Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
138/15.0YRLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: NULIDADE DE PATENTE
TRIBUNAIS ARBITRAIS
TRANSMISSÃO DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO (AIM)
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -A declaração de nulidade da patente só pode ser efectuada por tribunal judicial (artº 35º nº1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”), pois tal preceito aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n°1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais
-Para tal será instaurada acção pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da acção (artº 30º nº1 alínea d) e nº4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a acção é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº2 do CPI).
-A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de acções de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), que atribue ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial».
-O aludido regime afasta a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei nº 62/2011 decretar, com efeitos erga omnes, a nulidade de uma patente.
-Admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da excepção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respectivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados.
-A transmissão da AIM reconduz-se a proporcionar a outrem as condições necessárias para fabrico da substância activa em causa, colocar à disposição de terceiros o processo patenteado. A “oferta” não depende, para se consumar, da aquisição efectiva ou da entrega dos conhecimentos técnicos (o processo) ao destinatário da “oferta” (e muito menos do seu uso). A “oferta” tem apenas de ser adequada (apta) à aquisição destes conhecimentos técnicos pelo terceiro destinatário dessa “oferta”.
-A AIM é, assim, dois em um: contém o corpus (processo/Drug Master File) e o animus (autorização de uso) que integram a previsão da oferta, para efeitos do artigo 101º do CPI, quando o processo é o objecto do direito de propriedade industrial.
-A transmissão da AIM é, nestes casos, o primeiro acto de exploração comercial do invento; por isso, quando estão em causa patentes de processo, a transmissão da AIMS tem enquadramento directo no artigo 101º nº2 do CPI, que proíbe a simples oferta (colocação na disponibilidade) do invento a terceiros não autorizados.
-A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida.
-Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-las a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possam proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objecto da decisão arbitral condenatória.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa



I - RELATÓRIO:



B... GMBH & CO.KG, B... GMBH e U... LDA intentaram acção arbitral necessária contra Z... k.s., P ... B.V apresentando petição inicial, ao abrigo do disposto na Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, onde formulam os seguintes pedidos:

a)Deverão as demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Telmisartan; Hidroclorotiazida em associação fixa identificados nos artigos 82.º a 85.º da petição inicial, enquanto as patentes europeias EP 502314 (e o CCP 41) EP 1442023, EP 1467712; EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor.
b)Mais devem ser as demandadas condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das demandantes, a não transmitirem a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 82º a 85º da presente petição, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos.
c)Pagar a totalidade dos encargos da presente acção arbitral.
d)Requer-se, ainda, que, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, sejam as demandadas condenadas a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima requerido.

A Z... k.s., inicialmente demandada juntamente com outras, apresentou contestação em que suscitou a questão prévia da ilegalidade da coligação passiva e invocou a nulidade da EP 2120884, para além de se defender por impugnação.

Por acórdão de 16-7-2013, na sequência de acordo das partes, foi decidida a separação do processo relativo à Z... k.s.

Por acórdão de 22-07-2013, julgou-se prejudicado, com a separação dos processos, o conhecimento da questão da ilegalidade da coligação passiva e relegou-se para a decisão final a apreciação da questão da possibilidade de conhecimento da nulidade da EP 2120884, caso tal apreciação não se mostre prejudicada pela prova que for produzida. No mesmo acórdão, decidiu-se convidar a Z... k.s. a completar a contestação.

Em 05-09-2013, a Z... k.s. apresentou nova contestação aperfeiçoada à qual as demandantes responderam em 27-09-2013. Foi elaborado guião de prova, apreciadas as reclamações que dele foram apresentadas.

Por decisão arbitral de 11-12-2013, foi decidida a habilitação da S... Lda para intervir no presente processo em substituição da Z... k.s., produzindo todos os actos praticados no processo que efeitos em relação àquela, da forma em que os produziram em relação a esta.

Nos dias 22, 23, 28 e 29 de Abril de 2014 realizaram sessões de audiência de produção de prova, em que se produziu prova testemunhal e por junção de documentos. As partes apresentaram alegações escritas sobre matéria de facto e de direito.

As Demandantes apresentaram as seguintes alegações em que concluem que «todos os pedidos feitos a este Tribunal Arbitral são razoáveis e necessários, pelo que, atendendo a que todos os factos relevantes que alegaram devem ser dados como provados, bem como em face de tudo quanto se expôs nas presentes alegações, deverá a ação ser julgada procedente, por provada, condenando-se a Demandada nos pedidos formulados, ou seja:

a)Deverá a Demandada ser condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios ativos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa identificados nos artigos 82.º a 85.º da petição inicial, enquanto a patentes europeias EP 1442023, EP 1467712, EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor.
b)Deverá a Demandada ser também condenada a cessar a comercialização dos medicamentos genéricos já iniciada, com a imediata retirada dos produtos do mercado, a suas expensas, bem como ser condenada no pagamento de indemnização, às Demandantes, pelos prejuízos causados, em montante a liquidar em execução de decisão arbitral;
c)Mais deve ser a Demandada condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos das Demandantes, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 82.º a 85.º da petição inicial, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos.
d)Deve a Demandada ser também condenada a pagar a totalidade dos encargos da presente ação arbitral.
e)E, ainda, a Demandada ser condenada, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima pedido».

A Demandada S... Lda, apresentou alegações em que concluiu que «deve a presente acção arbitral ser julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, deve ser a Demandada absolvida de todos os pedidos formulados pelas Demandantes».

Por acórdão de 8-4-2014, foi decidido que os pedidos formulados na petição inicial contêm um lapso, ao não incluírem referência a EP 1442023, lapso esse que foi corrigido pelas Demandantes nas suas alegações, ficando a formulação dos pedidos com a seguinte redacção:

a)Deverão as Demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios activos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa identificados nos artigos 82.º a 85.º da petição inicial, enquanto a patentes europeias EP 502314 (e o CCP 41) EP 1442023, EP 1467712, EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor.
b)Mais devem ser as Demandadas condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das Demandantes, a não transmitirem a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 82º a 85º da petição inicial, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos.
c)Devem as Demandadas ser também condenadas a pagar a totalidade dos encargos da presente acção arbitral.
d) E, ainda, as Demandadas ser condenadas, nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima pedido.

Foi proferida DECISÃO que:

a)Condenou a Demandada S... Lda a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios activos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa identificados no ponto 47) da matéria de facto fixada, enquanto as patentes EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas Demandantes;
b)Condenou a Demandada a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no ponto 47) da matéria de facto fixada, até 18-09-2023, com base nos direitos emergentes da EP 1545467, assim julgando parcialmente procedente o segundo pedido formulado pelas Demandantes;
c)Absolveu a Demandada do pedido de condenação na não transmissão das autorizações de introdução no mercado relativamente ao período entre 19-09-2023 e 13-03-2028, assim julgando parcialmente improcedente o segundo pedido;
d)Absolveu a Demandada do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória, assim julgando improcedente o respectivo pedido;
e)Não tomou conhecimento dos pedidos de cessação de comercialização dos medicamentos genéricos, com a imediata retirada dos produtos do mercado, a suas expensas, e de condenação no pagamento de indemnização às Demandantes, absolvendo a Demandada da instância, na parte respectiva;
f)Condenou as Demandantes, no seu conjunto, no pagamento de 45% dos encargos do processo;
g)Condenou a Demandada no pagamento de 55% dos encargos do processo.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a demandada, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª-O presente recurso de apelação vem interposto da decisão arbitral proferida no dia 09 de Outubro de 2014, doravante designada por decisão recorrida, na parte em que (i) julgou prejudicada, por ser inútil, a apreciação das questões atinentes à protecção conferida pela Patente EP 502314 e no Certificado Complementar de Protecção n.º 41, (ii) julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a questão da invalidade da Patente EP 2120884, (iii) condenou a Recorrente a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios activos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa, enquanto as Patentes EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor, (iv) e condenou a Recorrente a não transmitir a terceiros as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 relativas à Patente EP 1545467.
2ª-O objecto da presente acção arbitral encontra-se definido no ponto 1. da acta de instalação do Tribunal Arbitral, nos termos seguintes: «exercício dos direitos que as Demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia nº 502314 e do respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 41 e ainda das Patentes Europeias n.ºs 1442023, 1467712, 1545467 e 2120884, nomeadamente como resulta do artigo 101.º do Código da Propriedade Industrial, relativamente aos medicamentos genéricos das listas publicadas pelo INFARMED no seu website, em 9-5-2012, 21-5-2012 e 26-05-2012, respeitantes à substância activa Telmisartan Hidroclorotiazida» - sublinhado nosso.
3ª-Na presente acção arbitral, as recorridas pediram a condenação da sociedade Z... k.s., entretanto substituída pela recorrente, A abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos da demandada contendo como princípio activo o Telmisartan Hidroclorotiazida em associação fixa, enquanto a Patente EP 502314 e o CCP 41, EP 1442023, EP 1467712, EP 154467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor, e a não transmitir a terceiros as autorizações de introdução no mercado do medicamento genérico contendo Telmisartan + Hidroclorotiazida, enquanto a Patente EP 502314 e o CCP 41, EP 1442023, EP 1467712, EP 154467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor.
4ª-Os direitos de propriedade industrial das recorridas emergentes da Patente EP 502314 e do CCP 41 caducaram no dia 12 de Dezembro de 2013 (factos provados 15) e 22) da decisão recorrida), pelo que a decisão recorrida deveria ter declarado a presente acção arbitral extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, no que respeita ao «exercício dos direitos que as Demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia n.º 502314 e do respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 41».
5ª-A decisão recorrida, ao não ter declarado a presente acção arbitral extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, no que respeita ao «exercício dos direitos que as Demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia n.º 502314 e do respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 41», violou o disposto no artigo 44.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.
6ª-As Recorridas deram início à presente acção arbitral na sequência da publicitação, pelo INFARMED, na sua página electrónica, no dia 09 de Maio de 2012, dos pedidos da sociedade Z... k.s. de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos contendo como princípio activo o «Telmisartan + Hidroclorotiazida» identificados na carta que as recorridas enviaram à sociedade Z... k.s., datada de 06 de Junho de 2012 (factos provados 47) e 48) da decisão recorrida).
7ª-As recorridas, ao terem dado início à presente acção arbitral, exerceram um mero direito potestativo que não teve origem em qualquer facto ilícito praticado pela sociedade Z... k.s., porque esta limitou-se a pedir autorizações de introdução no mercado para medicamentos genéricos contendo como princípio activo o «Telmisartan + Hidroclorotiazida», o que, atento o disposto nos artigos 19.º, n.º 8, e 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e no artigo 23.º-A ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, aditado pela Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, não constitui um facto ilícito.
8ª-Os direitos de propriedade industrial das recorridas emergentes da Patente EP 502314 e do CCP 41 caducaram no dia 12 de Dezembro de 2013 (factos provados 15) e 22) da decisão recorrida), pelo que, nos termos previstos no artigo 44º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao «exercício dos direitos que as demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia n.º 502314 e do respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 41».
9ª-A sociedade Z... k.s. não deu causa à presente acção arbitral, porque as recorridas limitaram-se a exercer um mero direito potestativo que não teve origem em qualquer facto ilícito praticado pela sociedade Z... k.s., e esta não deduziu contestação, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41, pelo que os encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41, devem ser integralmente pagos pelas recorridas, nos termos previstos nos artigos 535º, nºs 1 e 2, alínea a), e 536º, nº 3, do Código de Processo Civil.
10ª-A decisão recorrida, ao não ter condenado as recorridas no pagamento integral dos encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41, violou o disposto nos artigos 535.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.
11ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 11); o concreto meio probatório, constante do processo, que impunha decisão diversa é o documento n.º 7 junto com a petição inicial; e a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida é a de «Provado».
12ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 23) - facto provado 81); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa são a tabela n.º 2 da secção 3.2.P.2.1.2 (excipientes), a tabela na secção 3.2.P.1 (Description and Composition of the Drug Product) e a tabela na secção correspondente para os comprimidos de telmisartan e hidroclorotiazida 40 mg + 12,5 mg (cfr. secção 3.2.P.1 [Description and Composition of the Drug Product]) do dossier do medicamento genérico da Recorrente, o documento de Tivadar Feczkó, Judit Tóth, János Gyenis, intitulado “Comparison of the preparation of PLGA-BSA nano- and microparticles by PVA, poloxamer and PVP,” publicado no Colloids and Surfasses A: Physicochem. Eng. Aspects 319 (2008) 188-195, documento de Loredana E. Nita, Aurica P. Chiriac, Manuela Nistor e Tatiana Budtova, intitulado “Upon the Delivery Properties of a Polymeric System Based on Poly(2-hydroxyethyl Methacrylate) Prepared with Protective Colloids,” publicado no Journal of Biomaterials and Nanobiotechnology 2013, 4, 357-364, o documento de Hou-Hsein Chu e ChiShen Lin, intitulado “The Effect of Initiators on the Emulsion Polymerization of 2- hydroxyethyl Methacrylate,” publicado no Journal of Polymer Research 10: 283-287, 2003, a Patente EP 1322289 B1, “Spray Drying Process of Compositions Containing Fenofibrate,” de Jagotec AG, o Pedido Europeu de Patente EP 1982699, “A Solid Lyophilized Taxane Composition, a Method for Preparing Said Solid Composition, a Pharmaceutical Formulation and a kit for Said Formulation,” de Eriochem, S.A., o Pedido Internacional de Patente WO 2012/085071 A1, “Process for the Preparation of a Pharmaceutical Composition Comprising a Low Soluble Pharmaceutical Active Ingredient,” de LEK Pharmaceuticals D.D e o Pedido Internacional de Patente WO 2009/043956 A1, com epígrafe “Una Formulación Farmacêutica de Taxano,” de Capital, Business y Gestión de Finanzas, S.L., juntos pelas Recorridas na audiência de produção de prova de 23.04.2014, como documentos n.ºs 1, 2, 3, 5, 5, 6, e 7, documento n.º 9 junto ao Aperfeiçoamento da Contestação, e os depoimentos das testemunhas P..., M..., M..., R... e Paula Araújo Pereira; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida quanto ao quesito 23) é a de «Provado» que «O medicamento genérico da S... Lda. não contém qualquer substância com a função de tensioactivo (surfactante) ou emulsionante», passando o facto provado 81) a ter a mesma redacção.
13ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 24); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa, são o dossier do medicamento genérico da recorrente, e os depoimentos das testemunhas R..., P... e J...; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de «Provado», pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que à matéria de facto da decisão recorrida seja aditado o facto seguinte: «Todos os excipientes do medicamento genérico da S... Lda. têm uma função totalmente diferente, a saber, polivinilpirrolidona como aglutinante, sorbitol como enchimento e estearato de magnésio como lubrificante»;
14ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 29/facto provado 84); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa são o dossier do medicamento genérico da Recorrente, e os depoimentos das testemunhas R..., J... e P...; e a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, que o facto provado 84) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
15ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 30)/facto provado 85); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa são o dossier do medicamento genérico da recorrente, e o depoimento das testemunhas J..., R... e P...; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 85), é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, que o facto provado 85) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
16ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 35)/facto provado 90); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa são o texto da Patente EP 2120884 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), e os depoimentos das testemunhas J... e M...; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC, que o facto provado 90) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
17ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 43) facto provado 96); o concreto meio probatório, constante do processo, que impunha decisão diversa é a Patente EP 1545467 (documento n.º 6 junto com a petição inicial); e a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC, que o facto provado 96) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
18º-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 44)/facto provado 97); o concreto meio probatório, constante do processo, que impunha decisão diversa é a Patente EP 1545467 (documento n.º 6 junto com a petição inicial); e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC, que o facto provado 97) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
19ª-A recorrente considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao quesito 45)/facto provado 98); os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa, são a Patente EP 2120884 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), e os depoimentos das testemunhas J... e M...; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de «Não provado”, pelo que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC, que o facto provado 98) da matéria de facto da decisão recorrida seja eliminado.
20ª-A decisão recorrida não conheceu a invalidade da EP 2120884 invocada pela recorrente, alegando que, por força do princípio da tipicidade, previsto no artigo 361.º do CPI e dos artigos 1303.º, n.º 2, e 1306.º, do Código Civil, é de rejeitar a possibilidade de invocação da invalidade da Patente por via da excepção, com meros efeitos inter partes, pois, tal princípio da tipicidade reclama que todas as decisões sobre essa matéria tenham efeitos erga omnes.
21ª-A invocação nos tribunais judiciais, como meio de defesa, por via de excepção, da nulidade da patente não suscita qualquer problema, nem contende com a natureza do registo como meio de certificação de situações jurídicas, tal como decidiram os tribunais superiores nos doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Junho de 2008 e de 29 de Setembro de 2009 (processo nº 1006/07.4TYLSB-A.L1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/12/2009 (proc. n.º 1798/07.0TBFLG.G1) e o do Tribunal de Justiça da União Europeia de 13/07/2006 (processo C-4/03).
22ª-E a eficácia inter partes da decisão alicerçada em alegações de invalidade do título é defendida por alguma doutrina italiana e, entre nós, por LUÍS COUTO GONÇALVES, in «Manual de Propriedade Industrial», 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 313, nota n.º 777, ANDRÉ ROBALO/CARLA ALBUQUERQUE/INÊS VIEIRA LOPES/JOÃO MARCELINO/MARIA JOÃO RAMOS/MIGUEL GUSMÃO/TELMO VILELA, in «Código da Propriedade Industrial. Anotado», coordenação de ANTÓNIO CAMPINOS/LUÍS COUTO GONÇALVES, Coimbra, Almedina, 2010, anotação II ao art. 48.º, p. 176, J. P. REMÉDIO MARQUES, in «Apreciação da Validade de Patentes (ou Certificados Complementares de Protecção) por Tribunal Arbitral Necessário – Excepção Versus Reconvenção na Lei n.º 62/2012», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. 87, 2011, p. 179 e ss., e J. P. REMÉDIO MARQUES, in «Arbitragem Necessária e Patentes Farmacêuticas: Questões Não Resolvidas na Lei n. 62/2011», Libro de Homenage al Professor GÓMEZ SEGADE”, Martial Pons, 2013, p. 815 e ss.,e DÁRIO MOURA VICENTE, in «El Régimen Portugués de Resolución extrajudicial de conflictos en materia de Patentes», “Libro de Homenage al Professor GÓMEZ SEGADE”, Santiago de Compostela, Madrid, Martial Pons, 2013, p. 773 e ss.
23ª-As “Patentes europeias” correspondem a verdadeiras decisões administrativas com efeitos transnacionais, isto é, a decisões tomadas por um órgão de uma pessoa colectiva pública internacional, que prossegue funções de tipo administrativo, que são passíveis de produzir efeitos no território de vários Estados, independentemente da actuação das entidades administrativas nacionais (Vide Nuno Piçarra, in “A eficácia transnacional dos actos administrativos dos Estados-Membros como elemento caracterizador do Direito Administrativo da União Europeia”, em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaram, Almedina, Coimbra, 2010, 585-618 e Miguel Prata Roque, in “ A Dimensão Transnacional do Direito Administrativo”, AAFDL Editora, Lisboa, 2014, pp. 337-346).
24ª-As Patentes Europeias, quando produzam efeitos no território de um Estado-Contratante, podem ser declaradas inválidas, de acordo com a legislação nacional vigente nesse território, desde que esteja em causa um dos fundamentos constantes do n.º 1 do artigo 138º da Convenção sobre a Patente Europeia, entre os quais figura a falta de descrição suficientemente clara e completa da invenção, de modo a que um perito na matéria a possa executar [cfr. alínea b)], sendo certo que a recorrente invocou a invalidade da EP 2120884 também por esta carecer de insuficiência de divulgação/ descrição e decorrente violação dos artigos 100º, alínea b) e 83º da Convenção sobre a Patente Europeia.
25ª-O n.º 2 do artigo 138.º da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia admite que a declaração da invalidade possa resultar numa limitação da referida Patente, pelo que o próprio regime jurídico da Patente europeia admite que a sua invalidade possa implicar a restrição de efeitos jurídicos que dela decorreriam, numa situação normal de regularidade, o que abre a porta para a conclusão de que também a verificação da invalidade da EP n.º 2120884 pode implicar uma eficácia declarativa meramente “inter partes”, apenas gerando uma restrição dos efeitos potenciais máximos que dela resultariam.
26ª-A decisão recorrida não conheceu a invalidade da EP 2120884 invocada pela Recorrente, alegando que o artigo 35.º, n.º 1, do CPI, ao estabelecer a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n.º 1 do artigo 27.º, do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.
27ª-Porém, os tribunais arbitrais são constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade, que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a quem compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares emergente, é certo, do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem ou na lei.
28ª-E, contrariamente ao que refere a decisão recorrida, o artigo 35.º, n.º 1, do CPI, não é inequívoco quanto à atribuição de competência material aos tribunais judiciais, com exclusão de quaisquer outros, para conhecer todas e quaisquer as questões respeitantes à invalidade de uma Patente, pois, não estatui que «o conhecimento da invalidade dos direitos de propriedade industrial previstos neste Código compete apenas aos tribunais judiciais», ou outra formulação similar (v.g., «os tribunais judiciais têm competência exclusiva para apreciar e conhecer as causas de invalidade dos direitos industriais previstos neste Código» ou «o conhecimento da nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial», etc.).
29ª-A norma deste artigo 35.º, n.º 1, do CPI, teve apenas o escopo de esclarecer, em sede do fraccionamento dos poderes jurisdicionais entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais, que o conhecimento e a declaração (em acção declarativa constitutiva ou em reconvenção com idêntica natureza) da nulidade de um direito de propriedade industrial, com eficácia erga omnes, compete, em exclusivo, aos tribunais da ordem jurisdicional dos tribunais judiciais, que não aos tribunais da ordem jurisdicional dos administrativos e fiscais, sendo certo que o legislador do CPI de 2003, não estava evidentemente a pensar nos tribunais arbitrais, uma vez que esta norma do artigo 35.º, n.º 1, já vem do CPI de 1995 (então, artigo 34.º, n.º 1) e nessa época não eram previstos na lei tribunais arbitrais para dirimir litígios de propriedade industrial.
30ª-A Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, foi aprovada em data posterior ao CPI (Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março), pelo que a mesma, enquanto lei nova, ao fixar um regime especial relativo à impugnação da validade de Patentes relativas a medicamentos (arbitragem necessária), operou uma novação da vontade legislativa que prevalece sobre o regime geral fixado no CPI e, em especial, face ao seu artigo 35.º, n.ºs 1 e 2;
31ª-O raciocínio expedido na decisão recorrida quando invoca o artigo 84.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, e o artigo 111.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, que atribuem ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a acções de nulidade e de anulação previstas no CPI, afigura-se irrelevante, pois, tais normas remetem directamente para acções de impugnação da validade de Patentes, tal como constantes do CPI, quando a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, estabelece um regime jurídico especial, distinto e autónomo (arbitragem necessária em matéria de Patentes relativas a medicamentos) do regime geral fixado pelo CPI;
32ª-A Proposta de Regulamento do Conselho relativo à Patente Comunitária, COM (2000) 412 final - 2000/0177 (CNS), apresentada pela Comissão em 1 de Agosto de 2000, que propunha no seu artigo 53º, a impossibilidade de declaração de nulidade ou de anulação de Patente comunitária, em sede de processo arbitral, e que serve de fundamento adicional à decisão recorrida para não conhecer a nulidade da EP 2120884 invocada pela recorrente, nunca chegou a ser aprovada, tendo, ao invés e mais tarde, sido aprovada a Decisão (UE) n.º 2011/167, do Conselho, de 10 de Março de 2011, que autorizou uma cooperação reforçada no domínio da criação da protecção de Patente unitária.
33ª-Na sequência dessa autorização de cooperação reforçada, foi aprovado o Regulamento (UE) n.º 1257/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Dezembro de 2012, que regulamenta a cooperação reforçada no domínio da criação da protecção unitária de Patentes, o qual não acolhe, em momento algum, a solução constante do artigo 53º da Proposta de Regulamento do Conselho relativo à Patente Comunitária, COM (2000) 412 final - 2000/0177 (CNS).
34ª-O artigo 35º, n.º 2, do Acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes apenas restringe a arbitrabilidade da declaração jurisdicional de nulidade, com efeitos erga omnes, dessas Patentes unitárias, mas não impede o conhecimento, a título incidental, pelos tribunais nacionais, dessa mesma invalidade, desde que circunscrita inter partes, na sequência de uma defesa por excepção, deduzida em acção arbitral fundada nessa Patente.
35ª-A decisão recorrida não conheceu a invalidade da EP 2120884 invocada pela recorrente, alegando que o interesse público associado à anulação e declaração de nulidade de Patentes reclama a possibilidade de intervenção do Ministério Público e esta não é possível em processos arbitrais, já que a sua representação perante tribunais não judiciais só existe nos casos previstos no artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público, e ela não está prevista perante os tribunais arbitrais previstos na Lei 62/2011, de 12/12.
36ª-Porém, tal argumento não colhe, porque a arbitragem estabelecida pela Lei n.º 62/2011 é uma arbitragem necessária, e não uma arbitragem voluntária, cuja fonte de jurisdição é (não só a Constituição), mas também a lei ordinária.
37ª-A intervenção do Ministério Público, prevista no artigo 35.º, n.º 2, do CPI, apenas se justifica quando esteja em causa a declaração, com força obrigatória geral, de um acto administrativo que concedeu uma determinada Patente, porque cabe-lhe garantir o interesse público relativo generalização de um juízo de invalidade de uma Patente reconhecida por acto administrativo.
38ª-Na presente acção arbitral necessária apenas se questionava a eficácia inter partes da invalidade da Patente, pelo que não subjaz à mesma qualquer interesse público que justifique quer a intervenção obrigatória do Ministério Público, quer, tão pouco, a prolação de uma decisão com eficácia erga omnes.
39ª-E o mero reconhecimento da invalidade de Patente, em sede de acção arbitral necessária, não priva o Ministério Público – logo que dela tenha conhecimento – a instaurar a competente acção judicial para declaração da nulidade da Patente, com efeitos erga omnes, ao abrigo do artigo 35.º, n.º 1, do CPI.
40ª-A decisão recorrida incorre num vício de inconstitucionalidade normativa, porque, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos subjectivos da recorrente e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optou por aplicar a norma jurídica extraída da conjugação entre o artigo 2º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e os artigos 35º, n.º 1, e 101º, n.º 2, do Código de Propriedade Industrial, no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a demandada não pode defender-se, por excepção, mediante invocação da invalidade de Patente europeia, com meros efeitos inter partes, quando não lhe reste qualquer outro fundamento ou possibilidade de defesa.
41ª-No que respeita à EP 2120884, a única defesa invocada pela Recorrente foi a sua invalidade (insuficiência de divulgação/descrição e decorrente violação dos artigos 100º alínea b) e 83º da Convenção sobre a Patente Europeia, falta de novidade e consequente violação dos artigos 100º b) e 54º da Convenção sobre a Patente Europeia, e falta de inovação e concomitante violação dos artigos 100º, alínea b) e 56º da Convenção sobre a Patente Europeia), pelo que a decisão recorrida, ao não ter conhecido a invalidade da EP n.º 2120884, invocada pela recorrente privou-a de qualquer possibilidade de defesa no que respeita à EP 2120884, sendo certo que a “proibição de indefesa” constitui uma das principais emanações do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20.º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), conforme tem vindo a reconhecer a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional.
42ª-A decisão legislativa de criação de um mecanismo arbitral de solução de controvérsias, visou regular – de modo expedito – eventuais litígios quanto à introdução em mercado de novos medicamentos genéricos que possam conter com os interesses particulares das grandes empresas farmacêuticas, que detêm Patentes de princípios activos utilizados em medicamentos de referência, mas não pode – como será por demais óbvio – aniquilar, por completo, o direito de defesa das empresas comercializadoras de genéricos, que contribuem para a prossecução do interesse público, reflectido na diminuição dos custos de aquisição de medicamentos indispensáveis à garantia da saúde pública.
43ª-A recorrente apenas foi confrontada pelas recorridas com a invocação do direito de propriedade industrial relativo à EP nº 2120884, quando foi notificada o pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada, conforme decorre do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, pelo que apenas beneficiou de um prazo de 30 dias, previsto no artigo 3º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, para reagir a essa inovadora invocação do direito de propriedade industrial, uma vez que o legislador – ao instituir este mecanismo de arbitragem necessária – não previu qualquer mecanismo pré-contencioso de composição não jurisdicionalizada de litígios, o que impediu a recorrente de reagir, com o tempo indispensável a uma plena defesa dos seus direitos.
44ª-A recorrente não poderia reagir contra a evidente invalidade da EP n.º 2120884, mediante instauração de acção para declaração de nulidade da mesma, perante o Tribunal da Propriedade Industrial, e requerer a suspensão da acção arbitral, até resolução dessa mesma questão prejudicial, não só porque constitui jurisprudência constante dos tribunais arbitrais a recusa de suspensão da instância arbitral, como, ainda que o Tribunal da Propriedade Industrial viesse a declarar a nulidade erga omnes, o mais do que provável trânsito em julgado da decisão arbitral inviabilizaria os efeitos retroactivos da decisão judicial, por força do artigo 36.º, in fine, do CPI.
45ª-O artigo 2º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, é inequívoco ao determinar que a arbitragem necessária se aplica a todos os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, o que demonstra o propósito de concentrar exclusivamente nos tribunais arbitrais a solução de quaisquer questões jurídicas deles decorrentes, pelo que não faria qualquer sentido que a recorrente fosse forçada – com todos os custos associados a essa duplicação – a ter que recorrer ao Tribunal de Propriedade Industrial para invocar a invalidade de uma Patente, com efeitos erga omnes, quando poderia apenas invocar a sua invalidade, inter partes, para efeitos exclusivos do pedido de condenação que foi especificamente dirigido contra si.
46ª-A norma jurídica extraída, pela decisão recorrida, da conjugação entre o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e os artigos 35º, n.º 1, e 101º, n.º 2, do Código de Propriedade Industrial, quando interpretada no sentido de que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquele diploma legal, a demandada não pode defender-se, por excepção, mediante invocação da invalidade de Patente europeia, com meros efeitos inter partes, mesmo quando nau hoje reste qualquer outro fundamento ou possibilidade de defesa, é inconstitucional, por constituir uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efectiva de que a recorrente goza (cfr. artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição).
47ª-A EP 2120884, com a epígrafe «Composição Farmacêutica», refere-se a um comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo telmisartan na forma amorfa, um agente básico e sorbitol com uma área superficial específica entre 0,75–3,5 m2/g.
48º-A reivindicação 1 da EP 2120884, refere-se a um (a) comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo (b) telmisartan na forma amorfa, (c) um agente básico e (d) sorbitol, caracterizado por (d1) o sorbitol possuir uma área superficial específica entre 0,75–3,5 m2/g. As áreas superficiais específicas preferidas de (d2) 1,4–3,0 m2/g e, (d3) 2,0–2,5 m2/g não constituem características limitativas da reivindicação 1 (encontram-se englobadas na característica (d1) e não são relevantes para qualquer análise.
49ª-A reivindicação 1 da EP 2120884, constante do facto provado 67), da decisão recorrida, está escrita de modo a identificar claramente o que era já do estado da técnica à data do pedido de Patente e o que é reivindicado como sendo a contribuição dada pelo pedido de Patente para além do estado da técnica, tal é evidenciado pela utilização da expressão “caracterizado por” sendo que tudo o que antecede esta expressão é do conhecimento público e, por isso, compreendido no estado da técnica (isento de novidade) e o que se encontra depois dessa expressão será de facto, o que é novo e que terá de verificar igualmente o requisito da actividade inventiva para que uma Patente possa ser concedida.
50ª-As características técnicas identificadas no texto da reivindicação 1 da EP 2120884, pelas letras (a), (b), (c) e (d), faziam já parte integrante do estado da técnica, pelo menos à data da prioridade reivindicada nesta Patente, tal como resulta do facto provado 67), da decisão recorrida, não sendo, assim, de uso exclusivo do titular da Patente, uma vez que pertencem ao domínio público;
51ª-A Patente EP 2120884 confere protecção apenas a uma selecção do estado da técnica: um comprimido ou camada de comprimido contendo telmisartan, um agente básico e sorbitol apenas quando o sorbitol utilizado para fazer esse comprimido ou camada de comprimido possuir uma área específica entre 0,75 e 3,5 m2/g, a característica (d1), estando o restante compreendido no estado da técnica, e, portanto, carecendo de protecção.
52ª-À data da prioridade reivindicada pela EP 2120884 já eram conhecidos e, portanto, acessíveis ao especialista na técnica, sorbitoles adequados para serem utilizados na preparação de comprimidos com áreas superficiais específicas na gama de 0,7-3,5 m2/g, como é o caso dos sorbitoles descritos na Tabela 7 do artigo de Ann W. Newman, et. al., que têm áreas superficiais específicas que variam entre 0,9 e 2,2 m2/g (cfr. doc. n.º 12 junto ao Aperfeiçoamento da Contestação), conforme resulta dos factos provados 67), 71), 72) e 99).
53ª-Os medicamentos genéricos da recorrente contrariamente ao decidido na decisão recorrida, não violam a Patente EP 2120884, porque está é inválida por falta de novidade e de inovação, nos termos do disposto nos artigos 54º e 56º da Convenção sobre a Patente Europeia, uma vez que todas as características protegidas pela mesma já faziam parte do estado da técnica e este, como se sabe, não tem qualquer protecção por lhe faltar a novidade ou invenção que legitima o pedido da Patente.
54ª-A decisão recorrida, ao ter considerado que os medicamentos genéricos da recorrente violam a Patente EP 2120884, apesar de esta ser inválida, por falta de novidade e de inovação, nos termos do disposto nos artigos 54º e 56º da Convenção sobre a Patente Europeia, violou o disposto nos artigos 33º nº 1, 51º nº 1, 55º e 56º do CPI e os artigos 54º e 56º da Convenção da Patente Europeia, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.
55ª-A Patente EP 1545467 com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmitsartan" reivindica uma composição farmacêutica compreendendo telmisartan disperso numa matriz de dissolução, em que essa matriz compreende um agente básico numa razão molar de agente básico: telmisartan de 1:1 a 1:10 um tensioactivo ou emulsionante numa quantidade de 1 a 20% em peso da composição final, 25 a 70% em peso de um diluente solúvel em água, e, opcionalmente, de 0 a 20% em peso de excipientes e/ou adjuvantes adicionais.
56ª-A reivindicação independente nº 1 da Patente EP 1545467 e todas as outras reivindicações que são, aliás, dependentes da reivindicação nº 1, referem-se a composições farmacêuticas contendo telmisartan, obtidas pela utilização de um tensioactivo ou emulsionante.
57º-A formulação dos medicamentos genéricos da recorrente, embora inclua a substância Povidona, esta não desempenha a função de tensioactivo (surfactante) ou emulsionante, mas sim a função de aglutinante, sendo certo que a mera presença da substância Povidona, sem aquela função, não infringe a Patente EP 1545467, tal como refere o do Exmo Senhor Árbitro, Prof. Dr. J..., no seu voto de vencido.
58ª-Os medicamentos genéricos da recorrente não contêm, assim, qualquer substância com a função de tensioactivo (surfactante) ou emulsionante, uma vez que a substância Povidona desempenha a função de aglutinante, conforme resulta do facto provado 81), na redacção resultante da impugnação da matéria de facto, e do facto provado a aditar à matéria de facto da decisão recorrida, correspondente ao quesito 24), pelo que não infringem a EP 1545467.
59ª-A autorização de introdução no mercado é, como o seu próprio nome indica, uma autorização (administrativa) de introdução no mercado de um determinado medicamento, pelo que, contrariamente ao que o Árbitro Presidente e o Árbitro indicado pelas recorridas julgam, as autorizações de introdução no mercado não são relativas a esta ou a aquela Patente, mas a este ou a aquele medicamento, pelo que não faz qualquer sentido a condenação da recorrente a não transmitir a terceiros as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467.
60ª-A transmissão a terceiros das autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 não se encontra compreendida na exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos em causa e, por isso, ocorrendo na vigência dos direitos de propriedade industrial das recorridas, não seria contrária aos seus direitos de propriedade industrial.
61ª-O artigo 37.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, permite expressamente a transferência de titularidade de autorizações de introdução no mercado, a qual, nos termos do disposto no artigo 33.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, é uma alteração dos termos de uma autorização de introdução no mercado.
62ª-A autorização de introdução no mercado não pode ser alterada pelo INFARMED, com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, por força do disposto no artigo 179.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, pelo que, por identidade de razão, a autorização de introdução no mercado também não pode deixar ser transmitida, com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial;
63ª-As autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 são uma posição activa na esfera jurídica da recorrente, é um bem com valor económico que está, como é regra geral, no comércio jurídico, e que pode, por isso, ser objecto de negócios, permitindo expressamente o referido artigo 37.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, a transferência de titularidade de autorizações de introdução no mercado.
64ª-As autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 de que a recorrente é titular, ou seja, o direito que tem na sua esfera jurídica, apenas pode ser objecto de transmissão, nas exactas condições em que a mesma se encontra na esfera jurídica da recorrente, como decorre das regras jurídicas gerais, nomeadamente do artigo 579.º, do Código Civil, e bem assim do artigo 263.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que prevê a vinculação do transmissário ao caso julgado proferido em acção em que este não interveio, pelo que, se as mesmas não lhe permitem iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos em causa, na vigência dos direitos de propriedade industrial das Recorridas, então, o seu eventual adquirente ficará também sujeito à mesma proibição.
65ª-No caso de o eventual adquirente das autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 de que a recorrente é titular iniciasse a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos em causa, antes da caducidade dos direitos de propriedade industrial das recorridas, não seria necessário apresentar uma acção de infracção de Patente, uma vez que, após o trânsito em julgado da decisão arbitral condenatória, a mesma seria sempre oponível ao eventual adquirente, por constituir caso julgado material, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 619.º e 581.º, do CPC, porquanto o eventual adquirente teria a mesma qualidade jurídica do transmitente, in casu, a recorrente, sendo por isso igualmente exequível a decisão transitada contra o eventual adquirente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, do Código de Processo Civil.
66ª-O Tribunal Arbitral nunca se encontraria habilitado a proferir uma decisão de condenação da recorrente à não transmissão a terceiros das autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467, desde logo porque não dispõe de quaisquer indícios no sentido de a recorrente se encontrar a preparar ou a fazer diligências junto de outras entidades, no sentido de transmitir as mesmas – requisito que se revela imprescindível a uma hipotética condenação da Recorrente;
67ª-A decisão de condenação da recorrente a não transmitir a terceiros as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467, deve ser revogada, uma vez que os seus fundamentos assentam na convicção errónea de que a decisão recorrida não seria oponível a um terceiro adquirente, e porque não se encontram reunidos os pressupostos de que dependeria a sua hipotética condenação, tal como refere o Exmo. Senhor Árbitro, Prof. Dr. J..., no seu voto de vencido.
68ª-A decisão recorrida, na parte em que condenou a recorrente a não transmitir a terceiros as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467, violou o disposto no artigo 101.º, do Código de Propriedade Industrial, nos artigo 37.º n.º 1, e 179.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e o artigo 579.º, do Código Civil padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão arbitral.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
 
II - FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto:

Com base nos factos assentes indicados no guião de prova e nas respostas aos respectivos quesitos, o tribunal arbitral considerou provados os seguintes factos;

1)"Telmisartan" é o nome genérico usado em farmácia (DCI Denominação Comum Internacional) do composto cuja fórmula é: (artigo 5º da petição inicial, não impugnado, e documento nº 1 com ela junto).


2)Telmisartan é um antagonista específico do receptor da angiotensina II (tipo AT1) com acção farmacológica ao nível da hipertensão essencial no adulto e na redução da morbilidade em adultos com doença aterotrombótica cardiovascular ou com diabetes mellitus tipo 2 com lesão ou risco de lesão cardíaca (artigo 6º da petição inicial, não impugnado, e documento nº 1 com ela junto).
3)O Telmisartan é uma substância activa utilizada, isoladamente ou em associação com outros fármacos (anti-hipertensores ou diuréticos), em medicamentos de uso humano (artigo 7º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).
4)O Telmisartan em monoterapêutica, é comercializado, em Portugal, pela Demandante UNILFARMA sob a marca MICARDIS® e sob a marca PRITOR®, pela B... A.G. (“B...”), no âmbito de um acordo de co-comercialização celebrado entre esta e a B..., através do qual foram concedidos à B... determinados direitos, entre outros, o de adquirir o Telmisartan à mesma Demandante e comercializá-lo, em Portugal, sob a referida marca, mediante o pagamento das respectivas contrapartidas financeiras (artigo 8º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).
5)As formas farmacêuticas orais contendo Telmisartan e Hidroclorotiazida em associação fixa, no tratamento da hipertensão essencial, comercializadas em Portugal sob a marca MICARDISPLUS® e PRITORPLUS®, pela ... e pela B..., no âmbito de um acordo de co-comercialização, anteriormente referido, celebrado entre esta e a B... (artigo 9.º da petição inicial, não impugnado).
6)O Telmisartan está indicado no tratamento da hipertensão essencial, por ser um antagonista activo e específico do receptor da angiotensina II (tipo AT1) cujo efeito anti-hipertensor consistente permanece ao longo de 24 horas, mesmo durante as primeiras horas da manhã, quando o risco de episódios cardiovasculares é mais elevado (artigo 10.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).
7)A Hidroclorotiazida é um derivado de benzotiazina, tem uma acção farmacológica primária no aumento da excreção de electrólitos e secundariamente aumenta o fluxo urinário por retenção osmótica da água (artigo 11.º da petição inicial, não impugnado).
8)Por um lado, a Hidroclorotiazida inibe a absorção de sódio e aumenta a excreção de potássio, por outro lado aumenta o fluxo urinário. Esta perda de água provoca o aumento da diurese e diminuição do volume líquido extracelular e consequentemente, a redução da pressão arterial (artigo 12.º da petição inicial, não impugnado).
9)A Hidroclorotiazida, em monoterapia, é um fármaco diurético de tiazida com actividade farmacológica no tratamento oral de edema e hipertensão, sendo porém um anti-hipertensor fraco (artigo 13.º da petição inicial, não impugnado).
10)A Hidroclorotiazida quando associada com outros hipertensores mais potentes, tem interesse farmacológico por prevenir complicações cardiovasculares, sendo assim utilizado com sucesso em associação fixa com outros fármacos anti-hipertensores potentes, como o Telmisartan (artigo 14.º da petição inicial, não impugnado).
11)A administração destas das substâncias activas Telmisartan e Hidroclorotiazida, em associação fixa, confere uma potenciação da acção farmacológica originando reduções adicionais da pressão arterial, quando comparada com a administração em monoterapia de cada um dos fármacos. Esta potenciação é particularmente indicada nos doentes hipertensos que não respondem adequadamente ao Telmisartan em regime de monoterapia (artigo 15.º da petição inicial, não impugnado)
12)A primeira Autorização de Introdução de Mercado (“AIM”) concedida para os comprimidos contendo Telmisartan combinado com Hidroclorotiazida em associação fixa (MicardisPlus) foi concedida em 17 de Novembro de 2000 nos EUA. Em 19 de Abril de 2002, a Comissão Europeia concedeu uma AIM para o medicamento MicardisPlus, válida para toda a EU, que foi renovada em 19 de Abril de 2007 (artigo 16.º da petição inicial, não impugnado).
13)A substância Telmisartan foi descrita pela primeira vez na patente Alemã DE 1991-4103492, de 6 de Fevereiro de 1991 (artigos 17.º da petição, não impugnado).
14)A Patente Europeia n.º 502314 foi pedida a 31-1-1992, reivindicando a prioridade do pedido de patente Alemã DE 1991-4103492, de 6-2-1991, de acordo com o artigo 88.º da Convenção sobre a Patente Europeia de 1973 (artigos 18.º da petição inicial e documento n.º 1 junto com ela, cujo teor se dá como reproduzido).
15)A Demandante B... é titular da Patente Europeia n.º 502314 com o título ou epígrafe "Benzimidazoles, medicamentos contendo estes compostos e processo para a sua preparação", relativa à substância activa Telmisartan (documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 24.º da petição inicial).
16)De acordo com a enciclopédia clássica "The Merck Index", 13.ª Edição, as primeiras referências ao Telmisartan surgiram na EP 502314 (artigo 19.º da petição inicial e documento n.º 2 com ela junto).
17)À data do pedido da EP 502314 (31-1-1992) e da prioridade reivindicada nessa patente, o Telmisartan nunca tinha sido sintetizado ou revelado de forma a ser explorado por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo que é mencionado na patente para obter esse produto (artigo 20.º da petição inicial, não impugnado).
18)O Telmisartan não fazia parte do que era acessível ao público antes da data do depósito do pedido de patente europeia por uma descrição escrita ou oral, utilização ou qualquer outro meio à data do pedido da EP 502314 e da prioridade reivindicada nessa patente (6-2-1991), nos termos do artigo 54.º da Convenção sobre a Patente Europeia (artigo 21.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com aquela junto, cujo teor se dá como reproduzido).
19)A EP 502314 foi concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (European Patent Office), em 20-5-1998 (artigo 25.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com aquela junto, cujo teor se dá como reproduzido).
20)Em 19-8-1998 foi entregue no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a tradução do respectivo fascículo (artigo 26.º da petição inicial e documento n.º 1, junto com ela junto, cujo teor se dá como reproduzido).
21)A primeira autorização de introdução no mercado de um medicamento contendo Telmisartan como princípio activo, ocorreu em 11-12-1998 (artigo 42.º da petição inicial, não impugnado, folha 3 do documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
22)A B... é ainda titular do Certificado Complementar de Protecção n.º 41 (doravante "CCP 41") concedido por referência ao medicamento contendo o "Telmisartan" como substância activa, que estende o período de tempo de protecção da EP 502314 em relação a qualquer produto que contenha "Telmisartan" como ingrediente activo até 12-12-2013 (3) (artigo 27.º da petição inicial documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
23)A EP 502314 tem dois grupos de reivindicações, sendo o primeiro aplicável aos Estados signatários designados Áustria, Bélgica, Suíça, Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Holanda e Suécia, e diz respeito a benzimidazoles novos e inventivos per se (artigo 28.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
24)O segundo grupo de reivindicações da EP 502314 aplica-se aos Estados signatários designados Grécia, Portugal e Espanha e respeita ao processo de preparação dos referidos benzimidazoles novos e inventivos (artigo 28.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
25)O grupo referido na alínea anterior tem sete reivindicações compreendendo o processo de preparação do "Telmisartan" ou composições farmacêuticas contendo-o como substância activa (artigo 29.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
26)A substância activa Telmisartan é um composto da fórmula geral I, compreendida na Reivindicação 1 da EP 502314, e quatro métodos/processos alternativos {a) a c) e g)} para a sua preparação, que são, portanto, protegidos por essa reivindicação (artigo 30.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
27)As Reivindicações 1 e 5 do grupo de Reivindicações da EP 502314 aplicável à Grécia, Portugal e Espanha, referem-se e protegem o processo de preparação da substância activa Telmisartan (documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 32.º da petição inicial).
28)O CCP 41 foi concedido tendo-a como patente base a EP 502314 e por referência à primeira autorização de introdução no mercado do medicamento contendo como substância activa o Telmisartan (artigo 36.º da petição inicial, documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
29)O Telmisartan é produzido na forma de um ácido livre (forma cristalina), conforme reivindicado na Patente EP 502314, podendo também ser produzido na forma cristalina de sal de sódio de Telmisartan conforme reivindicado na Patente Europeia 1442023 ("EP 1442023") (artigo 44.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
30)A EP 1442023, com a epígrafe "Sal de sódio cristalino do Telmisartan e sua utilização como antagonista da angiotensina" foi pedida em 11-10-2002, pela primeira Demandante B..., reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 2001-10153737 de 31-10-2001 (artigo 45.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
31)A EP 1442023 foi concedida pelo IEP, em 15-8-2007 e em 5-9-2007 foi entregue no INPI a tradução do respectivo fascículo, tornando-se assim essa Patente válida e oponível em Portugal (artigo 46.º da petição inicial, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
32)A EP 1442023 reivindica uma forma estável do sal de sódio cristalino de Telmisartan e os seus hidratos e solvatos, bem como formulações farmacêuticas contendo essa forma cristalina do sal de sódio do Telmisartan (artigo 47.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
33)A primeira Demandante B... é ainda titular da Patente Europeia 1467712 ("EP 1467712"), com a epígrafe "Método de produção de um comprimido farmacêutico de duas camadas compreendendo Telmisartan e Hidroclorotiazida", que foi pedida em 16-1-2002 e concedida em 12-12- 2007 (artigo 49.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 39.º da contestação e documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
34)Em 26-12-2007 foi entregue no INPI a tradução do respectivo fascículo da EP 1467712 (artigo 50.º da petição inicial, documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
35)A reivindicação 1 da EP 1467712 refere-se ao método de produção de um comprimido farmacêutico de duas camadas, compreende a primeira camada Telmisartan e a segunda camada Hidroclorotiazida, através de 6 passos devidamente descritos nesta reivindicação (artigo 52.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 39.º da contestação inicial, documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
36)A Demandante B... é também titular da Patente Europeia n.º 1545467 ("EP 1545467") com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan", foi pedida em 18-9-2003, reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 10244681, de 24-9- 2002 (artigo 57.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação inicial e documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
37)A EP 1545467 foi concedida em 12-9-2007 e em 14-11-2007 foi entregue no INPI a tradução do respectivo fascículo (artigo 58.º da petição inicial e documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
38)As reivindicações 1 a 7 da EP 1545467 referem-se a composições farmacêuticas e as reivindicações 8 a 10 referem-se a formulações farmacêuticas sólidas (artigo 62.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
39)A reivindicação 11 da EP 1545467 é referente a comprimido farmacêuticos em bicamada compreendendo uma primeira camada de comprimido contendo Telmisartan e uma segunda camada contendo um diurético e uma matriz de desintegração de comprimido (artigo 63.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
40)As reivindicações 12 e 13 da EP 1545467 referem-se a processos para a preparação da composição farmacêutica da reivindicação 1 (artigo 64.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
41)A reivindicação 14 da EP 1545467 refere-se a processo para a preparação do comprimido em bicamada da reivindicação 11, através de 6 passos (artigo 65.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
42)A Demandante B... é também titular da Patente Europeia n.º 2120884 ("EP 2120884"), com a epígrafe "Composição farmacêutica", pedida em 13-3-2008, reivindica a prioridade do pedido de patente alemã DE 07104157, de 14-3-2007 (artigo 67.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 49.º da contestação, documento n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
43)A EP 2120884 foi concedida em 29-12-2010 e em 3-2-2011 foi entregue no INPI a tradução do respectivo fascículo (artigo 68.º da petição inicial e documento n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
44)A EP 2120884 refere-se a um processo de fabrico de "um comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo o antagonista do receptor do antagonista II o Telmisartan na forma amorfa, um agente básico de sorbitol, caracterizado por o sorbitol possuir uma área específica entre 0,75 e 3,5 m2/g" (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
45)A EP 2120884 reivindica, além do mais, na reivindicação 1, "comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo o antagonista do receptor da angiotensina II Telmisartan na forma amorfa, um agente básico e sorbitol, caracterizado por o sorbitol possuir uma área superficial específica entre 0,75-3,5 m2/g, de um modo preferido, entre 1,4-3,0 m2/g e, de um modo mais preferido, entre 2,0-2,5 m2/g" (documento n.º 7, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
46)A primeira Demandante B...  GMB H & CO. KG concedeu à segunda Demandante B... GMBH uma licença de exploração da EP 502314 e CCP 41, tendo esta, por sua vez, concedido uma sub-licença de exploração a favor da terceira Demandante U... LDA., com efeitos no território português, tendo sido devidamente averbadas junto do INPI (artigo 81.º da petição e documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido); 47) De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt) nos termos do artigo 15.º-A, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, a Z... k.s. requereu ao Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., as AIMS a seguir identificadas, nos termos em que constam da mesma lista (artigo 82.º da petição inicial e documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como integralmente reproduzidos).

48)As Demandantes iniciaram contra a Z... k.s. (e outras co-Demandadas) uma acção arbitral, de acordo com cartas datadas de 6-6-2012, de início/notificação de acção arbitral [considerando a) da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral].
49)A Demandada opôs-se à menção de concessão da EP 2120884 pelo Instituto Europeu de Patentes (acordo das Partes, nos artigos 8.º da contestação aperfeiçoada e 6.º da resposta a esta).
50) A oposição da Z... k.s. à menção de concessão da EP 2120884 foi recusada, por decisão do IEP de 20-12-2012 (documento n.º 3 junto com a contestação aperfeiçoada), tendo a Z... k.s. recorrido desta decisão para as Câmaras de Recurso do IEP.
51)A utilização do tensioactivo aumenta muito a solubilidade do Telmisartan ao nível do pH fisiológico e consequentemente a sua libertação imediata da matriz de dissolução (artigo 60.º da petição inicial, acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação).
52)A substância activa Telmisartan não estava incluída no estado da técnica anterior à EP 502314 (ou da prioridade aí reivindicada), nem tão pouco a associação fixa de Telmisartan e Hidroclorotiazida produzida por processos reivindicados nas patentes EP 1467712, EP 1545467 e EP 2120884 (artigos 89.º e 90.º da petição inicial, não impugnado).
53)A substância activa dos Genéricos Telmisartan Hidroclorotiazida cujas AIMs a Z... k.s. requereu, ou seja contendo Telmisartan como princípio activo, será produzida de acordo com o processo descrito nas reivindicações 1.ª a 6.ª da EP 502314, e qualquer produto farmacêutico contendo Telmisartan como principal substância activa, terá de ser considerado produzido de acordo com a reivindicação 7.ª da mesma patente (artigo 95.º da petição inicial, não impugnado).
54)As características específicas dos Genéricos Telmisartan; Hidroclorotiazida, no que toca a aspectos importantes como o da sua composição, o modo do seu uso e das suas indicações terapêuticas, são exclusivamente aquelas que constam do específico dossier apresentado pela Z... k.s., ao Infarmed, com os seus pedidos de AIMs do mesmo medicamento (artigo 108.º da petição inicial, não impugnado).
55)Não foi possível às Demandantes obter junto do Infarmed a informação necessária sobre as características dos medicamentos Genéricos Telmisartan: Hidroclorotiazida, além da informação já publicada no website do Infarmed (artigo 110.º da petição inicial, não impugnado).
56)A S... Lda não solicitou nem obteve autorização da Demandantes para, por qualquer forma, explorar as invenções constantes das Patentes (artigo 123.º da petição inicial, não impugnado).
57)O medicamento genérico da S... Lda utiliza, no seu processo de fabrico, uma tecnologia de granulação por via húmida (resposta ao quesito 1.º).
58)A composição qualitativa dos comprimidos da Demandada de 80 mg + 25 mg é a indicada na tabela seguinte e a composição quantitativa dos comprimidos 80 mg + 25 mg corresponde, com excepção do estearato de magnésio, à apresentada na mesma tabela: (resposta ao quesito 1.º)

59)A quantidade do excipiente estearato de magnésio que consta no dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos da Demandada é de metade da quantidade (4,90 mg) indicada na tabela referida no facto 58); (resposta ao quesito 1.º).
60)Todas as outras quantidades dos outros constituintes indicados na tabela referida no facto 58) são as constantes do Dossiê de Autorização de Introdução no Mercado dos medicamentos da Demandada, módulo 3.2.P.1 (resposta ao quesito 1.º).
61)A composição da dosagem de 40 mg + 12,5 mg dos medicamentos genéricos da Demandada é qualitativamente semelhante à indicada na tabela referida no facto 58) (resposta ao quesito 2.º)
62)O fabrico do medicamento genérico da S... Lda apresenta os passos seguintes: (resposta ao quesito 3.º).


63)O medicamento genérico da S... Lda obtém-se com dissolução de Telmisartan na forma de ácido, hidróxido de sódio e Kollidon numa mistura de água e etanol (resposta ao quesito 4.º).
64)No processo de fabrico do medicamento genérico da S...
Lda a solução referida no ponto anterior é pulverizada sobre sorbitol (resposta ao quesito 5.º).
65)No processo de fabrico do medicamento genérico da S...
Lda, após secagem e tamisação, o granulado obtido é pulverizado com uma suspensão de Hidroclorotiazida (HCTZ) em água, solução de Kollidon e álcool (resposta ao quesito 6.º);
66)No processo de fabrico do medicamento genérico da S... Lda, o granulado é misturado com o sorbitol e, por último, misturado com o estearato de magnésio (resposta ao quesito 7.º).

67)À data da prioridade reivindicada pela EP 2120884, das características técnicas referidas no texto da sua reivindicação 1, já eram acessíveis ao especialista da técnica as seguintes:
(a)comprimido ou camada de comprimido farmacêutico, compreendendo
(b)Telmisartan na forma amorfa,
(c)um agente básico, e
(d)sorbitol (resposta ao quesito 8.º).

68)Seria impossível para um especialista da técnica distinguir entre dois comprimidos contendo Telmisartan com base em sorbitol, com uma área superficial específica de 0,7 m2/g e 0,75 m2/g, respectivamente (resposta ao quesito 9.º).
69)O produto “Sorbitol P/6” mencionado no referido exemplo 2 do documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor se dá como reproduzido, é o produto comercializado pela Cargill sob a designação “C*Pharm Sorbidex P16616”, que é o tipo de sorbitol utilizado nos medicamentos genéricos da Demandada, a que se reporta o documento n.º 8 junto com a contestação aperfeiçoada (resposta ao quesito 10.º).
70)O problema objectivo a ser resolvido pela invenção é definido na EP 2120884 B1 como sendo obter "dureza melhorada assim como taxas de dissolução superiores, dentro das gamas de pressão de compactação preferidas, 60% da força máxima da ferramenta " (resposta ao quesito 12.º).
71)A solução oferecida pelo documento US 6274778 B1 para o problema objectivo a ser resolvido pela invenção definido na EP 2120884 (documento n.º 6 junto à contestação), reporta-se apenas ao problema da dureza melhorada e compressibilidade melhorada, sendo o documento omisso quanto à taxa de dissolução (resposta ao quesito 13.º).
72)A patente US 4507511 fornece uma solução para a obtenção de sorbitol com propriedades melhoradas para a produção de comprimidos e que divulga um sorbitol com uma área superficial específica de 0,7-1,5 m2/g, que tem propriedades de compressão melhoradas (resposta ao quesito 14.º)
73)A S... Lda não utiliza, nem se forma com o método de preparação dos comprimidos do seu medicamento genérico, qualquer sal de sódio cristalino de Telmisartan caracterizado através de um ponto de fusão de T = 245 ± 5 ºC (resposta ao quesito 15.º).
74)De acordo com o processo de fabrico do medicamento genérico da Demandada, durante o processamento, existem em solução o ião sódio (proveniente do hidróxido de sódio) e Telmisartan na forma de carboxilato e pulverizando e secando a solução sobre o sorbitol, forma-se um sal de sódio do Telmisartan amorfo, e não se forma qualquer sal de sódio cristalino (resposta ao quesito 16.º).
75)A natureza amorfa do sal de sódio de Telmisartan do medicamento genérico da S... Lda foi comprovada por espectrometria de raios-X nos termos do gráfico que segue (resposta ao quesito 17.º).

76)O espectro de difracção de raios X, obtido para a formulação do medicamento genérico da S... Lda, foi sobreposto aos espectros de difracção, obtidos nas mesmas condições, da HCTZ, sorbitol e estearato de magnésio, como o gráfico que segue (resposta ao quesito 18.º).

77)A parte inferior do gráfico que consta do quesito anterior assinala os picos de todos os ingredientes cristalinos (sorbitol, Hidroclorotiazida, e estearato de Mg) (resposta ao quesito 19.º).
78)O gráfico que consta facto 76) demonstra que todos os picos do produto final podem ser identificados como sendo todos picos dos espectros padrão (sorbitol, Hidroclorotiazida, e estearato de Mg), não existindo um único pico adicional que não tenha sido identificado (resposta ao quesito 20º).
79)O sal de sódio presente no medicamento genérico da S... Lda é o sal de sódio amorfo de Telmisartan (resposta ao quesito 21.º).
80)O medicamento genérico da S... Lda é um comprimido contendo, por toda ele e de forma homogénea, grânulos compreendendo Telmisartan e Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 22.º).
81)Os medicamentos da Demandada contendo Telmisartan em associação com Hidroclorotiazida incorporam na sua composição a substância Povidona, também designada por «Polivinilpirrolidona» e «PVP» e sob o nome comercial de «Kollidon», que pode desempenhar a função de agente tensioactivo e emulsionante, mas não é descrita com essa função nos documentos do dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos da Demandada, em que é indicada para esta substância a função de aglutinante (resposta ao quesito 23.º).
82)A EP 2120884 propôs-se melhorar a dureza e aumentar a taxa de dissolu- ção dos comprimidos e a reprodutibilidade destes dois parâmetros pela utiliza- ção de sorbitol com uma área superficial específica de 0,75 a 3,75 m2/g contra a utilização de sorbitol com uma área superficial específica 0,5-0,7 m2/g (resposta ao quesito 27.º).
83)O sorbitol utilizado no PCT WO 2009/135646 (Doc. n.º 9 da contestação) –, tem uma área superficial específica de 0,56 m2/g (resposta ao quesito 28.º).
84)Telmisartan na forma amorfa obtém-se através da dissolução de Telmisartan na forma cristalina (ácido livre ou qualquer um dos seus sais) em água, hidróxido de sódio e povidona para formar uma solução básica que se seca e se pulveriza no granulado com um diluente hidrossolúvel para formar a camada contendo Telmisartan na forma substancialmente amorfa, tendo a expressão «forma substancialmente amorfa» o alcance referido na definição da página 7 da EP 1467712, que é o de «um produto compreendendo constituintes amorfos numa proporção de, pelo menos, 90%, de um modo preferido, pelo menos, 95%, como determinado por medição de difracção de raios-X de pó» (resposta ao quesito 29.º).
85)O Telmisartan contido nos comprimidos genéricos da S... Lda encontra-se substancialmente na forma amorfa, expressão esta que tem o alcance referido no facto 84) (resposta ao quesito 30.º).
86)O Telmisartan é transformado na forma amorfa durante o processo de preparação do granulado de Telmisartan dos comprimidos genéricos da Demandada contendo Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa (resposta ao quesito 31.º).
87)Do processo global do medicamento genérico da S... Lda resultam grânulos constituídos por uma camada de Telmisartan revestidos por uma camada de Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 32.º).
88)Na formulação dos comprimidos de Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa das Demandantes, a principal função da povidona é a de retardador de cristalização (resposta ao quesito 33.º).
89)O processo de fabrico dos medicamentos genéricos Telmisartan + Hidroclorotiazida da S... Lda compreende a granulação a húmido e a obtenção do granulado por secagem num granulador de leito fluido (resposta ao quesito 34.º).
90)A obtenção de uma dureza do comprimido conjuntamente com uma taxa de dissolução elevada para os comprimidos de Telmisartan foi um dos problemas resolvidos na EP 2120884 (resposta ao quesito 35.º).
91)A oposição da Z... k.s. à concessão da EP 2120884 foi recusada, por decisão do Instituto Europeu de Patentes de 20-12-2012 (resposta ao quesito 36.º).
92)A EP 1467712 reivindica o método de produção de um comprimido de duas camadas, em que a composição da primeira camada contém Telmisartan em forma substancialmente amorfa e a composição da segunda camada contém Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 39.º).
93)A primeira camada referida na reivindicação 1 da EP 1467712 compreende e pressupõe: – Telmisartan na forma substancialmente amorfa, numa matriz de comprimido dissolvente, tendo características de libertação imediata – obtido através da transformação de Telmisartan na forma de ácido livre em Telmisartan na sua forma amorfa, tendo a expressão «forma substancialmente amorfa» o significado referido no facto 84; – um agente básico e um solubilizante e/ ou um retardador de cristalização; – a secagem da solução aquosa por pulverização para obter um granulado seco por pulverização; – a mistura do granulado seco com um diluente hidrossolúvel adequado (sendo sorbitol o preferido) e posterior mistura final com um lubrificante, para a obtenção da primeira camada do comprimido (resposta ao quesito 40.º).
94)A segunda camada referida na reivindicação 1 da EP 1467712 contém Hidroclorotiazida numa matriz de desagregação/desintegração, com características de libertação imediata, que intumesce e se desintegra num meio aquoso fisiológico e é preparada: – pela mistura directa ou granulação a húmido de Hidroclorotiazida com os constituintes da matriz de comprimido desintegrante e; – posterior junção de lubrificante para obter uma mistura final (resposta ao quesito 41.º).
95)No processo descrito na reivindicação 1 da EP 1467712, por último, efectuase a compressão do comprimido em máquina de compressão adequada (comprime-se a 1ª camada e depois a 2ª camada) e que a obtenção de comprimidos com dureza adequada deve-se à formação de ligações entre as duas camadas, feita através de forças inter-moleculares e forças de ligação mecânica entre as partículas, com um bom perfil de estabilidade e um perfil de dissolução adequado ao pretendido (resposta ao quesito 42.º).
96)A EP 1545467 reivindica novas formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan e métodos para a sua produção, através da obtenção de Telmisartan na forma de granulado ou pó amorfo, pela dissolução de Telmisartan na forma cristalina, em meio básico, utilizando um tensioactivo ou emulsionante não iónico, mistura do granulado ou pó amorfo com um diluente adequado (manitol, ou sacarose ou sorbitol) e posterior secagem do granulado por leito fluido ou por secagem por pulverização (resposta ao quesito 43.º).
97)A EP 1545467 também reivindica a utilização dessas formulações na produção da primeira camada contendo Telmisartan em comprimidos de Telmisartan e um diurético em associação fixa em duas camadas produzidos por um processo semelhante ao da EP 1467712 acima referida (processo de secagem por pulverização) ou por um processo alternativo (processo de granulação em leito fluido), seguido pela dispersão do granulado ou pó numa matriz de dissolução (resposta ao quesito 44.º).
98)O parâmetro de 0,75-3,5 m2/g, nos termos da reivindicação 1 da EP 2120884, influi no valor da taxa da dureza dos comprimidos e na velocidade de dissolução do Telmisartan (resposta ao quesito 45.º).
99)A solução da patente US 4252794, com data de pedido de 20 de Dezembro de 1979 (cfr. documento n.º 18, junto com o aperfeiçoamento à contestação) fornece uma solução para o problema objectivo referido no quesito em 12) relativo à dureza melhorada, que é utilizar sorbitol com uma área superficial específica de pelo menos 1,1 m2/g e de menos de 2,5 m2/g (resposta ao quesito 46.º).
100)O produto que se obtém após secagem da solução da S... de Telmisartan na forma de ácido livre com hidróxido de sódio é o sal amorfo de Telmisartan (resposta ao quesito 48.º). 101) O medicamento genérico de 40mg+12,5mg da Demandada S... Produtos Farmacêuticos, Lda., aqui em causa nos autos, foi lançado no mercado português pelo menos em 16-04-2014, com a designação «Telmisartan+Hidroclorotiazida Z... 40mg+12,5mg».

B) Fundamentação de direito.

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

A apelante considera que está incorrectamente julgada a matéria de facto correspondente aos quesitos 11º, 23º, 24º, 29º, 30º, 35º, 43º, 44º, e 45º, merecendo respostas diferentes daquelas que obtiveram.

Cumpre decidir.

O QUESITO 11º.

Este quesito, que mereceu a resposta negativa, tinha a seguinte redacção:
A área superficial de Sorbitrol não possui influência nas propriedades dos comprimidos resultantes da utilização do processo de fabrico reivindicado na EP 2120884 (artº 145º da contestação aperfeiçoada)?

Argumenta a apelante que o mesmo deve ser considerado “Provado” e o meio probatório constante do processo que impunha decisão diversa é o documento nº 7 junto com a petição inicial (EP 2120884).
Em síntese, alega que a EP 2120884 não permite concluir que a utilização de sorbitol com uma área superficial específica de 0,75-3,5 m2/g, influencia as propriedades dos comprimidos. E nenhum dos 11 exemplos da EP 2120884 utiliza sorbitol com uma área superficial específica de 0,75-3,5 m2/g.

Cumpre decidir.

Na respectiva Fundamentação consta que:

“A EP 2120884 refere, na página 5, que a dureza do comprimido e a taxa de dissolução do ingrediente activo Telmisartan são determinadas pela área superficial do sorbitol.
Mais abaixo refere que os comprimidos produzidos de acordo com a invenção exibem dureza melhorada assim como taxas de dissolução superiores.
Na descrição, nas página 7 a 9, refere-se que para alcançar a taxa de dissolução pretendida é utilizado Telmisartan, de um modo preferido em forma amorfa, o qual pode ser preparado por qualquer método conhecido, incluindo o revestimento de portadores sólidos em leito fluido. A dureza melhorada, a reprodutibilidade melhorada e a taxa de dissolução pretendida são ilustradas nos exemplos.
As testemunhas M..., M..., I... e R... afirmaram que a área superficial do sorbitol influencia as propriedades dos comprimidos de acordo com a EP 2120884.
A testemunha P... defendeu que a informação que agora se obtém com a quantificação da área superficial das partículas é a mesma que se obtém com a dimensão (tamanho) das partículas (granulometria). Esta testemunha afirmou que já era conhecido que quanto menor for o tamanho da partícula maior é a sua área superficial e que o interesse da área de superficial específica na realidade da indústria farmacêutica não é nenhuma, porque a indústria farmacêutica obtinha exactamente aquilo que pretendia com o parâmetro granulometria, com a dimensão entre os 120 e 250 micrómetros ou 225, 275 micrómetros, por exemplo. De acordo com a testemunha P..., estabelecendo esta dimensão, conseguia-se ter os comprimidos com a dureza que se pretendia. Tais afirmações não obstam a que se conclua que a área superficial específica (ou a granulometria) afecta a dureza do comprimido”.

De acordo com a prova testemunhal. que ouvimos. e em conjugação com a prova documental apresentada e como bem refere a parte contrária nas contra-alegações, a conclusão a que o tribunal a quo chegou, conjugando a prova documental e testemunhal que citou, corresponde, tão simplesmente, à constatação de que a primeira reivindicação da EP 2120884 – referente ao sorbitol com uma área superficial específica de 0,75-3,5 m2/g – tem assento na descrição da patente, que apenas poderá servir para interpretá-la no sentido de que aquela área superficial específica apresenta vantagens técnicas (inesperadas, como é afirmado na patente) para a dureza do comprimido e a taxa de dissolução do ingrediente activo Telmisartan.

Nesta conformidade, improcede a pretensão da apelante, não existindo quaisquer incorrecções quanto ao julgamento da matéria de facto correspondente a este quesito.

O QUESITO 23º.

Este quesito tinha a seguinte redacção:
O medicamento genérico da S... Lda não contém nenhum tensioactivo (surfactante) ou emulsionante? (artigo 207º da contestação aperfeiçoada).
 
O tribunal arbitral respondeu da seguinte forma:
“Provado apenas que os medicamentos da Demandada contendo Telmisartan em associação com Hidroclorotiazida incorporam na sua composição a substância Povidona, também designada por «Polivinilpirrolidona» e «PVP» e sob o nome comercial de «Kollidon», que pode desempenhar a função de agente tensioactivo e emulsionante, mas não é descrita com essa função nos documentos do dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos da Demandada, em que é indicada para esta substância a função de aglutinante”.

Alega a apelante que o quesito merece resposta de “Provado”.

O argumento para tal consiste nos concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa são a tabela n.º 2 da secção 3.2.P.2.1.2 (excipientes), a tabela na secção 3.2.P.1 (Description and Composition of the Drug Product) e a tabela na secção correspondente para os comprimidos de telmisartan e hidroclorotiazida 40 mg + 12,5 mg (cfr. secção 3.2.P.1 [Description and Composition of the Drug Product]) do dossier do medicamento genérico da Recorrente, o documento de Tivadar Feczkó, Judit Tóth, János Gyenis, intitulado “Comparison of the preparation of PLGA-BSA nano- and microparticles by PVA, poloxamer and PVP,” publicado no Colloids and Surfasses A: Physicochem. Eng. Aspects 319 (2008) 188-195, documento de Loredana E. Nita, Aurica P. Chiriac, Manuela Nistor e Tatiana Budtova, intitulado “Upon the Delivery Properties of a Polymeric System Based on Poly(2-hydroxyethyl Methacrylate) Prepared with Protective Colloids,” publicado no Journal of Biomaterials and Nanobiotechnology 2013, 4, 357-364, o documento de Hou-Hsein Chu e ChiShen Lin, intitulado “The Effect of Initiators on the Emulsion Polymerization of 2- hydroxyethyl Methacrylate,” publicado no Journal of Polymer Research 10: 283-287, 2003, a Patente EP 1322289 B1, “Spray Drying Process of Compositions Containing Fenofibrate,” de Jagotec AG, o Pedido Europeu de Patente EP 1982699, “A Solid Lyophilized Taxane Composition, a Method for Preparing Said Solid Composition, a Pharmaceutical Formulation and a kit for Said Formulation,” de Eriochem, S.A., o Pedido Internacional de Patente WO 2012/085071 A1, “Process for the Preparation of a Pharmaceutical Composition Comprising a Low Soluble Pharmaceutical Active Ingredient,” de LEK Pharmaceuticals D.D e o Pedido Internacional de Patente WO 2009/043956 A1, com epígrafe “Una Formulación Farmacêutica de Taxano,” de Capital, Business y Gestión de Finanzas, S.L., juntos pelas Recorridas na audiência de produção de prova de 23.04.2014, como documentos n.ºs 1, 2, 3, 5, 5, 6, e 7, documento n.º 9 junto ao Aperfeiçoamento da Contestação, e os depoimentos das testemunhas P..., M..., M..., R... e P...; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida quanto ao quesito 23) é a de «Provado» que «O medicamento genérico da S... Lda. não contém qualquer substância com a função de tensioactivo (surfactante) ou emulsionante», passando o facto provado 81) a ter a mesma redacção.

Cumpre decidir.

Na respectiva Fundamentação consta o seguinte:

“Prova documental (dossiê de Autorização de Introdução no Mercado do medicamentos da Demandada, módulo 3.2.P.2.1.2) e testemunhal.
Foi afirmado pela testemunha M... que «a povidona é que é utilizada em solução, é ela que vai fazer as funções de tensioactivo» e citou a patente EP 11994925 e o pedido de patente WO2009043956 em que a povidona é indicada com estas funções e artigos científicos (pontos 02:00:07 a 02:05:44 do depoimento).
Esta testemunha referiu ainda que, apesar de a Povidona vir referida como aglutinante no dossiê do Infarmed relativo aos medicamentos da Demandada, ela não tem essa função numa solução (pontos 02:07:57 e 01:13:09 do depoimento) e que «o tensioactivo, ou emulsionante, da S... é a povidona e que entra numa percentagem de 8,8%, o que significa que está perfeitamente dentro do 1 a 20% da gama que está definida na alínea b)» (ponto 02:12:44 do depoimento).
A testemunha M... referiu também que «o tensioactivo ou emulsionante, na composição da Demandada, é a povidona» (ponto 03:19:13 do depoimento) e que existe muita documentação (patentes e artigos científicos) em que se refere que a povidona tem características físico-químicas de tensioactivo (pontos 03:19:25 a 03:27:18; 03:56:27 a 03:58:44).
A testemunha I... afirmou também que a Povidona é um tensioactivo e que não deixa de ter essas características apesar de ser indicada como outras funções (depoimento pontos 01:34:14 a 01:34:17; 01:38:58 a 01:43:43).
A testemunha R... referiu também que a Povidona é utilizada como tensioactivo, que é utilizada como tal na indústria farmacêutica, tendo também outras funções (depoimento pontos 01:09:02 a 01:11:13; 01:13:31 a 01:13:43).
A testemunha P... também referiu que a Povidona é um tensioactivo, podendo ter outras funções (pontos 00:51:44 e 00:59:40 a 01:03:33 do seu depoimento).
A testemunha P... afirmou que nos medicamentos da Demandada a povidona actua como aglutinante e que não faz sentido algum a utilização de um tensioactivo no leito fluido, apenas fazendo sentido utilizar um tensioactivo emulsionante se se estivesse a preparar uma emulsão que não fosse para o leito fluido.
No entanto, esta afirmação não se pode considerar consistente, pois no texto da EP 1545467 refere-se expressamente, na sua página 7, a relevância de um tensioactivo conexionada com a granulação em leito fluidizado:
A presença do componente (b), um tensoactivo ou emulsionante, é essencial para obter uma dissolução substancialmente melhorada do ingrediente activo bem como para a utilização de um processo de produção simplificado tal como granulação em leito fluidizado em vez de secagem por pulverização para preparação das composições farmacêuticas sólidas de acordo com a invenção.
No texto da descrição da EP 1545467 são dados exemplos de substâncias que actuam como tensioactivos e de substâncias que desempenham outras funções. A povidona é referida nessa patente como exemplo de excipiente com funções de aglutinante, de diluente/veículo e de retardador de cristalização.
Mas, a omissão de referência à povidona na EP 1545467 com tensioactivo não pode ser interpretada como significando que ela não pode ter essa função, pois como referiram as testemunhas M... e R... há, pelo menos, centenas de tensioactivos, pelo que na patente apenas se enumeram alguns, a título exemplificativo.
Para além disso, as Demandantes juntaram na sessão de 23-04-2014 documentos extraídos de publicações científicas em que se faz referência à Povidona como tensioactivo (“surfactant”) ou emulsionante (“emulsifier”)”.

Vejamos o depoimento da Drª M...:

Assessor Técnico das Demandantes (Prof. Dr. J...): Eu agora passava à patente 1545467, que também está na primeira reivindicação. Esta primeira reivindicação menciona a certa altura um tensioactivo, ou emulsionante. Diz a Demandada que o medicamento genérico da S... não contém nenhum tensioactivo ou emulsionante. A senhora podia-me explicar isto? O medicamento da S... tem, ou não tem, um tensioactivo ou emulsionante?
M...: Até tem mais do que um. O estearato de magnésio é um tensioactivo, e tem a povidona.
Assessor Técnico das Demandantes: Tem dois tensioactivos, o estearato de magnésio e a povidona?
M...: E a povidona. Mas neste caso concreto, uma vez que a povidona não é utilizada em solução, portanto, na solução a povidona é que é utilizada.
Assessor Técnico das Demandantes: O que não é utilizada é a povidona, ou o estearato?
M...: A povidona é que é utilizada em solução, é ela que vai fazer as funções de tensioativo.
Assessor Técnico das Demandantes: Mas a povidona desempenha este papel de tensioativo, tanto no documentado da povidona tem essas características físico-químicas?
M...: Sim. Há uma série de documentos disponíveis até na internet e que demonstram e descrevem a povidona como tensioactivo. Nomeadamente, a patente 11994925, que é uma patente da ERIOCHEM SA, em que é uma composição para uma formulação injectável de um medicamento, e que refere no parágrafo sessenta e nove que “tensioactivos adequados podem ser utilizados na presente invenção” para formular o injectável, são polietilenoglicol, polivinilpirrolidona, poloxamer.
Assessor Técnico das Demandantes: Polivinilpirrolidona, que é a povidona.
M...: Que é a povidona, e o poloxamer, portanto, põe a par a povidona e o poloxamer, que é exactamente um dos tensioactivos descritos na patente.
Assessor Técnico das Demandantes:
E que documento é esse, podia-nos dizer?
M...: Este documento é EP…
Assessor Técnico das Demandantes<. É uma patente europeia.
M...: É uma patente europeia. 1994925. E depois também reivindica isso mesmo na reivindicação 24.
(…)
02:02:36 M...
Reivindica na reivindicação 4 que a formulação, de acordo com qualquer das reivindicações da 19 à 13, em que o tensioactivo é um agente polimérico seleccionado a partir do grupo que consiste em macrogol, hidroxiestearato de macrogol, poloxamer e polivinilpirrolidona.
Assessor Técnico das Demandantes: Portanto, é um documento da literatura em que aparece a povidona explicitamente mencionada como tensioactivo.
M...:
É um documento que existe. Num medicamento, portanto, na formulação de um medicamento.
Assessor Técnico das Demandantes: Na formulação de um medicamento.
M...: Exacto. Entretanto, há aqui outra, há vários, isto há n…
Assessor Técnico das Demandantes: N, há n quê?
M...: Há n referências a referir a povidona como tensioactivo, ou como emulsionante. Esta, que é o pedido de patente WO2009043956, há um em que na reivindicação, na página 20, linha 13, diz que “os tensioactivos são susceptíveis de serem utilizados na presente invenção para formular as referidas composições podem ser enumerados como: polietilenoglicol, polivinilpirrolidona, poloxamer”, etc.
Assessor Técnico das Demandantes: E para além da literatura de patentes, a senhora Doutora também encontra referências à povidona como menciona aqui?
M...: E depois existe um artigo que é da Elsevier, que é da Science Direct, e que diz exactamente que o efeito de três tensioactivos, portanto, eles dizem surfatantes, que é a mesma coisa, polivinil álcool, poloxamer e polivinilpirrolidona portanto, em que estuda estes três tensioactivos numa formulação farmacêutica de micropartículas e de nanopartículas, verifica que as micropartículas formuladas utilizando a polivinilpirrolidona até demonstram uma melhor libertação in vitro do que a utilização das formulações com os outros dois tensioactivos.
Assessor Técnico das Demandantes: Portanto, existem muitas evidências na literatura que a povidona…
M...: Existem “n”.
Assessor Técnico das Demandantes : … é mencionada pelos técnicos da arte como tensioactivos.
M...: Como tensioactivos.
Assessor Técnico das Demandantes: Então, mas isso não foi usada com essa intenção. Alguém diz “quero usar a povidona mas com outra intenção”. Escrevo num papel que quero usá-la com outra intenção. A povidona passa a comportar-se de outra maneira por causa disso?
M...: A povidona tem uma série de funções que não é sempre a mesma, vai depender, todos os excipientes dependendo das condições de produção, inclusivamente os outros excipientes com quem estão a ser formulados, vão ter determinadas funções mais relativamente às outras. Porque têm várias, e vão ter mais em relação a outras. A povidona tem várias funções. Nós aqui já referimos a função de solubilizante, a função de retardador de cristalização, também tem a função de tensioactivo, ou emulsionante, e tem outras funções. Pode ser utilizada como uma solução de revestimento, fazer uma solução e revestir um comprimido que, por exemplo,
tem um mau sabor e que se pretende mascarar esse mau sabor para quem toma o medicamento não sentir o sabor. Portanto, há uma série de funções que a povidona tem, e não se pode dizer “agora só funcionas com esta função, e não podes funcionar com aquela”. Ela está lá, está intrínseca dentro do excipiente. Portanto quando…
Mandatário das Demandantes: É uma característica intrínseca da povidona.
M...: Exacto.
Mandatário das Demandantes: Significa isto que a povidona não tem inteligência própria, não é?
M...: Obviamente.
Mandatário das Demandantes: Ou seja, não posso dizer à povidona “agora comportas-te desta maneira e não te vais de outra”. Portanto, não tendo inteligência própria, tendo as potencialidades objectivas de um tensioactivo, se esse tensioactivo está na composição, esta reivindicação é, ou não é, invadida, de acordo consigo?
M...: Exactamente.
Mandatário das Demandantes: Olhe, e mais do que isso, a S... diz que, no dossier do INFARMED, a povidona tem a função de binder, ligante, aglutinante. Mas isso é relevante?
M...: A função da povidona como aglutinante normalmente tem essa função, sim, não aqui. Não numa solução, porque ela numa solução não pode ser aglutinante. Isso é quando se faz uma mistura, uma granulação a húmido, aí utiliza-se normalmente a povidona como aglutinante. Se calhar, eles estão a referir-se à utilização da povidona quando misturam com a hidroclorotiazida, porque no fundo estão a fazer uma matriz com a hidroclorotiazida. Mas como no telmisartan não pode ser utilizado…
Mandatário das Demandantes: Está bem, mas vamos até admitir que teria essa função de ligante, aglutinante, que está indicada no INFARMED. Isso significa, objectivamente, que a povidona não pudesse na formulação actuar com outras funções? Porque elas combinadas, são características físicoquímicas.
M...: Não ela tem outras funções. Sim, exacto.
Mandatário das Demandantes: É isso, não é. Que não podem ser alteradas com a intenção que se declara no INFARMED.
M...: O facto de o Requerente dizer que vai utilizar daquela maneira não quer dizer que não tenha outras funções.

Vejamos também o depoimento da testemunha Dra M....

Assessor Técnico das Demandantes: Qual é que é o tensioactivo ou emulsionante que existe no medicamento S...?
M...: O tensioactivo ou emulsionante, na composição da Demandada, é a povidona.
Assessor Técnico das Demandantes:  E a povidona é conhecida como tal, como tensioactivo ou emulsionante?
M...: É.
Assessor Técnico das Demandantes: A senhora Doutora tem evidências de que é conhecida assim na literatura?
M...: Tenho.
Árbitro Presidente (Conselheiro J...): Senhora Doutora, se vai juntar documentação…
M...: Não vou juntar nada.
Árbitro Presidente (Conselheiro J...)
(Impercetível). Para estar a Testemunha a dizer que tem a documentação, se for junta a documentação (impercetível)...
Mandatário das Demandantes: Muito bem. Essa documentação vai ser junta, mas existe...
M...: Existe documentação.
Mandatário das Demandantes: Documentação, patentes, artigos científicos... uma série deles.
M...: Patentes, artigos científicos. Sim.
Assessor Técnico das Demandantes: No contexto de formulações farmacêuticas, também...
M...: Também.
Assessor Técnico das Demandantes: E de datas posteriores e anteriores à data de prioridade esta patente?
M...: Ora, data de prioridade... dois mil e sete num caso, dois mil e seis noutro, em termos de patentes... dois mil e sete... artigos posteriores, tenho dois mil e catorze, dois mil e treze, dois mil e catorze, dois mil e oito. São alguns exemplos que tenho.
Assessor Técnico das Demandantes: Pronto.
M...: Em várias áreas da química farmacêutica, e não farmacêutica.
Mandatário das Demandantes: Senhora Doutora, mas a S... diz que indicou ao INFARMED, no dossier do medicamento genérico, que a função da povidona é de binder – ligante ou aglutinando – e que não é, portanto, a função de um tensioactivo – uma vez que fez essa indicação ao INFARMED. O que é que, na sua opinião técnica, isto significa?
M...: Não significa nada.
Mandatário das Demandantes: A povidona tem características físico-químicas de tensioactivo.
M...: Tem. Mas não só. Pode ter outras funções, como retardador da cristalização, por exemplo. Não sei se foi indicada essa ao INFARMED.
Mandatário das Demandantes: Mas as características físico-químicas de um tensioactivo são controláveis pela invenção que se declara no uso desse tensioactivo no comprimido?
M...: Não.
Mandatário das Demandantes: Elas são inatas.
M...: São inatas.

Ainda o depoimento da testemunha Prof. R...

Mandatário das Demandantes: O senhor Professor, enfim, já conhece a argumentação da S..., leu as peças, sabe, diz aqui que não utilizam um tensioactivo porque, enfim, não usam. A questão já foi aqui muito discutida, o senhor Professor, na sua perspectiva científica e académica, a povidona é considerada ou não um tensioactivo na indústria farmacêutica?
R...: Vamos começar primeiro: o que é tensioactivo? É uma definição funcional, ou seja, em agentes que façam função de alterar a tensão superficial, são por definição tensioactivos, e a povidona faz isso como muitos outros fazem. Aliás faz parte de listas em vários artigos, citando em várias utilizações desde farmacêutica a outras áreas corresponde a um tensioactivo. É usado como tensioactivo.
Mandatário das Demandantes: Efectivamente usado na indústria farmacêutica?
R...: Sim, sim. Com exemplos concretos de utilização para esse fim objectivo.
Mandatário das Demandantes: Porquê? Porque tem características físico-químicas de um tensioactivo, portanto.
R...: Ele comporta-se como um tensioactivos. Ou seja, o comportamento dele altera a tensão superficial, portanto é um tensioactivo.
Mandatário das Demandantes: Altera a tensão superficial independentemente da intenção com que eu queira usar, se ele altera a tensão superficial inatamente e eu disser “não, agora vai actuar como ligante ou aglutinante”, é possível diminuir a alteração das características físico-químicas do tensioactivo?
R...: Bem, se fosse possível era brilhante, porque a gente assim tinha um rótulo e ele fazia só o que a gente lhe mandava, infelizmente não acontece. Mas isto é dizer que a água só serve para hidratar, serve também para limpar, serve para arrastar, serve para muitas coisas. Ou seja, todas essas características estão inerentes ao produto. O produto tem essas características intrínsecas.
Mandatário das Demandantes: Sim, mas a patente não dá como exemplo tensioactivo a povidona.
R...
Não, mas cita que é um tensioactivo. Cita que é usado um tensioactivo.

Finalmente, a testemunha Professor P...

O medicamento produzido pela S... não contém, nem poderia conter um tensioactivo porque são formações sólidas e o que contém p medicamento da S... é um aglutinante.
Mandatário da demandada: a povidona, neste medicamento produzido pela S..., não é um tensioactivo?
P...: A povidona é um aglutinante, na formulação sólida, a povidona é um aglitinante”.
P...: Bem, eu até posso dizer que… é assim, geralmente os tensioativos têm a capacidade de baixar a tensão superficial dos líquidos ou dos sólidos, tem essa capacidade, porque eles são constituídos por uma parte apolar ou polar. Há agentes tensioactivos que são utilizados como emulgentes primários, emulgentes secundários no caso das emulsões, há os anti espuma, há os detergentes, há os molhantes… há uma panóplia de agentes altivos e, dentro desses agentes activos, há uma catrefada de substâncias que são colocadas até pelos próprios fabricantes para vender os produtos, muitas vezes “isto serve para tudo, não sei quê…”, serve para isso. Depois a prática é que nos demonstra se isso nos serve para tudo ou não e, na parte da S..., a S... utiliza o que é habitual, um aglutinante, que é a povidona, que é muito utilizada também nos revestimentos. É essa a finalidade com que a S... utiliza esta substância da povidona, é como aglutinante.
(…)

Assessor Técnico da Demandada (Prof. Dr. A...): No caso do leito fluido é necessário a utilização de um aglutinante?
P...: Claro. Não tem sentido nenhum tensioactivo no leito fluido, tem sentido se eu estivesse a preparar uma emulsão que não fosse o leito fluido, tinha sentido estar a utilizar um tensioactivo emulsionante.
Mandatário das Demandantes: Porque é que neste processo de fabrico é necessário utilizar o aglutinante? Já agora. Quando o senhor Professor respondeu “é claro” (impercetível).
P...: Porque é assim, se nós estamos a fazer… temos várias partículas, não é? E temos a partícula de telmisartan e temos o sorbitol e nós vamos querer que as partículas, quando estivermos a fazer a atomização da solução que contém o telmisartan para dentro do leito fluido, em que estão as partículas de sorbitol suspensas, nós temos que colocar uma substância que vá servir, como eu disse há pouco, por isso que vá permitir a colagem — se assim se possa dizer — das partículas de telmisartan no sorbitol, para que elas depois não se separem, principalmente depois do granulado estar preparado.
Se isto não ocorresse o que é que acontecia? Se elas não tivessem juntas, adesivas ao próprio núcleo de sorbitol, elas começavam a segregar porque estavam soltas, segregavam e passaríamos a ter… não tínhamos um granulado e, por isso, o aglutinante funciona mesmo para fazer com que haja uma formação, ali, de uma película entre a partícula telmisartan e a superfície do sorbitol e forma-se o granulado.

Estes depoimentos revelaram, objectivamente, que a povidona é um agente tensioactivo. Para além disso, a povidona, não perde as suas características físico-químicas, que são sempre as de um tensioactivo. Em concreto, essas características não são, obviamente, afastadas com a “intenção” do uso da povidona como binder-ligante ou aglutinante.

Assim, afigura-se-nos isenta de qualquer censura a decisão recorrida quanto à matéria de facto constante do quesito 23º, inexistindo, pois, qualquer erro de julgamento, pelo que se mantém a resposta dada ao quesito 23º.

O QUESITO 24º.

Este quesito tinha a seguinte redacção:
“Todos os excipientes do medicamento genérico da S... Lda têm uma função totalmente diferente, a saber, polivinilpirrolidona como aglutinante, sorbitol como enchimento e estearato de magnésio como lubrificante?”.

O Tribunal Arbitral respondeu da seguinte forma:
“Provado apenas o que consta da resposta ao quesito anterior, com o esclarecimento de que a «função totalmente diferente» que se refere neste quesito se reporta à função de tensioactivo (surfactante) ou emulsionante.

Na respectiva Fundamentação, remeteu para a fundamentação da resposta ao quesito anterior.

Mas melhor argumentação se poderá colher na página 99 da decisão do tribunal arbitral:

“É certo que no dossier dos medicamentos da Demandada se atribui à Povidona a função agregante ou aglutinante (binder), mas, para além de não se ter produzido prova que permita concluir que foi efectivamente com essa intenção que esta substância foi incluída nos medicamentos, a intenção com que as substâncias são incluídas nos medicamentos é irrelevante para aferir de infracções das patentes, pois não há qualquer disposição legal que lhe atribua relevância.
Por outro lado, nem se compreenderia a relevância da intenção para este efeito, pois as funções que desempenham as substâncias incluídas em formulações farmacêuticas são sempre as que elas objectivamente têm potencialidade para desempenhar, não variando os efeitos da inclusão de uma substância numa determinada composição em função da intenção do seu autor ao utilizá-la.
Nestas condições, é de concluir que a formulação dos comprimidos da Demandada, ao incluir uma substância com efeito tensioactivo, para além dos restantes elementos que constam da reivindicação 1 da EP 1545467, como integrantes da matriz de dissolução em que se dispersa o Telmisartan, não respeita a protecção que esta assegura às Demandantes”.
 
O QUESITO 29º.

Este quesito tinha a seguinte redacção:
“Telmisartan na forma amorfa obtém-se através da dissolução de Telmisartan na forma cristalina (ácido livre ou qualquer um dos seus sais) em água, hidróxido de sódio e povidona para formar uma solução básica que se seca e se pulveriza no granulado com um diluente hidrossolúvel para formar a camada contendo Telmisartan na forma substancialmente amorfa?” (artigo 106º da resposta à contestação aperfeiçoada).

A resposta obtida foi de “Provado”, com o esclarecimento de que a expressão «forma substancialmente amorfa» tem o alcance referido na definição da página 7 da EP 1467712, que é o de «um produto compreendendo constituintes amorfos numa proporção de, pelo menos, 90%, de um modo preferido, pelo menos, 95%, como determinado por medição de difracção de raios-X de pó».

Na Fundamentação consta o seguinte: “Prova documental (texto da EP 1467712) e testemunhal (depoimentos das testemunhas M..., M..., R... e P...)”.

Entende a apelante que este quesito deve ser “ Não provado”.

Vejamos o depoimento da testemunha Professor P...:

 - É assim, a tecnologia, a chamada secagem, que aqui dizem por pulverização, que eu já disse que é, na prática corrente, denominada por secagem por atomização, é feita num spray dryer, e para se fazer funcionar este processador tem sempre que se partir de soluções porque nós dissolvemos a solução, ou dito de outra maneira, tem sempre que ter preparações líquidas, são essas preparações líquidas que são colocadas — neste caso aqui uma solução, vamos nos reportar aqui à questão do caso da B... — todos os componentes são dissolvidos, é colocado no aparelho, há uma bomba que aspira a solução, leva-a até ao atomizador, o atomizador está regulado para uma determinada temperatura, que geralmente é elevada, anda na ronda dos 80ºC até aos 150ºC e, há um sistema, um bico, que promove a atomização do líquido e, mal o líquido se divide em gotículas muito pequenas, como a área de superfície aumenta, do líquido, porque está em gotículas muito pequenas, com aquela temperatura rapidamente o solvente se evapora e o pó resultante que estava dissolvido nesta solução, é por aspiração recolhido num colector. Nós aqui podemos ter um pó agregado, podemos ter um pó simples, ou um pó granulado. É um bocadinho exagerado falar-se em granulado aqui na secagem por aspersão, porque nós partimos de uma solução e, não temos um material inerte, sólido, em que vamos pôr um líquido para granular com outras partículas. Há quem, às vezes, utilize porque o termo granulado e agregado têm alguma confusão, às vezes, na linguagem normal, mas o objectivo é este, a parte principal da secagem é porque parte sempre de uma preparação líquida que vai a uma câmara de atomização com alta temperatura, o líquido é subdividido em gotículas muito pequenas e, dada a temperatura que ali está, rapidamente se evapora, com um sistema de exaustão, e o pó resultante é colhido no colector.
(…)

Assessor Técnico da Demandada (Prof. Dr. A...):

Então recapitulando, no caso do processo da 712, em que é utilizada a secagem por atomização, qual é o produto que é obtido nesse passo de secagem por pulverização?
P...: Aqui, por isso, obtém-se um pó, aqui a Patente fala em granulado, mas eu tenho aqui alguma dificuldade em aceitar isso como granulado, é agregado, pode haver agregado de partículas; granulado forma-se o leito fluido, o leito fluido é um granulado genuíno, o que o spray dryer faz — a secagem por pulverização, denominação atomização — é fazer com que as partículas que estão em solução depois possam agregar quando o líquido sai, OK? Não é um processo semelhante ao leito fluido. Tecnologias completamente distintas.
(…)

Assessor Técnico da Demandada:

Senhor Professor, uma vez preparado, no caso, esse agregado no caso da Patente EP712, quais são os dois passos que se seguem e, que estão, precisamente, reivindicados nessa Patente, EP712?
P...: Depois é junto o sorbitol, é essa parte que está a perguntar, é? Depois do produto ser colhido da operação de secagem por atomização…
Assessor Técnico da Demandada: Por atomização, quais são os dois passos a seguir?
P...: A seguir é junto o sorbitol, é feito uma mistura…
(...) A tecnologia de leito fluido consiste no seguinte: tem-se uma câmara e temos que ter sempre algo dentro da câmara, enquanto que no spray dryer não tínhamos nada, no chamado ciclone, aqui temos que ter sempre algo dentro da câmara, temos que ter um pó, que é o núcleo ou um pó único, ou uma mistura de pós. Temos sempre que ter algo dentro da câmara que, depois 61ccionamos o sistema e esse pó é suspenso e, quando ele é suspenso podemos agora aqui ter várias operações: podemos estar a misturar ou podemos estar a granular. Se quisermos granular parametrizamos o processador para a granulação, pomos o nosso líquido de granulação, colocamos — geralmente os líquidos de granulação têm um aglutinante, por norma — ou pomos o aglutinante na própria mistura ou pomos no líquido, mas é mais eficaz colocar o aglutinante no líquido e a partir daí o bico consegue fazer à aspersão a atomização também na mesma, que é dividir as gotículas e começa a revestir as partículas que estão em suspensão e, quando todo o líquido é gasto essas partículas estão revestidas e começam a agregar, formam os grânulos, quando o líquido acaba — como eu já disse há pouco — regula-se o processador para fazer a secagem, os grânulos são secos, depois desliga-se, recolhe-se os grânulos e faz-se os passos seguintes. Foi isto que a S... fez no seu processo.
(…)

Assessor Técnico da Demandada:

E no caso, então, do leito fluido, que tipo de grânulos obtemos no caso, portanto da atomização de uma solução de telmisartan sobre o sorbitol?
P...: Neste caso aqui, nós podemos fazer grânulos revestidos, para isso colocamos o núcleo inerte, podemos fazer grânulos revestidos com camadas…
Assessor Técnico da Demandada: Esses grânulos revestidos têm um interior?
P...: É um núcleo inerte, tem que ser sempre…
Assessor Técnico da Demandada: É um núcleo inerte, esse núcleo é?
P.... Neste caso, da S..., é o sorbitol.

Aqui chegado e como bem argumenta a apelada, “  o facto de se ter dado como provado ( quesito 21º) que “o sal de sódio presente no medicamento genérico da S... Lda é o sal de sódio amorfo de Telmisartan” não contradiz o facto de a substância activa Telmisartan se encontrar, na respectiva camada, na forma substancialmente amorfa, o que encontra pleno assento na página 7 da EP 1467712 “um produto compreendendo constituintes amorfos numa proporção de, pelo menos, 90%, de um modo preferido, pelo menos, 95%, como determinado por medição de difracção de raios-X de pó”.
“ Em todo o caso, a decisão recorrida não considerou que a patente EP 1442023 seja infringida pela recorrente, pelo que nem se alcança a relevância da impugnação da decisão da matéria de facto quanto à matéria em apreço”.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações da apelante, mantendo-se a resposta dada ao quesito 29º.

O QUESITO 30º.

Este quesito tinha a seguinte redacção:
“O Telmisartan contido nos comprimidos genéricos da S... Lda encontra-se substancialmente na forma amorfa? (artigo 109º da resposta à contestação aperfeiçoada).
A resposta obtida foi a seguinte: “Provado, com o esclarecimento de que a expressão «forma substancialmente amorfa» tem o alcance referido na definição da página 7 da EP 1467712, referindo-se «a um produto compreendendo constituintes amorfos numa proporção de, pelo menos, 90%, de um modo preferido, pelo menos, 95%, como determinado por medição de difracção de raios-X de pó».

Na Fundamentação consta o seguinte:

As testemunhas M..., M..., I... e R... afirmaram que, nos comprimidos genéricos da S..., o Telmisartan se encontra substancialmente na forma de sal de sódio amorfo. As testemunhas R..., P... e J... afirmaram que, nos comprimidos genéricos da S..., o Telmisartan se encontra na forma de sal de sódio amorfo.
A testemunha P... afirmou ainda que no leito fluido utilizado nos genéricos da Demandada não se formam substâncias que não estejam no estado amorfo.

Pretende a apelante que a resposta seja a de “Não provado”.

Cumpre decidir.

A sucinta fundamentação é inequívoca e, pela sua segurança, não deixa margem para dúvidas, designadamente as que a apelante defende nos artigos 142 a 152 das suas alegações e que deixou condensadas na conclusão 15ª, sem que se mostre qualquer contradição entre os depoimento das testemunhas.
Improcede a argumentação da apelante, mantendo-se a resposta ao quesito 30º.

O QUESITO 35º.

Este quesito, que mereceu resposta positiva, estava assim redigido:
“A obtenção de uma dureza do comprimido conjuntamente com uma taxa de dissolução elevada para os comprimidos de Telmisartan foi um dos problemas resolvidos na EP 2120884? (artigo 68º da resposta à contestação aperfeiçoada)”.

E a Fundamentação é a seguinte: Depoimentos das testemunhas M..., M..., I... e R... que referiram que o problema foi efectivamente resolvido pela patente.

A apelante pugna para a que a resposta seja a de “ Não provado”.

Cumpre decidir.

Por aquilo que se deixou dito em relação ao quesito 29º, a impugnação da matéria de facto respeitante ao quesito 30º não tem relevância face à decisão recorrida quanto à inexistência de infracção das patentes EP 1442023 e EP 1467712.
Não colhendo o alegado na conclusão 16ª, mantém-se a redacção do quesito 35º.

O QUESITO 43º.

Este quesito, que mereceu resposta positiva, estava assim redigido:
“A EP 1545467 reivindica novas formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan e métodos para a sua produção, através da obtenção de Telmisartan na forma de granulado ou pó amorfo, pela dissolução de Telmisartan na forma cristalina, em meio básico, utilizando um tensoactivo ou emulsionante não iónico, mistura do granulado ou pó amorfo com um diluente adequado (manitol, ou sacarose ou sorbitol) e posterior secagem do granulado por leito fluido ou por secagem por pulverização? (artigo 59.º da petição inicial)”.

A Fundamentação é a seguinte:

“Provado com base nos depoimentos das testemunhas M..., I... e R... e no texto da EP 1545467, em que se afirma, nas reivindicações 12 e 13 e na descrição (páginas 16 a 21), que a preparação da composição farmacêutica da reivindicação 1 (Telmisartan, agente básico, tensioactivo, diluente e, opcionalmente excipientes adicionais) se pode realizar por dois processos: utilizando granulação por leito fluidizado e secagem por pulverização. No primeiro processo, granulação por leito fluidizado (reivindicação 12) um líquido de granulação, contendo o Telmisartan, o agente básico e o tensioactivo, é pulverizado sobre o diluente que já se encontra no leito fluidizado. No segundo processo (reivindicação 13), uma solução aquosa de pulverização contendo o Telmisartan, o agente básico e o tensioactivo, é seca por pulverização, e é depois adicionado o diluente à mistura do granulado seco”.

Refere a apelante que o mesmo deve ser considerado como “Não provado.

Alega que, do texto da EP 1545467 resulta precisamente o contrário da resposta que recebeu o quesito 43º.
Admite como correcta a primeira parte do quesito, mas não a segunda parte

Cumpre decidir.

Face ao teor do texto da EP 1545467 em que se baseia a resposta ao quesito, a mesma foi dada com elevado acerto, pelo que se mantém.

O QUESITO 44º.

Este quesito, que mereceu resposta positiva, tinha a seguinte redacção:
“A EP 1545467 também reivindica a utilização dessas formulações na produção da primeira camada contendo Telmisartan em comprimidos de Telmisartan e um diurético em associação fixa em duas camadas produzidos por um processo semelhante ao da EP 1467712 acima referida (processo de secagem por pulverização) ou por um processo alternativo (processo de granulação em leito fluido), seguido pela dispersão do granulado ou pó numa matriz de dissolução (artigo 61º da petição inicial)”.

A Fundamentação é a seguinte:

“Provado por prova documental que a EP 1545467 reivindica (reivindicação 11) um comprimido farmacêutico em bicamada em que a primeira camada é como nas reivindicações 1 a 7 e a segunda camada contém um diurético e uma matriz de desintegração. Provado também que a EP 1545467 reivindica um processo para a produção desse comprimido (reivindicação 14) por um processo semelhante ao da EP 1467712 (com a adição do tensioactivo que não existia no processo da EP1467712). Os processos reivindicados para a produção da camada de Telmisartan são os descritos na resposta ao quesito 43) e para a preparação da outra camada (com o diurético) a reivindicação 14 reivindica a mistura ou granulação do diurético com uma matriz de dissolução seguida de mistura com um lubrificante. Ou seja, para a segunda camada não está reivindicado nenhum método específico de preparação uma vez que se podem misturar ou granular os componentes. Os diferentes granulados são submetidas a compactação sucessiva (primeiro apenas um deles para formar a primeira camada e depois já com o segundo granulado, nova compactação conjunta) para formar o comprimido de duas camadas de modo idêntico ao reivindicado na EP 1467712”.

Entende a apelante que a resposta ao quesito deve ser “Não provado”.

Cumpre decidir.

A fundamentação mostra-se correcta e em plena consonância com as alíneas TT), UU), VV) e WW), correspondentes aos factos provados sob os nºs 38º, 39º, 40º e 41º, retirados dos artigos 62º, 63º, 64º e 65º da petição inicial.
Desta forma, mantém-se a resposta dada ao quesito 44º.

O QUESITO 45º.

Este quesito, que mereceu resposta positiva, tinha a seguinte redacção:
“O parâmetro de 0,75-3,5 m2/g, nos termos da reivindicação 1 da EP 2120884, influi no valor da taxa da dureza dos comprimidos e na velocidade de dissolução do Telmisartan? (artigo 70º da petição inicial)”.

A Fundamentação é a seguinte:

“ Provado com base nos depoimentos das testemunhas M..., M..., I... e R... e no texto da EP 2120884.
A patente refere, na página 5, que a dureza do comprimido e a taxa de dissolução do ingrediente activo Telmisartan são determinadas pela área superficial do sorbitol. Mais abaixo refere que os comprimidos produzidos de acordo com a invenção exibem dureza melhorada assim como taxas de dissolução superiores.
Na descrição desta patente, nas páginas 7 a 9, refere-se que para alcançar a taxa de dissolução pretendida é utilizado Telmisartan, de um modo preferido em forma amorfa, o qual pode ser preparado por qualquer método conhecido, incluindo o revestimento de portadores sólidos em leito fluido. A dureza melhorada, a reprodutibilidade melhorada e a taxa de dissolução pretendida são ilustradas nos exemplos.

Entende a apelante que a resposta ao quesito deve ser “Não provado.

Cumpre decidir.

A resposta a este quesito está em consonância com o que havia sido decidido a propósito dos quesitos 11º e 35º e em coerência com os factos provados sob os nºs 42º, 43º e 44º, correspondentes, respectivamente, às alíneas XX), YY) e ZZ).
Mantém-se, também, nesta parte a resposta ao quesito 45º.

Terminando, para concluir, diremos que a este tribunal de recurso está vedado sindicar a íntima convicção formada pelo tribunal a quo quanto à maior ou menor credibilidade que lhe mereceu o depoimento das testemunhas, sejam elas da autora ou da ré. Na verdade, os poderes que são conferidos ao tribunal de segunda instância quanto à modificabilidade da decisão de facto (artº 662º do NCPC) têm, obviamente, os seus limites, constituindo exemplo destes, entre outros, os princípios da oralidade (art.º 604º, nº 3), da imediação (artos 500º e 605º, nº 1, do CPC) e da livre apreciação da prova (artº 607º nº 5), designadamente da prova testemunhal (artº 396.º do CC), princípios estes que devem nortear o julgamento da matéria de facto em primeira instância[1]

Assim, o Tribunal Constitucional, pelo seu acórdão nº 198/2004, de 24.03.2004[2], teceu as seguintes considerações: “…O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva. […] na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre […] – mas não arbitrária, porque motivada e controlável […];
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade da depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável […].

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova […].

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal […] permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.

A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão…”.

Também Lebre de Freitas observa que “…Ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do Tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo”[3].

E a jurisprudência cível vai no mesmo sentido, colhendo-se, entre muitos outros, do Acórdão do STJ de 19.05.2005, que “…É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo, mesmo em sede de matéria de facto, competindo-lhe antes ver se o tribunal a quo julgou bem tal matéria. Neste contexto, há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que presumem o acerto do decidido...”[4].

No Acórdão da Relação de Évora de 22.04.2004[5], escreveu-se que: “…O erro de apreciação da matéria de facto é uma realidade diversa da discordância quanto ao convencimento do julgador…”. No Acórdão da Relação de Guimarães, de 28.06.2004, observou-se que: “…Quando o recorrente pretende apenas por em causa a livre apreciação da prova, substituindo essa convicção do julgador pela sua própria convicção, «escolhendo» os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Ao defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria, ao fim e ao cabo «por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros» (Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, 2002, pág. 37)...”[6].

Por fim, havendo versões contraditórias das testemunhas e sendo certo que, como já se disse, não pode este tribunal de recurso sindicar a íntima convicção do julgador de primeira instância no tocante à maior ou menor credibilidade dos depoimentos das testemunhas em causa, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer censura. Neste sentido, é bom lembrar, por exemplo, o que se sustentou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.2005: “…Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento (de 1ª instância) está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo em atenção a imediação e a oralidade da prova…”[7].

A QUESTÃO DE DIREITO.

As questões de direito delimitadas pela apelante nas suas conclusões são as seguintes:
-A inutilidade superveniente da lide no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de protecção nº 41;
-A responsabilidade das recorridas pelo pagamento integral dos encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de protecção nº 41;
-O não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão da invalidade da EP 2120884, por se considerar materialmente incompetente;
-A inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884 da não infracção da EP 2120884;
-A alegada não infracção da EP 1545467;
-Da condenação a não transmitir a terceiros as AIMS relativas à patente de processo EP 1545467.

A inutilidade superveniente da lide no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de protecção nº 41.

Argumenta a apelante que os direitos de propriedade industrial das recorridas emergentes da Patente EP 502314 e do CCP 41 caducaram no dia 12 de Dezembro de 2013 - factos provados 15) e 22) da decisão recorrida -, pelo que a decisão recorrida deveria ter declarado a presente acção arbitral extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44º nº 2, alínea c), da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, no que respeita ao «exercício dos direitos que as demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia nº 502314 e do respectivo Certificado Complementar de Protecção nº 41».

 
Cumpre decidir.

O artigo 44º nº 2 alínea c) da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV) prescreve que o tribunal arbitral ordena o encerramento do processo arbitral quando verifique que a prossecução do processo se tornou, por qualquer outra razão, inútil ou impossível.

Trata-se de uma previsão legal que se destina a cobrir todos os restantes casos para além dos previstos nas duas alíneas anteriores que são os mais comuns ( alª a) – desistência do pedido por parte do demandante; e alª b) – as partes concordam em encerrar o processo)[8].

No caso concreto o tribunal arbitral decidiu, no Capítulo 1.3. referente ao objecto do litígio, que “ em face da caducidade da EP, que ocorreu 12-12-2013 (como as próprias demandantes referem no artigo 43° da petição inicial), e do facto de todos os pedidos com base nela formulados terem essa data como limite, é inútil a apreciação das questões atinentes à protecção conferida por aquela patente e respectivo Certificado Complementar de Protecção nº 41”.

No ponto 4.1, a propósito da inutilidade de apreciação dos pedidos assentes na EP 502314 e no respectivo Certificado Complementar de Protecção n.º 41 foi decidido o seguinte:
“Como já se referiu no ponto 1.3. deste acórdão, a caducidade da EP 502314 ocorreu 12-12-2013, como as próprias demandantes referem no artigo 43º da petição inicial e se deu como facto assente no ponto 22) da matéria de facto fixada.
Por outro lado, todos os pedidos formulados com fundamento na EP 502314 e no Certificado Complementar de Protecção nº 41, que se consubstanciam em abstenções de comportamentos e fixação de sanção pecuniária compulsória com elas conexionada têm como limite aquela data de 12-12-2013.
Por isso, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das questões atinentes à protecção conferida por aquela patente e pelo respectivo Certificado Complementar de Protecção nº 41”.

Não existe qualquer erro de julgamento em matéria de direito, já que o tribunal arbitral abordou correctamente a consequência jurídica da caducidade de tais direitos, ocorrida na pendência da acção arbitral, ou seja, que ficou prejudicada a apreciação das questões atinentes aos mesmos direitos e não aquela que pretende a apelante.

A responsabilidade das recorridas pelo pagamento integral dos encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de protecção n.º 41.

Alega a apelante que a decisão recorrida, ao não ter condenado as recorridas no pagamento integral dos encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41, violou o disposto nos artigos 535º, nºs 1 e 2, alínea a), e 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.

Cumpre decidir.

A petição inicial das demandantes na presente acção arbitral foi apresentada em 28 de Março de 2013, ou seja, em plena validade do CCP 41 (que estendeu a protecção da EP 502314), que só viria a caducar em 12 de Dezembro desse ano.

Como bem referem as apeladas, por força do regime de arbitragens necessárias, instituído pela Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, cabia às demandantes o ónus de iniciar a presente arbitragem, invocando todos os seus direitos de patente em vigor que, em face da publicitação das AIMs da demandada, respeitantes a medicamentos genéricos de associação fixa das substâncias activas Telmisartan e Hidroclorotiazida, poderiam ser infringidos pelos mesmos.

Segundo o nº 1 do artigo 3º da Lei nº 62/2001, de 12 de Dezembro, no prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15º-A do DL nº 176/2006, de 30 de Agosto, na redacção conferida pela presente lei, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efectuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.

Aquela lei instituiu um regime específico de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, sujeitando a resolução de tais litígios a arbitragem necessária, institucionalizada ou não - cfr. os artigos 1º e 2º.

O prazo para a proposição de acções é um prazo de caducidade, conforme resulta do disposto no artigo 298º nº 2 do Código Civil, perdendo o interessado o direito de a intentar se a acção não for proposta dentro do prazo estabelecido.

A não propositura da acção arbitral no prazo de 30 dias a que se refere o artigo 3º nº 1 da Lei 62/2011, acarreta a caducidade do direito à invocação do direito de propriedade industrial das demandantes perante a demandada, deixando aquelas de poderem invocar contra esta aquele seu direito, quer perante um tribunal arbitral, quer perante um tribunal estadual, não havendo a violação da Directiva 2004/48/CE, nem do TRIPS, nem da Constituição da República Portuguesa[9].

A não invocação pelas recorridas dos seus direitos de propriedade industrial no prazo previsto, iria implicar a perda de uma “vantagem”, com consequências nefastas tais como a perda de tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial que lhe emergiam da patente EP 502314 e do CCP 41, atendendo ao disposto nos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011; e prejuízos incalculáveis pela diminuição do volume de vendas dos seus medicamentos.

Em face do exposto, não assiste qualquer razão à apelante quando refere que “a decisão recorrida deveria ter condenado as apeladas no pagamento integral dos encargos da presente acção arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41.

Deste modo, não padece a decisão recorrida de qualquer erro de julgamento da matéria de direito, mormente por alegada violação do disposto nos artigos 535º nºs 1 e 2, alínea a), e 536º nº 3 do Código de Processo Civil.

Improcedem, nesta parte, as conclusões.

O não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão da invalidade da EP 2120884, por se considerar materialmente incompetente.

A apelante alegou que a decisão recorrida não conheceu a invalidade da EP 2120884 invocada pela recorrente, alegando que o artigo 35º nº 1 do CPI, ao estabelecer que a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo nº 1 do artigo 27º, do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.

Cumpre decidir.

Na sua contestação a demandada, ora apelante, alegou que a patente invocada pela demandante, EP 2120884 é nula por padecer de insuficiência de divulgação/descrição, falta de novidade e falta de inovação.

O tribunal arbitral decidiu que não conhecia desse pedido por falta de incompetência material para esse efeito.

Na resposta à contestação, as demandantes suscitaram a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a questão da invalidade da EP 2120884, por entenderem, em síntese, que a questão da invalidade de uma patente é matéria não arbitrável, que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica “juris tantum” dos requisitos da sua concessão e que o único meio facultado pelo Código da Propriedade Industrial para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a acção de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35° n°s 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial.

Uma patente de invenção é um título que confere um direito exclusivo de exploração de um invento (artº 101º nº 1 do CPI), atribuindo-se ao respectivo titular, durante 20 anos a contar do respectivo pedido (artº 99º do CPI), no território nacional (artº 101º nº 1 do CPI), o direito “de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados” (nº 2 do artº 101º do CPI).

Por sua vez o certificado complementar de protecção é um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos (artigos 115º e 116º do CPI e Regulamento nº 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Maio de 2009, que codificou esta matéria, inicialmente regulada pelo Regulamento (CEE) nº 1786/2, do Conselho, de 19 de Julho de 1992).

As patentes serão concedidas - sem prejuízo de determinadas limitações -, para quaisquer invenções, em todos os domínios tecnológicos, desde que sejam novas, envolvam actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial (artº 51º nº 1 do CPI).

A concessão de patente confere ao seu titular a presunção jurídica (ilidível) da ocorrência dos respectivos requisitos (artº 4º do CPI).
A declaração de nulidade da patente só pode ser efectuada por tribunal judicial (artº 35º nº 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”).

Para tal será instaurada acção pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da acção (artº 30º nº 1 alínea d) e nº 4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a acção é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº 2 do CPI). Actualmente a competência para julgar tais acções cabe ao Tribunal da Propriedade Intelectual (artº 89º-A nº 1 alínea c) da Lei nº 3/99, de 13.01, após a alteração introduzida pela Lei nº 46/2011, de 24.6). Quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remeterá ao INPI cópia para efeito da respectiva publicação e respectivo aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respectivo averbamento (nº 3 do artº 35.º do CPI).

O aludido regime afasta, como é opinião generalizada, a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei n.º 62/2011, decretar, com efeitos erga omnes (v.g., na sequência de pedido reconvencional), a nulidade de uma patente.

A controvérsia circunscreve-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral previsto na Lei n.º 62/2011 apreciar a validade de uma patente que tenha sido questionada apenas a título de excepção, para obstar à procedência do pedido, com efeito tão só inter partes.

Ora, a admissibilidade do reconhecimento da nulidade de uma patente (ou de outro direito de propriedade industrial) a título meramente incidental ou por via de excepção processual, mesmo perante um tribunal estadual, é duvidosa (no sentido da sua inadmissibilidade, vide Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2011, Coimbra Editora, pág. 448).

É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da excepção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respectivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados.

Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excepcionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio[10].

Sendo assim, e como bem decidiu o tribunal arbitral, só por via de uma decisão de invalidade única, proferida numa acção em que, necessariamente, por força do princípio da tutela judicial efectiva (artigo 20º, nº 1, da CRP), terá de ser assegurada a possibilidade de intervenção de todos os interessados, poderá ser assegurada a consagração prática daquele princípio da tipicidade. E entre esses potenciais interessados (como titulares de direitos derivados da patente), inclui-se o Ministério Público, em representação do interesse público, pois a atribuição de legitimidade que lhe é feita no nº 2 do artigo 35º para intentar qualquer acção de anulação ou declaração de nulidade de títulos de propriedade industrial, sem qualquer restrição, é corolário da incumbência prioritária do Estado em garantir a concorrência [artigo 81º, alínea f), da CRP], que se concretiza através da propriedade industrial (artigo 1º do CPI). O Ministério Público tem competência para intervir em todos os processos que envolvam interesse público, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 3º do Estatuto do Ministério Público e tem legitimidade passiva para intervir como parte principal em acções propostas por outros interessados, de harmonia com o artigo 5º nº 1 alínea e), do Estatuto do Ministério Público.

Pelo exposto, é de rejeitar a possibilidade de invocação da invalidade da patente por via de excepção, com meros efeitos inter partes, quer em acções que corram nos tribunais estaduais, quer em acções arbitrais, pois o princípio da tipicidade reclama que todas as decisões sobre essa matéria tenham efeitos erga omnes.

E continua acertadamente a decisão recorrida, referindo que o interesse público associado à anulação e declaração de nulidade de patentes reclama a possibilidade de intervenção do Ministério Público e esta não é possível em processos arbitrais, já que a sua representação perante tribunais não judiciais só existe nos casos previstos na lei (artigo 4° n° 1 alínea d) do Estatuto do Ministério Público) e ela não está prevista perante os tribunais arbitrais previstos na Lei n° 62/2011.

Por isso, é também de afastar a possibilidade de ser apreciada a questão da invalidade da patente por via reconvencional. Para além disso, o artigo 35° n° 1 do CPI, ao estabelecer que «a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial», aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n° 1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.

A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de acções de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº 1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), que atribuem ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial».

Nesta conformidade, bem decidiu o tribunal arbitral quando refere que procede a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a questão da invalidade da patente suscitada pelas demandantes.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão da nulidade da EP 2120884, por falta dos requisitos de patenteabilidade, suscitada pela demandada.

A inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884 da não infracção da EP2120884

A apelante alega a inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à incompetência material do Tribunal Arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884. Argumenta que o Tribunal Arbitral deveria ter apreciado a validade daquela patente, em sede de excepção, de forma a assegurar a possibilidade de defesa da recorrente. Mais concretamente refere alega que no que respeita à EP 2120884, a única defesa invocada pela recorrente foi a sua invalidade (insuficiência de divulgação/descrição e decorrente violação dos artigos 100º alínea b) e 83º da Convenção sobre a Patente Europeia, falta de novidade e consequente violação dos artigos 100º b) e 54º da Convenção sobre a Patente Europeia, e falta de inovação e concomitante violação dos artigos 100º, alínea b) e 56º da Convenção sobre a Patente Europeia), pelo que a decisão recorrida, ao não ter conhecido a invalidade da EP nº 2120884, invocada pela recorrente privou-a de qualquer possibilidade de defesa no que respeita à EP 2120884, sendo certo que a “proibição de indefesa” constitui uma das principais emanações do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), conforme tem vindo a reconhecer a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional.

Cumpre decidir.

As possibilidades de defesa da demandada mantêm-se intactas, pois poderá requerer a declaração da nulidade da patente perante os tribunais judiciais, actualmente no Tribunal da Propriedade Intelectual, como já se referiu.

Nesta medida, o Tribunal Arbitral não inviabilizou, nem diminui, as vias de defesa da recorrente, simplesmente constatou que essas vias não poderiam ser exercidas na instância arbitral, por a tanto se oporem normas especiais imperativas no ordenamento jurídico.
Por este motivo, é totalmente destituída de sentido a alegada inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à incompetência material do Tribunal
Arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884.

O acórdão recorrido não violou, pois, nenhuma das normas constitucionais invocadas pela apelante, mormente os artigos 20º nºs 1 e 4 da CRP.

REQUERIMENTO DA APELANTE DE 23-09-2015 E RESPOSTA DAS APELADAS DE 01-10-2015.

Em 23 de Setembro de 2015, a apelante veio dizer que no Boletim da Propriedade Industrial nº 2015/09/22 foi publicada a caducidade da EP 2120884, com data de 14-09-2015.

Assim, e porque os direitos de propriedade industrial das apeladas, emergentes da referida patente, caducar, deve a presente acção arbitral ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44º nº 2 alínea c) da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, no que respeita ao exercício dos direitos de propriedade industrial das recorridas, devendo os encargos da presente acção arbitral, correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à mencionada patente, ser integralmente pagos pelas recorridas.

Junta documento comprovativo do alegado (fls 7829).

As apeladas responderam, dizendo, em síntese, que pediram a revalidação da patente no dia 23-09-2015 e pagaram as taxas em dívida em conformidade com o nº 2 do artigo 350º do CPI.

Cumpre decidir.

Mostra-se provado o seguinte:
-No Boletim da Propriedade Industrial nº 2015/09/22 foi publicada a caducidade da EP 2120884, com data de 14-09-2015 – doc. fls 7829.
-As apelantes pediram a revalidação da patente no dia 23-09-2015 e pagaram as taxas em dívida em conformidade com os nºs 1 e 2 do artigo 350º do CPI – doc. fls 7836.

O artigo 350º do CPI, sob a epígrafe (Revalidação) preceitua o seguinte:
1- Pode ser requerida a revalidação de qualquer título de patente, de modelo de utilidade ou de registo que tenha caducado por falta de pagamento de taxas dentro do prazo de um ano a contar da data de publicação do aviso de caducidade no Boletim da Propriedade Industrial.
2- A revalidação a que se refere o número anterior só pode ser autorizada com o pagamento do triplo das taxas em dívida e sem prejuízo de direitos de terceiros.

Foi o que aconteceu com o pagamento das respectivas taxas por débito em conta no Banco BPI a partir de 16-10-2015, conforme vem demonstrado no documento de fls 7836.
Assim, os direitos de patente das demandantes, ora apeladas, mantêm-se plenamente válidos e em vigor na jurisdição portuguesa, pelo que improcede o requerimento da demandada, ora apelante.

A não  infracção da EP1545467

Tal como havia feito nos artigos 205º a 217º da contestação aperfeiçoada, em contra-posição aos artigos 57º a 66º da petição inicial, argumenta a apelante, em síntese, que a Patente EP 1545467 com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmitsartan" reivindica uma composição farmacêutica compreendendo telmisartan disperso numa matriz de dissolução, em que essa matriz compreende um agente básico numa razão molar de agente básico: telmisartan de 1:1 a 1:10 um tensioactivo ou emulsionante numa quantidade de 1 a 20% em peso da composição final, 25 a 70% em peso de um diluente solúvel em água, e, opcionalmente, de 0 a 20% em peso de excipientes e/ou adjuvantes adicionais.

Cumpre decidir.

Do que se trata neste tema é uma pura repetição do que havia alegado a propósito do quesito 23º que estava assim redigido:
“O medicamento genérico da demandada não contém nenhum tensioactivo (surfactante) ou emulsionante? (artigo 207º da contestação aperfeiçoada)?”.

E o tribunal arbitral respondido da seguinte forma:
“Provado apenas que os medicamentos da Demandada contendo Telmisartan em associação com Hidroclorotiazida incorporam na sua composição a substância Povidona, também designada por «Polivinilpirrolidona» e «PVP» e sob o nome comercial de «Kollidon», que pode desempenhar a função de agente tensioactivo e emulsionante, mas não é descrita com essa função nos documentos do dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos da Demandada, em que é indicada para esta substância a função de aglutinante”.

Afigura-se-nos acertada a abordagem técnica do tribunal arbitral, quando refere:
“É certo que no dossier dos medicamentos da Demandada se atribui à Povidona a função agregante ou aglutinante (binder), mas, para além de não se ter produzido prova que permita concluir que foi efectivamente com essa intenção que esta substância foi incluída nos medicamentos, a intenção com que as substâncias são incluídas nos medicamentos é irrelevante para aferir de infracções das patentes, pois não há qualquer disposição legal que lhe atribua relevância.
Por outro lado, nem se compreenderia a relevância da intenção para este efeito, pois as funções que desempenham as substâncias incluídas em formulações farmacêuticas são sempre as que elas objectivamente têm potencialidade para desempenhar, não variando os efeitos da inclusão de uma substância numa determinada composição em função da intenção do seu autor ao utilizá-la.
Nestas condições, é de concluir que a formulação dos comprimidos da Demandada, ao incluir uma substância com efeito tensioactivo, para além dos restantes elementos que constam da reivindicação 1 da EP 1545467, como integrantes da matriz de dissolução em que se dispersa o Telmisartan, não respeita a protecção que esta assegura às demandantes”.

Tudo quanto se deixou dito a propósito dos quesitos 23º e 24º, deixa-se aqui reproduzido.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões.

Da condenação a não transmitir a terceiros as AIMS relativas à patente de processo EP 1545467.

A decisão recorrida condenou a demandada a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no ponto 47) da matéria de facto fixada, até 18-09-2023, com base nos direitos emergentes da EP 1545467, assim julgando parcialmente procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes.
A apelante discorda e conclui que as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 são uma posição activa na esfera jurídica da recorrente, é um bem com valor económico que está, como é regra geral, no comércio jurídico, e que pode, por isso, ser objecto de negócios, permitindo expressamente o referido artigo 37.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, a transferência de titularidade de autorizações de introdução no mercado

Cumpre decidir.

O que está em causa é a ilicitude da transmissão das AIMs de medicamentos genéricos, designadamente quando esteja em causa a infracção de patentes de processo, ou que contenham reivindicações de processo, como é o caso da EP 1545467 (embora primeira reivindicação – e independente – seja uma reivindicação de composição).

Ficou provado, sob este aspecto, além do mais, o seguinte:
-“36) A Demandante B... é também titular da Patente Europeia nº 1545467 ("EP 1545467") com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan", foi pedida em 18-9-2003, reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 10244681, de 24-9- 2002 (artigo 57º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação inicial e documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
-40) As reivindicações 12 e 13 da EP 1545467 referem-se a processos para a preparação da composição farmacêutica da reivindicação 1 (artigo 64º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação, documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
-41) A reivindicação 14 da EP 1545467 refere-se a processo para a preparação do comprimido em bicamada da reivindicação 11, através de 6 passos (artigo 65º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação, documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido)”.

A este propósito a decisão arbitral afirmou, com acerto e em notável síntese, o seguinte:

“O elemento essencial da autorização de introdução no mercado é o denominado Drug Master File, ficheiro do qual constam todos os elementos e pormenores do processo de fabrico da substância activa do medicamento em causa. A simples disponibilização deste processo a terceiros através da alienação de uma AIM tem de considerar-se uma oferta do objecto da patente, quando este é o processo e não o produto, a terceiros não autorizados a executá-lo, prática está expressamente proibida pelo nº 2 do artigo 101 º CPI.
Na verdade, esta alienação da AIM, com o seu Drug Master File acoplado, é uma inequívoca forma de concretizar uma oferta do processo de fabrico da substância activa a terceiros.
Assim nos permite concluir a doutrina, em especial KRASSER. De acordo com este autor, a patente de processo é violada quando o processo é oferecido para uso no país e o oferente sabe ou é facto notório que o uso do processo não é lícito sem autorização do titular da patente. Há violação da patente quando alguém não legitimado oferece a outrem a descrição do processo protegido em termos que permita a sua execução. Colocar à disponibilidade de terceiros o uso e a execução de um processo reúne todos os requisitos legais da oferta do processo. O direito de exclusivo implica, desde logo, prevenir o risco do uso do processo patenteado. O oferente arroga-se, ao proceder assim, à exploração económica do invento, que pertence em exclusivo ao titular da patente. A usurpação do poder de permitir o uso do invento, que pertence ao respectivo titular, é suficiente para colocar em risco o direito de patente.
É certo que a venda de medicamentos é uma actividade lícita e não uma actividade proibida. Dada a natureza destes produtos, a sua comercialização está, todavia, sujeita a um controlo e a uma autorização administrativas.
A “oferta” a terceiros de um processo de fabrico patenteado, sem autorização do titular da patente, não está dependente da oferta simultânea da autorização ou da licença administrativas a que, eventualmente, a sua comercialização possa estar sujeita. Como é natural, o direito de patentes é completamente alheio a este circunstancialismo administrativo, pelo que a oferta do processo implica violação do direito conferido pela patente, independentemente do pedido de AIM.
O que acontece é que da noção de “oferta” faz parte também a ideia de que quem oferece o processo, oferece-o para ser usado (e não apenas para ser contemplado/analisado), isto é, com uma “permissão” de uso, que o oferente não está em condições de dar sem violar o direito de patente.
Ora, no caso concreto da transmissão de patentes de processo, a transmissão das AIMS – que contêm o Drug Master File, isto é, tudo ou quase tudo sobre o processo de fabrico – comprova que o oferente do processo o está a fazer com o animus de permitir a sua utilização pelo destinatário dessa mesma oferta. É de notar que, apesar de o processo de fabrico constante da patente de processo ser público, não o são todos elementos necessários para a sua execução, pelo que a transmissão de autorização de introdução no mercado, com a totalidade da informação sobre o concreto processo de fabrico disponibilizada no Drug Master File, que não é integralmente pública, vai proporcionar ao adquirente informações técnicas necessárias para concretizar o processo de fabrico da substância activa.
Neste contexto, a transmissão da AIM reconduz-se a proporcionar a outrem as condições necessárias para fabrico da substância activa em causa, colocar à disposição de terceiros o processo patenteado. A “oferta” não depende, para se consumar, da aquisição efectiva ou da entrega dos conhecimentos técnicos (o processo) ao destinatário da “oferta” (e muito menos do seu uso). A “oferta” tem apenas de ser adequada (apta) à aquisição destes conhecimentos técnicos pelo terceiro destinatário dessa “oferta”.
A AIM é, assim, dois em um: contém o corpus (processo/Drug Master File) e o animus (autorização de uso) que integram a previsão da oferta, para efeitos do artigo 101º do CPI, quando o processo é o objecto do direito de propriedade industrial.
Desta perspectiva, a transmissão da AIM é, nestes casos, o primeiro acto de exploração comercial do invento.
Por isso, quando estão em causa patentes de processo, a transmissão da AIMS tem enquadramento directo no artigo 101º nº 2 do CPI, que proíbe a simples oferta (colocação na disponibilidade) do invento a terceiros não autorizados. O oferente, através da sua oferta, tem que se arrogar [o uso, a posse] do processo que se encontra patenteado a favor do titular da patente e isso ocorre, nomeadamente, através da oferta de uma autorização de uso do processo protegido. A “oferta” que está aqui em causa não é a “oferta” de uma posição subjectiva num acto administrativo de autorização (AIM), mas sim a “oferta” de um processo de fabrico que consta do respectivo procedimento administrativo (rectius, do Drug Master File que necessariamente o integra) e que infringe uma patente de invenção (de forma comprovada ou presumida).
Estamos a falar, portanto, de um acto que a nossa lei considera como constituindo violação da patente, por “oferta” (disponibilização) a terceiro de um processo de fabrico protegido, sem autorização do titular da respectiva patente. Não se trata de um mero auxílio à prática de qualquer infracção por outrem, susceptível de ser qualificado como infracção indirecta, mas sim de prática de um acto proibido pelo artigo 101° n° 2, que, por isso, será qualificável como infracção directa. O que está em causa é “oferta” do processo: não de meios destinados à infracção do processo, mas da “oferta” do processo todo, de todo o objecto da patente.
De qualquer forma, não releva saber, para este efeito de enquadramento da situação no artigo 101° n° 2 do CPI, qual a qualificação adequada da disponibilização do processo protegido pela patente, saber se se está perante uma violação directa ou indirecta desta, já que, seja qual for a qualificação, trata-se de uma situação que está abrangida pela referência a oferta (disponibilização) do objecto da patente que consta daquela norma, e esse objecto é o processo. Isto é, se se entender que se trata de uma violação indirecta, o que terá de concluir é que naquele n° 2 do artigo 101° se prevê como infracção esta violação indirecta.
Por outro lado, não se trata de condenação numa obrigação futura e eventual, mas numa obrigação actual e imediata de abstenção de prática de um acto proibido por aquela norma, que é a disponibilização de todo o processo protegido pela patente. As condenações resultantes do jus prohibendi, conferido pela patente com efeitos erga omnes, são sempre condenações à abstenção de determinados comportamentos, presentes e futuros. O que se proíbe é a oferta” do processo hoje (e no futuro também, naturalmente), em que se traduz a transmissão da AIM. O significado da transmissão da AIM é, para o direito de patentes, a “oferta” do processo que essa transmissão necessariamente implica. Daí que ela deva ser proibida enquanto é tempo.
Este regime não é incompaginável com o direito constitucional à livre iniciativa económica, reconhecido pelos artigos 61° n° 1 e 80° alínea c) da Constituição da República Portuguesa, que não é um direito absoluto e ilimitado, tendo, designadamente, de ser compatibilizado com direitos de hierarquia superior, como são os direitos fundamentais, entre os quais se inclui o direito fundamental à protecção dos direitos de propriedade industrial que é reconhecido aos titulares de direitos de patente pelo artigo 42° da Constituição da República Portuguesa. No caso das patentes de processo, resulta do artigo 101° n° 2 do CPI que os direitos de propriedade industrial abrangem a proibição de disponibilização do uso do processo protegido e ela é inerente à transmissão das autorizações de introdução no mercado, como se referiu.
A patente 1545467 tem reivindicações de produto/formulação e reivindicações de processo, designadamente as reivindicações 12, 13 e 14, relativamente às quais se verifica a utilização de um elemento tensioactivo, que se entendeu infringir os direitos conferidos às demandantes.
Por isso, esta EP 1545467 deve ser consideradas como patente de processo, para efeitos da proibição de transmissão das autorizações de introdução no mercado”.

Terminando, concluímos com a asserção contida nas contra-alegações a propósito do decidido no acórdão do TRL de 19-12-2013, processo nº 505/13.3YRLSB:

“A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida”.
 Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-las a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possa proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objecto da decisão arbitral condenatória.
Caso contrário, como se reconhece do douto acórdão arbitral, estaria encontrada uma forma simples de “contornar” a decisão condenatória e sujeitar a demandante a sucessivas acções arbitrais relativas à mesma substância activa.
(…) E, sendo julgado procedente o pedido principal, não vemos razão para não julgar procedente o 2º “.

Improcedem, assim, as conclusões das alegações da apelante.

CONCLUSÕES:

-A declaração de nulidade da patente só pode ser efectuada por tribunal judicial (artº 35º nº 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”), pois tal preceito aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n° 1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais
-Para tal será instaurada acção pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da acção (artº 30º nº 1 alínea d) e nº 4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a acção é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº 2 do CPI).
-A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de acções de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº 1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), que atribue ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial».
-O aludido regime afasta a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei nº 62/2011 decretar, com efeitos erga omnes, a nulidade de uma patente.
-Admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da excepção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respectivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados.
-A transmissão da AIM reconduz-se a proporcionar a outrem as condições necessárias para fabrico da substância activa em causa, colocar à disposição de terceiros o processo patenteado. A “oferta” não depende, para se consumar, da aquisição efectiva ou da entrega dos conhecimentos técnicos (o processo) ao destinatário da “oferta” (e muito menos do seu uso). A “oferta” tem apenas de ser adequada (apta) à aquisição destes conhecimentos técnicos pelo terceiro destinatário dessa “oferta”.
-A AIM é, assim, dois em um: contém o corpus (processo/Drug Master File) e o animus (autorização de uso) que integram a previsão da oferta, para efeitos do artigo 101º do CPI, quando o processo é o objecto do direito de propriedade industrial.
-A transmissão da AIM é, nestes casos, o primeiro acto de exploração comercial do invento; por isso, quando estão em causa patentes de processo, a transmissão da AIMS tem enquadramento directo no artigo 101º nº 2 do CPI, que proíbe a simples oferta (colocação na disponibilidade) do invento a terceiros não autorizados.
-A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida.
-Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-las a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possam proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objecto da decisão arbitral condenatória.

III - DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 4/2/2016


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas



[1]Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 19.05.2005, in www.dgsi.pt/jstj.
[2]DR, II, de 02.06.2004, pp. 8545 e segs.), in www.dgsi.pt . Apesar de se debruçar sobre matéria de processo penal, o que aí se defende é perfeitamente transponível para o processo civil.
[3]Código de Processo Civil (Anotado), Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 633. No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19.02.2004, in www.dgsi.pt ).
[4]in www.dgsi.pt/jstj.
[5]www.dgsi.pt .
[6]www.dgsi.pt .
[7]www.dgsi.pt.
[8]Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, pág. 162.
[9]Cfr Ac. RL de 22.10.2015, de que fui relator no âmbito do processo nº 923-15.2YRLSB-8, in www.dgsi.pt/jtrl.
[10]Cfr Ac RL de 13.12.2014, procº nº 1053/13.7TYRLSB
-2
Decisão Texto Integral: