Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13644/12.9YYLSB-C.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO
RECURSO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Admite-se justificar-se que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, a atuação do agente de execução seja alvo de um único nível de controlo jurisdicional, no pressuposto de que ao juiz de execução ficou reservado o julgamento “das questões em que exista um litígio de pretensões”.
II. Em princípio, o ato de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado pelo agente de execução na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que é devido, incluindo as custas.
III. Quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se, o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do art.º 703.º do CPC), não se exigindo, para essa tarefa, mais do que a mera leitura e interpretação do título executivo e do requerimento executivo, à luz das regras legais aplicáveis.
IV. Porém, se entre as partes surgiu controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a instauração da execução - alcançando uma verba que ultrapassa os € 700 000,00 -, a questão excede a mera dúvida sobre a correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio, de um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património da executada que cabe à exequente neste procedimento executivo. E essa qualificação não é arredada pela eventual simplicidade da respetiva apreciação.
V. Nesse caso, deve admitir-se o recurso do despacho judicial proferido sobre reclamação apresentada pela executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, assim se interpretando restritivamente a alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP).
VI. Se a exequente, no requerimento executivo, procedeu ao cálculo dos juros vencidos até à data da instauração da execução e peticionou o seu pagamento, sem formular o pedido de pagamento dos juros de mora vincendos, abstendo-se, assim, de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução esse crédito vincendo, é ilegal, por violar o princípio do dispositivo, a inclusão, na nota de liquidação final da obrigação exequenda, de juros de mora vencidos após a instauração da execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1. Em 19.7.2012 H, Lda, instaurou contra Caixa ação de execução de quantia certa, para pagamento da quantia, então liquidada, de € 1 965 637,45.
2. Apresentou como título executivo uma garantia bancária emitida pela executada, que esta não teria honrado.
3. Em 10.11.2017 o Sr. agente de execução liquidou a quantia exequenda em € 2 720 299,94, sendo € 745 931,97 “juros comerciais de 20/07/2012 a 10/11/2017”.
4. A executada reclamou de tal nota de liquidação, alegando que os aludidos juros não constavam no título executivo e não haviam sido requeridos.
5. A exequente respondeu à reclamação, pugnando pela sua improcedência, defendendo que os juros de mora estavam abrangidos pelo título executivo e que a execução abrangia os juros vincendos, que deviam ser calculados a final pelo agente de execução, como foram. Subsidiariamente, requereu que se admitisse a ampliação do pedido quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, determinando-se, igualmente, o prosseguimento da ação executiva.
6. Em 13.7.2018 foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento ref 27485610 de 28.11.2017 (reclamação da nota do SR AE), requerimento ref 27646271 de 14.12.217 (resposta), req. ref 27775399 de 3.01.2018 e req.  2804555 de 29.1.2018 (requerimento e respostas complementares):
Está em causa a inclusão pelo Sr AE na liquidação da responsabilidade da executada dos juros de mora vencidos a partir da data de apresentação do requerimento executivo, entendendo a executada que os mesmos não deverão ser incluídos, e a exequente que o deverão ser.
A nota de liquidação inclui tais juros (cf nota anexa às notificações de 24.11.217).
Dispõe o art 703 nº2 do CPC que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante; complementarmente, dispõe o art 716º nº1 do CPC que sempre que for ilíquida a quantia em divida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido liquido, sendo que quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita afinal, pelo agente de execução, em face do titulo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade ou sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
Ou seja, o pedido que o exequente deve formular na p.i. deve abranger os juros vencidos até esse momento. Assim “(…) se o exequente não efectuou no requerimento executivo a liquidação dos juros vencidos, só deverá receber os que se vencerem após a data da instauração da execução (…)” -  A acção executiva Anotada e Comentada, Virgínio da Costa Ribeiro e Sergio Rebelo, Almedina, ed 2016 (2º ed), pag 140.
In casu a exequente, na parte do requerimento executivo respeitante à liquidação da obrigação, referiu que ao montante do capital em divida acrescem juros de mora à taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento até à data do requerimento executivo.
Ou seja, referindo que ao capital acresciam juros de mora à taxa legal, liquidou os juros vencidos, cumprindo o ónus que lhe incumbe nos termos do art 716º nº1 do CPC, o que não significa que prescinda dos juros de mora que se vencessem a partir da data do requerimento executivo. Esses, que não carecem de ser expressamente qualificados no requerimento executivo como vincendos, estarão aliás compreendidos na expressão “ ao montante de capital em divida acrescem juros de mora, à taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais (…)” que consta do requerimento executivo.
Nessa sequência, por terem cabimento legal (art 703 nº2 do CPC) devem tais juros ser incluídos na liquidação da responsabilidade da executada, pelo que improcede a reclamação (da nota do Sr AE) que a executada deduziu.
Custas do incidente de reclamação pela reclamante.”
A executada apelou deste despacho, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. O objeto do presente recurso incide sobre o douto despacho proferido em primeira instância, que condenou a ora recorrente a liquidar os juros de mora vencidos, a partir da data do requerimento executivo, até integral pagamento;
2. Valor que, nesta data, orça nada menos que a €779.820,44 (setecentos e setenta e nove mil oitocentos e vinte euros e quarenta e quatro cêntimos);
3. Isto, não obstante:
a. O título executivo não prever o pagamento de tais juros;
b. A exequente não ter invocado, ou pedido, juros de mora desde a entrada do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, no requerimento executivo, no campo reservado aos “FACTOS”,
c. A exequente só ter pedido juros de mora até à entrada do requerimento executivo, não tendo pedido juros de mora desde a entrada do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento, no requerimento executivo, no campo reservado à “LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO”,
4. Pelo contrário, naquele segmento do requerimento executivo (“LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO”), a exequente expressamente limitou/trancou o pedido de juros de mora, ao período compreendido entre a data de vencimento da obrigação de pagamento e a data de entrada do requerimento executivo.
Ora,
5. Nos termos do art.º 10.º, n.º 5 do CPC, o título executivo é pressuposto indispensável da execução porquanto: i) possibilita o recurso imediato à ação executiva, ii) define o seu fim e iii) fixa os seus limites.
6. Por conseguinte, estabelecendo o título executivo os limites e o fim da execução, é manifesto que este, não pode ser utilizado para realizar coativamente outra obrigação, que não aquela que o título documenta.
7. Ora, como se pode constatar, a Garantia Bancária apresentada à execução, pela exequente, não prevê o pagamento de juros de mora. Não sendo menos certo, que o pagamento dos mesmos - no que toca ao período posterior à data de entrada do requerimento executivo - não foi pedido.
8. Em consequência, porque os juros de mora vincendos não constam do título executivo, e sobretudo, porque também não constam do requerimento executivo, uma vez que o seu pagamento não foi reclamado nem no pedido, nem na causa de pedir, a instância ficou estabilizada nesses termos - ao abrigo do art.º 260º CPC.
9. Ou seja, o processo executivo prosseguiu os seus termos, exclusivamente, com vista com à realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pelos exequentes, no requerimento executivo, isto é, o pagamento da quantia de €1.965.637,45.
10. Não é assim de admitir que, face à ausência de legitimidade e de competências (arts. 30.º, 720.º e 721.º do CPC), aplicáveis ao caso concreto, o Sr. Agente de Execução venha, a destempo - na fase de pagamento - acrescentar à conta final e à dívida exequenda, “um” montante alegadamente devido a título de juros de mora vincendos, quando, repita-se, tais juros nunca foram pedidos no requerimento executivo, pois:
a. em primeiro lugar o Agente de Execução não é parte, pelo que nem sequer tinha legitimidade para acrescentar ao pedido tal montante, ao abrigo do artigo 30.º.
b. em segundo lugar, porque tal atuação extravasa por completo as suas competências, que se encontram definidas no artigo 720.º do CPC.
c. em terceiro lugar, porque a questão “sub iudice” extravasa o pagamento das quantias devidas ao Agente de Execução, que se encontram definidas no art.º 721.º do CPC.
11. Sendo igualmente inadmissível, salvo o imenso devido respeito, que tal entendimento tenha merecido o acolhimento do tribunal de primeira instância, porquanto o mesmo constitui a subversão das regras próprias da tramitação do processo executivo, e se traduz num sancionamento de uma atuação processual violadora dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, , porquanto, em momento algum do processo executivo, foi facultado à exequente o contraditório - no que respeita aos valores, acrescentados à conta final - porquanto nunca foram pedidos!
12. Além do mais, nos termos do art.º 751.º, n.º 7 do CPC, o valor da caução fixada no apenso de oposição, para garantir os fins da execução, foi pelo valor de €2.063.919,32.
13. A exequente notificada para se pronunciar, quanto à caução proposta pela executada, deduziu oposição à idoneidade da garantia, mas nunca impugnou o seu valor – cfr. consta da sentença transitada em julgado, proferida no apenso B, do Proc. Nº 13644/12.9YYLSB.
14. Ora se de acordo com a sentença proferida “(…) a quantia caucionada (montante seguro) ficará afecta à execução (dívida exequenda, juros vencidos, e custas) até à decisão transitada em julgado sobre a oposição à execução” e bem assim o teor de art. 751.º, n.º 7 do CPC, sempre se impunha a improcedência da pretensão da exequente e o entendimento perfilhado pela decisão recorrida.
15. Acresce que sempre terá de se ter presente que a obrigação acessória de juros é diferente da obrigação de capital – art.º 561.º CC.
16. Constituindo a obrigação de juros uma indemnização de natureza disponível, sendo mero acessório do capital, acompanhando a natureza deste, incumbindo às partes, no domínio do processo civil, designadamente ao exequente: i) Pedir a resolução do conflito, enunciando os factos que fundamentam o pedido, face à alegada violação do direito, ii) Carrear aos autos o respetivo título executivo, iii) Formular os pedidos correspondentes à causa de pedir.
17. Nestes termos, o pedido do exequente conforma o objeto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito, a proferir não podendo o executado ser condenado a pagar um valor superior aquele que foi pedido na ação – cfr. arts. 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) do CPC.
18. O que significa que, nem o Sr. Agente de Execução pode pedir o pagamento, nem o Tribunal pode condenar, a executada ao pagamento de juros de mora vincendos, sem que na presente ação, tenha sido formulado o respetivo pedido.
19. Colidindo de forma frontal com os princípios do dispositivo ou da disponibilidade objetiva e com o princípio da estabilidade da instância – art.º 260.º do CPC.
20. Não se concebe, por isso, que na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
21. Outrossim, também não se concede que tal enquadramento se faça no âmbito do dever de gestão processual, que está pensada para outro tipo de situações – art.º 5.º do CPC.
22. Não podendo a falta da exequente, ser justificada pelo recurso ao teor do art.º 703.º, n.º 2 do CPC, conforme perfilha a decisão recorrida, porque o facto de estarem “abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”, não implica que o exequente não tenha de os pedir na ação executiva!
23. A não ser assim, um exequente, ao abrigo de uma qualquer ação executiva, poderia executar um título, limitando-se a pedir o capital, abstendo-se de pedir e de depois liquidar quaisquer juros, pois os mesmos, a acolher a tese perfilhada pelo despacho recorrido, por força do art.º 703.º, n.º 2 do CPC estariam automaticamente abrangidos pelo título executivo!
24. Solução, salvo o imenso devido respeito, que prima pelo absurdo, sendo para além do mais, manifestamente inaceitável face aos preceitos legais aplicáveis, da lei substantiva (art.º 561.º do CC – natureza acessória da obrigação de juros), adjetiva (arts. 3.º, n.º 1; 8.º, n.º 2; 10.º, n.º 5; 260.º, arts. 609.º e 615°, nº 1, e) do CPC, “ex vi” arts. 551.º, art. 724.º e), f) todos do CPC) e fundamental (20.º, n.º 4 da CRP).
25. De resto, o próprio tribunal recorrido, até entrando em contradição, acaba por reconhecer que “complementarmente” (referindo-se ao artigo 703.º, n.º 2 do CPC), “dispõe o art. 716.º n.º 1 do CPC que, sempre que for ilíquida a quantia em divida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido liquido, sendo que quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita afinal, pelo agente de execução, em face do titulo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade ou sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.”
26. E logo a seguir: “Ou seja, o pedido que o exequente deve formular na p.i. deve abranger os juros vencidos até esse momento.” – o que não se questiona!
27. Mas depois, procurando fundamentar a decisão de cabimento legal dos juros: “Assim “(…) se o exequente não efectuou no requerimento executivo a liquidação dos juros vencidos, só deverá receber os que se vencerem após a data da instauração da execução (…)” - A acção executiva Anotada e Comentada, Virgínio da Costa Ribeiro e Sergio Rebelo, Almedina, ed 2016 (2º ed), pag. 140.”
28. Salvo o devido respeito, torna-se evidente a confusão/contradição, do Tribunal recorrido! É que: i) uma coisa é a obrigação legal de pedir os juros; ii) outra coisa é a obrigação legal de liquidar juros: isto é, de contabilizar os juros que - depois de expressamente pedidos - é possível contabilizar (juros mora vencidos) e relegar para liquidação futura, os juros que expressamente se pedirem, em virtude de no momento do requerimento executivo, não ser possível determinar a data do integral pagamento data (juros mora vincendos).
29. E depois, a fundamentação entrando em contradição com a decisão proferida: “In casu a exequente, na parte do requerimento executivo respeitante á liquidação da obrigação, referiu que ao montante do capital em divida acrescem juros de mora á taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento até á data do requerimento executivo.”
30. Termos em que se considera que o despacho proferido está ferido de nulidade, prevista nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. c), “ex vi” art. 613.º, n.º 3 do CPC.
31. Nulidade que aqui desde já se invoca, para todos os efeitos legais.
A apelante terminou pedindo que, concedendo-se provimento ao recurso, se declarasse a nulidade do despacho recorrido e se ordenasse a sua substituição por outro que isentasse a recorrente da importância computada, pelo Sr. agente de execução, a título de juros de mora vincendos, ou se revogasse o despacho recorrido, substituindo-o por outro que isentasse a apelante da importância computada a título de juros de mora vincendos.
A exequente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo que:
Pelo exposto, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferir a reclamação da nota de liquidação deduzida pela Recorrente, determinando-se o prosseguimento da acção executiva com vista ao pagamento da quantia exequenda , acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efectivo e integral pagamento.
Ainda que assim não fosse, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a Recorrida requereu a ampliação do pedido quanto aos juros de mora, calculados à taxa legal comercial, vencidos desde a data da apresentação do requerimento executivo até efectivo e integral pagamento.
No requerimento de interposição do recurso a apelante requereu que lhe fosse atribuído efeito suspensivo, oferecendo-se para prestar caução mediante seguro caução, no prazo a fixar pelo tribunal, “considerando que a execução da decisão de primeira instância provocaria um prejuízo injustificado à recorrente, considerando que está em causa o pagamento do montante de €779.820,44, pondo tal pagamento inclusivamente em causa, efeito útil do recurso”.
Por despacho proferido em 18.02.2019 foi indeferida a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por se “constatar não ter sido suficientemente concretizado o alegado prejuízo que conclusivamente se invocou (alegando-se apenas para o efeito estar em causa o pagamento de € 779.820,44, o que por si só, e atentos até os valores os valores em causa na execução, não demonstra o prejuízo considerável exigido pelo art 647 nº3 do CPC)”. Mais se admitiu o recurso, de apelação, com subida imediata e em separado.
Em 13.3.2019 a apelante dirigiu a esta Relação reclamação contra a fixação, pelo tribunal a quo, de efeito meramente devolutivo ao recurso.
Em 08.5.2019, após audição prévia das partes, o relator rejeitou a apelação, por considerar que o despacho impugnado era irrecorrível, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC.
A apelante reclamou deste despacho para a conferência.
A parte contrária nada disse.
Colheram-se vistos.
APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO
No despacho reclamado exarou-se o seguinte:
“Como é sabido, o atual modelo de processo executivo atribui a uma entidade exterior ao tribunal, o agente de execução, o encargo de orientar e efetivar a execução, sem prejuízo de caber a um juiz a intervenção em caso de litígio, exercendo então uma função de tutela, quando a lei lho defira.
Assim, “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos” (art.º 719.º n.º 1 do CPC).
Por sua vez, “sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
(…)” (art.º 723.º n.º 1 do CPC).
À responsabilidade que recai sobre o agente de execução corresponde um estatuto tido como adequado, que é o enquadramento institucional e profissional, tanto quanto à preparação, formação e ingresso na profissão, assim como ao seu exercício, pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (Lei n.º 154/2015, de 14.9) e pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (Lei n.º 77/2013, de 21.11) e bem assim a sujeição a um regime de incompatibilidades, impedimentos e deveres que se estima garantirá o respeito, pelo agente de execução, dos direitos e garantias fundamentais, necessariamente em jogo no desenrolar de um procedimento coercivo como é o processo de execução (vide Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, pp. 106 e 107).
De todo o modo, situações há em que a atuação e decisão caberão diretamente, em primeira instância, ao juiz (cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC). Acresce, nas outras situações, o meio genérico de impugnação dos atos e decisões do agente de execução, a reclamação para o juiz, prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC.
No caso presente, o referido meio de controle jurisdicional da atuação do agente de execução foi acionado pela executada. Descontente com a liquidação da sua responsabilidade, efetuada pelo agente de execução nos termos do art.º 847.º do CPC, a executada dela reclamou. E o Sr. Juiz a quo decidiu a reclamação, julgando-a improcedente. Ora, dessa decisão não cabe recurso, conforme expressamente estipulado na al. c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC.
Entende a apelante que esta norma foi pensada pelo legislador para atos e decisões do agente de execução de mero expediente, sem consequências jurídicas de maior. O aludido preceito deve ser alvo de uma interpretação moderadora, havendo que fazer uma análise crítica à controvertibilidade da matéria em causa e aos interesses concretos em litígio, sob pena de um resultado desproporcional, colocando-se em causa princípios de justiça e violação do princípio da legalidade e acesso aos tribunais.
Vejamos.
A ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
Assim sendo, o ato de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que foi liquidado e do que falta liquidar, incluindo as custas. E, quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se, o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do art.º 703.º do CPC).
Ainda assim, dessa operação poderá qualquer interessado reclamar para o juiz, assim ficando assegurado o controle jurisdicional da mesma.
Sendo certo que a questão suscitada pela executada, da inclusão ou não de juros de mora vencidos após a propositura da execução, na responsabilidade da executada, não exige, para a sua resolução, de mais do que a mera leitura e interpretação do título executivo e do requerimento executivo, à luz das regras legais aplicáveis. Não se afigurando que a plausibilidade de acerto da resolução dessa questão exija mais do que a intervenção destes dois níveis de decisão.
Para o que é irrelevante o maior ou menor valor da quantia em questão.
Note-se que a restrição da aludida norma cerceadora da recorribilidade da decisão judicial aos atos ou decisões do agente de execução de “mero expediente” inutilizaria o texto legal, na medida em que de atos de mero expediente não cabe, nos termos gerais, recurso (art.º 630.º n.º 1 do CPC).
Acresce que, como é sabido, o direito de acesso aos tribunais (art.º 20.º n.ºs 1 e 4 da CRP) não garante, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição, ou seja, de recurso da decisão de um tribunal para um tribunal superior, pelo menos fora do âmbito do processo penal (art.º 32.º n.º 1 da CRP) – neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do Tribunal Constitucional, 65/88, de 22.3.1988 e 638/98, de 04.11.1998.
Conclui-se, pois, pela rejeição do recurso, o que se determinará ao abrigo do disposto nos artigos 652.º n.º 1 al. b) e 655.º n.º 1 do CPC.”
Do texto supra transcrito não resulta a aceitação do agente de execução como uma instância de decisão de natureza jurisdicional. Pelo contrário. Admite-se justificar-se que a atuação do agente de execução seja alvo de um único nível de controlo jurisdicional, no pressuposto, que pensamos ser o do legislador, de que ao juiz de execução ficou reservado o julgamento “das questões em que exista um litígio de pretensões” (Rui Pinto, A Ação Executiva”, citado no despacho reclamado, p. 65). Algumas dessas questões estavam atribuídas ao agente de execução no Código anterior, o que suscitava dúvidas quanto à sua constitucionalidade e potenciava a crítica ao regime de irrecorribilidade dos despachos do juiz proferidos sobre atos dos agentes de execução (Rui Pinto, A ação executiva, pp. 65 e 66; José Lebre de Freitas, em “Apreciação do projecto de diploma de reforma da acção executiva” – publicado in ROA, 2013, I, consultável em www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=71980&ida=72371 , interrogava-se: “será, por exemplo, defensável que a decisão judicial proferida sobre a “decisão” do agente de execução que autoriza o executado a promover o fraccionamento do prédio penhorado (art. 842-A-1), a que é proferida sobre a “decisão” de sustar a execução (art. 871) ou a que negue a venda antecipada de bens “decidida” pelo agente de execução (art. 886-C-1) não seja susceptível de recurso ?”.
São indiscutivelmente da competência do juiz o julgamento da oposição à execução (artigos 728.º e ss do CPC), a oposição à penhora (art.º 784.º e ss), os embargos de terceiro (342.º e ss), a reclamação, verificação e graduação de créditos (788.º e ss). Assim como caberá ao juiz julgar o acertamento, a demonstração da exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda (artigos 550.º n.º 3, 714.º, 715.º e 716.º n.º 4 do CPC). Cabendo ao agente de execução, na execução sumária, suscitar a intervenção do juiz se se lhe afigurar provável a ocorrência de situações de indeferimento liminar do requerimento executivo ou de despacho de aperfeiçoamento (art.º 855.º n.º 2 al. b)).
No despacho reclamado exarou-se que “o ato de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que foi liquidado e do que falta liquidar, incluindo as custas. E, quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se, o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do art.º 703.º do CPC). E acrescentou-se que “a questão suscitada pela executada, da inclusão ou não de juros de mora vencidos após a propositura da execução, na responsabilidade da executada, não exige, para a sua resolução, de mais do que a mera leitura e interpretação do título executivo e do requerimento executivo, à luz das regras legais aplicáveis. Não se afigurando que a plausibilidade de acerto da resolução dessa questão exija mais do que a intervenção destes dois níveis de decisão.”
Porém, a verdade é que, no caso ora sub judice, entre as partes surgiu controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a propositura da execução. Tal controvérsia, respeitante a uma verba que ultrapassa os € 700 000,00, excede a mera dúvida sobre a correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio, de um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património da executada, que cabe à exequente neste procedimento executivo. E essa qualificação não é arredada pela eventual simplicidade da respetiva apreciação.
Pelo que, reponderando a questão, se nos afigura ser de admitir o recurso, fazendo da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC uma interpretação restritiva, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria, cremos, com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP) - (defendendo também uma interpretação restritiva da al. c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, vide J. H. Delgado de Carvalho, Jurisdição e caso estabilizado, Quid Juris, 2017, pp. 188 e seguintes).
Pelo exposto, dá-se provimento à reclamação apresentada e, consequentemente, admite-se o recurso interposto pela executada. É de apelação e sobe, como subiu, em separado, com efeito meramente devolutivo, nos termos previstos nos artigos 852.º, 853.º n.º 1, 644.º n.º 1, parte final, 645.º n.º 2, 647.º n.º 1, do CPC.
O recurso tem efeito meramente devolutivo, uma vez que o prejuízo invocado pela apelante no seu requerimento de recurso para justificar a fixação de efeito suspensivo (art.º 647.º n.º 4 do CPC) se resume aos efeitos da continuação da atividade executória de que já vem a ser alvo desde 2012, existindo meios legais para, se for o caso, reaver o que porventura venha a pagar coercivamente a mais do que for devido.
*
Passamos, desde já, a apreciar o objeto da
APELAÇÃO
O objeto da apelação é, como flui de tudo o acima exposto, a inclusão, na obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos desde a instauração da execução até ao momento da liquidação a que se referem os artigos 847.º e 849.º n.º 1 al. b) do CPC. Adicionalmente a apelante arguiu a nulidade do despacho recorrido, por contradição entre os fundamentos e a decisão (conclusões 29 a 31 da apelação).
Primeira questão (nulidade do despacho recorrido)
Nos termos do art.º 615.º n.º 1 alínea c), aplicável aos despachos (art.º 613.º n.º 3), a decisão é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”.
Tal vício verifica-se quando o julgador expõe razões de facto e de direito que, do ponto de visto lógico, apontam para determinado desfecho decisório, mas depois, inexplicavelmente, conclui de forma oposta ou diversa.
Ora, analisado o despacho recorrido, supra transcrito no n.º 6 do Relatório, não se lobriga a apontada contradição, mas tão só uma interpretação do teor do requerimento executivo e das normas legais invocadas que, no entender do tribunal a quo, determinavam a regularidade da nota de liquidação – sem que aí se incorra no alegado vício lógico-formal.
Nesta parte, pois, a apelação improcede.
Segunda questão (inclusão, na obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos desde a propositura da execução)
O factualismo relevante é o que consta no Relatório supra e ainda o seguinte:
1. No requerimento executivo, na ação destes autos, a exequente exarou o seguinte:
No campo “Tribunal competente, título executivo e factos
(…)
Valor da Execução: 1.965.637,45 € (Um Milhão Novecentos e Sessenta e Cinco Mil Seiscentos e Trinta e Sete Euros e Quarenta e Cinco Cêntimos)
Objecto da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida comercial [Cível]
Título Executivo: Documento Particular
Factos:
Em 12 de Março de 2008, a Executada prestou, a pedido da DLI – Distribuição e Logística para a Informática, S.A. (“DLI”), uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, a favor da Exequente, no montante total de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) - cfr. cópia da garantia bancária n.º 000-43.010093-3 que aqui se junta como Doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. A referida garantia bancária foi prestada por forma a caucionar o bom e pontual pagamento de qualquer aquisição de equipamento informático e/ou prestação de serviços pela DLI à Exequente.
Sucede que a DLI incumpriu, definitivamente, as obrigações assumidas junto da Exequente, designadamente em virtude do não pagamento, atempado, de facturas relativas a fornecimentos feitos pela Exequente à DLI (sendo certo que a dívida da DLI à Exequente ascende, actualmente, a mais de 3.8 milhões de euros).
Nestes termos, perante o incumprimento das obrigações da DLI, a Exequente, em 16 de Maio de 2012, interpelou a Executada para proceder ao pagamento de parte do montante titulado pela supra referida garantia bancária, mais precisamente do montante de € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos) – cfr. cópia da comunicação de interpelação que aqui se junta como Doc. 2.
Não obstante, até à data, a Executada não procedeu, conforme era sua obrigação - designadamente nos termos do disposto na garantia bancária prestada - ao pagamento de qualquer montante à Exequente.
Resulta assim do exposto que a Executada deve à Exequente o montante constante da carta de interpelação remetida, ou seja, € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos). Ao montante em dívida acrescem juros de mora no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento da garantia bancária até à data de entrada do presente requerimento executivo.
O crédito é certo, líquido e exigível, encontrando-se devidamente titulado, pelo que a quantia exequenda ascende, na presente data, a € 1.965.637,45.
No campo “Liquidação da obrigação
Valor Líquido: € 1.941.803,80
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 23.833,65 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 1.965.637,45 €
Capital em dívida referente ao valor da garantia bancária = € 1.941.803,80
Ao montante de capital em dívida acrescem juros de mora, à taxa legal de 8% aplicável aos juros comerciais, no valor de € 23.833,65, contados desde a data de vencimento da obrigação de pagamento, até à data de entrada do presente requerimento executivo.
2. Em 12 de março de 2008, a Executada prestou, a pedido da DLI – Distribuição e Logística para a Informática, S.A. (“DLI”), uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, a favor da Exequente, no montante total de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros). A referida garantia bancária foi prestada por forma a caucionar o bom e pontual pagamento de qualquer aquisição de equipamento informático e/ou prestação de serviços pela DLI à Exequente.
3. Perante o incumprimento das obrigações da DLI, a Exequente, em 16 de maio de 2012, interpelou a Executada para proceder ao pagamento de parte do montante titulado pela supra referida garantia bancária, mais precisamente do montante de € 1.941.803,80 (um milhão, novecentos e quarenta e um mil oitocentos e três euros e oitenta cêntimos).
4. A executada não pagou à interpelante exequente qualquer quantia.
5. Em sede de oposição à execução e para conseguir a substituição da penhora a executada prestou, em janeiro de 2013, caução no valor de € 2 063 919,32.
O Direito
O título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva (art.º 10.º n.º 5 do CPC). Isto é, “o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá” (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 48). Porém, nada obsta a que o credor peticione o pagamento de juros de mora, contabilizados à taxa legal, da obrigação constante do título, ainda que o mesmo seja omisso quanto a essa obrigação de pagamento de juros. Nos termos do n.º 2 do art.º 703.º do CPC, “consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
Conforme decorre do princípio do dispositivo, tais juros deverão, contudo, ser peticionados (art.º 3.º n.º 1, 10.º n.º 4, 724.º n.º 1, alínea f), do CPC). E, uma vez que a obrigação exequenda deve ser líquida (art.º 713.º do CPC), e a determinação dos juros devidos depende de simples cálculo aritmético, o exequente deve, no requerimento executivo, proceder ao respetivo cálculo, concluindo com um pedido líquido, respeitante, claro está, aos juros vencidos (art.º 716.º n.º 1 do CPC). Em relação aos juros vincendos, deverá o exequente formular um pedido ilíquido (cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, pág. 117), cabendo ao agente de execução liquidar, a final, os juros que se vencerem na pendência da execução, “em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis” (art.º 716.º n.º 2 do CPC). Conforme bem recorda Marco Gonçalves (Lições…, citado, p. 146, nota 438), o Prof. Castro Mendes apontava o pedido de pagamento, em sede executiva, de juros de mora vincendos, como uma manifestação da possibilidade, muito limitada, de formular na ação executiva pedidos ilíquidos (cfr. Direito Processual Civil – Acção Executiva, edição da AAFDL, 1980, pp. 15 e 16).
No caso dos autos, dúvidas não há de que, tendo a credora (a ora exequente) interpelado a devedora (a ora executada) para cumprir a obrigação pecuniária de garantia a que esta estava sujeita, e abstendo-se a devedora de satisfazer a dita obrigação, entrou em mora (art.º 805.º n.º 1 do Código Civil), constituindo-se na obrigação do pagamento dos correspondentes juros, à taxa dos juros comerciais (artigos 806.º do Código Civil e 102.º do Código Comercial).
Assim, a exequente estava legitimada para reclamar, como reclamou, no requerimento executivo, o pagamento, no âmbito da execução, de juros de mora sobre o capital devido. Nesses termos, a exequente procedeu ao cálculo dos juros vencidos até à data da instauração da execução, e peticionou o seu pagamento. Porém, como se vê da transcrição do requerimento executivo, constante no n.º 1 da matéria de facto supra, a exequente não formulou pedido de pagamento dos juros de mora vincendos, abstendo-se, pois, de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução esse crédito vincendo que, como se sabe, é autónomo do respetivo capital (art.º 561.º do Código Civil) e está, até, sujeito a um prazo prescricional próprio (art.º 310.º, al. d), do Código Civil).
Sendo certo que não se vislumbra que exista ou existisse qualquer impedimento à inclusão desse pedido no formulário eletrónico de requerimento executivo.
No art.º 716.º n.º 2 do CPC atribui-se ao agente de execução o encargo de liquidação “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se”. Ora, precisamente por falta da formulação do correspondente pedido, a presente execução não compreende juros posteriores aos liquidados no requerimento executivo.
É certo que, “à cautela”, em resposta à reclamação da executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução a exequente ampliou o pedido executório, reclamando o pagamento dos juros vencidos na pendência da execução (cfr. n.º 5 do Relatório supra).
Porém, tal ampliação não existia à data da liquidação, pelo que o Sr. agente de execução não a podia levar em consideração.
Caberá ao Sr. juiz da primeira instância apreciar tal requerimento, que está fora do âmbito deste recurso.
De tudo o exposto resulta, pois, que a apelação deve proceder.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido e, em sua substituição, dá-se provimento à reclamação apresentada contra a nota de liquidação elaborada pelo Sr. agente de execução e, em consequência, determina-se que a mesma seja reformulada tendo em consideração o ora decidido, ou seja, dela se excluindo os juros de mora vencidos posteriormente à instauração da execução, se a tal não obstar o que vier a ser decidido pelo tribunal a quo quanto à requerida ampliação do pedido.
As custas da reclamação deduzida na primeira instância contra a nota de liquidação do Sr. agente de execução, as custas da reclamação deduzida contra o despacho do relator que rejeitou o recurso e as custas da apelação são a cargo da exequente, que em todos os procedimentos decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 11.7.2019

Jorge Leal
Pedro Martins
Laurinda Gemas