Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
582/16.5T8AGH.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
CONVOCATÓRIA
FORMALIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – As nulidades processuais devem ser arguidas no momento ou no prazo que resultam dos artigos 199/1 e 149/ do CPC.

              II – Só há que apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente às afirmações de facto que sejam relevantes para as outras questões a decidir.

              III - A prova da verificação dos requisitos legais de validade da convocatória de uma assembleia geral ou, dito de outro modo, de que a forma que a lei exige foi observada, compete àquele que se pretende prevalecer da convocatória.

                IV - Sendo a destituição de membro da direcção objecto de deliberação em AG convocada, deve o assunto constar da ordem do dia da convocatória (e o nome daquele membro deve constar de informação complementar acessível desde a convocatória).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

             F, T e C, intentaram a presente acção contra o Centro, pedindo que seja anulada a deliberação tomada na reunião da assembleia geral extraordinária do Centro, realizada no dia 08/01/2016, de destituição dos autores de membros da direcção, respectivamente, dos cargos de vice-presidente, tesoureiro e vogal.
             Para tanto, em síntese, alegaram factos que constituem a ocorrência de várias irregularidades, determinantes da anulabilidade da deliberação.
             O Centro contestou, quer impugnando os factos alegados pelos autores, quer os efeitos que deles os autores pretendem retirar, quer excepcionando outros que tornariam irrelevantes os vícios invocados, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
             Depois de realizado o julgamento, a acção foi julgada procedente por provada e, consequentemente, foi anulada a deliberação em causa.
             O Centro recorre desta sentença, arguindo uma nulidade processual, impugnando vários pontos da decisão da matéria de facto e recorrendo da decisão da matéria de direito.
             Os autores não contra-alegaram.
                                                                 *
             Questões que importa decidir: da nulidade processual; se a deliberação não devia ter sido anulada e se há factos relevantes para a decisão desta questão que devam ser dados como provados e, outros, eliminados.
                                                                 *
           Da nulidade processual
           Diz o Centro:
         Não teve “conhecimento do ofício e auto da PSP datado de 05/05/2017 (expediente da PSP de fls. 150 a 154v = 140 a 144) onde consta uma participação e dois aditamentos.”
         “Só o teve aquando da feitura das alegações e o recebimento das transcrições a 20/08/2017. Até aí, não teve qualquer intervenção no processo ou foi notificado para qualquer termo dele e, por isso, encontra-se em tempo para arguir a referida nulidade. Convém esclarecer que estes documentos foram solicitados pela Srª juíza na 2.ª sessão e última do julgamento.”
         E os documentos não são inócuos, porque o tribunal se serve “dos mesmos para fundamentar a motivação da sentença, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas da ré - A e N - desconsiderando os mesmos o que é rotundamente errado.”
        Tinha o direito de exercer o contraditório e não o pôde exercer.
        “A omissão da notificação é uma irregularidade que influiu bastante na apreciação da prova e na motivação referente à avaliação da credibilidade da testemunha e, por isso, deve ser anulado tudo o relacionado que dependa da credibilidade da testemunha, nomeadamente os factos que a testemunha interveio, nos termos do art. 195/1 e 2 do CPC.”
        No despacho em que se pronunciou sobre a admissão do recurso, a Srª juíza esclareceu:
        Tendo sido arguida a nulidade por alegadamente o Centro não ter sido notificado do teor da documentação constante de fls. 140 a 144, cumpre referir que tal não corresponde à realidade, uma vez que, pese embora tal notificação não conste expressamente da acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 09/05/2017, constante de fls. 145 a 149 (omissão, por mero lapso, pela qual nos penitenciamos), resulta claramente das alegações finais do mandatário dos autores que foi dado conhecimento aos mandatários das partes, durante essa sessão da audiência de julgamento, do teor da referida documentação.
        Com efeito, o referido mandatário dos autores refere nas suas alegações o seguinte (concretamente no minuto 39:02 a 40:30):
        “E eu lembrou-me inclusivamente um pormenor que há pouco li e que achei absolutamente espantoso. É que, no expediente da PSP, no expediente que chegou a este Tribunal há pouco tempo existe um aditamento elaborado pelo Sr. comandante da esquadra da polícia e esse senhor diz assim, diz que a D. E, Sr. presidente deste Centro, o procurou, discutiu com ele a conduta dos Srs. agentes da PSP na ida ao local e depois de várias tentativas de esclarecimento diz o Sr. comandante da esquadra da PSP, a senhora em causa tomou a liberdade de insinuar que eu estou equivocado quanto às competências desta Polícia, bem como ao comportamento dos agentes no local, pondo mesmo em causa a honestidade e profissionalismo destes, alegando que os mesmos vasculharam e retiraram documentos sem consentimento de ninguém.”, sendo que esta última parte corresponde ipsis verbis ao teor da parte final do 8º parágrafo do aditamento constante de fls. 142.
         De onde resulta claramente que foi realizada a notificação do teor dessa documentação às partes na referida sessão da audiência de julgamento, não existindo, por isso, a omissão de qualquer formalidade essencial que influa na decisão da causa, geradora de nulidade.
         Decidindo
         Desde logo, não é verdade que “estes documentos tenham sido solicitados pela Srª juíza na 2.ª sessão e última do julgamento”. A última sessão de julgamento ocorreu a 09/05/2017 e os elementos em causa foram pedidos na sessão de 02/05/2017.
        De qualquer modo, sendo uma invocação de uma nulidade processual, o Centro tinha, em princípio, o prazo geral de 10 dias para a arguir a partir do momento em que dela teve conhecimento (art. 149 do CPC). Dizendo o Centro que teve conhecimento dela a 28/08/2017, o prazo de 10 dias começaria a correr a contar de 28/08/2017, pelo que terminaria a 07/09/2017. Ora, o Centro só a arguiu no recurso, interposto a 16/09/2017, quando já ultrapassado o prazo.
          E isto na melhor das hipóteses para o Centro.
          É que, por um lado, não interessa o momento em que o advogado do Centro começa a fazer as alegações ou recebe as transcrições… Mas sim, quando muito, quando recebeu a sentença da qual resultava a omissão invocada (art. 199/1 do CPC), da qual omissão, como é evidente, podia ter conhecimento com a leitura da sentença, agindo com a devida diligência. Ora, a sentença foi notificada por carta de 20/06/2017, quase três meses antes da arguição.
          E, por outro, nem esta última data importava, porque, como resulta dos elementos referidos pela Srª juíza, o advogado do Centro não podia ter deixado de ouvir as referências que o advogado dos autores fez, nas alegações, ao expediente da PSP, pelo que, nesse momento, para o caso extraordinário de, a si, ao contrário do que aconteceu com o advogado dos autores, não ter sido dado conhecimento de tal expediente, tinha então conhecimento dessa omissão e devia tê-la logo arguido (art. 199/1, início, do CPC).
         Assim, a arguição da nulidade processual é extemporânea e não há que lhe dar seguimento.
                                                                 *
         Foram os seguintes os factos dados como provados e que interessam à decisão destas questões:
        1. Tendo por objecto a recolha e apoio a idosos, o Centro é uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos, sob a forma de associação de solidariedade social, criada por tempo indeterminado e mediante escritura pública lavrada em 04/07/1998.
         2. Na sequência da publicação do DL 172-A/2014, de 14/11, o Centro procedeu a uma alteração aos seus estatutos, passando os mesmos a ter a redacção constante de fls. 63 verso a 71v dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
         Entre eles, importam os seguintes:
         Art. 8: um dos direitos dos associados é participar nas reuniões da assembleia geral.
          Art. 29:
         “1. A Assembleia Geral deve ser convocada com, pelo menos, 15 dias de antecedência, pelo Presidente da Mesa ou seu substituto, nos termos do artigo anterior;
         2. A convocatória é afixada na sede da associação e remetida, pessoalmente, a cada associado através de correio electrónico ou por meio de aviso postal.
         3. Independentemente das convocatórias, é dada publicidade à realização das assembleias gerais nas edições da associação, no sítio institucional da instituição e em aviso afixado em locais de acesso ao público nas instalações e estabelecimentos da associação, bem como através de anúncio nas assembleias dominicais.
         4. Da convocatória deve constar o dia, a hora, o local e a ordem de trabalhos da reunião.
         5. Desde que contemplada nos estatutos, a convocatória da assembleia geral pode ser efectuada através de correio electrónico.
         6. Os documentos referentes aos diversos pontos da ordem de trabalhos devem estar disponíveis para consulta na sede e no sítio institucional da associação, logo que a convocatória seja expedida, por meio de aviso postal para os associados.”
          Art. 32:
         1 - “Sem prejuízo do disposto no número anterior, são anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se estiverem presentes ou representados na reunião todos os associados no pleno gozo dos seus direitos sociais e todos concordarem com o aditamento.”
        3. Os autores são associados do Centro, com as quotas anuais em dia.
        4. Em Dezembro de 2014, os autores foram eleitos, respectivamente, como vice-presidente, tesoureiro (suplente) e vogal da direcção do Centro.
        5. No dia 05/01/2016, foi enviado um e-mail, proveniente do endereço centro@gmail.com, para várias pessoas, designadamente, para os autores, com o assunto “convocatória”, com o seguinte teor: “Bom dia, Solicito a vossa atenção para o documento em anexo. Cumprimentos.”
       6. Da convocatória que, como ficheiro anexo, acompanhava esse e-mail, sob a denominação de “convocatória.pdf (126KB)”, subscrita pelo presidente da AG, R, e datada de 23/12/2015, constava a convocação, a requerimento de 10% de associados, para uma AGE, a realizar em 08/01/2016, tendo como ordem de trabalhos o seguinte ponto único: “Apreciação e decisão do comportamento de alguns membros da direcção na gestão do Centro”.
        7. Após receberem o referido e-mail, os autores comunicaram ao Centro por escrito que pretendiam consultar, na antevéspera do dia da reunião, ou seja, no dia 06/01/2016, os documentos referentes à ordem de trabalhos.
        8. Porém, no dia 06/01/2016, a consulta dos documentos não foi facultada por A, empregada do Centro, a qual referiu não possuir nem ter conhecimento de qualquer tipo de documentação solicitada e que não estava autorizada a dar qualquer palavra passe sem o consentimento prévio da presidente da direcção, apresentando cópia do documento constante de fl. 144, que aqui se dá por integralmente reproduzido, assinado pela presidente da direcção, E.
        9. Isso motivou da parte do autor F a imediata chamada da PSP ao local, mas, apesar da comparência da polícia, os documentos referentes à ordem de trabalhos não lhe foram disponibilizados para consulta [a parte rasurada é substituída pelo seguinte por força do decidido em baixo:] não lhe foram disponibilizados para consulta quaisquer documentos referentes à ordem de trabalhos.
       10. Entre tais documentos figurava, pelo menos, o requerimento assinado por 34 associados a solicitar a convocação da AGE.
        11. No decurso da AGE de 08/01/2016 ocorreram os factos descritos na acta da mesma, que veio a ser elaborada pelo primeiro secretário da AG, P, e cujo teor consta de fls. 72 a 80 e 87 [transcrita a fls. 37 a 38v e 102 a 104], que aqui se dá por integralmente reproduzida.
         Entre o mais:
         “foi definido pelo presidente da AG que os associados para poderem intervir teriam de se inscrever na mesa e que estes teriam direito apenas a duas intervenções com um tempo de dois minutos no máximo três em cada intervenção por forma a evitar um prolongamento exagerado da assembleia.
         O vice-presidente da direcção perguntou ao presidente da mesa se as mesmas regras se aplicavam aos membros da direcção tendo este respondido que sim (…).
         O vice-presidente pediu autorização para ler o comunicado aos sócios mas foi proibido pelo presidente da mesa, invocando o segredo de justiça. (…)
         O vice-presidente da direcção pediu a palavra para responder, pedido esse lhe foi negado pelo presidente da mesa. Após uma injúria dirigida por um sócio ao vice-presidente e após este ter questionado ao presidente da mesa o porquê deste não lhe deixar falar, foi concedida a oportunidade de fazer apenas uma pergunta. Este perguntou porque motivo alguns sócios podiam falar por tempo indeterminado e ler documentos enquanto que os membros da direcção visados na assembleia não. O presidente da mesa respondeu que este já tinha falado e que o seu tempo já tinha terminado.”
        12. Nessa AGE foi lido pelo presidente da mesa o requerimento subscrito por 34 associados a solicitar a convocação da AGE, referido no ponto 10, constante de fls. 58 e verso, identificado como “documento 1”, foi apresentado pela presidente da direcção o documento constante de fls. 53 verso a 56, identificado como “documento 2”, foi lido pela empregada N o documento constante de fl. 57v, identificado como “documento 4”, foi lido pela sócia D o documento constante de fls. 56 verso e 57, identificado como “documento 5” e foi preenchida a lista de associados votantes constante de fls. 59v a 61v, identificado como “documento 6”, que aqui se dão todos por integralmente reproduzidos.
         O requerimento dos 34 associados tem o seguinte teor:
         Os associados abaixo assinados, ao tomarem conhecimento da situação grave que se passa na direcção do Centro, nomeadamente abusos de confiança e as condutas dolosas por parte daqueles que andaram a tirar cópias aos documentos, a pedir extractos da conta, etc…, contra a presidente daquele Centro. Assim, requerem a V.Exa, que seja convocada uma AGE, o mais urgente possível, para apreciação e decisão do comportamento de alguns membros da direcção do Centro.
        13. Esses documentos foram indicados como anexos à referida acta, assinada pelo presidente da mesa da AG, pelo primeiro secretário da AG, e pelo segundo secretário da AG, M.
        14. Os autores F e T requereram por escrito, datado de 13/01/2016 e dirigido à presidente da direcção, uma cópia certificada da acta referida no ponto 11, para efeitos de impugnação.
        15. Em 15/01/2016, a presidente da direcção respondeu por escrito, referindo “informo que não tenho competência orgânica para lhe dar resposta, uma vez que o requerimento deve ser endereçado ao presidente da AG, o órgão que tem em s/posse o livro de actas.”
        16. Na mencionada AGE de 08/01/2016, foi deliberado destituir os autores de membros da direcção, tendo sido destituídos dos cargos de, respectivamente, vice-presidente, tesoureiro e vogal, merecendo a deliberação de destituição 49 votos a favor, 10 contra e 3 nulos.
        17. A autora C não compareceu à AGE de 08/01/2016.
        18. Os autores tomaram posse com a restante direcção, para o quadriénio 2015-2018, no dia 10/01/2015.
        19. Na AGE de 08/01/2016 inscreveram-se para usar da palavra 8 associados, incluindo o autor F, mas não o autor T.
        20. Foi feita a contagem dos 34 requerentes/associados, tendo o presidente verificado que estavam presentes 32 dos associados/requerentes da AGE.
        21. A votação da destituição dos autores foi feita através de papéis de voto onde estava inserido um quadrado com sim e outro com não.
                                                                 *
           As normas que interessam à decisão das questões colocadas, são, para além daquelas que resultam do Estatuto do Centro (= EC), consignadas no ponto 2 dos factos provados, ainda as seguintes:
           O Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (= EIPSS), aprovado pelo DL 119/83, de 25/02, com sucessivas alterações, entre elas, para além da já referida no ponto 2 dos factos provados, a última, Lei 76/2015, de 28/07, tem as seguintes regras que interessam ao caso:
        Artigo 21-D - Deliberações nulas
        1 - São nulas as deliberações:
        a) Tomadas por um órgão não convocado, salvo se todos os seus titulares tiverem estado presentes ou representados ou tiverem posteriormente dado, por escrito, o seu assentimento à deliberação;
         […]
        2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, não se considera convocado o órgão quando o aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência ou quando dele não constem o dia, hora e local da reunião, ou quando reúnam em dia, hora ou local diverso dos constantes do aviso.
        Artigo 22 - Deliberações anuláveis
        As deliberações de qualquer órgão contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja em virtude de irregularidades havidas na convocação ou no funcionamento do órgão, são anuláveis, se não forem nulas, nos termos do artigo anterior.
        Artigo 58 - Competência da assembleia geral
        1 - Compete à assembleia geral deliberar sobre todas as matérias não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias dos outros órgãos e, necessariamente:
         […]
        b) Eleger e destituir, por votação secreta, os membros da respectiva mesa e a totalidade ou a maioria dos membros dos órgãos executivos e de fiscalização;
         […]
         Artigo 60 - Convocação da assembleia geral
         1 - A assembleia geral é convocada com, pelo menos, 15 dias de antecedência, pelo presidente da mesa ou pelo seu substituto.
        2 - A convocatória é afixada na sede da associação e remetida, pessoalmente, a cada associado através de correio electrónico ou por meio de aviso postal.
        3 - Independentemente da convocatória nos termos do número anterior, é ainda dada publicidade à realização das assembleias gerais nas edições da associação, no sítio institucional e em aviso afixado em locais de acesso ao público nas instalações e estabelecimentos da associação.
        4 - Da convocatória deve constar o dia, a hora, o local e a ordem de trabalhos da reunião.
        5 - Desde que contemplada nos estatutos, a convocatória e anúncio da assembleia geral pode ser efectuada e publicitada também por outros meios e noutros locais.
        6 - Os documentos referentes aos diversos pontos da ordem de trabalhos devem estar disponíveis para consulta na sede e no sítio institucional da associação, logo que a convocatória seja expedida para os associados.
        Artigo 61 - Funcionamento de assembleia geral
        1 - A assembleia geral reúne à hora marcada na convocatória, se estiver presente mais de metade dos associados com direito de voto, ou 30 minutos depois, com qualquer número de presenças, salvo se os estatutos dispuserem de outro modo.
        2 - [Revogado].
        3 - A assembleia geral extraordinária que seja convocada a requerimento dos associados só pode reunir se estiverem presentes três quartos dos requerentes.
        Artigo 61-A - Mesa da assembleia geral
        1 - Os trabalhos da assembleia geral são dirigidos por uma mesa, constituída, pelo menos, por três membros, um dos quais é o presidente.
         […]
        Artigo 62
        1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 22, são anuláveis todas as deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos fixada na convocatória, salvo se estiverem presentes ou devidamente representados todos os associados no pleno gozo dos seus direitos e todos concordarem com o aditamento.”
        Art. 177 do Código Civil:
        As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.
                                                                 *
         A sentença recorrida, depois de transcrever a maior parte das normas que antecedem e de “referir que, em acção de anulação de deliberação social com fundamento em irregularidade de convocatória, cabe ao autor invocar a sua qualidade de sócio e a existência de deliberação (art. 342/1 do Código Civil). O que, in casu, se encontra demonstrado nos pontos 3 e 16 dos factos provados.”, invocou quatro fundamentos diferentes e que se podem considerar alternativos para a anulação da deliberação em causa:
           1.º - Envio da convocatória
           Diz a sentença:
         Não resultou provado que a convocatória da AG tenha sido remetida a cada associado através de correio electrónico ou por meio de aviso postal, com 15 dias de antecedência (nem tão-pouco que a mesma tenha sido entregue por outra via, designadamente, em mãos, na residência de cada um dos associados, com tal antecedência).
        Incumbia ao Centro o ónus da prova de que efectuou a convocatória por modo regular, por ser este requisito constitutivo de validade do próprio acto deliberatório e a sua prova obsta à invalidade apregoada (art. 342/2 do CC).
        Assim, não tendo ficado demonstrado que foi respeitado o art. 60, n.ºs 1 e 2 do EIPSS e o art. 29, n.ºs 1 e 2 dos EC, a deliberação da AG em causa é anulável, nos termos do art. 22 do EIPSS e do art. 177 do CC.
         Contra isto diz o Centro que:
        A Srª juíza “olvidou um elemento importante de análise que constitui os hábitos de uma freguesia rural, pequena com poucos habitantes e atrasada em meios tecnológicos. Não há dúvidas que a convocatória foi elaborada pelo presidente da AG que apôs a data de 23/12/2015, tendo esta sido levada pela irmã, presidente da direcção, da cidade A, onde residem, para a freguesia do R no dia anterior e deixada na secretaria do Centro. A Srª juíza não compreendeu a razão de a mesma ter sido levada no dia 22 e ter a data de 23/12/2015, mas também não explicou porquê; parece-nos este procedimento da feitura da convocatória normalíssimo que só pretendeu criar alguma atrapalhação na depoente quanto à distribuição da convocatória. Se atentarmos nos extractos dos depoimentos dos intervenientes [que transcreveu devidamente, aqui como em baixo], veremos com facilidade que não há nenhuma contradição ou confusão.”
        Assim, em vez de se dar como não provado, que (j) No dia 23/12/2015 o presidente da AG entregou no Centro a convocatória, devia ficar provado que:
         j) no dia 23/12/2015 o presidente da AG entregou a convocatória da AG à presidente da direcção do Centro.
        Por outro lado, tendo em conta as declarações de parte prestadas por E e os depoimentos das testemunhas A e N, deve ser dado como provado aquilo que consta das alíneas k), 1) e v) dos factos não provados, dado que a convocatória foi lida na missa pelo senhor padre e divulgada nos outros lugares (... divulgação é na casa do povo, no salão, na mercearia, na igreja, no lar e a última é a da missa do Senhor Padre); ou seja:
         k) Nesse dia [23/12/2015], o Centro mandou afixar a convocatória no vidro das suas instalações, que foi executado pela empregada A.
         l) Ao mesmo tempo, a presidente da direcção solicitou ao padre da freguesia para divulgar na igreja a convocatória (como é uso na freguesia) tendo também nas missas de sábado e domingo daquela semana, feito publicidade.
         v) Os autores conheceram da publicidade que foi dada à AG, quer pela convocatória divulgada quer pela divulgação dada nas missas da freguesia.
        E pelos declarações de parte e pelos depoimentos das testemunhas A, N, PS, PC, JB, AG, MB, HL, MC, deve ser dado como provado o que foi dado como não provado em:
        m) Também, nesse dia [23/12/2015], as empregadas, N e A, distribuíram pela casa dos associados/sócios com as quotas em dia, a convocatória, tendo apontado numa lista os associados a quem a mesma foi distribuída.
        [Logo, importa] considerar, pela prova dos factos supra das als. k), 1), m) e v) que o art. 29/1 e 2 dos EC não foram violados.
         E, considerando as características da envolvência da sede do Centro numa freguesia rural e atendendo aos seus hábitos e à sua mecânica social; e atendendo ao entendimento da jurisprudência que considera o "aviso postal", "... o recibo de aceitação ou de entrega - é simplesmente uma formalidade probatória ou ad probationem, cuja falta pode ser substituída por outro meio de prova" (ver entre outros - JSTA-13-03-2015 - formalidade ad probationem - Casimiro Gonçalves; STA - Lino Ribeiro de 16-05-), deve considerar-se que tendo a distribuição sido feita pelas empregadas do Centro, não foi violado o art. 29/2 dos EC.
            Decidindo:
            Repare-se: o que está em causa, por força de exigência legal (art. 60/1 e 2 do EIPSS) e estatutária (art. 29/1 e 2 dos EC), é, pelo menos, o envio, pelo Centro, de uma convocatória, ou por e-mail, ou por aviso postal, com 15 dias de antecedência, para cada associado e, por isso, para cada um dos autores.
           Ora, quanto aos factos, o Centro nem sequer tenta dizer que está provado que enviou algum e-mail com 15 dias de antecedência, nem que enviou qualquer aviso postal para os autores, que são associados do Centro. Aliás, as testemunhas empregadas do Centro assumem que não tal não foi feito.
           Tal bastaria para considerar procedente este fundamento de anulabilidade da deliberação em causa e, por isso, completamente irrelevantes as alegações de facto – dito de outro modo: os factos -, cuja decisão no sentido de não provadas o Centro pretende impugnar, sendo certo que apenas os factos relevantes é que devem ser dados ou não como provados.
            De qualquer modo, acrescente-se concretamente em relação a (v) que essa alínea é irrelevante porque nela não se diz quando é que os autores tiveram conhecimento, de modo a que tal conhecimento tivesse relevância impeditiva da arguição do vício do procedimento.
            Quanto ao que consta de (m) vai-se tomar em consideração esta impugnação porque, embora não pudesse suprir a falta de envio de e-mail ou aviso postal, se se desse como provado o que aí consta, tal seria um facto que poderia, eventualmente, ser integrado numa argumentação de irrelevância do vício do procedimento (Jorge M. Coutinho de Abreu, vol. I do CSC em comentário, IDET, Almedina, 2010, págs. 673/675): se os autores tivessem conhecimento concreto da convocatória em tempo, não seria curial estar, mesmo assim, a permitir-lhes que, com o fundamento da ausência da convocatória, pedissem a anulação da deliberação. Mas, sendo assim, apenas se tomará em conta esta impugnação com o seguinte âmbito: a convocatória foi ou não distribuída aos autores no dia 23/12/2015?
             Note-se, no entanto, desde já, que o Centro nem sequer diz que foi isso que aconteceu. O que diz é que a convocatória foi distribuída pela casa de todos os associados no dia em questão. Se ela lhes foi entregue ou se eles dela tiveram conhecimento ou não no dia em questão, é-lhe indiferente. Mas, sem razão, já que, se não se pudesse dizer que os autores tiveram conhecimento atempado da convocatória, a argumentação da irrelevância do vício estaria logo afastada. De qualquer modo, passa a apreciar-se a questão.
            A sentença recorrida faz uma apreciação detalhada de todos os elementos de prova produzidos e respectivo valor probatório; desta análise, a final, resulta que, quanto ao facto de a convocatória ter sido entregue ou não aos autores, a prova em concreto produzida seriam os depoimentos das duas empregadas do Centro, A e N, e que estas de modo algum convenceram.
             O Centro contrapõe àquela análise uma crítica de tudo o que lá é dito e conclui que a convocatória foi distribuída pela casa de todos os associados.
             No entanto, elementos de prova em concreto, dessa entrega em casa dos três autores, só indica dois, que são os depoimentos das duas empregadas do Centro.
             Antes de se verem esses depoimentos, diga-se que o Centro, na contestação (no art. 22: “também nesse dia, as empregadas N e A, distribuíram pela casa dos associados/sócios com as quotas em dia, a convocatória, tendo apontado numa lista os associados a quem a mesma foi distribuída, cfr. doc. que se junta e se dá aqui como reproduzido. (doc. 10)”), sugeria que aquelas empregadas, A e N, tinham entregue as convocatórias casa a casa e iam anotando tal entrega no doc. 10 que apresentou com a contestação. Mas esse documento é apenas uma lista de associados com as quotas pagas, não de todos os associados, e com uma coluna destinada a assinalar o resultado da votação, constando, à frente de alguns nomes, o símbolo V. Assim, este documento não convence daquilo que o Centro dizia a propósito: onde é que estavam os apontamentos? E se as empregadas entregaram a convocatória a todos – associados e não associados – como é que tal lista, onde não aparecem os associados com as quotas não pagas, lhes poderia servir para apontar os associados, mesmo sem quotas pagas, a quem dizem, as duas, ter entregue também a convocatória? De resto, se este documento fosse a lista onde as empregadas tinham feito as anotações, a questão da entrega aos autores estava resolvida por si, já que da lista, à frente do nome dos três autores, não consta qualquer sinal. Mais: o doc. 10 apresentado com a contestação, está identificado no ponto 12 dos factos provados como “a lista de associados votantes constante de fls. 59v a 61v, identificado como “documento 6” [na acta da AGE]” e a decisão desse facto não foi impugnada. Tanto assim é que já no interrogatório da testemunha N, o advogado do Centro o que diz é (aproveita-se a transcrição feita pelo próprio Centro): “eu tenho aqui uma lista, ainda não está completa, por isso é que não entreguei, não está assinada, que tem o nome dele…” (pág. 229 das alegações). Daqui também decorre que a lista onde teriam sido feitas as anotações afinal não está junta ao processo, seja como doc. 10 da contestação, seja como qualquer outro.
             Posto isto a afirmação de que a convocatória foi entregue a todos os associados e por isso também aos autores, estaria apenas baseada no depoimento das duas empregadas do Centro, tendo-se ambas limitado a dizer, quando perguntadas, que, sim senhor, tinham entregado a convocatória a todos os associados, com quotas pagas ou não (embora a segunda tenha acrescentado que aos associados a residir em A, fora do R, era a presidente que fazia a distribuição, coisa que não foi dita pela presidente nas passagens transcritas pelo Centro). Sendo que, aliás, só a testemunha A foi perguntada directamente se também tinha entregue aos autores, e ela disse que sim, que tinha sido entregue na casa de todas essas pessoas, sem acrescentar nada mais (e nada mais lhe foi perguntado), um único pormenor que fosse nesse sentido.
             Assim a questão é saber se o depoimento de duas empregadas do Centro, nas circunstâncias apontadas, que se limitam a dizer que entregaram as convocatórias a todos os associados, incluindo, segundo uma, também aos autores, convence que assim aconteceu.
             É evidente que não: quando alguém sabe que tem de provar alguma coisa, tem o cuidado de a fazer de modo a podê-la provar mais tarde. Em relação a comunicações, essa prova faz-se, por regra, através de algum elemento de prova de envio de uma carta. Por isso mesmo, a lei (e os estatutos) faz uma exigência específica de um elemento de prova da correcta convocação de uma assembleia geral: e-mail ou aviso postal. No caso estava em causa a apreciação do comportamento de membros de uma direcção, assunto que não podia deixar de ser importante, fosse qual fosse o âmbito daquela apreciação [assunto a tratar mais à frente neste acórdão] e, por isso, não se podia deixar de saber que a regularidade da convocação poderia ser posta em causa. Não se acredita, por tudo isto, que se o Centro quisesse de facto, convocar os autores, com a antecedência legal, não o tivesse feito com o cuidado de ter elementos de prova de que assim tinha feito. Por isso, os depoimentos de duas empregadas (ou melhor: só uma, como se viu) do Centro, a dizerem que tinham entregue, na casa dos autores, a convocatória, sem que nem sequer se fizessem acompanhar de uma lista, que o Centro diz existir mas não exibe, onde teriam feito apontamentos daquela entrega, não convence minimamente (significativamente, o advogado do Centro diz – fim da pág. 229 – “deviam ter assinado isto, ou pôr o carimbo de como entregaram isto, isto assim sem estar assinado e sem carimbo, tem [imperceptível]…”).
             Em suma: da impugnação da decisão da matéria de facto apenas se conheceu [até agora] em parte da impugnação que dizia respeito à alínea (m) dos factos não provados, por no resto ser totalmente irrelevante para a decisão da questão de direito. Quanto à parte conhecida, ela é totalmente improcedente.
             E, sendo isto assim, a decisão recorrida está certa visto que o Centro tinha que provar – mas nem sequer o alegou… – que os autores, como associados do Centro, tinham sido convocados, com 15 dias de antecedência, por e-mail ou por aviso postal. O que manifestamente não fez. É que a prova da verificação dos requisitos legais de validade da convocatória ou, dito de outro modo, de que a forma que a lei exige foi observada, compete àquele que diz que a convocatória foi feita como exigido por lei (neste sentido, veja-se, por exemplo, para as declarações negociais em geral, Lebre de Freitas, A acção declarativa, 2017, 4ª edição, Gestlegal, págs. 137 e 138 e nota 86).
             Quanto aos acórdãos do STA citados pelo Centro diga-se, desde logo, que os acórdãos estão mal e insuficientemente identificados; o primeiro é de 11/03/2015 e o número do processo 03/14 (existe um outro acórdão da mesma data e relator, sobre a mesma matéria, mas com o n.º de processo 04/14); o segundo é de 16/05/2012 e o n.º de processo é 01181/11.
             Depois, como logo decorre dos respectivos sumários, o que os acórdãos em causa dizem – de resto em matéria que não tem directamente a ver com o caso, como logo o indicia o facto de ser jurisprudência do STA e respeitante à actividade da Autoridade Tributária; de qualquer modo, toda a argumentação dos acórdãos pode ser aproveitada em sentido contrário ao pretendido pelo Centro - é que o envio da carta pode ser provado por outro modo que não só o recibo do registo e da aceitação; não que o envio da carta não seja necessário. Nem podia ser de outro modo: estranho seria que, dizendo a lei e os estatutos do Centro que a convocatória tinha, numa das alternativas possíveis, de ser feita por aviso postal, viesse algum acórdão dizer que não era assim…

*
2.º - Disponibilidade dos documentos
        Diz a sentença:
        Não foi facultado aos autores a consulta prévia, em 06/01/2016, dos documentos referentes à ordem de trabalhos, entre os quais figurava, pelo menos, o requerimento assinado por 34 associados a solicitar a convocação da AGE (cfr. pontos 7 a 10 dos factos provados).
        Assim, não tendo sido respeitado o art. 60/6 do Estatuto das IPSS e o art. 29/6 dos Estatutos do Centro, a deliberação da AG em causa é anulável, nos termos do art. 22 do Estatuto das IPSS e do art. 177 do CC.
        Contra isto diz o Centro que:
        Entendemos que o requerimento dos sócios a solicitar a AGE, em primeiro lugar não é um documento na acepção da palavra, mas sim um acto procedimental na sequência de uma formalidade necessária para marcar uma AGE.
        Mas, se, assim não for entendido, há dois elementos a salientar:
        Primeiro, o requerimento não dizia respeito ao ponto único da convocatória que tratava de "... analisar o comportamento de alguns membros da direcção... "
        Segundo, como ficou demonstrado pelos extractos dos depoimentos da testemunha do Centro - A - aquando da ida dos agentes da PSP à sede do Centro, não havia quaisquer documentos relacionados com a assembleia e o único pedido do vice-presidente do Centro - F - através dos agentes da PSP, foi a password (ver depoimento da testemunha da ré, A, a fls. 59 a 61 infra).
Assim, o ponto 9 dos factos provados, na parte que diz: "... apesar da comparência da polícia, os documentos referentes à ordem de trabalhos não lhe foram disponibilizados para consulta" deve ser alterado e considerado como não provado.
          Decidindo:
         A pretensão do Centro, de eliminação de parte do ponto 9 dos factos provados, não tem, no essencial, razão de ser. É que o Centro nem sequer põe em causa tudo o resto que consta dos pontos 7, 8 e 10 dos factos provados e que contraria tal pretensão.
          É que foi dado ali como provado e o Centro não o discute, que após receberem o e-mail [tardio] de convocação da AEG, os autores comunicaram ao Centro por escrito que pretendiam consultar os documentos referentes à ordem de trabalhos mas, no dia em causa, 06/01/2016, a consulta dos documentos não foi facultada pela empregada do Centro (a testemunha A), a qual referiu não possuir nem ter conhecimento de qualquer tipo de documentação solicitada, sendo que entre tais documentos figurava, pelo menos, o requerimento assinado por 34 associados a solicitar a convocação da AGE.
           Aliás, lendo-se as passagens, transcritas pelo Centro, do depoimento da testemunha A, tudo o que ela disse confirma o que consta dos pontos 7 a 9 dos factos provados. Isto apesar de também ser evidente, pelo teor do depoimento, que a testemunha queria a todo o custo negar que lhe tivessem sido pedidos os documentos relativos à AG:
          Veja-se (aproveita-se a transcrição feita pelo próprio Centro):
        Advogado dos autores: […É] verdade ou não que o autor F se apresentou na instituição para consultar alguma coisa?
Testemunha da Ré e dos autores: é verdade sim senhor. Ele pediu-me a relação dos sócios, com quotas em dia, e eu disse que sim, podiam consultar dentro da instituição, sair fora da instituição não.
Advogado: foi só isso que ele pediu?
Testemunha: sim.
Advogado: não pediu...
Testemunha: eu não tinha mais documentos nenhuns na minha posse...
Advogado: não pediu para ver o requerimento da AG?
Testemunha: eu não tinha mais... eu não tinha mais documentos na minha posse...
Advogado: não é isso que eu estou a perguntar, a Srª não tinha, não tem mal se não tinha, estou a perguntar é se ele não pediu "eu quero aqui os documentos relativos à AG que vai acontecer no dia 8”?
Testemunha: e o que eu lhe respondi foi porque não tinha, só tinha a relação dos sócios...
Advogado: pronto, mas foi isso que ele pediu, espere…
Juíza: a pergunta do Sr. Dr. é o que é que o autor...
Advogado: o que é que ele pediu...
Juíza: o que é que ele pediu?
Testemunha: na altura ele pediu-me o documento da palavra passe da qual eu não estava autorizada e queria ver a relação dos sócios, mais nada.
Advogado: não foi relativo à AG? Ele não...
Testemunha: ele pediu uns documentos que eu não os tinha, o que eu disse a ele foi que não tinha documentos nenhuns e não tenho, não tinha...
Advogado: os documentos para a AG...
Testemunha: mas eu não tinha... não havia documentos...
Advogado: está bem, eu não sei se tinha ou não tinha, não é isso que importa, eu estou a perguntar se ele pediu, para ver? Se ele falou dos documentos que era os documentos para a AG...
Testemunha: sim e o que eu lhe disse foi que só tinha a relação dos sócios que pode consultar…
Advogado: isso foi o que a Srª respondeu (imperceptível)...
Juíza: vamos lá a ver se a gente entende, o Sr. Dr. está só a perguntar é, o que é que o autor pediu quando se dirigiu lá ao Centro e disse "eu quero ver X ou Y"? O que é que foi que ele disse? Só isso, já vamos à parte do que a Senhora respondeu, ok?
        Test: ele disse… pronto, ele disse-me que queria o documento onde constava o papel que não estava autorizada a dar passwords e que queria ver a relação dos sócios que existia na instituição, que eu me lembre foi isso.
        Juíza: pronto, e antes da AG, pediu alguma documentação referente à AG?
        Testemunha: não me lembro, se pediu, eu também o que disse que tinha era só…
        Juíza: não se lembra do que é que ele pediu?
        Test: (não)
        Juíza: não… e esse tipo de palavra-passe e de relação de sócios, isso foi quando?
        Test: no mesmo dia.
        Juíza: no mesmo dia… Sr. Dr.
       Advogado: bom, e nessa altura então a Srª disse que não tinha documentos nenhuns?
       Test: que tinha só era os sócios…. e a relação dos sócios com as contas pagas e não…
       No entanto, apesar da conclusão tirada acima, e por isso é que se disse também que a pretensão não tinha razão de ser ‘no essencial’, a verdade é que não se sabe quais os documentos em causa [embora se saiba pelo menos que o requerimento da convocação é um deles, mas isso já consta do ponto 10 dos factos provados] e por isso a expressão utilizada pelo ponto 9 não está correcta. O que deve constar é uma expressão indefinida em vez de definida. O ponto 9 será, pois, alterado em conformidade com isto.
         Isto quanto aos factos.
         Quanto ao direito:
         A decisão recorrida, já se viu, entende que a falta de disponibilização, aos autores, do requerimento assinado por 34 associados a solicitar a convocação da AGE [pois que apenas este foi identificado], corresponde à violação das normas referidas: art. 29/6 dos EC = art. 60/6 dos EIPSS, que dizem, recorde-se: Os documentos referentes aos diversos pontos da ordem de trabalhos devem estar disponíveis para consulta na sede e no sítio institucional da associação, logo que a convocatória seja expedida para os associados.
          O Centro entende que este requerimento dos sócios a solicitar a AGE, por um lado não é um documento na acepção da palavra, mas sim um acto procedimental na sequência de uma formalidade necessária para marcar uma AGE, e, por outro lado, que não dizia respeito ao ponto único da convocatória que tratava de "... analisar o comportamento de alguns membros da direcção..."
          Quanto ao último argumento, basta comparar o ponto único da convocatória com o teor do requerimento em causa [os associados abaixo assinados, ao tomarem conhecimento da situação grave que se passa na direcção do Centro, nomeadamente abusos de confiança e as condutas dolosas por parte daqueles que andaram a tirar cópias aos documentos, a pedir extractos da conta, etc…, contra a presidente daquele Centro. Assim, requerem que seja convocada uma AGE, o mais urgente possível, para apreciação e decisão do comportamento de alguns membros da direcção do Centro], para se ter de concluir o contrário. O requerimento em causa dizia respeito, precisamente, ao ponto único da convocatória, concretizando-o minimamente. Quanto ao primeiro argumento, é certo que o requerimento tem a natureza apontada pelo Centro mas não deixa, por isso de ser um documento e, dado o seu teor, por concretizar minimamente aquilo que constava do ponto único da convocatória, era um documento referente ao ponto único da convocatória.
            Assim sendo, também é procedente este fundamento de anulação da deliberação em causa.
*
            3.º - Falta de identificação precisa da matéria da ordem dos trabalhos e de correspondência da matéria identificada com a que veio a ser votada
           Diz a sentença:
        A matéria que constava da ordem de trabalhos fixada na convocatória era “apreciação e decisão do comportamento de alguns membros da direcção na gestão do Centro” (cfr. ponto 6 dos factos provados), sem sequer identificar quais seriam esses membros, designadamente, os autores. E o que acabou por ser votado e deliberado foi a destituição dos autores de membros da direcção, respectivamente, dos cargos de vice-presidente, tesoureiro e vogal (cfr. ponto 16 dos factos provados).
        Sendo certo que, resulta a todas as luzes que, atenta a gravidade dessa matéria a mesma tem de ser claramente identificada na ordem de trabalhos e não de uma forma vaga, como foi.
        Não existe, como é óbvio, correspondência entre a matéria que constava da ordem de trabalhos fixada na convocatória e a matéria que veio a ser votada e deliberada nessa AG, sendo esta por isso estranha àquela.
        Sendo que, não resultou provado que estivessem presentes ou representados na reunião todos os associados no pleno gozo dos seus direitos sociais e que todos concordaram com o aditamento.
         Assim, não tendo sido respeitado os arts. 60/4 e 62/1, ambos do Estatuto das IPSS e os arts. 29/4 e 32/1, ambos dos Estatutos do Centro e, atento o art. 177 do CC, a deliberação da AG em causa é anulável.
         Contra isto diz o Centro que:
        A convocatória da AGE, que dizia "Apreciação e decisão do comportamento de alguns elementos da direcção da gestão do Centro", apesar de não referir quais os elementos da direcção, é objectiva no sentido normal de uma declaração negocial (236 do CC) para a compreensão de um declaratório normal colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante".
        É importante realçar que se tratava de uma AGE, fora do tempo normal da realização das assembleias e os associados compareceram em número nunca visto numa assembleia naquela freguesia, como foi dito pelas testemunhas.
         Portanto, os associados sabiam o que é que se ia tratar e que o assunto era importante. Os associados perceberam; sabiam e compareceram.
         A asserção de todas as testemunhas - que havia muita gente - é bem demonstrativa e pode-se presumir que as pessoas sabiam do assunto a tratar.
         O presidente da mesa da AG - cfr. §20 da acta da respectiva AG -, disse: só podiam falar sobre o ponto único da ordem de trabalhos que era a destituição do vice-presidente, tesoureiro e vogal, ou seja, da destituição de alguns membros da direcção do Centro. Os associados sabiam, compreenderam e, por isso, votaram.
Assim, entende-se que deve ser dado como provado o que consta de (o) dos factos não provados, isto é:
o) Todos os associados presentes na AG sabiam que estava em causa a apreciação do comportamento dos autores.
            Decidindo:
            A pretensão de dar como provado o que consta de (o) dos factos não provados é manifestamente improcedente. Desde logo, porque a afirmação em causa, não precisada no tempo, é perfeitamente irrelevante. Depois porque se vê, com base na fundamentação da pretensão, que a afirmação se reporta ao momento da votação e aquilo que se está a discutir é o conteúdo da convocatória, pelo que se confirma a irrelevância da afirmação.
           Quanto ao direito:
           As normas em causa – art. 29/4 do EC e 60/4 do EIPSS - impõem que da convocatória conste a ordem de trabalhos da reunião.
            A exigência é igual àquela que é feita pelo art. 174/1 do CC – A AG é convocada por meio de aviso… no aviso indicar-se-á… a respectiva ordem – dizendo, a propósito dela, Paulo Olavo Cunha: “a ordem do dia deve indicar com precisão os assuntos objecto de deliberação, sendo – na falta de referência legal e na omissão dos estatutos – analogicamente aplicável o disposto no Código das Sociedades Comerciais (cfr. art. 377/8) [neste sentido, cfr. ac. do TRC de 04/10/2015 (2059/05)] (Comentário ao CC, Parte Geral, UCP/FD, UCE, 2014, pág. 377).
            O art. 377/8 do CSC diz que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. […]”. Jorge M. Coutinho de Abreu diz: “Pela ordem do dia, ficam (principalmente) os accionistas cientes da natureza e importância dos assuntos em questão, de modo a melhor poderem decidir se participam (pessoalmente ou por representante) na assembleia e, decidindo participar, estudarem os assuntos sobre que se deliberará.” (CSC em comentário, IDET, Almedina, vol. VI, 2013, pág. 78; Coutinho de Abreu desenvolve a questão também, por exemplo, nas págs. 671 a 675 do vol. I do mesmo CSC, 2010, ou nas págs. 542 a 552 do Vol. II do Curso de Direito Comercial, 2011, 4.ª edição).
             J. M. Coutinho de Abreu defende ainda, com desenvolvimento, que sendo a destituição de administrador objecto de deliberação em AG convocada, deve o assunto constar da ordem do dia da convocatória (Destituição de Administradores de Sociedade, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXXIII, págs. 90/92).
          E acrescenta:
         “De todo o modo, gostaria de ressaltar que, delibere-se sobre a destituição em assembleia geral convocada (devendo ou não constar o assunto da convocatória) ou por outra forma (v. g., em assembleia universal não convocada, por deliberação unânime por escrito), deveria ser reconhecido ao administrador o direito de contraditar o propósito de destituição. Na linha do que se verifica tradicionalmente no direito anglo-saxónico: o due pro­cess exige que se dê conhecimento da proposta de destituição ao admi­nistrador, que há-de ter oportunidade de ser ouvido em assembleia ou de expor por escrito as suas razões. Com vantagens para o administrador, sócios e sociedade. O assunto é suficientemente sério para que se dê oportunidade de defesa ao administrador; do confronto de razões resul­tará melhor se existe ou não justa causa de destituição (e as possíveis consequências para a sociedade); os sócios votarão mais conscientemente.
         Aliás, esta linha não passa inteiramente ao lado do actual direito português. Os membros do órgão de fiscalização podem ser destituídos, ocorrendo justa causa, pela assembleia geral (art. 419). "Antes de ser tomada a deliberação, as pessoas visadas devem ser ouvidas na assembleia sobre os factos que lhes são imputados" (art. 419/2; cfr. tb. o art. 423-E/2). Por sua vez, a "demissão" com justa causa dos gestores públi­cos "requer a audiência prévia" dos mesmos (art.25, 2, do DL 71/2007; v. tb. o art. 24/2).”
             Pinto Furtado, em anotação ao art. 58 do CSC, diz que se trata da “identificação do thema deliberandum de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar.” (Deliberação dos sócios, Comentário ao CSC, Almedina, 1993, pág. 416).
             Calvão da Silva defende que não é necessário que na convocatória conste o nome do administrador a substituir, mas esclarece que esse nome constará da informação complementar que os accionistas terão o direito de consultar desde a data da convocação (Estudos de direito comercial [pareceres], Almedina, 1996 - A convocação de assembleia geral, art. 375/2, do CSC, págs. 265 a 274). Com o que Coutinho de Abreu, na obra por último citada, concorda expressamente (pág. 91).
              Do que antecede decorre a necessidade de a convocatória fazer menção, pelo menos, de que estava em causa uma proposta de destituição de membros da direcção (e, depois, essa proposta, com indicação dos nomes desses membros tinha de estar disponível para consulta dos associados nos termos referidos acima). Só assim, é que estes e outros associados poderiam ponderar, de forma efectiva, sobre a necessidade de comparecerem e de discutirem o assunto da ordem dos trabalhos. A forma genérica e vaga adoptada podia abranger tudo e mais alguma coisa, até um louvor ao comportamento da presidente da direcção.
             Assim, também por aqui se conclui pela procedência de mais este fundamento de anulação da deliberação adoptada, por não ser irrelevante o vício da convocação da AGE com uma ordem de trabalhos sem menção clara do assunto sobre o qual a AGE deliberaria.
*
             O 4.º fundamento da sentença recorrida para anular a deliberação recorrida é o da violação do direito de participar de forma efectiva e cabal na AG e do princípio do contraditório para defesa, relacionado com o que se passou durante a AG, fundamento este da sentença que também foi atacado pelo Centro.
             Face à confirmação da procedência dos três anteriores fundamentos, considera-se prejudicada a necessidade de analisar ainda mais este fundamento.
*
              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
              Custas de parte dos autores a suportar pelo Centro por ter decaído (arts. 527, 529 e 533).
             
Lisboa, 03/05/2018
             
Pedro Martins          
Arlindo Crua        
António Moreira