Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1905/18.8PBBRR-A.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
INDÍCIOS SUFICIENTES
HOMICÍDIO TENTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I O recurso aos meios de coacção em processo penal respeitam os princípios da legalidade (artigos 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º do C.P.P.), excepcionalidade e necessidade (artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do C.P.P.), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição;

II Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.° e o requisito especial do artigo 202.°, ambos do C.P.P., as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes. As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.° do C.P.P.);

II Resultando indiciado que o arguido desferiu um único golpe no ofendido com uma faca de 10cm de lâmina atingindo-o no pescoço, na zona abaixo do queixo, causando-lhe ferimentos dos quais não sobreveio a morte deste por motivos alheios à vontade do arguido, em virtude do pronto auxílio médico que foi prestado à vitima, como também da acção defensiva da vitima ao segurar a mão do arguido, tais factos indiciam a pratica pelo arguido de um crime de homicídio na forma tentada, p.p. pelo artº 22º e 131º, ambos do C.P.P., e verificando-se para além do mais, os perigos elencados nas alíneas a) e c) do artº 204 do C.P.P., em virtude de o arguido ser estrangeiro e residir há pouco tempo em Portugal, justifica-se em pleno a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.


I.
No processo nº 1905/18.8PBBRR, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de instrução Criminal do Barreiro, o arguido AA... de nacionalidade Norueguesa, e com os demais estados nos autos a fls. 22, interpôs recurso a fls. 34 e seguintes, do despacho da Srª Juíza de Instrução Criminal (proferido a fls. 28 até 33), o qual, após interrogatório de arguido detido, determinou que este aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, por se mostrar fortemente indiciado a prática por este, de um crime homicídio na forma tentada, nos termos dos artigos 22º e 131º, do Código Penal, crime esse que é punido em abstracto com pena de prisão entre um ano e seis meses e  onze anos, e também um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos artigos 2º, nº 2 al. m) e 86 nº 1 al d) da Lei 5/2006 , alterada pela Lei 17/2009 de 06 de Maio e punido com pena de prisão até 4 anos. 

Não se conformando com o despacho proferido veio o arguido apresentar as seguintes conclusões, constantes na íntegra a folhas 43 a 46 dos presentes autos, as quais se têm aqui por integralmente reproduzidas, pugnando a final que o recurso deverá merecer provimento e, consequentemente, ser o despacho recorrido objecto de revogação, e substituído por outro que aplique ao arguido, outras medidas de coacção, a saber, apresentações periódicas, proibição de se ausentar para o estrangeiro, entrega do passaporte e proibição de contactar com o ofendido ou caso assim não se entenda, a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, por ser adequada, necessária e proporcional às necessidades cautelares que urge prevenir, JUSTIÇA!

O recurso foi admitido, na primeira instância através de despacho proferido a folhas 50 destes autos.

O MºPº junto da primeira instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, a folhas 52 e seguintes, pugnando a final pela improcedência do recurso.

Foi proferido despacho a fls 60 nos termos do artº 414º nº4 do CPP, onde se sustentou a decisão recorrida.

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta, proferiu douto parecer, que se encontra a folhas 67, o qual e em suma, acompanha nos seus precisos termos, a correcta e muito bem fundamentada argumentação apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância, a cuja argumentação adere e subscreve.

O processo seguiu os trâmites legais.

II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do C.P.Penal revisto. 
  
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º n.º 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2: rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2 e a rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.

A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem razão do recorrente.

A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos. A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso e a sua desincentivação como instrumento de demora e chicana processual (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61).

A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61 e também o Ac. Tribunal Constitucional nº17/2011 , DR, II Série de 16-02-2011, decidiu: Não julga inconstitucional a norma extraída do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, quando permite ao juiz relator proferir decisão sumária de indeferimento, em caso de manifesta improcedência do mesmo (…) e Ac. TRE de 3-03-2015 : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).

II.
O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre.

III.Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente, in www.dgsi.pt ).

Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do C.P.Penal.

O objecto do recurso interposto pelo arguido do despacho que ordenou a sua prisão preventiva, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões contidas nas suas conclusões:
- Alega o arguido que os factos indiciados, ao invés dos crimes pelo que se encontra indiciado, transparecem a prática de um crime de ofensas à integridade física grave, p.p. pelo artº 144º al d) do CP, mais tendo agido em legitima defesa;
- A medida de coacção decretada é desproporcional e exagerada, face às exigências cautelares que ao caso cabe, devendo ser decretadas outras medidas de coacção por não se verificarem “ in casu”, os seguintes perigos: perigo de fuga, perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa, tendo sido violados os artigos 22º,131 e 144 al. d) todos do CPP e artigos 191, 192, 193 nº 2, 198, 200 nº 1 al. b) e d) e nº 3, 201, 202 al. a) e e) e 204 al. a) e c), todos do CPP;
- Deverá assim ser revogado o despacho recorrido e serem-lhe aplicadas outras medidas de coacção, a saber, apresentações bi-semanais à entidade policial da área da sua residência, artº 198º do CPP, proibição de se ausentar para o estrangeiro mediante a entrega do seu passaporte à guarda do Tribunal, artº 200 nº 1 al b) e nº 3 do C.P.P. cumulada com a proibição de contactar com o ofendido, artº 200, nº 1 d) do C.P.P. ou caso estas não sejam decretadas que lhe seja aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância electrónica, nos termos do disposto no artigo 201º e Lei 122/99 de 20 de Agosto.

Conhecendo, diremos:
Tem o seguinte teor o despacho sob censura que se encontra a folhas 28 a 33 dos presentes autos:
“DESPACHO
Demonstra-se respeitado o prazo a que alude o artigo 141º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sendo este Tribunal o competente.

Dos elementos constantes dos autos resultam fortemente indiciados os seguintes factos:
1. No dia 02 de Novembro de 2018, pelas 22h30m, o arguido, AA..., encontrava-se na Rua …. B..., sentado num banco de jardim na companhia do ofendido, BB..., quando, este perguntou àquele há quanto tempo e a razão da sua vinda para Portugal.
2. Sem que nada o fizesse prever e sem responder à questão formulada, o arguido retirou a faca que trazia consigo do bolso e desferiu a mesma no pescoço do denunciante, atingindo-o na zona abaixo do queixo.
3. O denunciante, por temer pela sua vida e integridade física, segurou a mão do arguido.
4. Como consequência directa e necessária do referido em 2., o ofendido sofreu ferida da base do pescoço paramediana esquerda com cerca de 2 cm de profundidade e 2 cm de diâmetro, com evidência de hemorragia abundante, com trajecto com cerca de 3 cm sem aparente atingimento de grande vaso, cartilagem tiroideia ou traqueia.
5. A faca referida em 2., trata-se de uma faca de metal, do tipo, punhal, de marcxa, Cold Steel, modelo, The Spike, com 10 (dez) centímetros de lâmina e 10 (dez) centímetros de cabo.
6. O arguido conhecia as características, uso e modo de funcionamento da referida arma e estava ciente de que a sua detenção lhe estava legalmente vedada.
7. O arguido não tinha motivo que justificasse a detenção da aludida faca.
8. A faca não tem aplicação definida e funciona como instrumento de intimidação e agressão.
9. O arguido sabia que não podia trazer consigo a referida faca, e que tal objecto era idóneo a, ao ser utilizado, pôr em risco a vida, a causar lesões corporais ou quaisquer outros danos, resultado que quis e com o qual se conformou.
10. O arguido ao atingir o denunciante com a faca, nas circunstâncias acima descritas, agiu com o propósito de lhe causar a morte, intenção reforçada pelo facto de o ter atingido a curta distância, na zona do pescoço, local onde estão alojadas as veias jugulares, resultado que não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade e em face do pronto auxílio médico que foi prestado àquele.
11. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas levadas por si a efeito, eram proibidas e punidas por lei.

Motivação:
A convicção do tribunal relativamente aos fortes indícios dos factos relativos à dinâmica do evento (factos vertidos em 1. a 3.) resultaram do depoimento prestado pelas testemunhas CC..., DD... e EE..., tendo todos confirmado a dinâmica do ocorrido.

As declarações do arguido, por seu turno, não infirmam a credibilidade das testemunhas nem a versão dos factos por, essencialmente, três ordens de razões:
(i) Da putativa ausência de memória: assim que lhe foi dada a palavra para contar a sua versão dos factos, o arguido começa por escudar-se na falta de memória dos acontecimentos em face de ter ingerido bebidas alcoólicas. De facto, a sua primeira declaração relativamente ao ocorrido consubstanciou um sumário do que, posteriormente, veio a referir. Não obstante a ingestão de bebidas alcoólicas e de, de acordo com a sua versão, ter levado uma pancada na nuca, instado conseguiu ir construindo a sua versão pormenorizadamente;
(ii) Da discrepância nas declarações prestadas: não obstante referir que levou uma pancada na nuca, quando instado o arguido referiu que se encontrava de frente para o banco onde o seu alegado agressor estava sentado e que a pancada terá vindo de surpresa. No entanto, posteriormente, referiu que se encontrava de costas, tendo, inclusivamente, reproduzido a sua queda de forma a recordar-se que caiu de uma forma mas que quando desferiu o golpe no seu agressor, já se encontrava deitado de barriga para cima.
(iii) Das alegadas marcas físicas pela utilização de gás pimenta: o arguido pugnou pela atuação em legítima defesa invocando ter sido agredido, para além do mais, com gás pimenta. Em sede de 1.º interrogatório abriu a camisa para mostrar uma marca vermelha no peito. Não obstante, foi visível que todo o peito, por baixo do pescoço, do arguido se encontrava uniformemente da mesma cor avermelhada, assim como a face. Esta cor, pela sua homogeneidade, não é característica de utilização ou sujeição do corpo humano a qualquer substância.

É convicção do tribunal que o arguido apenas não negou o que não poderia negar, a saber, o porte da arma (apresentando uma justificação que contraria todas as regras da experiência comum, ademais, a fazer fé nas declarações prestadas e contrárias ao depoimento prestado pelas três testemunhas inquiridas, que o arguido não costuma sair à noite e que aquela foi a única vez, em 4/5 meses que se encontra em Portugal) e que efetivamente desferiu um golpe no ofendido.

Em face do exposto, atenta a sua caracterização, a falta de sustentação por demais prova e a existência de prova bastante em contrário, não mereceram as declarações prestadas credibilidade por parte do tribunal.

As lesões sofridas pelo ofendido resultam da análise do relatório de fls. 40 a 43.

As características e aplicação da arma utilizada pelo arguido resultam da reportagem fotográfica de fls. 38 e 40.

O conhecimento do arguido das referidas características, falta de justificação e proibição legal resultam das respetivas declarações nos termos analisados (a saber, não negou o que seria insuscetível de ser negado, atenta a prova objetiva carreada).

O conhecimento e vontade do arguido relativamente aos factos praticados sobre o ofendido resultam da forma de atuação, evidenciada nos factos objetivamente imputados, atenta a sua dinâmica e local onde logrou atingir o ofendido.

O estado de embriaguez do arguido não era suscetível de o colocar em situação incapacitante, ademais considerando que o arguido revelou memória da ocorrência (apenas não confirmando a versão que resultou fortemente indiciada).

Por essa razão, resulta também fortemente indiciado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.

Os factos fortemente indiciados integram a prática dos seguintes crimes:
- Um crime de Homicídio na Forma Tentada, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 22.° e 131.°, todos do Código Penal, punido com pena de prisão entre um ano e seis meses e onze anos;
- 1 (um) crime de Detenção de Arma Proibida, nos termos do disposto nos p. e p. pelos arts. 2.°, n.° 2, al. m) e 86.°, n.° 1, al. d), da Lei n.° 5/2006, alterada pela Lei n.° 17/2009, de 06 de Maio, punido com uma pena de prisão até quatro anos.
Analisados que estão os fortes indícios da prática dos crimes referidos, cumpre analisar as exigências cautelares que no caso se fazem sentir.

Considera-se, para o efeito:

a) A predisposição para a prática dos factos:
O arguido trazia consigo a arma em causa nos autos, justificando tal facto com a circunstância de “as pessoas na rua aparentarem cometer crimes”.
Se efetivamente o arguido tivesse este receio, e apenas se quisesse precaver, isto de acordo com um homem médio e à luz das regras da experiência comum, não sairia à noite, como, a par do que refere, não o fez nos 4/5 meses em que esteve em Portugal.
Acresce que pelas testemunhas foi referido já terem existido desacatos com o arguido. Resulta, assim, da conjugação destas duas circunstâncias que o arguido estaria predisposto a atuar, nos termos descritos.
b) Não ter o arguido qualquer ligação a Portugal.
O arguido referiu estar em Portugal há 4/5 meses, não ter cá amigos ou família e residir em local arrendado. Inexistem quaisquer elementos que liguem o arguido a Portugal e que obstem à sua saída do território nacional enquanto os autos aguardam os seus ulteriores trâmites.
c) A inexistência de motivação para a prática dos factos.
Do elemento referido em b) resulta, em concreto, o perigo de fuga por parte do arguido, considerando que nada tem que o prenda em Portugal, mais tendo o arguido referido que, previamente a estar em Portugal esteve em Espanha.
O arguido demonstra, assim, não ter qualquer obstáculo em ir para outros países.
Dos elementos referidos em a) e c) resulta em concreto o perigo de continuação da actividade criminosa por parte do arguido e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de que este perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Verificam-se, assim, os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do art. 204.° do Código de Processo Penal e de cuja verificação está dependente a aplicação de qualquer medida de coacção.
Atentos os critérios constantes do art. 193.° do Código de Processo Penal em conjugação com os factos fortemente indiciados, não se mostra suficiente a sujeição do arguido a TIR e também não se mostram adequadas quaisquer das medidas de coacção previstas nos artigos 197.° a 201.° do Código de Processo Penal.
Considerando as sanções em que o arguido incorre com os factos com os quais se encontra comprometido e o modo de execução dos factos, existe pelo menos a forte possibilidade de lhe poder vir a ser aplicada pena privativa da liberdade, razão pela qual a prisão preventiva é medida de coacção proporcional (não ocorre qualquer ideia de excesso).
Os crimes cuja forte indiciação resulta da presente análise integram-se, respectivamente, nas alíneas a) e e) do art. 202.° do Código Penal.
Por tudo o exposto, apreciando o requerimento do Ministério Público para aplicação de medidas de coacção, tendo presente o contraditório que a tal requerimento foi aposto pela defesa do arguido, vistos os perigos referidos, o tribunal determina que o arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coacção de TIR e de prisão preventiva.
Ao abrigo do disposto no artigo 193°, n.°3 do CPP, quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
Esta possibilidade está totalmente arredada no caso em concreto, considerando inexistir qualquer elemento que indicie fortemente que o arguido efetivamente reside no local onde diz residir – e se o faz ao abrigo de relação jurídica validamente constituída – e, por outro lado, a exigência cautelar contida na parte final da alínea c) não se satisfaz, atento o modo de execução do facto e a personalidade do arguido, com a execução da privação da liberdade em tal contexto.
Assim, e nos termos conjugados nos artigos 191°, n.°1, 192, n.°1, 193°, n.° 1 a n.° 3, 194°, n.° 1 a n.° 3, 202°, n.° 1, al. a) e e) e 204°, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal, o tribunal determina que o arguido aguarde ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, recolhendo assim ao estabelecimento prisional.
Notifique.
Passe mandados de condução do arguido ao estabelecimento prisional.
Cumpra-se o disposto no artigo 194°, n.° 8 do Código de Processo Penal.
*D.N. com vista à tradução do Termo de Constituição de Arguido e TIR e sua entrega ao arguido, uma vez que este não fala a língua portuguesa.
Devolva os autos ao Ministério Público.”(…)

Diremos então:
Antes do mais começaremos por dizer, e ao contrário do que o arguido adianta do seu recurso, de não se encontrar, no caso, indiciado os crimes de tentativa de homicídio, p.p, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 22.° e 131.°, todos do Código Penal mas ao invés um crime  de ofensas à integridade física grave, p.p. pelo artº 144º al d) do CP, mais tendo agido em legitima defesa, que tal asserção não colhe, face aos indícios que foram até à data da prolação do despacho recorrido recolhidos, e que se encontram exarados com bastante clareza e rigor técnico, explicitados no despacho recorrido, o qual, na sua muito bem fundada motivação, se percorre o “iter” dos factos indiciados, explicando o como e o porquê  de como chegou a tal indiciação, e para cuja leitura se remete, aderindo-se à sua muito bem detalhada fundamentação ( supra transcrita), não havendo  assim, qualquer resquício de possibilidade de ser atendida a aqui a pretensão do recorrente neste segmento, o que se declara.

Neste conspecto nada  mais haverá a dizer, por redundante.

Continuando diremos:
Pugna o arguido agora, que a medida de coacção decretada é desproporcional e exagerada, face às exigências cautelares que ao caso cabe, devendo ser decretadas outras medidas de coacção por não se verificarem “ in casu”, os seguintes perigos: perigo de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa, tendo sido violados os artigos 22, 131 e 144 al. d) todos do CPP e artigos 191, 192, 193 nº 2, 198, 200 nº 1 al. b) e d) e nº 3, 201, 202 al. a) e e) e 204 al. a) e c), todos do CPP, pelo que deverá assim ser revogado o despacho recorrido e serem-lhe aplicadas outras medidas de coacção, a saber, apresentações bi-semanais à entidade policial da área da sua residência, artº 198º do CPP, proibição de se ausentar para o estrangeiro mediante a entrega do seu passaporte à guarda do Tribunal, artº 200 nº 1 al b) e nº 3 do C.P.P. cumulada com a proibição de contactar com o ofendido, artº 200, nº 1 d) do C.P.P. ou caso estas não sejam decretadas que lhe seja aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância electrónica, nos termos do disposto no artigo 201º e Lei 122/99 de 20 de Agosto.

Vejamos então e explicitando, diremos antes de mais, que as medidas de coacção visam satisfazer exigências cautelares, exclusivamente processuais, que resultem da concreta verificação dos perigos previstos, no art. 204º al. a), b) e c) do CPP, sendo de considerar ilegítimas as finalidades de natureza retributiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido (vide também artº 202º nº 1 nas suas diferentes alíneas). Saliente-se, de seguida, que, no que diz respeito ao uso dos meios de coacção em processo penal, haverá sempre que respeitar os princípios da legalidade (artigos 29.º, n.º 1, da CRP, e 191.º do CPP), excepcionalidade e necessidade (artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP, e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, nº 2, da Constituição. Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.° e o requisito especial do artigo 202.°, ambos do Código de Processo Penal, as restantes medidas de coacção se mostram no caso concreto em análise, inadequadas ou insuficientes, que foi o que claramente se encontra muito bem plasmado,  e detalhadamente no despacho recorrido, o qual se encontra tecnicamente muito bem elaborado, para além do facto de fundamentar com rigor a “ratio” da sua decisão em todas as suas vertentes.

Ora no caso “sub judice”, a medida de coacção imposta na decisão posta em crise com a interposição do presente recurso, é, em termos concretos, a prisão preventiva, da qual o arguido discorda na vertente da existência dos requisitos para o seu decretamento, contidos no despacho recorrido (perigo de fuga, de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública), que considera forçosamente atenuados pois conclui que esta, deverá ser substituída por outras medidas de coacção, já acima referidas, por a prisão preventiva ter sido, e na sua óptica desproporcional, desadequada e desnecessária e tendo ainda o Tribunal recorrido olvidado de ponderar alternativas à medida de coacção aplicada ao arguido, face ao teor das suas conclusões.

Analisando, diremos que decorre do art. 191º, nº1 do C.P.P. que as medidas de coacção são medidas intraprocessuais, consistentes em modos de limitação da liberdade pessoal, com natureza instrumental relativamente às finalidades intrínsecas do processo penal.

“São meios processuais de limitação de liberdade pessoal ou patrimonial (…) que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias” (vide Germano M. Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 232).

Visam satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais – de garantia do bom andamento do processo e do efeito útil da decisão – e que resultem da concreta verificação dos perigos previstos nas três alíneas do art. 204º do CPP, sendo de considerar ilegítima qualquer outra finalidade, de natureza substantiva, retributiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido (contra reacções populares).

Como condições gerais de aplicação exige-se, formalmente, a prévia constituição como arguido (art. 192º, nº1) e a existência de um processo criminal já instaurado; substancialmente, a verificação de um “fumus comissi delicti”, ou seja, um juízo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena (arts 192º,2; 193º,197º…).

Por último, do princípio da presunção de inocência (afirmado nos art. 11º da D.U.D.H., art. 6º, nº2 da C.E.D.H., art. 14º, nº 2 do P.I.D.C.P. e art. 32º, nº2 da C.R.P.) resulta que seja sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade (art. 193º, nº1 do CPP) e intervenção mínima (num critério de concordância prática).

Os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade das medidas serão “critérios de escolha das medidas possíveis”(Paulo de Sousa Mendes, Sumários de Direito Processual Penal, 2008/9, p. 124).

Assim, exige-se uma adequação qualitativa (aptidão à realização dos fins cautelares visados) e quantitativa (quanto à sua duração) da medida, a qual deve ser ainda proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido.

Esta proporcionalidade obrigará à antecipação de um juízo de previsão quanto à sanção a proferir na decisão final.

De afirmação “ope legis”, ainda os princípios da precariedade – traduzido na consagração de prazos legais de duração máxima que obstam à transposição da barreira do comunitariamente suportável – e da judicialização – todas as medidas, à excepção do T.I.R., são aplicáveis exclusivamente por um juiz (arts 194º, 268, nº1-b do CPP).

No que respeita especificamente à medida de coacção prisão preventiva, reafirma-se o princípio da subsidiariedade (da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação - art. 193º, nº2: “…só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”).
(vide AC TRE de 3.03.2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt )

Assim, a prisão preventiva surge como medida de coacção legalmente admissível, uma vez que o art. 202º nº 1 al. a) do C.P.P. prevê que, “ se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando; a) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.”

Vejamos então:
Existem, assim, fortes indícios da prática, pelo arguido, como autor dos seguintes crimes:
- Um crime de homicídio na forma tentada, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 22.° e 131.°, todos do Código Penal, punido com pena de prisão entre um ano e seis meses e onze anos;
- 1 (um) crime de detenção de arma proibida, nos termos do disposto nos p. e p. pelos arts. 2.°, n.° 2, al. m) e 86.°, n.° 1, al. d), da Lei n.° 5/2006, alterada pela Lei n.° 17/2009, de 06 de Maio, punido com uma pena de prisão até quatro anos.

E os factos fortemente indiciados são os que constam do despacho recorrido, e constantes de folhas 28 e 29 dos autos, nomeadamente  e repete-se:
1.No dia 02 de Novembro de 2018, pelas 22h30m, o arguido, AA..., encontrava-se na Rua ….. B..., sentado num banco de jardim na companhia do ofendido, BB..., quando, este perguntou àquele há quanto tempo e a razão da sua vinda para Portugal.
2.Sem que nada o fizesse prever e sem responder à questão formulada, o arguido retirou a faca que trazia consigo do bolso e desferiu a mesma no pescoço do denunciante, atingindo-o na zona abaixo do queixo.
3.O denunciante, por temer pela sua vida e integridade física, segurou a mão do arguido.
4.Como consequência directa e necessária do referido em 2., o ofendido sofreu ferida da base do pescoço paramediana esquerda com cerca de 2 cm de profundidade e 2 cm de diâmetro, com evidência de hemorragia abundante, com trajecto com cerca de 3 cm sem aparente atingimento de grande vaso, cartilagem tiroideia ou traqueia.
5.A faca referida em 2., trata-se de uma faca de metal, do tipo, punhal, de marcxa, Cold Steel, modelo, The Spike, com 10 (dez) centímetros de lâmina e 10 (dez) centímetros de cabo.
6.O arguido conhecia as características, uso e modo de funcionamento da referida arma e estava ciente de que a sua detenção lhe estava legalmente vedada.
7.O arguido não tinha motivo que justificasse a detenção da aludida faca.
8.A faca não tem aplicação definida e funciona como instrumento de intimidação e agressão.
9. O arguido sabia que não podia trazer consigo a referida faca, e que tal objecto era idóneo a, ao ser utilizado, pôr em risco a vida, a causar lesões corporais ou quaisquer outros danos, resultado que quis e com o qual se conformou.
10.O arguido ao atingir o denunciante com a faca, nas circunstâncias acima descritas, agiu com o propósito de lhe causar a morte, intenção reforçada pelo facto de o ter atingido a curta distância, na zona do pescoço, local onde estão alojadas as veias jugulares, resultado que não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade e em face do pronto auxílio médico que foi prestado àquele.
11.O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas levadas por si a efeito, eram proibidas e punidas por lei.

Pode-se concluir face aos factos indiciariamente apurados, os quais estão devidamente fundamentados, existir um perigo e um risco exponencial de fuga, perigo de continuação da actividade criminosa por parte do arguido e que este perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade pública ( artº 204 al a) e c) do CPP), pois resulta dos autos e tendo ficado exarado no despacho recorrido o que atrás já se referiu, acresce que existem meios de prova  que, indiciariamente apontam para a autoria dos crimes pelo recorrente, meios esses de prova que constam de forma inelutável do despacho recorrido, como seja o depoimento das testemunhas inquiridas CC..., DD... e EE..., tendo todos confirmado a indiciada dinâmica do ocorrido, conjugado a pouca credibilidade das declarações do arguido  no seu depoimento em sede de primeiro interrogatório, pois este tendo dito em primeira linha que tinha sofrido de ausência de memória face ao seu consumo excessivo de álcool, para logo de seguida ter conseguido paulatinamente ir construindo a sua versão e pormenorizada dos factos….

A sua versão (inclusive quanto ao alegado uso de gás pimenta) não resiste ao confronto com o depoimento do ofendido e aos relatos das testemunhas, bem como o teor dos documentos de folhas 40 a 43, 38 a 40, não sendo despiciendo recordar que o ofendido “levou” um golpe com uma faca no pescoço com uma arma branca descritas nos factos indiciados e que só não feneceu por motivos alheios à vontade do arguido e porque logo objecto de assistência médica.

Relativamente às condições pessoais disse estar a viver em Portugal há cerca de 4/5 meses, que não costuma sair à noite, e que era portador da faca e justificando tal com o facto de as pessoas na rua aparentarem cometer crimes. ”(…)

Ora, em face da prova indiciária constante dos autos e com a qual foi o arguido confrontado, a versão apresentada pelo mesmo resulta assaz inverosímil, porquanto, conforme resulta do teor do autos declarações do arguido e inquirições de testemunhas, incluindo a vitima, e as sequelas por ela sofridas com o acto do arguido. Para além de tal prova, há ainda a considerar o que o próprio arguido confirmou parcialmente os factos, negando tão a dinâmica do ocorrido, sendo que antes referiu nada se lembrar.

No entanto também muito importante é a gravidade do crime alegadamente praticado pelo arguido, o crime de tentativa de homicídio / na forma tentada, ser um dos crimes com maior desvalor no Ordenamento Jurídico Português, e o mais gravemente punido em termos de pena abstracta e causador naturalmente de evidente alarme social causando insegurança na população em geral.

No mais diremos também e quanto á medida de coacção que foi aplicada ao arguido:
Ponderando indiciariamente os factos apurados o tribunal “ a quo”, optou de forma ponderada e fundamentada pela aplicação de prisão preventiva, assente essencialmente num perigo de fuga de continuação da actividade criminosa por parte do arguido, perturbação da ordem e tranquilidade pública, havendo ainda a considerar o alarme social e as previsíveis sanções a aplicar no futuro hipoteticamente ao arguido.

Senão vejamos:

A decisão parece-nos certeira, na indiciária apreciação que faz dos factos que interessam, especificamente ao juízo de subsunção do já propalado tipos de crime, como também dos factos que relevam na avaliação das exigências cautelares nomeadamente do perigo de fuga, continuação de actividade criminosa, perturbação da ordem e tranquilidade pública, e expliquemos (se bem que já atrás aflorado) o porquê de tal afirmação.

Para a aplicação de tais medidas de coacção, desde logo, tem que existir requisitos de necessidade, legalidade, tipicidade, proporcionalidade e adequação, especialidade e subsidiariedade (quanto à prisão preventiva).

O artigo 204.º, do CPP, dispõe o seguinte:
“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a)- Fuga ou perigo de fuga;
b)- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”
(vide infra e e supra, citando-se o AC do TRC de 1.19.2011, in www.dgsi.pt)        
O recorrente coloca também a questão, se bem que, de forma “enviesada” da aplicação da prisão preventiva ser desadequada quanto a todos os seus possíveis fundamentos, concretamente as alíneas a) e  c) do artº 204º do CPP.
Pugna enfim que esta deverá ser substituída por outras, as já atrás referidas ou em última análise, a OPHVE.

Vejamos então:
Nos termos do artigo 202.º, n.º 1, al. a), do CPP, a lei exige que haja “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”.

Que deve ser entendido como “fortes indícios”?

A este propósito, para compreendermos, primeiro, qual a noção de indício, nada melhor do que citar o Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/12/2008, Processo n.º 645/08.5PBFIG-A.C, relatado pelo Exmo. Desembargador Gabriel Catarino, onde consta o seguinte: 
“A nossa lei, à semelhança da lei italiana – cfr. artigo 273º do Codice di Procedura Penale –, estabelece dois momentos de qualificação indiciária no percurso processual da averiguação da responsabilização ou inculpação penal do arguido: um primeiro na alínea a) do nº 1 do artigo 202º do Código de Processo Penal, quando exige que, para decretamento da medida de coacção de prisão preventiva se torna necessária a existência de “fortes indícios”; e um segundo no nº1 do artigo 283º do mesmo diploma quando exige que, para dedução da acusação, se torna necessário que durante o inquérito se haja reunido ou recolhido “indícios suficientes”.  
    
Ainda que não atinando com o tema que versa o thema decidendum, convirá conferir o que na doutrina se sugere dever entender-se por indícios, graves indícios e indícios suficientes.   
      
“O indício em sentido técnico, é uma circunstância certa, um dado objectivo, um traço sensível que, apesar de não representado directamente no “thema probandi”, consente que se chegue a ele por via inferencial. Diversamente da prova representativa (dita também ‘histórica’ ou ‘directa’), que tem por objecto próprio o facto-crime descrito na acusação, a prova indiciária, dita também ‘critica’ ou ‘lógica’ ou “indirecta”, versa sobre um facto diverso, do qual mediante um procedimento lógico, se pode alcançar ao ilícito penal imputado ao arguido”. 
            
“Quando (ao juiz) é requerida uma confirmação do libelo acusatório, para pronunciar, não deve dispor, certamente, de uma prova certa de culpabilidade do sujeito, mas deve estar em posição de formular um juízo cautamente e seriamente probabilístico em ordem à culpabilidade. Os elementos de que dispõe devem ser de tal modo a consentir, pela sua consistência, prever que, através da futura aquisição de ulteriores elementos, serão idóneos a demonstrar a responsabilidade e a fundar, no entretanto, uma qualificada probabilidade de culpabilidade”.  

Os indícios distinguem-se, quanto à espécie: a) – pela força probatória, em indícios manifestos, próximos ou remotos; b) - pela sua extensão, em indícios comuns ou gerais e indícios próprios ou especiais; c) – do ponto de vista cronológico, em antecedentes, concomitantes e subsequentes; d) – situando-se unicamente no ponto de vista das circunstâncias probatórias
 
O autor italiano Pietro Ellero, intentou um estudo metódico dos principais indícios, tendo fornecido, deles, uma classificação lógica de acordo como seu papel incriminador, em três grupos: 1º - as condições morais e físicas que tornaram possível o delito da parte do acusado e que comprovam, por assim dizer, o delito virtual: são elas a capacidade de cometer o delito investigado, a oportunidade em cometê-lo e o móbil delitivo; 2º os rastos materiais deixados pela execução do delito; 3º as manifestações do culpado e de terceiros, seja antes seja depois do acto.  
   
“(Prova) indiciária é uma prova mediante uma pluralidade mais ou menos grande de indícios: está dirigida – diz Rittler – para (ou em direcção) a uma pluralidade de coisas indiciárias”.

“Ellero estabelece como princípio que, se vários indícios se relacionam com uma só causa, o seu concurso vale como indício necessário; porque indica assim, necessariamente, o facto em questão. 

Por isso, a prova indiciária é perfeita quando os indícios assinalam necessariamente o facto como causa de quanto se haja manifestado. Os indícios isolados são’contingentes’, quer dizer, não aportam senão indicações ou suspeitas; no entanto, os indícios diferentes e concordes valem como necessários, quer dizer, proporcionam uma verdadeira prova”, – François Gorphe, Apreciación Judicial de las Pruebas, pag. 281- que, mais adiante, – op.loc. cit. 286 – refere, que o valor da prova indiciária, mais que qualquer outra, depende do juiz “por ser sua incumbência, no momento em que constitui a operação mental de interpretação dos factos e de reconstrução do acordo com os dados fragmentários. Este trabalho requer por sua vez uma sólida lógica, psicologia penetrante, bastante experiência da vida e extensos conhecimentos sobre os diferentes problemas que possam plantear-se no processo”. – op. loc. cit. Pag. 286.A jurisprudência com variações semânticas pouco dissonantes tem vindo a definir indícios suficientes como aquele conjunto de elementos lógico-materiais, que socavados de verificações e percepções sensoriais objectivas, se congraçam, de acordo com as regras da experiência comum, numa convicção alicerçada quanto à existência e ocorrência de um determinado facto histórico. No domínio da legislação pretérita a doutrina e a jurisprudência tinham sedimentado a ideia do que devia entender-se por indícios suficientes. No crisol conceptual que se havia condensado para significar as expressões utilizadas na lei adjectiva usava considerar-se que existiam indícios suficientes ou prova bastante quando dos elementos de facto recolhidos no processo depois de, devidamente analisados e conjugados entre si e com as presunções judiciais ou naturais ligadas ao princípio da normalidade e às regras da experiência comum, criavam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, o arguido seria condenado, ou de que, pelo menos, a condenação seria mais provável que a absolvição.    
      
Na aferição que se possa fazer a propósito da definição de indiciação suficiente não se poderá descartar o feixe de normas fundamentais e de direito convencional que regem e estruturam os princípios vectores que hão-de nortear um processo justo e equitativo arrimado aos valores de um Estado que proclama e pretende prosseguir na senda da observância dos direitos fundamentais da pessoa humana, com especial ênfase para dever de respeito pela dignidade da pessoa humana, com a inerente preservação do bom nome e reputação e a defesa contra intromissões abusivas e arbitrárias na esfera de direitos individuais. Assim é que inexoravelmente associada à ideia de indícios suficientes ou necessários para levar alguém a julgamento deverá caminhar o princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência – cfr. artigos 32.º, n.º 2, Constituição da República Portuguesa; 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 Dezembro de 1948; 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.   
    
Indícios suficientes são os elementos que, maturados, mesclados e conjugados se congraçam num juízo, convictamente, persuasor da existência de uma conduta culpável de um determinado agente, e gerador da convicção de que esse agente poderá a vir a ser condenado. Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose, solidamente estruturado a escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados.
         
Definido que está qual o conceito de “indícios”, deve o julgador retirar diferentes ilações da lei se referir, em duas fases processuais, a “índicios suficientes” e a “fortes indícios” e, por via disso, ser mais exigente quanto aos pressupostos a considerar no momento em que se debruça sobre a medida de coacção a aplicar?
Com todo o respeito, só uma análise perfunctória da questão pode levar a considerar que o legislador seja mais exigente com os indícios para aplicação da prisão preventiva do que para a acusação.              
(…)

Apesar da singular consideração semântica significar o contrário, o legislador - e não discutimos a técnica – só pode ter usado fortes indícios com a perfeita consciência de com essa expressão poder exigir menos que com a expressão indícios suficientes.  
 
Com efeito, não se esqueça que, em muitos casos, a prisão preventiva, pela força das circunstâncias, precede a dedução de acusação, pelo que a distinção expressa na lei - Art.º 202º n.º 1 al. a) Código Processo Penal ... fortes indícios...; Art.º 283º n.º 1 do Código Processo Penal ... indícios suficientes – tem que ser interpretada para além do respectivo sentido literal.  

Como esclarecidamente refere Maria João Antunes [Liber discipuloram, O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção, pág. 1252], «o que seria insuficiente para a acusação ou para a pronúncia pode ser bastante para dar como verificado o pressuposto fortes indícios da prática de crime, tanto mais quanto, tratando-se da fase de inquérito, a medida de coacção pode ser decidida num momento processual ainda de aquisição da prova»;
«Quando se decide a aplicação de uma medida de coacção podem ainda não ser mobilizáveis os mesmos elementos probatórios ou de esclarecimento, e portanto de convicção, que já estarão disponíveis quando se decide pela acusação ou pronúncia. Por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a acusação ou pronúncia pode ser bastante para dar como verificado o pressuposto “fortes indícios da prática do crime”».  Fortes indícios e indícios suficientes reportam-se a realidades diversas, por isso são juízos distintos em momentos processuais diversos.

Também na temática dos “ fortes indícios”, escrevem Simas Santos e Manuel Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, I Volume, pág. 995. “ Quando a lei fala em fortes indícios há que ter em conta a compreensão ou abrangência exacta dessa realidade, pois que o legislador se não limitou a falar em indícios, mas em fortes indícios, o que inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é: não basta que essa suspeita assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade venha a ser condenado pelo crime imputado”.

Concluindo, o traço impressivo que o legislador quis deixar ao aplicador foi, o de que, os indícios têm que ser sólidos, inequívocos para qualquer das fases em questão.  
       
Ora, ultrapassada a questão semântica, é indubitável que, no momento em que foi determinada a prisão preventiva do recorrente (e só esse interessa agora analisar), existiam nos autos indícios sólidos e inequívocos (fortes indícios), daquele ser o autor de um crime de tentativa de homicídio e de detenção de armas proibidas, p.p. pelas normas supra citadas, ao qual já atrás nos referimos.

Veja-se por exemplo e para além do supra explanado os meios de prova recolhidos à data da prolação do despacho e acima já elencados (declarações do arguido, das testemunhas e documentos juntos aos autos) valoradas nos termos em que foram pelo Tribunal “ a quo”, para justificar a medida de coacção aplicada, pelo que também fortes e suficientes indícios existem de que o arguido alegadamente será o autor da pratica dos crimes pelos quais ficou e está indiciado.

O arguido a seu favor alega existirem outras medidas capazes de acautelar e impedir a continuação da actividade criminosa, considerando a prisão preventiva manifestamente excessiva e desadequada.

Almeja assim que seja exonerado da medida de coacção de prisão preventiva, basicamente por alegar no seu recurso e pretender, ver esta medida de coacção substituída a saber, apresentações bi-semanais à entidade policial da área da sua residência, artº 198º do CPP, proibição de se ausentar para o estrangeiro mediante a entrega do seu passaporte à guarda do Tribunal, artº 200 nº 1 al b) e nº 3 do C.P.P. cumulada com a proibição de contactar com o ofendido, artº 200, nº 1 d) do C.P.P. , ou caso de estas não serem decretadas que lhe seja aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância electrónica, nos termos do disposto no artigo 201º e Lei 122/99 de 20 de Agosto, por não se verificarem “ in casu”, os seguintes perigos: perigo de fuga, perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa, tendo sido violados os artigos 22º,131 e 144 al. d) todos do CPP e artigos 191, 192, 193 nº 2, 198, 200 nº 1 al. b) e d) e nº 3, 201, 202 al. a) e e) e 204 al. a) e c), todos do CPP.

No entanto como adiante deixaremos claro as medidas alternativas de coacção que propõe na sua motivação e conclusão, têm na sua génese como requisitos, exactamente os supra indicados perigos, veja-se o corpo do artº 204º do CPP, e não se vislumbra, face aos fortes indícios da alegada pratica pelo arguido de entre o mais de um crime de homicídio na forma tentada, que outra medida de coacção menos gravosa pudesse ser decretada, uma vez que tais perigos enunciados no despacho recorrido são bem reais e não poderão “in casu” ser afastados de outro modo, muito menos com apresentações periódicas, proibição  de ausentar para o estrangeiro com entrega do passaporte ( sendo o arguido ao que parece, nacional do Reino da Noruega) e proibição de contacto com o ofendido.

No mais e agora quanto à OPHVE.

Os pressupostos de carácter específico da OPHVE (cujos pressupostos e requisitos que foram equacionados e afastados no despacho recorrido, diga-se para a sua não aplicação “in casu), que são cumulativos, são os seguintes (art. 201.º, n.º 1, do CPP):
- a existência de fortes indícios da prática de crime;
- que o crime indiciado seja doloso;
- que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
Como pressupostos de carácter geral, não cumulativos, temos (art. 204.º do CPP):
- fuga ou perigo de fuga;
- perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
- perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Mas mesmo tendo tal em mente sempre se dirá o seguinte:
A imposição da medida cautelar de obrigação de permanência na habitação exige a verificação de determinados pressupostos legais, uns de carácter específico, outros de carácter geral, mas que como já se deixou expresso não se adequam ao caso dos autos e às exigências cautelares legais, pois “in casu” só a prisão preventiva é adequada, necessária, suficiente e proporcional às exigências cautelares que se fazem sentir, como aliás já se enfatizou.

Assim, a medida, por este proposta, gorava tais perigos, face ao que atrás se expôs, e mesmo diga-se, que neste tipo de crimes, a prisão domiciliária com ou sem vigilância electrónica, pode ser uma “medida ilusória”, pois em tese naturalmente, nada impede que este encete fuga ou que continue a delinquir, pois nada obsta a que por exemplo o arguido se ausente sem autorização do espaço residencial onde está confinado do espaço territorial Português através de fronteira terrestre, uma vez que é estrangeiro e não terá família em Portugal, nada o detendo aqui e que antes de permanecer em território nacional, residiria em Espanha.

Quanto ao perigo de fuga diremos que para se apreciar da existência no caso concreto do receio de fuga (artº 204 al. a ) do CPP) e 202 nº 1 al. a) também do C.P.P.) não pode deixar de se fazer um juízo de avaliação da realidade hipotética com base nas suas manifestações que, por recorrentemente repetidas, se instilaram no consciente colectivo como regras.

Trata-se de um juízo de valor que se ajuste ao senso comum sem o distorcer, nem na sobrevalorização dos perigos, nem na sua ignorância ou desvalorização.      
      
A existência do perigo de fuga não pode ser aferida meramente em termos hipotéticos, nem inferida só da mera gravidade do crime.     
       
Então, que elementos objectivos do receio de fuga serão esses que a doutrina exige?
Não pode deixar de ser um juízo de avaliação da realidade hipotética com base nas suas manifestações que, por recorrentemente repetidas, se instilaram no consciente colectivo como regras. Não há outro modo de avaliar. Trata-se de um juízo de valor que se ajuste ao senso comum sem o distorcer, nem na sobrevalorização dos perigos, nem na sua ignorância ou desvalorização. Neste domínio, ensinava já o Prof. Cavaleiro Ferreira que não é de exagerar, ampliando-o, o perigo de fuga. É um perigo real, mas sempre “relativo”, que aqui importa. Quanto ao perigo, ele deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar (vide aqui  Ac TRG de 1/19/2011, in www.dgsi.pt ).

Na nossa opinião, primordial é averiguar-se, em face do circunstancialismo concreto do caso, se a pessoa em causa tem ou não, ao seu dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à acção da justiça e às suas responsabilidades criminais ou se existe um sério perigo que tal venha a suceder, independentemente da gravidade dos crimes indiciariamente cometidos. Dos elementos constantes dos autos é nossa convicção que a  Mª Juíza da primeira instância avaliou bem e que o perigo de fuga existe de forma bem palpável, pelo que nenhum reparo terá que ser feito.

Os conceitos de fuga e de perigo de fuga traduzem “desaparecimento, debandada, desconhecimento de paradeiro, e devem estar associados ao incumprimento das obrigações de disponibilidade e comparência impostas pela lei processual penal” (acórdão do TRL de 19.09.2007 rel. Carlos Almeida in www.dgsi.pt).

Assim, de facto todas as medidas alternativas pelo arguido propostas no seu recurso, goravam tais perigos, face ao que atrás se expôs, sendo impossível face ao modo da vida do arguido impor a prisão domiciliária com vigilância electrónica (ou às demais por ele adiantadas).      

Por outro lado, e mesmo que exequível ao caso, que já se viu que não é, e no que toca perigo de fuga em particular, é de referir que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, ainda que acompanhada da vigilância electrónica, se mostra inadequada, face ao seu modo de execução, para o prevenir, uma vez que numa situação de possível fuga, especialmente se bem orquestrada, as possibilidades de sucesso são consideráveis, uma vez que o arguido é nacional do Reino da Noruega, e que mesmo sem passaporte se pode ausentar do território nacional pelas fronteiras terrestres face à grande mobilidade entre estados da EU ( de que o Reino da Noruega não faz parte), pois o controle fronteiriço é agora quase nulo, entenda-se esta afirmação não em termos absolutos, naturalmente….

Assim, a “medida”, por este proposta, gorava tais perigos, face ao que atrás se expôs, e mesmo diga-se que neste tipo de crime, tentativa de homicídio, não se coaduna em princípio com a permanência do delinquente confinado em habitação, pois exponencialmente poderia potenciar também a continuação de condutas similares proibidas por lei como não afastaria o igualmente o perigo de fuga, nem obstaria à verificação da perturbação da ordem e da tranquilidade pública. 

Também o perigo de continuação da actividade criminosa encontra-se previsto na al. c) do art. 204º do CPP. Esta alínea suscitou problemas de compatibilização com a natureza cautelar das medidas de coacção, afirmada no art. 191º, nº1 do CPP.

Na verdade, pelo menos até 2007, as medidas de coacção na situação prevista nesta alínea, pareciam extravasar as finalidades estritamente processuais, assumindo formas de protecção do próprio arguido e de defesa da sociedade. Neste sentido se pronunciara Maia Costa: “A utilização da prisão preventiva como forma de impedir a continuação da actividade criminosa constitui claramente uma medida de defesa social, uma medida de segurança, mais até do que antecipação de pena, o que viola frontalmente diversos princípios constitucionais, entre os quais a presunção de inocência. Por outro lado, a prisão preventiva como meio de salvaguarda da ordem e da tranquilidade públicas serve fins de prevenção geral (a salvaguarda das famosas expectativas comunitárias), mas não é evidentemente uma medida cautelar do processo, violando também o princípio da presunção de inocência” (vide Revista do Ministério Público Out/Dez 2002, nº 92, 74 e 75).

No entanto, o tribunal constitucional sempre considerou não inconstitucional o art. 204º do CPP (v.g. Ac. TC nº 720/97 de 23/12).

A reforma de 2007 (Lei nº 48/2007) retirou “o cunho estritamente objectivo ao requisito geral” (exposição de motivos da Proposta de Lei) enfatizando-se a preocupação de compatibilização desta al.c) com a natureza estritamente processual prevista no art. 191º e com o princípio da presunção de inocência.

Daí que a aplicação da medida de coacção não deva servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas sim impedir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado (assim, Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, II, p. 246/7), ou seja, deve servir para prevenir apenas comportamentos futuros que sejam prolongamento da actividade já indiciada.

No caso “sub judice”, os factos indiciados, e é sempre de um juízo de indiciação que se trata e como tal devem ser entendidas todas as afirmações aqui efectuadas no âmbito da factualidade, assumem uma gravidade considerável, pois que mais grave do que ceifar uma vida humana (neste caso que se quedou pela tentativa)?

O arguido, alegadamente e indicia-se fortemente, terá praticado os crimes supra indiciados, da forma se deixou exarada na descrição dos factos também indiciados, pelo que, de forma manifesta, conclui-se aqui existir um real perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, que é expectável que o cidadão comum tenha que ter.

Existe assim também um fundado receio que este continue no futuro a perpetrar condutas ilícitas, idênticas às que levaram à sua detenção nos presentes autos.

Também como é reconhecido por todos, o artigo 27.º, da CRP, consagra o princípio geral do direito à liberdade e segurança, contemplando as apertadas excepções que existem em relação ao mesmo.   

Por seu turno, o artigo 28,º, n.º 2, da CRP, dispõe o seguinte:
“A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”

Além disso, pode ler-se no artigo 32.º, n.º 2, da CRP:
“Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”

Se é verdade que o direito à liberdade, como direito fundamental, é de aplicação directa e vincula todas as entidades públicas e privadas e que a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da Lei – artigos 27.º, n.º 2 e 28.º - não deixa a mesma Constituição de prever casos de violação dos deveres a que os cidadãos estão adstritos ou as situações particulares decorrentes da prática de crimes. 

Nestas ocorrências, pode justificar-se não só a limitação, como a suspensão ou mesmo a privação de alguns dos direitos fundamentais, incluindo o direito à liberdade, desde que salvaguardada a verdade, a legalidade e a proporcionalidade.  E aos tribunais compete não apenas a aplicação de reacções criminais, como a aplicação de quaisquer outras medidas que atinjam os direitos, liberdades e garantias.

Foi isso que aconteceu no despacho recorrido, o qual observou as normas legais acima referidas, não havendo, enfatiza-se qualquer reparo a fazer, nem existindo qualquer violação da presunção da inocência.

Como afirma Frederico Isasca, in “A prisão preventiva e restantes medidas de coacção”, Jornadas de Processo Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação da Prof. Fernanda Palma, Almedina, a pag.103, “se é certo que a reposição do direito se não pode fazer à custa da negação ou da limitação dos direitos de defesa, não é menos verdade que “do outro lado” existe uma vítima que é o suporte individual de um bem jurídico fundamental que foi violado e que espera uma resposta célere e em conformidade com as expectativas – tanto substantivas, quanto adjectivas - criadas pela Ordem Jurídica.

Não podemos pois correr o risco de imolar a realização da justiça na ara dos direitos do arguido, sob pena de total descredibilização do sistema.

Uma tal atitude criaria na vítima e na colectividade um sentimento de absoluta frustração e compreensível revolta, podendo em última instância, conduzir a motivações para uma auto-tutela dos interesses ou para formas marginais de “justiça”, pondo em causa o próprio Estado de Direito. 
         
Neste contexto, as medidas de coacção – expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias, em Processo Penal – emergem como condição indispensável, embora num quadro de excepcionalidade, a realização da justiça.

E traduzem, nessa exacta medida, uma das vertentes do conteúdo útil do princípio do equilíbrio.”

Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coacção, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, mas que, no caso dos autos estão plenamente justificados e razoáveis e condicentes ao caso concreto deste arguido.

O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade (art.os 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º do CPP), excepcionalidade e necessidade (art.os 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição. Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.° e o requisito especial do artigo 202.°, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes. As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.° do CPP).

Assim o perigo de fuga, continuação da actividade criminosa existe em grau elevado, aliado  ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, vertidas no artigo 204º al  a) e c) do CPP. Logo no quadro em apreço, qualquer medida de coacção que não a prisão preventiva iria revelar-se insuficiente para garantir as finalidades cautelares diagnosticadas no caso. A prisão preventiva mostra-se ainda proporcional à gravidade dos crimes pelo qual o arguido se encontra indiciado, e às sanções que previsivelmente lhe podem vir a ser aplicadas, não nos esquecendo porém que estamos ainda numa fase embrionária do processo, toda ela baseada em indícios, os quais, como já se enfatizou, não se podem deixar de considerar como relevantes, ou seja fortes indícios.

Aqui chegados, é de entender que a medida de coacção imposta, respeita todos os princípios acima expostos, nomeadamente da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

A medida de coacção deve ser idónea para satisfazer as medidas cautelares do caso, sendo escolhida em função da finalidade a que se destina, ou seja, como resulta do n.º 1 do artigo 193.º do CPP, “deve ser adequada às exigências cautelares que o caso requerer”, (princípio da adequação).Como ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, pág. 270, uma medida de coacção é adequada “se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para a realização das exigências cautelares”. Por seu turno, enfatize-se que o princípio da proporcionalidade das medidas de coacção significa que a medida a aplicar deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime, devendo para tanto atender-se a todas as circunstâncias que em geral devem ser consideradas para a determinação da medida da pena.

Acontece que, perante os elementos conhecidos no processo, não se vislumbram motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do respectivo procedimento criminal. Deste modo, só a prisão preventiva, e não qualquer das outras medidas de coacção previstas na lei, (e as propostas pelo arguido) respondia, à data da decisão recorrida, de forma adequada e suficiente às exigências cautelares que o caso reclamava, era proporcional à gravidade do crime indiciado e à sanção que era, e é, previsível vir a ser aplicada no futuro ao arguido e ora recorrente.

Assim todas as medidas de coacção alternativas, estas contida nas suas conclusões, e que o arguido pretendia ver substituída revogando-se nesse sentido o despacho recorrido, mostram-se, desadequadas, por insuficientes, face à gravidade dos factos indiciados nos autos e aos perigos acima mencionados.

Concluindo:
Nos termos do mesmo, e no que ao arguido /recorrente diz respeito, mostra-se fortemente indiciada a autoria de um crime de homicídio na forma tentada, nos termos dos artigos 22º e 131º, do Código Penal, crime esse que é punido em abstracto com pena de prisão entre um ano e seis meses e  onze anos, e também um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos artigos 2º, nº 2 al. m) e 86 nº 1 al d) da Lei 5/2006 , alterada pela Lei 17/2009 de 06 de Maio e punido com pena de prisão até 4 anos, não se verificando, “ in casu” qualquer uma das objecções aventadas pelo arguido no presente recurso e no tocante à medida de coacção que lhe foi, e muito bem, imposta.

Assim, atentos os perigos enunciados, consideramos que a aplicação de uma qualquer medida que não a prisão preventiva, seria uma decisão temerária, pois deixaria na disponibilidade do recorrente a possibilidade de, querendo voltar a praticar factos semelhantes, para além do perigo face á sua personalidade a perturbação da ordem e tranquilidade pública, para já não falar do eminente perigo de fuga, por tudo o que acima de deixou exarado neste particular desiderato.

Por todo o exposto, consideramos que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao recorrente é a única que se revela adequada e suficiente para acautelar o perigo de fuga, de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade pública, que se verificam no caso concreto, pelo que se reitera pela manifesta improcedência do recurso interposto, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a), e 204.º, alíneas a) e c) todos do Código do Processo Penal.

O despacho recorrido fez uma correcta valoração dos factos e aplicação da lei, pelo que deve o mesmo ser mantido e o recurso interposto ser julgado improcedente.

Não existe assim qualquer reparo a fazer.

Nestes termos julga-se manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, o que se declara.

III.DISPOSITIVO
1.- Pelo exposto rejeita-se em substância o recurso por manifestamente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
2.- Custas, a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s e demais encargos legais.
3.- Notifique e D.N.


           
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018



(Processado integralmente em computador e revisto pela Juíza Desembargadora relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal).

   
Filipa Costa Lourenço