Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
208/08.0PFAMD.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: "Para os efeitos do art.º 17º n.º1 da Lei 57/98 de 18.08, deve ser considerada como sendo “pena não privativa de liberdade” a pena suspensa aplicada em substituição de pena de prisão." (Sumário do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No Proc. 208/08.0PFAMD da 1ª Secção Criminal da Instância Central de Lisboa, Comarca de Lisboa, o arguido G, não se conformando com o douto despacho que indeferiu a pretensão por si formulada de não transcrição no registo criminal da condenação a este decretada de 3 anos de prisão suspensa na respectiva execução pelo período de 3 anos e sujeita a regime de prova por 2 crimes de roubo p.º e p.º no art.º 210º n.º 1 do CP, veio do mesmo interpor recurso.
Na sua motivação, apresentou o recorrente as seguintes conclusões:
“1ª - O conceito de "pena não privativa da liberdade", contido no n°. 1, do art°. 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009, de 22 de Setembro, abrange a pena de prisão de execução suspensa, conforme resulta da ensinaçâo ministrada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2012. proferido no âmbito do Processo n°. 279/10.0GCBNV.L1 - 3. patenteando as vestes de Nobre Relatora, a Veneranda Juíza Desembargadora, Exmª. Srª. Drª.. Maria Elisa Marques "(...), Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de "pena não privativa da liberdade" contida no n° 1 do artigo 17° da Lei n° 57/98. de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas (...)" - susceptível de compulsação em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/be5213eba34d0596802 57b6d00554280?OpenPocument -:

Partilhada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Junho de 2013. proferido no âmbito do Processo n°. 1668/11.8PBMTS.P1. trajando as vestes de Nobre Relator, o Venerando Juiz Desembargador. Exm°. Sr°. Dr°. Alves Duarte"(...), O juiz pode determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução (...)" - manuseável em http://www.dqsi.pt/itrp. nsf/d 1 d5ce625d24df5380257583004ee7d7/991 f6112afc1 bdd480 257bab00521bc2?OpenPocument - e:

Acolhida na sumarização do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2013. proferido no âmbito do Processo n°. 1562/09.2PCCBR - A.C1. vestindo o traje de Nobre Relator, o Venerando Juiz Desembargador. Exm°. Sr°. Dr°. Orlando Gonçalves "(...), A condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma "pena não privativa da liberdade", para efeitos do art° 17°. n.°1 da Lei n.° 57/98 (...)" - examinável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1 c61802568d9005cd5bb/184d595438ac6ece8 0257b40003ed2d2?OpenPocument -.
2a.
Nesta conformidade, encontram-se preenchidos os pressupostos mencionados no n°. 1, do art°. 11°., nos ns. 1 e 2, do art°. 12°., a contrario sensu. e no n°. 1, do art°. 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009, de 22 de Setembro, de molde a determinar a não transcrição da condenação fixada nos presentes autos, conforme solicitado pelo Arguido.
3a.
Em abono da verdade, o Arguido ora Recorrente, G..., pretende, tão - somente, a não transcrição no registo criminal da sobredita condenação, nas hipóteses previstas nos artigos 11°. e 12^, da Lei n°. 57/98. de 18 de Agosto. com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009. de 22 de Setembro.
4a.
A primeira disposição - artigo 11°.. da Lei n°. 57/98. de 18 de Agosto -, referente aos certificados requeridos para fim de emprego, expressamente afasta, no seu número 1 (com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009. de 22 de Setembro). alineas a) e b) (com a versão da Lei n°. 57/98. de 18/08). a possibilidade de a presente condenação constar do respectivo certificado, a saber:
«Artigo 11°.
(Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade)
1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:
a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
2- Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 12°., devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer. (...)».
Negrito e Sublinhado do teor do art°. 11°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!
5a.
Desta arte, se é certo que o artigo 17°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, ao abrigo do qual foi proferido o douto Despacho recorrido, consagra um poder - dever a ser exercitado de acordo com determinados pressupostos legais, o certo é que, nos termos dos artigos 11°. e 12°. da mesma Lei, a não transcrição, em hipótese como a vertente, é automática - resultando da própria letra da lei -:
«Artigo 12°. (Certificados requeridos para outros fins)
1 - Os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior -artigo 11°. - [(...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.
2 - Os certificados referidos no número anterior [ou seja, para os fins não previstos no artigo 11°. (...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)] não podem conter informação relativa:
(...)».
Negrito. Sublinhado e Glosa do teor do art°. 12°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção conferida pela Lei n°. 114/2009, de 22 de Setembro, da autoria do subscritor!
6a.
Desta sorte, é exacto que, sobre o Arguido ora Recorrente, G..., recaiu uma decisão que não tem suporte legal!
7a.
Não pode indeferir-se aquilo que resulta directamente da lei!
8a.
No sentido precedente, confira-se o ensinamento partilhado por banda do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004. proferido no âmbito do Processo n°. 1921/04. utilizando a roupagem de Nobre Relatora, a Veneranda Juíza Desembargadora. Exma. Srª. Drª. Elisa Sales "(...), Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Revogar o despacho recorrido, considerando que a não transcrição da decisão condenatória nos termos e para os efeitos dos artigos 11° e 12° da Lei 57/98 resulta já da própria lei. Sem custas (...)".
Vd. http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/98acca71281d709a80256f8c003d9f06?OpenDocument
Negrito e Sublinhado nosso!”
– Apesar de no art. 17º, n° 1, da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, não resultar que os concretos fins a que se destina o certificado seja relevante para a decisão, certa é que se mostra necessário harmonizar o regime legal de identificação criminal e de registo de contumazes com a lei de acesso à carreira de segurança privada.
2ª – Conforme dispõe o art. 22°, nºs. 1, alínea d), e 2, da Lei n° 34/2013, de 16 de Maio (que estabelece o regime de exercício da actividade de segurança privada), é requisito de admissão e permanência à actividade de segurança privada, que o candidato não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal,
3ª – O crime, o de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual o requerente foi condenado é doloso.
4ª – Esta legislação, a da Lei n° 34/2013, de 16 de Maio, que veio impor requisitos mais exigentes no acesso à actividade de segurança privada, tem que prevalecer no que esta profissão diz respeito sobre a Lei n° 57/98, de 18 de Agosto.
5ª – A emissão de tal certificado deve reger-se, no caso concreto, pelo disposto no art. 22°, n° 9, da Lei n° 34/2013, de 16 de Maio, que prevê a emissão de certificados para fins especiais, e não pelos arts. 11º e 12° da Lei n° 57/98, de 18 de Agosto.
6ª — Termos em que deve, assim, a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que mantenha a condenação do arguido no seu certificado de registo criminal para efeitos de acesso ao exercício de profissão de segurança privada.”

O M.º P.º respondeu a tal motivação concluindo que deve o despacho recorrido ser mantido na íntegra.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos.

*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*
2 – Nestes autos, na sequência de requerimento nesse sentido formulado pelo arguido, foi proferido pelo M.mo Juiz titular dos autos o seguinte despacho:
Pese embora tenha sido suspensa na sua execução, a pena concretamente aplicada ao requerente foi superior a 1 ano de prisão, pelo que se indefere o requerido, por inadmissibilidade legal (art.º 17º da Lei 57/98 de 18.08).

Conforme resulta dos autos o recorrente foi condenado, pela prática em 27.05.2008, como co-autor de dois crimes de roubo p. e p. no artigo 210º n.º 1 do Código Penal na pena única de 3 (três) anos de prisão, sendo que aquela pena de prisão foi substituída por pena suspensa na sua execução pelo período de três anos, submetendo tal suspensão a regime de prova.
Nos termos do art.º 5º da Lei 57/98 de 18/8, estão sujeitos a registo criminal – alínea a) – “ as decisões que apliquem penas e medidas de segurança que determinem o seu reexame, suspensão, prorrogação da suspensão, revogação e que declarem a sua extinção (...)”.
Face a tal preceito dúvidas não existem que a condenação mencionada está abrangida pela obrigação geral de inscrição no registo criminal.
A lei de identificação criminal constante do mencionado diploma admite, no entanto, excepções a tal obrigatoriedade de inscrição. Tal é o que resulta do disposto no seu art.º 17º n.º 1 quando ali se prescreve: “Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º.”
Tal como se mostra referido na motivação de recurso e na resposta ao mesmo apresentada pelo M.º P.º o cerne da questão posta resume-se a saber se a pena de prisão suspensa na respectiva execução se deve considerar como sendo pena privativa de liberdade ou pena não privativa de liberdade.
Tal como também resulta das motivações de recurso e da resposta às mesmas a jurisprudência tem-se dividido na resposta a essa questão, havendo decisões das Relações que alinham por uma e por outra das opções.
Não querendo aqui elencar quais se pronunciam num e noutro dos sentidos, entendemos ser de seguir a predominante orientação de que a pena suspensa aplicada em substituição de pena de prisão deve ser considerada como sendo “pena não privativa de liberdade” para os efeitos do art.º 17º n.º1 da Lei 57/98 de 18. 08.
Valemo-nos, para tanto e com a devida vénia, pelas considerações tecidas no acórdão da Relação do Porto de 22.10.2014, disponível em www.gde.mj.pt/jtrp, que passamos a citar:
Divergências (aparentemente) insanáveis existem sobre o alcance do primeiro requisito e, em especial, sobre o que deve entender-se por “pena não privativa da liberdade”.
Ao usar a expressão “pena não privativa da liberdade”, o legislador quis referir-se, apenas, à pena (principal) de multa ou pretendeu abranger as penas de substituição não detentivas? Uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão (como a que foi cominada ao recorrente) suspensa na sua execução (suspensão esta decidida pelo acórdão desta Relação de 27.02.2007, proferido em recurso interposto pelo arguido) é, para o efeito que aqui nos interessa, uma pena não privativa da liberdade?
Na doutrina, distingue-se as penas principais, as acessórias e as de substituição.
Numa perspectiva dogmática, penas principais são aquelas que as normas que descrevem os tipos legais estatuem e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.
Contrapõem-se-lhes as penas acessórias, que são aquelas que só podem ser aplicadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal e assentam, materialmente, num específico conteúdo de censura do facto.
Penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição (em vez) da execução de penas principais concretamente determinadas
Ainda numa perspectiva dogmática, distingue-se as penas de substituição em sentido próprio, que se caracterizam pelo seu carácter não institucional ou não detentivo (isto é, por serem cumpridas estando o condenado em liberdade) e por pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, que vão substituir (nesta categoria se agrupam as penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade), e as penas de substituição detentivas (prisão por dias livres, regime de semidetenção e regime de permanência na habitação), que, pressupondo também a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, como a própria designação indica, são cumpridas intramuros (ainda que, agora, não necessariamente numa instituição prisional) e daí a grande relutância em considerá-las verdadeiras penas de substituição (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 335-336).
Neste enquadramento, fazendo apelo ao artigo 70.º do Código Penal - que estabelece o critério fundamental da escolha da pena e do qual decorreria que a pena de multa é a única pena não privativa da liberdade - e considerando que uma pena de suspensão da execução da pena “não afasta nem oculta a pena inicial de prisão, antes a pressupõe”, uma corrente jurisprudencial defende que, para o efeito do disposto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a expressão "pena não privativa da liberdade", o legislador quis referir, apenas, a pena de multa, excluindo, portanto, outras penas não detentivas, como são as penas de substituição proprio sensu.
Situam-se nesta linha de pensamento os acórdão desta Relação, de 30.09.2009 (Des. Artur Oliveira), publicado na CJ XXXIV, T. IV, p. 219 (assim sumariado: I – “A pena de três anos de prisão substituída pela pena de suspensão da execução da prisão é uma pena privativa da liberdade. II - por isso, não pode o juiz autorizar que a condenação em tal pena não seja transcrita nos certificados do registo criminal") e da Relação de Lisboa, de 23.02.2011 (Des. Telo Lucas), disponível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que “a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18-8 (…) comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo”.
Em contraponto a esta posição, existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.
Inserem-se nesta corrente de entendimento os acórdãos da Relação de Coimbra de 29.09.2010 (Des. Brízida Martins), publicado com o sumário “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada”, e de 27.02.2013 (Des. Orlando Gonçalves), em que se decidiu que “a condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma «pena não privativa da liberdade», para efeitos do art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98”, da Relação de Lisboa de 21.11.2012 (Des. Maria Elisa Marques), propugnando que “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de «pena não privativa da liberdade» contida no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas” e desta Relação, de 26.06.2013 (Des. Alves Duarte), que decidiu poder o juiz “determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução”.
Impõe-se que tomemos posição nesta querela.
Na versão primitiva do Código Penal, a pena de multa surgia como elemento integrante de uma pena compósita cumulativa (prisão e multa) e é com a revisão operada pelo Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que a multa ascende ao estatuto de pena principal, surgindo como pena alternativa da prisão num grande número de tipos legais e sendo tratada na Parte Geral como pena principal.
O nosso sistema penal contempla como penas principais a pena de prisão e a pena de multa, o que é dizer que, do elenco de penas principais, a única pena não detentiva é a pena de multa[5].
Assim sendo, e aceitando-se que “é precisamente a classificação dicotómica das penas principais presentes no critério de escolha da pena estabelecido no art.70.º do Código Penal” que impõe que “a pena não privativa da liberdade” a que se alude no artigo 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98 só possa contemplar a pena de multa (cfr. o citado acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.2011), então lógico seria que o legislador, em vez de utilizar naquele preceito legal a expressão “pena não privativa da liberdade”, referisse, muito simplesmente, “pena de multa”.
A expressão utilizada tem, claramente, um sentido mais abrangente que “pena de multa” e por isso quem perfilha o entendimento de que ali se prevê, apenas, a pena de prisão que não exceda um ano e a pena de multa terá de concluir que o legislador plus dixit quam voluit.
No entanto, nada permitindo afirmar que o legislador não soube exprimir, adequadamente, o seu pensamento na letra da lei e inexistindo motivos para concluir que aquele disse mais do que queria dizer, não é aceitável uma interpretação que se traduz numa amputação substancial do conteúdo do conceito de "pena não privativa da liberdade", reduzindo-o à pena de multa e excluindo as penas de substituição não detentivas.
Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.
É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações.
É certo que, com as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, “deixou de se poder afirmar a regra da determinação, de forma autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP”[6].
Assim acontece com a suspensão da execução da pena de prisão, que tem a duração igual à pena de prisão fixada na sentença, com o mínimo de um ano, quando, antes de 2007, era fixada dentro dos limites de duração legalmente estabelecida (entre um e cinco anos), mas independentemente da pena de prisão aplicada.
No entanto, uma vez aplicada a pena de substituição, ela adquire plena autonomia.
É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.
Como verdadeira pena autónoma (de substituição) que é, a suspensão da execução da pena de prisão, está, necessariamente, sujeita a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída [assim, os acórdãos da Relação de Lisboa de 26.10.2010 (Des. Jorge Gonçalves) e do STJ, de 13.02.2014 (Cons. Manuel Braz), ambos disponíveis em w.dgsi.pt].
Essa autonomia é, claramente, afirmada pelo Professor Figueiredo Dias (Op. Cit., 90-91) que depois equacionar a hipótese de o nosso Código Penal ter acolhido “um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo (…), para além das penas de prisão e das de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade”, escreve:
A uma visão mais próxima deve, no entanto, acabar por concluir-se não ter sido intenção nem do ProjPG de 1963, nem do CP, contestar por esta via os critérios definitórios das penas principais que começámos por apresentar. Antes sim chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento político-criminal, também as «novas» penas, diferentes da de prisão e multa, são «verdadeiras penas» – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) –, que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão» ou, ainda menos, «medidas de pura terapêutica social». E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.
O que sucede é que estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas acessórias, quanto conformam uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam, todavia, tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão. Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador as não previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição (…), como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”.
Os defensores da tese de que as penas de substituição, e concretamente a pena de suspensão da execução da pena de prisão, não são “penas não privativas da liberdade”, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98, reconhecem, apesar de tudo, a sua autonomia, mas logo acrescentam que aquela pena de substituição “está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução” (citado acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2011) e, em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente, o que se inclui no cúmulo é a pena de prisão inicial e não a pena de substituição (citado acórdão desta Relação, de 30.09.2009)[7].
No entanto, para que assim suceda, impõe-se uma nova decisão judicial.
A decisão que revoga uma pena de substituição faz ressurgir a pena substituída e, se for uma pena de suspensão da execução de pena de prisão, a sua revogação leva ao cumprimento da pena de prisão inicialmente aplicada.
Mas, então, já estamos perante uma nova decisão (que é comunicada aos serviços do registo criminal) e deixa de existir uma pena não detentiva.
Porém, se e enquanto tal não acontecer, o que temos é uma pena de substituição proprio sensu que encaixa, perfeitamente, na expressão “pena não privativa da liberdade” do artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98.”
[4] Assim, os acórdãos desta Relação de 05.04.2006 e de 03.05.2006, ambos disponíveis em ww.dgsi.pt.
[5] Trata-se de uma pena pecuniária, embora fixada em dias.
[6] Maria João Antunes, “Consequências jurídicas do crime”, Coimbra, 2010-2011, p. 55.
[7] Posição radical é a expressa no seu douto parecer pelo Ex.mo PGA (e já anteriormente tomada no âmbito do processo em que foi proferido o já citado acórdão desta Relação de 26.06.2013, de que foi relator o Desembargador Alves Duarte) que entende não ser a suspensão da execução da pena de prisão “uma pena de substituição, autónoma e não privativa da liberdade”, não passando de “um entrave à execução da pena de prisão a que foi aplicada, sendo que esta não é substituída nem perde a sua natureza de pena privativa da liberdade, que se manifesta no caso da suspensão vir a ser revogada, o que pressupõe o cumprimento integral da mesma…”.

*
3. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido G... e, em consequência, revogar o despacho recorrido, deferindo o requerimento do arguido.
Sem custas.

Elaborado e revisto pelo primeiro signatário.

Lisboa, 16 de Junho de 2015.
João Carrola
Luís Gominho