, tivessem os requisitos da busca enquanto medida cautelar e de polícia sido apreciados no âmbito do direito vigente e a conclusão só podia ser a de que a busca, também por essa via, é inválida.

9.–Salvo melhor opinião e o devido respeito por entendimento contrário, a apreciação da verificação dos requisitos da busca, enquanto medida cautelar e de polícia (art. 2510, n.0 1, al. a) do Cód. do Processo Penal) é questão que se impunha ao Tribunal de recurso apreciar, quer porque lhe fora colocada no recurso — motivação e conclusões — quer porque envolve matérias sobremaneira importantes no âmbito do nosso Estado de Direito, como a detenção fora deflagrante e a intromissão na vida privada.

10.–Como é obvio, percebemos o esforço de prender quem transportava estupefaciente, o que nos protege a todos; mas, não podemos deixar de sublinhar que a violação das regras que hoje permite prender um culpado é a mesma que amanhã permitirá devassar a privacidade de um inocente, deixando-se assim sedimentar e encorpar uma rotina policial absolutamente marginal às mais elementares regras do processo

Tal requerimento foi notificado ao arguido SV e ao Ministério Público, que nada vieram dizer.

Cumpre apreciar, o que se faz em conferência.

Fundamentação

A omissão de pronúncia prevista na alínea c) do n.º1 do art.º 379.º do CPP, que determina a nulidade da sentença e dos acórdãos proferidos em sede de recurso, por via do art.º 425.º, nº4 do C.P.P., verifica-se «quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art.º 660.º, n.º2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do C.P.P.» (Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, p. 1182, edição da Almedina).

Nas palavras do acórdão do STJ de 15/12/2005 (Proc. n.º05P2951, acessível em www.dgsi.pt) «a omissão de pronúncia traduz-se na ausência de decisão do tribunal quanto às questões que lhe são submetidas pelas partes e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições»

No acórdão cuja nulidade é agora arguida, este tribunal conheceu concretamente das questões suscitadas pelos ora reclamantes – validade da busca efectuada ao veículo no qual os mesmos se faziam transportar e verificação dos pressupostos da medida da prisão preventiva, designadamente quanto à sua necessidade e proporcionalidade.

E quanto ao primeiro ponto concluiu quanto à validade da busca, pelo facto de a ter enquadrado no âmbito da medida cautelar prevista no artigo 251.º, alínea a) do C.P.P., por considerar que estavam preenchidos os pressupostos, de facto e de direito exigidos nessa disposição legal para a realização da busca ao veículo, sem prévia autorização judiciária.

Os arguidos não suscitam na sua reclamação qualquer questão que o tribunal devesse apreciar autonomamente daquela que eles suscitaram no recurso e que constitui o objecto do recurso. Apenas discordam da forma como o tribunal apreciou o artigo 251.º do C.P.P. e como valorou a situação de facto e a enquadrou no âmbito daquele preceito, para concluir quanto à validade da busca.

Os recorrentes são livres de discordarem da decisão que foi proferida por este tribunal e de consideram que a mesma é susceptível de violar o artigo 27.º, n.º 3 da Constituição e de, querendo, arguirem a inconstitucionalidade da interpretação feita por este tribunal quanto àquele normativo. Tal não significa, porém, que, por não se ter debruçado ao pormenor sobre todos os argumentos aduzidos pelos recorrentes quanto ao referido artigo 251.º do C.P.P., o acórdão reclamado padeça de qualquer omissão de pronúncia.

Não vemos, assim, que o acórdão deste tribunal tenha incorrido na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, posto que, apreciou todas as questões que foram suscitadas nos recursos, que foram interpostos pelos ora reclamantes.

Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em julgar improcedente a arguição da nulidade do acórdão proferido por este tribunal a 15 de Dezembro de 2020, agora invocada pelos arguidos RP e AJ.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2021

(processado e revisto pela relatora)



(Maria José Costa Machado)



Atesto o voto de conformidade do Exmo. Desembargador adjunto, Carlos Espírito Santo (artigo 15.º- A do DL 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1/05).