Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18001/17.8T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
EVENTO
CONEXÃO
TEMPO
LOCAL DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Resultando dos factos provados que o evento ocorreu por motivos alheios à situação profissional, fora do tempo e do local de prestação da atividade, não há acidente de trabalho.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Sinistrado e recorrente (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.): AAA.
Responsáveis civis (adiante designados por RR.): BBB
CCC; e
DDD (empregadora).
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O A. demandou as RR. na presente acção especial emergente de acidente de trabalho alegando que sofreu um acidente, simultaneamente de trabalho e de viação, enquanto trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização de DDD, mediante a remuneração anual bruta de 7.798,00 €, tendo de tal acidente resultado para si lesões e incapacidade permanente. Alegou ainda que a entidade patronal tinha transferida para a Ré a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.
Com esses fundamentos pediu que:
a) Se reconheça que as lesões e sequelas apresentadas pelo Autor são resultantes de acidente de trabalho ocorrido em 09/02/2017;
b) Se lhe reconheça as incapacidades constantes do relatório pericial, designadamente a ITA num período de 195 dias, e a IPP de 6%;
c) Seja em consequência a Ré condenada a pagar ao Autor:
c.1) A indemnização legal pela aludida ITA de 195 dias, desde 10-02-2017 a 23 08- 2017, tendo como base a retribuição anual ilíquida de 7.798,00 €, indemnização no valor de 2.916,24 €;
c.2) A indemnização legal pela aludida IPP de 6%, com data de alta em 23-08-2017, tendo como base a retribuição anual ilíquida de 7.798,00 €, indemnização no valor de 4.739,16 €, correspondente ao capital de remição correspondente à pensão anual devida;
c.3) A quantia de 20,60 € a título de despesas de transporte;
c.4) Todas as despesas de acompanhamento médico e medicamentoso, tratamentos médicos incluindo intervenções médico-cirúrgicas de que o Autor venha a necessitar em virtude dos danos decorrentes do acidente para a recuperação total da sua saúde;
c.5) E, ainda, nas custas e demais encargos legais.
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Contestou a R. BBB, pedindo a improcedência do recurso, tendo  reconhecido a existência do contrato de seguro e impugnado a ocorrência do acidente, alegando que o evento participado ocorreu na sequência de uma rixa entre taxistas, entre os quais o Autor, e um funcionário da empresa Uber.
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Proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto e elaboração da BI, e organizado apenso para fixação da incapacidade, no âmbito do qual foi realizada junta médica, e proferida decisão a fixar a IPP do A. em 3%, foi realizada audiência de julgamento, tendo o Tribunal proferido a final sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.
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Inconformado, o sinistrado recorreu, concluindo:
(…)
Contra-alegou a R. seguradora, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
O MºPº teve vista, defendendo a confirmação da sentença.
As partes não responderam ao parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Novo Código de Processo Civil – se
a) merece censura a decisão sobre a matéria de facto;
b) se os factos apurados constituem acidente ressarcível ou não.
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Recurso da matéria de facto
(…)
Desta sorte, crê-se que o Tribunal a quo não fez agravo ao recurso, sendo a sua convicção bem formada, em termos que, em reapreciação, merecem acolhimento.
E relativamente ao ultimo número, como se vê, não cabe apreciar tal matéria, porque atento o exposto, é irrelevante e tal conhecimento traduziria um ato inútil, proibido por lei (art.º 130, Código de Processo Civil).
Termos em que se julga improcedente o recurso da decisão da matéria de facto.
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São, pois, estes os factos provados:
1. DDD celebrou com a BBB., acordo de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio fixo, do qual é beneficiário o Autor, titulado pela apólice (…), com as condições particulares constantes de fls. 72 e 73 dos autos, nos termos do qual transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho, com base na retribuição anual de € 7.798,00 (al. A) matéria assente, corrigida por enfermar de lapso material).
2. No dia 9 de fevereiro de 2017 o Autor detinha a categoria profissional de motorista de táxi (al. B) matéria assente).
3. O Autor, no dia 9 de fevereiro de 2017, aproximadamente entre as 20.30 horas e as 21.00 horas, na Rua da (…), em Lisboa, em local não concretamente apurado mas próximo dos nºs 12 a 14, quando se encontrava fora do veículo táxi que conduzia, com matrícula 71-PJ-80, pertencente a DDD, foi atropelado pelo veículo (…), conduzido por (…) “motorista da  (…)” (resposta restritiva ao art. 1º da matéria controvertida).
4. O Autor foi embatido com a frente e a lateral do veículo (…)quando se encontrava fora do veículo que conduzia, com matrícula (…) mas próximo dele (resposta restritiva ao art. 3º da matéria controvertida).
5. Em consequência do embate o Autor ficou caído com a perna esquerda fracturada (resposta ao art. 4º da matéria controvertida).
6. O Autor em virtude da fractura sofrida foi submetido a operação cirúrgica à perna esquerda (tíbia), com aplicação de placa e parafusos (resposta ao art. 5º da matéria controvertida).
7. O Autor esteve impossibilitado de trabalhar desde 10 de fevereiro de 2017 até 23 de agosto de 2017 (período de ITA) (resposta ao art. 6º da matéria controvertida).
8. O atropelamento do Autor ficou a dever-se a uma tentativa de agressão do Autor ao condutor do veículo (…), conduzido por (…) “motorista da  (…)” (resposta ao art. 8º da matéria controvertida).
9. O veículo (…), de matrícula (…), estava estacionado na Rua (…) próximo dos nºs 12 a 14 (numeração correspondente ao lado ascendente), no sentido (…) (descendente) - (resposta ao art. 9º da matéria controvertida).
10. O Autor, depois de ter deixado dois clientes num hotel da zona, parou o veículo táxi por si conduzido ao lado do veículo (…)  e começou aos murros no vidro da porta do condutor e aos pontapés ao mesmo veículo, ao mesmo tempo que “injuriava” o seu condutor (resposta ao art. 10º da matéria controvertida).
11. Após o referido no ponto 10, o Autor afastou-se do local, conduzindo o seu veículo e passados 5 a 10 minutos, regressou, vindo agora do lado ascendente da Rua da (…), juntamente com três veículos de táxi, que bloquearam o sentido descendente da Rua (…), impedindo o sentido de marcha do veículo (…)  (resposta ao art. 11º da matéria controvertida).
12. De seguida o Autor saiu do veículo táxi, deixando a porta do condutor aberta e deslocou-se até ao veículo (…), transportando uma barra de ferro com a qual bateu na lateral direita deste veículo, pelo menos na zona do tejadilho (resposta ao art. 12º da matéria controvertida).
13. Em sequência e com vista a sair do local, o condutor do veículo (…)  executou uma manobra de inversão de marcha, passando a ficar em direcção do (…), atingindo nesse momento o Autor e a porta do táxi do veículo por este conduzido (resposta ao art. 13º da matéria controvertida).
14. O Autor recebeu da ccc, pela regularização do sinistro automóvel, os valores descriminados a fls. 289, 191 e 293 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, nos quais se encontram incluídos o período de ITA.
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De Direito
Decidiu a sentença recorrida que
"(...) Nos termos do disposto no art. 8º, nº 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.“ Deste preceito decorre, pois, que a caracterização de determinado acidente como de trabalho depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos integradores:
- o elemento espacial (local de trabalho);
- o elemento temporal (o tempo de trabalho);
- a lesão ou lesões;
- a morte ou diminuição da capacidade de ganho do sinistrado;
- o elemento causal [o nexo de causalidade entre o acidente e a(s) lesão(ões)].
(...) Não se apurou que o Autor tenha sofrido qualquer lesão no local e tempo de trabalho. Com efeito, de acordo com a factualidade provada, a lesão sofrida pelo Autor ocorre fora do tempo e contexto de trabalho e em consequência de uma tentativa de agressão do Autor a outro condutor e de danificação do veículo deste.
Nesta conformidade, impõe-se concluir, por falta de prova nesse sentido, pela inexistência de acidente de trabalho".
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Era exatamente a conexão do evento com o tempo e local de trabalho que importava apurar. E não se apurou. O que se apurou é que o evento nada tem a ver com a sua situação profissional, já que não foi por prestar a sua atividade que sofreu o infortúnio mas porque se envolveu numa tentativa de agressão a outro condutor, levando a que este se evadisse precipitadamente do local e na fuga o atingisse.
Assim, não há acidente de trabalho.
Improcede, pois, o recurso.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente de facto e de direito e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.

Lisboa, 16 de dezembro de 2020
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega