Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26980/15.3T8LSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EFICÁCIA REAL
PENHORA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–O promitente comprador em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registadas hipoteca legal e penhoras depois do registo daquele contrato promessa, não está impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, devendo, após, serem cancelados os registos das penhoras e o da hipoteca legal, pois, só com este entendimento se pode dizer que a eficácia real do contrato promessa se traduz na possibilidade de o contrato promessa ser invocado contra terceiros que subsequentemente ao registo dessa promessa venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento, quer estes assentem ou não num acto de vontade do titular registal.
II–Se o promitente comprador não lograr efectuar a compra e venda prometida por escritura pública, não está impedido de interpor acção de execução especifica contra o promitente vendedor, não sendo obrigado a esperar pela venda executiva a que respeite alguma daquelas penhoras para nela exercer o direito à execução específica, nos termos do art 831º CPC.
III–Tendo interposto acção de execução específica que não se mostre julgada em definitivo aquando da acima referida venda executiva, esta deverá ser suspensa quanto ao imóvel em questão, até àquela decisão definitiva, e, sendo esta a de procedência, dever-se-á proceder ao levantamento das penhoras e da hipoteca.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


I–...–Actividades Imobiliárias, Sociedade Unipessoal, Lda., veio, ao abrigo do disposto no artigo 140º e seguintes do Código do Registo Predial, interpor recurso das decisões da Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial de Lisboa que recusaram o cancelamento dos registos de hipoteca e de penhoras que havia requerido, fazendo-o com fundamento em falta de título.

Alegou, em síntese, nessa impugnação, que é proprietária de uma determinada fracção autónoma, adquirida em 17/03/2014, por compra, ao anterior proprietário,  aquisição que registou em 18/3/2014, mas que tinha já a posse efectiva da mesma anteriormente a essa aquisição, a qual lhe adveio da celebração, em 3/01/2012, de contrato-promessa (bilateral) com eficácia real, levado ao registo em 10/02/2012, sucedendo que em 3/01/2012 incidiam apenas duas hipotecas sobre o imóvel, e que desde a referida data do registo da promessa de alienação – 10/10/2012- até à data do registo da aquisição a seu favor – 18/3/2014 - vieram a recair sobre o imóvel uma hipoteca e quatro penhoras. Refere que no contrato de promessa celebrado, o promitente vendedor obrigara-se perante ela, promitente compradora, a não onerar por qualquer forma ou dar de garantia o imóvel objecto do contrato.

Os referidos ónus/encargos são incompatíveis com o registo a favor da impugnante do contrato-promessa celebrado com eficácia real e têm de se ter por caducados ou, em qualquer causa, cancelados, por força do disposto no artigo 6º/1 do CRP, entendendo que a recusa do cancelamento a que reage esvazia de conteúdo a função que tem a promessa real de aquisição registada antes do registo de ónus/encargos cujo cancelamento se pretendeu. Conclui, pela revogação de todas as decisões de recusa impugnadas, peticionando que se ordene o cancelamento das referidas penhoras e hipoteca. 

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 146º/1 do C.Reg.Predial.

O Ministério Público emitiu parecer nos termos e com os fundamentos de fls. 116, que aqui se reproduzem na parte referente ao objecto do presente recurso:
«Quanto à suficiência do título, cumpre distinguir duas situações: um beneficiário de um registo provisório de aquisição, ao converter o registo em definitivo, verá os efeitos desse registo definitivo retroagirem à data do registo provisório, uma vez que o facto sujeito a registo é a aquisição propriamente dita e as regras do registo predial ditam que a conversão do registo implica essa mesma retroactividade dos efeitos. Porém, no caso da promessa com eficácia real, tal não sucede. Com efeito, neste último caso, o que é objecto de registo é a própria promessa. E, após a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda, o registo de aquisição não tem quais quer efeitos retroactivos. Vale isto por dizer, que no caso dos autos, o contrato promessa que a ... (…) celebrou, apesar de dotado d eficácia real, quanto a nós não será idóneo para se exigir com este documento o cancelamento da hipoteca legal e penhoras, ainda que estas ocorram após a celebração do contrato promessa com eficácia real».

Foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e, consequentemente, manteve as decisões de recusa proferidas pela Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial que indeferiram o cancelamento das penhoras e da hipoteca registadas em momento posterior à promessa real de alienação sobre o imóvel de que a recorrente é proprietária.

II–Do assim decidido apelou a recorrente, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
I.Vem a Recorrente interpor recurso da sentença proferida aos 20.10.2015, por, com a mesma, não concordar;
II.Tal sentença, passível de ser sindicada, deve ser revogada de modo a considerar-se totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente;
III.A sentença de que ora se recorre é nula já que, da mesma, não consta a enunciação dos factos provados, imposto pelo artigo 607º, n.º 3, do CPC, nulidade essa determinada pelo artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC;
IV.A teorização esplanada pelo Tribunal a quo na sentença levaria à decisão contrária, ou seja, ao cancelamento dos ónus identificados na impugnação judicial;
V.O entendimento do Tribunal a quo, tal como o entendimento na base destes autos, esvazia de conteúdo a função que tem a promessa real de aquisição registada a favor da Recorrente do registo de todos os ónus/encargos cujo cancelamento se pretendeu;
VI.A ser como defende o Tribunal a quo, a Recorrente nenhuma protecção teria, sobretudo quando se precaveu com o registo do contrato-promessa com eficácia real;
VII.Nada tendo contribuído para isso, a Recorrente vê-se na contingência de ter que suportar uma pesadíssima oneração sobre o imóvel que lhe pertence por direito, algo a que o Direito não pode ser indiferente;
VIII.Os efeitos da compra e venda celebrada entre a Recorrente e António J.S.L.R... têm que retroagir à data da promessa com eficácia real registada em 10.02.2012, tornando as identificadas hipoteca e penhoras juridicamente incompatíveis com o direito registado a favor da Recorrente em 10.02.2012, que prevalece sobre todas elas;
IX.Estando o contrato-promessa com eficácia real dotado de eficácia “erga omnes”, o direito do promitente-comprador é oponível a todos os credores e titulares de quaisquer direitos com ele incompatíveis ainda que registados ulteriormente na vigência e eficácia do antecedente registo daquela promessa, conferindo ao promitente-comprador o direito de seguimento;
X.Do registo do contrato-promessa com eficácia real emerge um direito real de aquisição, revestido de eficácia absoluta;
XI.Assim todos os ónus/encargos registados sobre o imóvel depois de 10.02.2012 são e eram incompatíveis com a promessa com eficácia real registada, nessa data, a favor da Recorrente,
XII.Devendo deixar de subsistir porque comprometem, irremediavelmente, o direito a favor da Recorrente registado em 10.02.2012, coarctando os direitos que à mesma assistem enquanto possuidora e legítima proprietária do imóvel;
XXIII.Finalmente, nos termos do artigo 831º do CPC, caso não tivesse existido outorga da compra e venda, a venda em processo executivo deveria ser feita directamente à ora impugnante “nas condições fixadas no contrato”, significando essa expressão o cumprimento pontual do que vem acordado no contrato-promessa celebrado, sem ónus nem encargos, ou seja, sem os concretos ónus e encargos - que se pretendem cancelar;         
XIV.Submete-se pois o presente recurso à douta apreciação de V. Exas. em ordem a alcançar-se, na verdade, aquilo que é de elementar justiça,
XV.O que passa por fazer proceder o constante da impugnação judicial deduzida.

O Ministério Público apresentou contra alegações nelas defendendo o decidido, nelas reproduzindo, no essencial, o respectivo parecer acima já referido.
           
III–São os seguintes os factos provados que a 1ª instância teve como relevantes: 
1–Em 3/1/2012, António J.S.L.R..., na qualidade de promitente vendedor, celebrou com ..., Actividades Imobiliárias Sociedade Unipessoal, Lda., na qualidade de promitente compradora, um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras “FF”, correspondente ao décimo primeiro andar, destinado a habitação, com duas arrecadações e terraço, do prédio urbano, localizado na Av. F..., números 3, 3 A, 3 B, 3 C, 3 D e 3 E e Av. S..., números 2, 2 A, 2 B e 2 C, freguesia de São S.P., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ... e inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., através do qual o primeiro prometeu vender à segunda e esta comprar, a referida fracção, pelo preço prometido de € 754.000,00, com a subscrição do documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 101 a 112, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2–Consta da cláusula 3ª desse contrato-promessa:
 “A segunda contraente declara conhecer que, sobre o imóvel objecto do presente contrato incidem os seguintes ónus: duas Hipotecas Voluntárias registadas a favor do Banco Comercial Português, SA. (…).
-A liquidação e expurgação dos referidos ónus são da exclusiva responsabilidade do primeiro contraente, sendo que o identificado prédio urbano será vendido livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de cariz hipotecário ou pignoratício. 
-O primeiro contraente obriga-se a, até à data da celebração da escritura de compra e venda, não onerar, por qualquer forma, ou dar de garantia o imóvel objecto do presente contrato.
-A constituição de qualquer ónus, para além dos identificados em 1 da presente Cláusula ou a ausência de expurgação de qualquer outro não reconhecido no presente contrato, consubstanciará um incumprimento definitivo do presente contrato por parte do primeiro contraente, com as legais consequências, nomeadamente e sem exclusão, a restituição do sinal em dobro, determinando ainda o dever deste de indemnizar a segunda contraente por todas as despesas suportadas com o imóvel, incluindo obras ou quaisquer outras necessárias à adaptação da fracção à actividade por si desenvolvida”.
3–Em 17/3/2014, Fernando M.C.A.C..., como procurador e em representação de António J.S.L.R..., na qualidade de vendedor, e Carlo F.S.P.E.F..., como gerente e em representação da ..., Actividades Imobiliárias Sociedade Unipessoal, Lda., na qualidade de compradora, celebraram um contrato de compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras “FF”, correspondente ao décimo primeiro andar, destinado a habitação, com duas arrecadações e terraço, do prédio urbano, localizado na Av. F..., números 3, 3 A, 3 B, 3 C, 3 D e 3 E e Av. S..., números 2, 2 A, 2 B e 2 C, freguesia de S.S.P..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ... e inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., [1] com a subscrição do documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 97 a 99, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4–Consta do contrato de compra e venda celebrado que, pelo primeiro outorgante, em nome do seu representado, foi declarado que sobre o identificado imóvel incidem (cfr. fls. 98):
a) duas hipotecas registadas a favor do BCP, SA. (…) de 12 de Março de 2002 e de 27 de Julho de 2007;
b) uma hipoteca registada (…) de 24 de Maio de 2012, a favor da Fazenda Publica;
c) uma penhora registada (…) de 17 de Outubro de 2012,  a favor de José J.G.P...;
d) uma penhora registada (…) de 07 de Novembro de 2012, a favor da Fazenda Pública;
e) uma penhora registada (…) de 27 de Novembro de 2012, a favor da Fazenda Pública;
f) uma penhora registada (…) de 27 de Novembro de 2012, a  favor da Fazenda Pública.
5–Consta ainda do referido contrato que pelo primeiro outorgante, em nome do seu representado, foi declarado que faz a presente venda livre de quaisquer outros ónus ou encargos (…).
6–Por seu turno, declarou o segundo outorgante que para a sociedade sua representada ..., Actividades Imobiliárias Sociedade Unipessoal, Lda. “aceita a presente venda nos termos exarados, e destina a mesma a revenda”.
7–..., Actividades Imobiliárias Sociedade Unipessoal, registou a referida aquisição  - AP. 2918 de 2014/03/18.
8–Pelas AP. 3370, 3371, 3372, 3373, 3374 de 2015/07/29 foram requeridos os cancelamentos dos registos de hipoteca e de penhora que correspondem às Aps. 1002 de 2012/05/24 (hipoteca legal a favor da Fazenda Publica)  2190 de 2012/10/17 (penhora a favor de José J.G.P...), 1599 de 2012/11/07, 4141 de 2012/11/27 e 4152 de 2012/11/27, com base no contrato-promessa e no contrato de compra e venda celebrados.
9–A Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial proferiu cinco despachos fundamentados de recusa dos peticionados cancelamentos dos registos de hipoteca e penhoras em causa, por falta de título, que se mostram insertos a fls. 8 a 22, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos, que sustentou.
10–O impugnante não se conformou com os despachos em crise e apresentou a impugnação judicial sob apreciação.

III–As questões a decidir – constituindo o objecto do recurso – reconduzem-se a saber se a sentença é nula, nos termos do art 615º/1 al b) CPC, por não ter especificado os factos provados, e a saber se, tal como a apelante o requereu à Conservatória do Registo Predial, deviam ter sido ordenados os cancelamentos dos registos das penhoras e da hipoteca vigentes à data da escritura pública de aquisição do imóvel pela apelante, mas cujos registos são posteriores ao registo de contrato promessa com eficácia real de que a mesma, na qualidade de promitente compradora, era titular.

Terá sido por lapso que a apelante arguiu a nulidade da sentença por falta de especificação dos factos provados, pois que, manifestamente, a sentença comporta essa especificação, correspondendo a mesma “ipsis verbis” à que acima se fez constar no  presente acórdão, irrelevando, para o efeito, a circunstância de a ter deslocalizado na estrutura da sentença, colocando-a após algumas considerações de direito. Este tribunal limitou-se a acrescentar à especificação feita na 1ª instância a titularidade dos registos referentes à hipoteca (legal) e às penhoras registadas após o registo da eficácia real do contrato promessa. 
É, pois, indiscutível a improcedência da arguida nulidade.

O conhecimento da (outra) questão acima evidenciada obriga a que se pondere o regime do contrato promessa com eficácia real.
Vendo-se conveniência, antes de mais, em transcrever os despachos de qualificação proferidos pela Exma Conservadora do Registo Predial, sendo que todos eles são iguais entre si.

Apresentam o seguinte teor:
«Requerido que foi o cancelamento da hipoteca legal e oferecido como titulo o anexo 1 referenciado na requisição do registo, analisado o mesmo, verifica-se que este não constitui título para o acto pretendido e requisitado, havendo em consequência falta de titulo idóneo pelos seguintes motivos:
1-È inequívoco que o contrato promessa de compra e venda que a ...Actividades Imobiliárias, Sociedade Unipessoal, Ldª celebrou com António (…) Rodrigues é dotado de eficácia real e foi registado em data anterior ao registo da penhora, pelo que o seu direito de aquisição é oponível a um terceiro adquirente cujo direito se não ache registado antes do registo desse contrato promessa, na medida em, que goza de eficácia relativamente a terceiros (eficácia externa  ou erga omnes).
2-Convirá, porém, recordar que o contrato promessa apenas cria a obrigação de contratar, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento. Produz, assim,  mero efeito obrigacional de concluir um futuro contrato (no caso de compra e venda) sem produzir efeitos reais. Com efeito, dele não nascem  direitos reais; mesmo que as partes lhe atribuam eficácia real  nos termos previstos no art. 413º CC, tal não significa que o contrato promessa seja translativo ou constitutivo de tais direitos  - papel que cabe, somente, ao contrato definitivo. A eficácia real apenas acrescenta ao comum contrato promessa – previsto no art. 410ºCC -  que o direito à celebração do contrato prometido, além da eficácia inter-partes, se imponha perante terceiros.
3-O legislador visou, apenas, com o contrato promessa dotado de eficácia real,  proteger aquele que tem direito à aquisição ou constituição  de um direito real contra o titular registal inscrito, afastando o perigo desse direito ser frustrado por actos de alienação ou de oneração posteriormente registados, pois que ao reconhecer-lhe eficácia erga omnes viabilizou a execução especifica mesmo nesses casos (ao contrário do que sucederia num contrato promessa sem eficácia real, onde o promitente comprador não pode pedir a execução específica no caso do promitente vendedor vir a celebrar o contrato prometido com um terceiro, restando-lhe o direito a uma indemnização. Assim sendo, a celebração de um contrato promessa com eficácia real, enquanto instrumento jurídico que se limita a conferir o direito à celebração do contrato prometido, não obsta à penhora e venda do bem no processo executivo; apenas obriga  a que esse direito seja reconhecido no processo de execução, isto é, que o direito de aquisição de que goza o promitente comprador seja atendido no momento da realização da venda executiva. Aliás, a penhora nem sequer contende com o direito à aquisição ou constituição de um direito real sobre o bem, já que apenas o torna indisponível, não impedindo a execução específica do contrato promessa, pois, como ressalta do preceituado no art. 913º CPC, se o bem tiver sido prometido vender em contrato promessa com eficácia real, o promitente comprador pode exercer o direito de execução específica no processo de execução fiscal, sendo-lhe feita directamente a venda, dado que ele dispõe de um direito real de aquisição sobre o bem penhorado que foi colocado à venda. Como refere  Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Processo Tributário  Anotado e Comentado, II p 559, o direito do promitente comprador pode ser atendido no processo de execução fiscal (mediante venda directa, nos termos do art. 903º CPC) se o registo da promessa for anterior ao registo da penhora ou arresto e dos direitos reais de garantia.
4-Por outro lado, o facto de ter sido celebrado o contrato prometido em momento posterior á penhora, não obsta à venda do bem no processo de execução fiscal, uma vez que os actos de disposição dos bens penhorados são inoponíveis em relação à execução. Vejamos: O art. 819º CPC dispõe, com efeito, que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados. No caso em apreço, embora o contrato promessa  com eficácia real tenha sido registado antes da penhora, o certo é que o contrato prometido foi celebrado  em data muito posterior à da penhora e do respectivo registo. Ou seja, o executado procedeu à venda do prédio já penhorado nos autos de execução fiscal, mediante a celebração do contrato prometido, em data posterior à da penhora e seu registo. Daí que, por força do que dispõe o citado art. 819º CC, tal acto de disposição seja inoponível à execução, não colhendo a alegação de que os efeitos deste acto de disposição se retroagem à data da celebração do contrato promessa. Como nota e ensina Catarino Nunes  “o contrato promessa não é na sua estrutura produtor de efeitos reais. A prestação não consiste nunca em um dare, mesmo quando produtor de efeitos reais, mas sempre em um facere: obrigação de celebrar contrato futuro».
Pelo exposto é recusado o cancelamento pretendido por falta de titulo para o mesmo, nos termos e para o efeito dos arts 68º e 69º/1 b) ambos do CRP. Notifique-se». 

Vejamos.

Dispõe o art. 413º/1 CC que «à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo».                    
Desta norma decorre que a atribuição de eficácia real a um contrato promessa  implica, em primeiro lugar, que o objecto desse contrato promessa seja um contrato com eficácia real transmissiva ou constitutiva (exige-se, portanto, que esteja em causa na promessa um contrato real quoad effectum [2]), e em segundo lugar que o objecto do contrato prometido seja um imóvel ou um móvel sujeito a registo. Exige-se ainda que as partes nesse contrato declarem expressamente a vontade de atribuição ao contrato promessa da eficácia real, que adoptará a forma que se imponha em função do nº 2 do referido art 413º, e procedam à respectiva inscrição no registo.

È sabido que quanto ao conteúdo jurídico da eficácia real a doutrina se encontra dividida: para uns, a eficácia real consubstancia-se na constituição a favor do credor da promessa de um direito real de aquisição [3]; para outros, não se trata propriamente da produção de um efeito com natureza real, antes de uma tutela do direito de crédito mais forte, semelhante àquela de que gozam os direitos reais [4].

Para os primeiros, a eficácia real gera a invalidade ou ineficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa; para os segundos, «o promissário disporia, como em qualquer contrato promessa, de um direito creditício que, no entanto, seria oponível a terceiros através da retroacção dos efeitos da sentença que decrete a execução específica da obrigação de contratar à data do registo do contrato promessa com eficácia real»[5]. Neste entendimento, só a retroactividade que a eficácia real imprime à eventual execução específica da promessa pode prejudicar a eficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa.

De todo o modo, e tal como Ana Prata o reflecte [6]: « (…) a eficácia real do contrato promessa traduzir-se-á  na possibilidade de o contrato promessa ser invocado contra terceiros  que, subsequentemente ao registo dessa promessa, venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento[7].

Há pois que ponderar, nesta linha de raciocínio, se os direitos que emergem na situação dos autos para os terceiros titulares de registos subsequentes ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real se mostram incompatíveis com esta eficácia.

À primeira vista poder-se-ia sustentar que destinando-se o contrato de compra e venda a transferir o direito de propriedade, apenas se mostraria incompatível com a promessa real dessa transferência a transferência do direito de propriedade para um terceiro operada após o registo da promessa. Isto é, que a eficácia real do contrato promessa de compra e venda se destinasse apenas a produzir efeitos relativamente à situação da venda do imóvel a terceiro [8].

Constituindo essa situação, de facto, a paradigmática da afirmação da eficácia real do contrato promessa de compra e venda - como quer que a mesma seja dogmaticamente entendida - a verdade é que não são apenas os actos de disposição do imóvel a favor de terceiro, mas também os actos da sua oneração, que se devem ter como abrangidos pela ineficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa com eficácia real, na medida em que estes se mostram aptos a impedir o promitente vendedor de cumprir a promessa da venda do direito de propriedade plena.

Assim o refere, por exemplo, Mónica Jardim, quando escreve [9]: «O registo de contrato promessa dotado de eficácia real garante a pretensão creditória à celebração do contrato prometido e assegura também o direito real que pode ver a ser adquirido no futuro. O registo definitivo em apreço[10] atribui ao direito de crédito decorrente do contrato promessa, uma eficácia equiparada à dos direitos reais, afastando, por conseguinte, o perigo de ele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato promessa registados posteriormente».

No mesmo sentido, Manuel Henrique de Mesquita: [11] «A eficácia real do contrato promessa traduz-se, assim, na faculdade atribuída a qualquer terceiro que adquira do promitente vendedor, sobre o objecto do contrato prometido, um direito que inviabilize, no todo ou em parte, o cumprimento do contrato promessa».

Acrescentando Marco de Carvalho [12]: «(…) a promessa com eficácia real prevalece sobre todos os direitos, sejam eles de natureza pessoal ou real, que tenham sido constituídos sobre a coisa prometida, pelo que é licito ao promitente opor  procedentemente o seu direito a um terceiro que tenha adquirido sobre a coisa um direito incompatível com o do promitente».

Podendo, por isso, afirmar-se que o legislador através do contrato promessa  dotado de eficácia real «visou proteger aqueles que tem direito à alienação ou constituição de um direito real contra o subsequente titular registal inscrito». [13]

O que significa, seguramente, que na pendência do registo do contrato promessa com eficácia real, a hipoteca voluntária do imóvel, seu objecto, torna-a ineficaz em relação ao promitente comprador.[14]

A questão poderá, no entanto, entender-se assumir outros contornos quando se trate do registo de penhora ou da constituição de (outro) direito real de garantia que não dependa (directamente) da vontade do dono da coisa, como sucede com a hipoteca legal.

Que são exactamente as situações que estão em causa nos autos – uma hipoteca legal e quatro penhoras, três delas em processos de execução fiscal.

Como é sabido, a hipoteca legal resulta directa e imediatamente da lei e não da vontade das partes, não estando na dependência da vontade do titular da coisa hipotecada. Basta que exista a relação de crédito à qual a hipoteca vai servir de segurança - embora se mostre necessário que o credor promova o registo da garantia - pois que a lei reconhece directamente o direito à hipoteca a determinados factos que reputa de idóneos para fazer surgir aquele direito. Conforme se estabelece no art. 50º do CRP o registo da hipoteca legal “é feito com base em certidão do título de que resulta a garantia e em declaração que identifique os bens se necessário”. O credor que goza da hipoteca legal pode requerer o seu registo apresentando ao conservador competente um título idóneo, isto é, um documento que ateste inequivocamente a existência da obrigação e possa servir por isso de base ao registo.

Os credores com hipoteca legal são os referidos no art. 705º, estando em causa nas situações previstas a necessidade especial de assegurar o cumprimento de certos créditos, em atenção à qualidade dos credores (o Estado e demais pessoas colectivas publicas), à posição do credor em face do devedor, ou à natureza da dívida[15].

Na situação dos autos, apesar de não se tornar claro da certidão de registo junta aos autos, estará, decerto, em causa, a situação contemplada na al a) do art 705º CC.

No que respeita à penhora, é discutível a sua qualificação como direito real (de garantia).

Entendia-a como tal, Castro Mendes [16], referindo-se-lhe como «uma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução a qualquer interveniente – exequente, tribunal, arrematantes, credores, etc», entendendo criar-se a favor do exequente «um direito real de garantia envolvendo preferência sobre os bens penhorados».

Já Teixeira de Sousa [17] conclui que a penhora não pode ser incluída no âmbito dos direitos reais de garantia, porque, em hipótese de transmissão do bem onerado, «em vez de acompanhar o bem transmitido e de sujeitar o seu adquirente à execução, a penhora ignora a transmissão do bem (cfr art 819º CC) e rejeita qualquer substituição do executado. Enquanto o direito real de garantia se adapta à dinâmica, a penhora ficciona a estática (…) embora seja inerente a uma coisa e afecte a execução desta à satisfação do crédito do exequente, a sua função é conservatória: é isso que justifica a regra da inoponibilidade dos actos de disposição ou oneração posteriores a ela».

Na perspectiva que está em apreciação no presente recurso, quer crer-se que se deve configurar a penhora como direito real de garantia, pois que esse entendimento parece ser o que melhor se coaduna com a norma do art. 604º/2 CC, conjugada com a do art 822º/1 CC, que admite, para além da consignação de rendimentos, do penhor, da hipoteca, do privilegio e do direito de retenção,
«outras» «causas legitimas de preferência admitidas na lei», em que se enquadrará a penhora

O que importa saber, na linha de raciocínio acima referida é se a penhora – e está em causa a penhora cujo registo se mostre subsequente ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real - constitui um direito incompatível com o do promitente comprador daquele contrato promessa.

Não fora a norma do art. 831º CPC, e a resposta a tal questão não poderia deixar de ser positiva – é que a penhora desemboca na venda executiva e no caso de à promessa ter sido conferida eficácia real, o direito do promitente adquirente à execução específica, porque tem eficácia erga omnes, é oponível a quem quer que seja, inclusive ao terceiro adquirente do bem em processo executivo.

Vejamos assim o que resulta da referida norma do art. 831º, que  corresponde no anterior CPC à do art 903º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003 de 8 de Março. Mostra-se inserida em “Divisão” referente «A outras modalidades de venda» e tem o seguinte conteúdo, na parte com interesse para a situação dos autos: «Se os bens (…) tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda é-lhe feita directamente».

No Ac STA de 12/1/2012 [18] explica-se bem a génese e função desta venda directa, dizendo-se: «Quem quereria comprar um bem sobre o qual recai um ónus oponível à venda e que pode determinar a ineficácia da venda? Quem quereria comprar um bem sobre o qual estivesse registada uma promessa de alienação com eficácia real? Essa venda seria ineficaz relativamente ao promissário, que (a menos que o contrato-promessa viesse a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, ou se o crédito do promissário se extinguisse por causa diferente do cumprimento, tudo hipóteses que estão fora do controlo do terceiro adquirente) sempre poderia, a qualquer momento, vir exercer o seu direito como se essa venda a terceiro não tivesse sido realizada. Mal se compreenderia, pois, que o legislador tivesse consagrado uma solução que não ponderasse e prosseguisse a estabilidade da venda (cfr art. 9º/3, 1ª parte, do CC), sabido que esta é, sobretudo na execução fiscal, em que está essencialmente em causa a cobrança de créditos tributários (que são a principal fonte de receitas públicas.) (cfr art 148º do CPPT), um valor do interesse público. Ninguém entenderia que o legislador, desprezando esse valor e a consequente estabilidade da venda, permitisse a realização de uma venda executiva que pudesse vir a ser declarada ineficaz a todo o tempo (…). Por outro lado, também não faria sentido que, pela existência do registo de uma promessa de alienação com eficácia real sobre um bem, este ficasse excluído do âmbito da universalidade do património do devedor que responde pelas dívidas do mesmo (cfr. arts 601º (…) 817º do CC (…) e art. 821º/1 do CPC (…). Muito menos se compreenderia que, se não fosse estabelecido prazo para a celebração do contrato prometido e este não fosse efectivamente celebrado, o bem objecto do contrato pudesse ficar ad aeternum numa situação de intangibilidade pelos credores do promitente, o que abriria as portas a que este, mancomunado com o promissário, dispusesse de um eficaz meio de subtrair bens à execução. A lei não poderá ter querido, nem sequer permitir, que a eficácia real conferida ao contrato-promessa, por razões que se prendem com a protecção dos interesses do promissário no caso em que está em causa a aquisição de bens sujeitos a registo, pudesse abrigar consequência tão perversa. Terá sido para dar resposta a todas estas questões e no sentido de obter uma solução que ponderasse e conciliasse de forma ajustada os diversos interesses em confronto, que o legislador, no que se refere ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, estabeleceu que o promitente comprador tem o ónus de comprar o bem prometido vender na execução fiscal – através da venda directa prevista no art. 903º do CPC (…), sob pena de ver extinto o seu direito à compra e à execução específica (Neste sentido, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 389, Marco Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Universidade do Minho, pág. 199 e segs., Rui Pinto , A Acção Executiva depois da Reforma, JVS, Lisboa 2004, pág. 204 e segs.)».

Assim, do conteúdo do referido art. 831º só pode resultar que a penhora não contende com o direito à execução específica do contrato-promessa dotado de eficácia real, visto que o promissário que se encontre nessa situação, pode exercer o seu direito – ao cumprimento e à execução específica - no próprio processo executivo, sendo-lhe a venda feita directamente e pelo preço acordado no contrato promessa [19].  

Com efeito, o exercício da execução específica na própria execução em nada fere o promissário de tal promessa.

Como é referido no Ac STA 12/1/2012, «no caso de promessa de compra e venda com eficácia real, o direito do promitente comprador, que se concretiza através da venda directa (cfr art. 903.º do CPC), harmoniza-se com o escopo da execução fiscal – a obtenção de fundos destinados a pagar ao exequente e, eventualmente, aos credores reclamantes – integrando uma das fases do processo executivo (a venda) com uma única limitação, respeitante ao preço, pois a venda directa far-se-á pelo preço acordado pelos promitentes, ao invés de ser feita pelo melhor preço obtido, como sucede nas demais modalidades de venda», sendo que, em função do «ingresso» na execução desse valor, obter-se-á subsequentemente a satisfação do interesse do exequente e dos credores reclamantes nos termos da respectiva preferência.

Se não se tem dúvidas relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução nas situações em que nesta se esteja na fase da venda – sendo que o promitente comprador em causa tem de ser notificado para o efeito -  pois, só esse entendimento permite conciliar o interesse de evitar a falta de estabilidade da venda executiva, que comprometeria a sua realização, e «a possível mancomunação do promitente e promissário advinda de, através da constituição do ónus da eficácia real da promessa, manter indefinidamente fora do alcance dos credores um bem», de tal modo, que não o exercendo aí, tal direito se precludirá, também não se terão dúvidas em que, na situação em que a execução não esteja na fase da venda, se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário, ou, se necessário, através de execução especifica.

Com o que nos aproximamos da situação dos autos, em que, o que sucedeu, foi que o promitente vendedor e o promitente comprador procederam à compra e venda do imóvel fora da execução, fazendo-o negocialmente por escritura pública.

Podendo ter sucedido, caso um e outro não se tivessem entendido no sentido da efectuação dessa venda negocial, que o promitente comprador tivesse optado pela interposição de acção de execução específica contra aquele.

Um e outro desses comportamentos não pode deixar de ser admitido, não podendo, repete-se, impor ao promitente comprador - que, na situação dos autos, até se dedica a actividades imobiliárias destinando o imóvel comprado a revenda, como ficou a constar da respectiva escritura de compra e venda - que espere pela venda judicial do bem em função, no nosso caso, de uma das (quatro) penhoras que sobre ele incidem.
 
Resta saber, nestes contextos, o que sucede aos registos da hipoteca legal e das quatro penhoras.

De facto, o efeito extintivo previsto no art. 824º/2 CC está previsto para a venda executiva  [20], e não se verifica, sem mais, na venda  negocial.

Quando o promitente comprador na situação acima figurada interponha acção de execução especifica, parece que a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa. Assim o entende Jorge Lopes de Sousa [21] que afirma que, para o efeito do disposto no art. 172º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se deverá considerar como acção que tem por objecto a propriedade do bem penhorado, a acção em que o promitente-comprador da coisa penhorada pretende ver concretizado o seu direito à execução específica, nos termos do art. 830º do CC, e que,  nesse caso,  haverá que suspender a execução fiscal, pelo menos no que a esse bem se refere, até que a acção esteja decidida: «se a acção de execução específica for julgada procedente, o órgão de execução fiscal terá de levantar a penhora; caso contrário, a penhora mantém-se e a execução fiscal poderá prosseguir com a venda desse bem».

Quando o promitente comprador, pese embora a(s) penhora(s) registadas – e no nosso caso, a hipoteca legal – se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel – como sucedeu nos autos -
«não restará outra alternativa»[22] que não a de levantar as penhoras e ordenar o cancelamento do(s) respectivo(s) registo(s), bem como ordenar o da hipoteca legal.  
Sem que se possa objectar, no referente às penhoras  – e como o fizeram nos presentes autos a Exma Conservadora do Registo Predial, o Exmo Ministério Público e o Exmo Juiz a quo-  com a disciplina  constante do art. 819º CC, pois que a mesma, se bem que refira serem «inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados», se inicia com a expressão,  «sem prejuízo das regras do registo».

Ora estas regras, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, só podem significar, que o direito do promitente comprador é oponível à penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.

Assim o refere por exemplo Antunes Varela[23] : « (…) a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula, ou anulada ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente se constituam em relação à coisa, tudo se passando, sob este aspecto, em relação a terceiros, como se a alienação (…) prometida, uma vez realizada, se houvesse efectuado na data em que a promessa foi registada».
No mesmo sentido, o autor acima referido, Jorge de Sousa [24]: «Neste caso o direito do promissário à aquisição da coisa prevalece sobre todos os direitos pessoais ou reais que posteriormente sobre ela se constituam (…) Nesta situação no que concerne à prevalência em relação a terceiros, tudo se passa como se a alienação prometida, uma vez realizada, se houvesse realizado na data em que a promessa foi registada».

Ou, Mónica Jardim [25]: «Deste modo, o direito real que venha a ser adquirido com a celebração do contrato prometido e aceda a registo prevalece em face de direitos reais incompatíveis constituídos, mas apenas publicitados após o registo do contrato promessa dotado de eficácia real, em virtude da ineficácia anterior de tais direitos perante a pretensão creditória que o antecedeu. Ineficácia que foi gerada pelo registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real».

O que se veio de dizer é válido para a hipoteca legal, irrelevando, para o efeito,  que a existência da mesma não resida na vontade do promitente vendedor/executado.

Mónica Jardim conclui, o seu extenso e profundo estudo, com a seguinte conclusão no referente a hipótese semelhante à dos autos: «Após o registo definitivo do contrato promessa (dotado de eficácia real) o direito de crédito do promitente adquirente prevalece em face dos actos dipositivos conflituantes que não beneficiem de prioridade registal, quer assentem ou não num acto de vontade do titular registal (ou de um seu subadquirente) e, ainda, quer tenham ocorrido antes ou depois do registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real».

Deste modo, há que concluir pela procedência da apelação.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, julgando, a impugnação judicial deduzida pela apelante das decisões de recusa proferidas pela Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial que indeferiram o cancelamento das penhoras e da hipoteca registadas, como procedente.

Sem custas.


Lisboa, 22 de Setembro  de 2016  


                                      
Maria Teresa Albuquerque                                        
Jorge Vilaça                                              
Vaz Gomes



[1]-Constava aqui na enunciação dos factos provados na sentença, e em função de manifesto lapso informático, a expressão “através do qual o primeiro prometeu vender à segunda e esta comprar a referida fracção”, que, por isso, se suprimiu.
[2]-Contratos reais quoad effectum são os que tem como efeito a constituição, a modificação,  a extinção, ou a transferência de um direito real. 
[3]-Assim, Galvão Telles, «Direito das Obrigações», 6ª ed p 17 e 131/132; Almeida Costa, «Direito das Obrigações»,  4ª ed, p  271; Oliveira Ascensão, «Direito Civil- Reais», p  494-495; Orlando de Carvalho, «Direito das Coisas», p 134-135; Mota Pinto, «Direitos  Reais», p  141 e 143; Menezes Cordeiro, «O Novíssimo Regime do Contrato Promessa», p 12
[4]-Assim, Pessoa Jorge, «Direito das Obrigações», I, 201, Calvão da Silva, «Sinal e Contrato Promessa», 177-178, Pedro Pais Vasconcelos, «O efeito externo da obrigação», p 21 a 23, Henrique Mesquita, «Obrigações Reais e Ónus Reais»,  252 a 254 ; Antunes Varela, «Contrato Promessa», 61 nota 2
[5]-Ana Prata, «O Contrato Promessa e Seu Regime Civil», 2ª reimpressão á ed de 1994, p 611
[6]-Obra referida, p 617
[7]-De novo, Ana Prata, p 606
[8]-Esse parece ser o entendimento do Ministério Público nas contra alegações deste recurso, quando as termina referindo: “O contrato promessa de venda de imóvel celebrado com eficácia real não obsta à constituição de hipoteca e penhora, mas apenas confere ao promissário o direito de opor erga omnes o seu direito  à execução específica do contrato” 
[9]-«Efeitos Substantivos do Registo Predial», 2015, Reimpressão, p  886
[10]-Mónica Jardim, lembra que «através do registo do contrato promessa dotado de eficácia real inscreve-se , definitivamente, esse contrato». 
[11]Obrigações Reais e Ónus Reais» p 252 e 235
[12]Embargos de Terceiro na Acção Executiva», Março 2010,
p 203:
[13]-Mónica Jardim, obra referida 
[14]-Cfr Ac STJ 25/3/2010 (Mª dos Prazeres Beleza), em que está em causa uma situação semelhante à dos autos, mas em que se opõe ao direito do promitente comprador titular de contrato promessa com eficácia real uma hipoteca voluntária   
[15]-Mª Isabel Meneres Campos, «Da Hipoteca- Caracterização, Constituição e Efeitos»,  Maio de 2003 , p 141
[16]-«Direito Processual Civil (Acção Executiva)» Ed AAFDL, 1971, p 72
[17]-«Acção Executiva Singular», Lex, 1998, p 242
[18]-Que tem como relator Francisco Rothes e se mostra consultável em www dgsi pt
[19]-Cfr referido Ac STA 12/1/2012, Ac STA 6/4/2011 (António Calhau), Ac STA 8/6/2011 (Dulce Neto); Ac R C 16/4/2013 (Teles Pereira)
[20]-E que, segundo Marco Gonçalves, obra referida p 102, se destina «não só a favorecer a alienação de bens em sede executiva relativamente ao exequente e ao executado – o primeiro porque consegue obter mais facilmente o pagamento da quantia exequenda e o segundo porque consegue amortizar a divida com um numero menor de bens para esse efeito – como também garantir que o terceiro seja confrontado com um ónus que diminua a utilidade da coisa adquirida em sede executiva», sem que no entanto o legislador deixe de proteger os titulares dos direitos que caducarem por efeito dessa venda, dado que esses  direitos “transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (nº 3), ou seja, o titular desse direito irá receber  o respectivo credito através do produto da venda executiva, tendo em atenção, naturalmente, a ordem de graduação dos créditos dos respectivos credores»
[21]Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado», Áreas Editora, 6.ªedição, volume III, anotação 9 ao art. 172º, pág. 246.).
[22]-A expressão é a utilizada no Ac 12/1/2012 a que se tem vindo a fazer referência e de algum modo acompanhando
[23]Das Obrigações em Geral»,10ª ed. I, p 329
[24]Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado», III, p 246
[25]-Obra referida, p 886