Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17903/19.1T8LSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: MOEDA ELECTRÓNICA
REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
OPERAÇÕES DE PAGAMENTO EFECTUADAS
OPERAÇÃO NÃO AUTORIZADA
RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não se podendo abstrair dos factos que deram origem à pretensão dos autores, o regime jurídico dos serviços de pagamento e da moeda electrónica do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, que transpôs, para a ordem jurídica interna, a Directiva 2015/2366/EU, não se aplica às relações já constituídas, sendo de aplicar ao caso sujeito o DL n.º 317/2009, de 30 de Outubro, que transpôs, para a ordem jurídica interna, a Directiva 2007/64/CE.
2. De acordo com esse regime, cabe ao prestador do serviço de transferência, provar não só que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada, mas também que a operação não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
3. O facto de as ordens serem provenientes de endereço de correio eletrónico autorizado e validado não é suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este tenha agido de forma fraudulenta, ou que não cumpriu as obrigações a que estava obrigado.
4. Não tendo resultado provado, pelo Banco, que existiu atuação fraudulenta pelos utilizadores e aqui autores, ou que estes não cumpriram as obrigações que lhes cabiam, deliberadamente ou com negligência grave, inexiste razão para presumir que a operação, ainda que validada, tenha sido autorizada.
5. Este regime, consagrado no artigo 70.º do citado DL 317/2009, prevê uma inversão do ónus da prova, fazendo-a recair sobre o prestador de serviços de pagamento, denotando uma escolha que revela uma enorme preocupação pelo contraente débil e uma intransigência por comportamentos desiguais e por práticas anómalas.
6. Este regime, na interpretação que lhe foi dada pelo primeiro grau, que colide com a aplicação do regime geral da lei civil (ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat), não viola qualquer regra ou princípio constitucional, designadamente o princípio da igualdade do artigo 13.º, os artigos 2.º e 11.º, nem o direito constitucional à propriedade privada, consagrado no artigo 62.º.
7. Na dúvida insanável sobre a conduta dos autores, o non liquet de facto transforma-se numa decisão desfavorável a quem tinha de fazer a prova da situação: o banco recorrente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Da junção do documento de fls. 452 v. e seguintes (despacho de arquivamento do inquérito). 
Vieram os recorridos, com as suas contra-alegações e ampliação do objecto do recurso, requerer a junção de um despacho de arquivamento.
Como os próprios referem, trata-se da repetição de um requerimento anteriormente apresentado com os mesmos fundamentos e cuja junção foi indeferida por despacho transitado, razão pela qual se deve indeferir o requerido.
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Como se disse, os recorridos apresentaram contra-alegações com ampliação subsidiária do objecto do recurso ex artigo 636.º CPC.
O recorrente opõe-se a essa ampliação nos seguintes termos conclusivos:
D) Nos termos do artigo 636.º, n.º 1 do CPC, é pressuposto prévio essencial para que determinada questão possa ser objeto de recurso subsidiário nesta sede que esteja em causa matéria que seja um dos fundamentos da ação e relativamente à qual a parte requerente tenha decaído, assim se excluindo depossíveis ampliações questões que não tenham sido anteriormente colocadasao Tribunal.
E)  Ora, um dos pontos agora suscitados pelos Recorridos na sua ampliação do objeto do recurso, mais precisamente nos pontos 111.º a 116.º das contra-alegações – referente, nas palavras dos Recorridos, à suposta não autenticação simples, não forte, das operações em causa nos autos – não preenche este requisito, na medida em que não integrava os fundamentos daação.
F) Também a parte das alegações dos Recorridos em que estes declaram pretender pôr em causa o teor da decisão de facto deve considerar-se excluídado objeto do recurso, por manifesta não verificação dos requisitos legais deque depende a impugnação da decisão de facto, nos termos do artigo 640.º,n.º 2, alínea a) CPC (disposição esta aplicável a casos em que a parte pretendaproceder à ampliação do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 3 do CPC).
Vejamos se lhe assiste razão.
Preceitua o artigo 636.º do CPC:
«1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por estes suscitadas.
3 (…)
Prevêem-se aqui duas situações bem diversas. a primeira, o caso de haver vários fundamentos da acção, várias causas de pedir, e de se ter conhecido apenas de um desses fundamentos; no segundo caso, de haver matéria de facto, não considerada ou mal considerda no primeiro grau, e não impugnada pelo recorrente, que aproveite ao recorrido, susceptível de neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso.
Em ambas as situações o recorrido pode ampliar o âmbito do recurso a título subsidiário.
Os recorridos pretendem ampliar o objecto do recurso em dois planos distintos: i) no plano de direito, por não ter sido sindicado o cumprimento dos deveres de autenticação, verificação e registo e do regime de prevenção da Branqueamneto de Capitais ex Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, revogada pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto; ii) no plano dos factos, acrescentando-se factualidade à matéria de facto como não provada (sic) relativa a não apresentação de queixa crime e não realização de autenticação forte (artigo 110.º das contra-alegações), e aos factos provados toda a matéria do artigo 51 da contestação e não apenas a do n.º iii) (ambas as partes falam em alínea c) , mas na verdade o artigo está subdividido em números romanos), aditando-se ao facto 84 o seguinte segmento: «(…) não tendo sido confirmadas pela Private Banker, via telefone ou qualquer outro elemento de confirmação pessoal, como sucedera com outras ordens dadas por e-mail, antes da introdução das mesmas no sistema» e, ainda o que consta do artigo 142 das contra-alegações.
No que se refere ao primeiro plano não há propriamente ampliação porquanto vendo bem o que está em causa não é o conhecimento de um fundamento de acção não apreciado no primeiro grau, mas sim a aplicação do direito. Ora quanto a esta tarefa aplicativa rege o princípio iura novit curia (cfr. artigo 5.º, 3).
No que tange ao plano estritamente factual, é verdade que o recorrido não está dispensado de levantar determinados ónus: em primeiro lugar, um ónus de discriminação fáctica e probatória (artigo 640.º), o qual se traduz: a) na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o «ponto» ou «pontos» da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; b) no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente; c) na especificação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; d) finalmente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente , sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; em segundo lugar, um ónus conclusivo: o  objecto do recurso é delimitado pelo agregado conclusivo das alegações (artigos 635 e 639).
O recorrente entende que os recorridos não levantaram o ónus da alínea a) do n.º 2 do citado artigo 640.º.
O recorrente não tem razão. Em primeiro lugar, os recorridos não fundamentam a ampliação em matéria de facto em mera prova testemunhal. Veja-se que em relação, por exemplo, à matéria do artigo 51.º da contestação se referem à prova por admissão por acordo. Por outro lado, os recorridos fazem referência expressa e bastante a passagens da gravação  em que fundam o seu recurso (artigos 113.º, 115.º e 126.º das contra-alegações)
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VF e EF instauraram accção declarativa, com processo comum, contra Banco S.A. pedindo a condenação do réu a entregar-lhes o valor de €118.659,44, acrescido de juros de mora, desde 21.6.2017 até integral pagamento, calculados até 21.6.2019 no valor de €9.492,00; acrescido de juros nos termos do artigo 114º nº 10 do DL n.º 91/2018, de 12 de novembro, até integral pagamento e que se calculam até à presente data em €23.732,00.
Alegam que são ambos clientes do banco réu, nele tendo domiciliadas contas bancárias de que são, reciprocamente, titulares e cotitulares. Entre os dias 14.03.2017 e 03.04.2017, alguém não identificado, utilizando o endereço de email do autor EF, deu ao réu instruções de pagamento de elevados montantes, com destino ao estrangeiro, num total de €118.610,28; instruções essas que o réu cumpriu de imediato, e sem qualquer procedimento de verificação. Os autores reclamaram junto do réu, mas este, até à data, não procedeu à devolução aos autores do referido montante.
O réu contestou. Alega que os autores assinaram declarações de transmissão de ordens através das quais expressamente declararam pretender usar da possibilidade de transmitir ordens por telefone e email. Ora as ordens aqui em causa foram dirigidas ao réu através do endereço de email do autor Erik ... expressamente indicado por este como sendo o endereço a ser utilizado nas suas comunicações com o banco. Acresce que as primeiras quatro ordens vinham no seguimento de uma cadeia de emails iniciada meses antes, que se reportava a transferências. Alega ainda que é falso que estivesse estabelecido um procedimento de verificação por telefonema. Refere também que os autores haviam transmitido ao réu que estavam na iminência de assinar um contrato promessa de compra e venda de um imóvel cujo vendedor era espanhol, e no âmbito do qual iriam entregar a título de sinal o montante de €150.000,00.  Finalmente, o banco réu cumpriu todos os procedimentos a que legalmente estava obrigado; o autor Erik ..., enquanto utilizador do sistema de pagamento, não cumpriu deveres que sobre o mesmo impendiam e decorrem do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica (aprovado pelo D.L. nº317/2009, de 30 de outubro).
Após audiência de discussão e julgamento, o tribunal julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenou o réu a pagar aos autores a  quantia total de €117.860,00; acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, acrescidas de dez pontos percentuais, desde 05.04.2017 e até integral pagamento.
Inconformado, interpôs o Banco competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma.
A) Os dois pressupostos de facto com base nos quais os Autores /Recorridos interpuseram a ação ora em crise a saber - i) o de que a conta pessoal de e-mail (gmail) de um dos Recorridos (no caso, de EF), teria sido objeto de interferência indevida por terceiros, tendo sido estes enviar para o Recorrente os emails contendo as ordens de transferência em causa na ação e, ii) o de que o Recorrente: tendo recebido esses e-mails, teria realizado essa transferência sem cumprir os deveres de autenticação que lhe cabiam - não se verificam, estando a ação condenada à total improcedência.
B) A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 70.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, que contém o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, 8.º, do Código Civil (adiante “C.C.”), 9.º, n.º 1 do C.C., 342.º, n.º 1 e 2 do C.C., 3.º, n.º 3 do CPC, 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, 607.º, n.ºs 2 a 5 do CPC, 13.º, 20.º, 32.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa (adiante “CRP”), devendo ser revogada e substituída por outra que declare a total improcedência dos pedidos dos Autores.
DA DECISÃO QUANTO AO PRIMEIRO PRESSUPOSTO DE FACTO EM QUE ASSENTA A PRETENSÃO DOS AUTORES, A SABER, DA ALEGADA INVASÃO DA CONTA PESSOAL DE E-MAIL DE UM DOS RECORRIDOS POR TERCEIROS
Da não verificação do pressuposto necessário à decisão de facto segundo os critérios de repartição do ónus da prova
C) A sentença recorrida começa por decidir o facto relativo à autoria das ordens de transferência mediante recurso às regras da repartição do ónus da prova (cfr. p. 25 da sentença, final do ponto B), ao abrigo do artigo 8.º do C.C.), quando declara não ter ficado provado que não foram os Autores a emitir as ordens de transferência – assim assumindo que caberia ao Réu provar que não foram os Autores a dar a ordem e que essa prova não foi feita –, mas depois afirma, mais adiante, em sede de motivação da mesma decisão, ter formado convicção quanto a este ponto –concluindo que foram terceiros a dar as ordens - com base nas declarações de parte e no “conhecimento comum” (cfr. pp. 28-29 da sentença recorrida), sendo, nessa medida, contraditória nos seus próprios termos.
D) O critério de decisão de acordo com as regras de repartição do ónus da prova é de aplicação subsidiária, só sendo convocável quando o Tribunal não recorra ao material de prova, não podendo o Tribunal convocar as regras de distribuição do ónus da prova (como critério de decisão) e em simultâneo afirmar que formou convicção com base na prova, como aqui faz o Tribunal a quo.
E) Não pode assim, face ao vício assinalado, subsistir a decisão proferida pelo Tribunal a quo, quanto a este pressuposto de facto com base na repartição do ónus da prova, devendo a sentença ser revogada, desde logo, na parte em que o Tribunal a quo declara (a p. 25) “não resultou provado que qualquer dos autores tenha transmitido ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017”.
Da errada seleção do critério de distribuição do ónus da prova
F) Merece também censura a decisão do Tribunal a quo de convocar para resolução da questão da autoria das ordens por recurso às regras de repartição do ónus da prova a norma prevista no art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica, que não tem aplicação ao caso dos autos, assim desrespeitando a regra geral de repartição do ónus da prova prevista no art. 342.º do C.C.
G) Com efeito, o universo da responsabilidade bancária comporta uma enorme diversidade de tipologias e contextos em que as relações bancárias se estabelecem, sendo que no que respeita, em concreto à questão das ordens de pagamento, devem distinguir-se, desde logo, as situações em que (i) o pagamento é realizado pelo ordenante (cliente bancário) no sistema informático do Banco, em que se integram, em particular, as situações de utilização pelos clientes de sistema de homebanking daquelas outras em que (ii) o pagamento é realizado pelo Banco no seu sistema informático, no seguimento de instrução transmitida pelo cliente pela forma contratada com o Banco para o efeito (por exemplo, por e-mail enviado da conta pessoal do cliente), sendo que às realidades de facto que integram um ou outro tipo de situações estão associadas diferenças quanto aos concretos sistemas informáticos envolvidos, à respetiva titularidade/controlo, ou aos sujeitos que realizam o ato de execução da operação bancária,
H) Ora, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do referido art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica – ao abrigo da qual parece convocar a sua aplicação a uma situação em que as ordens foram transmitidas por e-mail proveniente da conta pessoal do cliente ao Banco – não respeita os critérios de interpretação de normas jurídicas previstos no art. 9.º, n.º 1 do C.C., desconsiderando ainda o contributo jurisprudencial de Tribunais superiores, em particular do STJ, quanto a esta matéria (apesar de para a mesma ter o Tribunal a quo sido expressamente alertado pelo Recorrente nos autos), redundando na aplicação – errada - desse preceito a uma situação de facto a que o mesmo não visa aplicar-se. Aplicação que, assim, não pode ser admitida.
I) Desde logo, o teor literal do art. 70.º comporta indícios fortes no sentido de que esse preceito não se aplica a casos como o dos autos (respeitantes à suposta invasão indevida de terceiros na conta pessoal – gmail- de e-mail do ordenante das transferências), mas sim, e quanto muito, a situações que possam surgir no próprio sistema informático de execução de operações de pagamento, sob a alçada do Banco, sendo aqui de destacar que: (i) a epígrafe do preceito respeita ao ato de autenticação e de execução das operações de pagamento, ou seja, a atos praticados no seio do sistema informático bancário em que a operação de pagamento é efetivada; (ii) a noção de instrumento de pagamento ínsita ao art. 70.º, n.º 2, por si só e interpretada em conjugação com disposições precedentes do art. 66.º n.ºs 2, 3 e 4 ou 68.º, n.º 1, e), 68.º, n.º 2 do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónico, é clara no sentido de remeter para instrumentos de pagamento que estejam sob a alçada ou controlo da entidade bancária (podendo esta, em particular, proceder ao respetivo bloqueio por razões de segurança) e não sob o exclusivo controlo do cliente.
J) Também o facto de o n.º 1 do mencionado art. 70.º referir que incumbe ao prestador de serviços “fornecer prova” pressupõe que nas situações enquadráveis nesse artigo esteja no poder da parte prestar ou fornecer prova aos autos, o que não sucede relativamente a eventos que possam ter ocorridos na conta de e-mail pessoal de clientes/ordenantes, que está sob o domínio e controlo destes últimos.
K) No mesmo sentido que se retira dos referidos elementos literal e sistemático, também a ilação que se retira da teleologia que preside ao referido art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica é a de que o mesmo é inaplicável ao caso presente.
L) Com efeito, o artigo em questão surge em reação a uma realidade de facto em que é manifesta a crescente utilização, pelos clientes bancários, das plataformas informáticas que as instituições de crédito lhes proporcionam, em particular plataformas ditas de homebanking, para realização, mediante intervenção direta dos clientes bancários no sistema de execução de operações bancárias sob a alçada do Banco, de operações de movimentação dos seus fundos. Surge, assim, em reação a um contexto em que, surgindo divergências ou erros no processamento das ordens dadas através dessas plataformas bancárias, poderia ser particularmente oneroso para o cliente/ordenante que atuou na plataforma informática que está sob a alçada do Banco demonstrar que o erro se devera a falha inerente ao sistema informático de execução das operações bancárias, dificuldade a que o legislador terá sido sensível prevendo, para esse contexto específico, uma regra especial de distribuição do ónus da prova.
M) Em suma, os instrumentos de pagamento relevantes para efeitos do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónico são proporcionados pelo Banco e encontram-se no domínio da esfera de controlo deste no que diz respeito à possibilidade de adoção autónoma de medidas para preservação do seu grau de segurança, assim impedindo ou minorando a produção de danos, o que não sucede com a utilização de e-mail do cliente/ordenante, relativamente ao qual nenhum tipo de gestão pode ser feito pelo Banco.
N) Já em todas as outras hipóteses em que essa ordem de razão não se verifique e que, nessa medida, não possam considerar-se abrangidas pelo referido art. 70.º, continuar-se-ão a aplicar (salvo existência de outra disposição especial em sentido contrário), nas relações entre os Bancos e os clientes bancários, as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do seu direito de crédito, e ao Réu alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, tudo em conformidade com o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil.
O) Com efeito, o Banco não pode ser responsabilizado por problemas que ocorram por estar supostamente em causa a invasão da conta de e-mail própria do ordenante (conta gmail), relativamente à qual o Banco não pode implementar, nem impor a implementação, de critérios e métodos reforçados de segurança em ordem a evitar a respetiva invasão ou uso indevido por terceiros. Não dispondo o Banco de liberdade para atuar nesse domínio, não lhe pode, naturalmente, ser assacada responsabilidade pelo que aí corra mal.
P) A interpretação das normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica no sentido de que, estando em causa o envio, para o Banco, de uma ordem de pagamento, a partir de uma conta privada de email (gmail) do ordenante e invocando este não ter sido o autor dessa ordem (antes terceiros que invadiram a sua conta), cabe ao Banco demonstrar que tal invasão não se verificou e que foi o titular da conta a emitir a ordem, representa ofensa do direito constitucional à propriedade privada consagrado, entre o mais, no art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, em virtude de, não se desincumbindo o prestador de serviços dessa prova, fica reunido um dos pressupostos para lhe ser injustamente assacada responsabilidade indemnizatória por eventos ocorridos em espaço informático de intervenção e exclusivo domínio do ordenante (a sua conta privada de email) e onde, assim, a ação do Banco Réu não tem qualquer influência.
Q) A este respeito, cabe ainda referir que mobilizar o art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica como fundamento para fazer incidir, no presente caso, sobre o Recorrente, o ónus da prova quanto à interferência ou não de terceiros na conta de email do Autor EF e associado envio de email como ordem de pagamento para o Recorrente significa também criar um ónus de prova de desincumbência impossível ou de dificuldade de tal modo intensa que se torna inexigível para o Recorrente (assim se impossibilitando a este, na prática, o efetivo exercício do seu direito à prova).
R) Tal restrição de um direito processual nuclear, beneficiário de tutela legal e constitucional, não se afigura admissível, o que se impõe de modo expresso enunciar.
S) Assim, cumpre sublinhar que a interpretação da norma contida no n.º 1 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou email) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de email (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.
T) O mesmo vale quando no mesmo sentido se interprete o n.º 2 do mesmo artigo, pelo que também quanto a este cumpre enunciar a mesma arguição: a interpretação da norma contida no n.º 2 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou email) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de email (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.
U) O que vem de se expor, com base em razões, literais, sistemáticas e teleológicas, no sentido da manifesta aplicabilidade ao presente caso das regras gerais de distribuição do ónus da prova - não se aplicando, consequentemente, o art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica – é corroborado pela jurisprudência (proferida em contexto de revista excecional) do Supremo Tribunal de Justiça, que, assinalando a importância comunitária que esta questão assume, decidiu admitir um recurso revista excecional que teve por objeto a presente questão, em virtude de estarem “em causa interesses de particular relevância social” (art. 672.º, n.º 1, b) C.P.C.).
V) Apesar de a jurisprudência dos tribunais superiores não influenciar, com caráter vinculativo, as decisões dos demais tribunais, é objetivo da revista excecional assegurar que o Supremo Tribunal de Justiça possa - pela especial autoridade intrínseca e influência das suas decisões - ajudar a introduzir uniformidade decisória na ordem jurídica quando esteja em causa questão com particular impacto na vida dos cidadãos, contribuindo, assim, para promover também a igualdade entre os mesmos (valor constitucionalmente protegido pelo art. 13.º da C.R.P.).
W) O referido acórdão do STJ de 27.11.2019, foi proferido no âmbito do processo n.º 12693/16.2T8PRT.P1.S1 (em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Henrique Araújo) e refere-se a um processo em que, como sucede nos presentes autos, tinham sido ordenadas uma série de transferências provenientes da conta de e-mail do aí Autor (conta de e-mail autorizada para o efeito), tendo este negado ter sido o responsável por essas ordens, e requerendo que o Banco lhe restituísse o valor em causa, sendo que o STJ se pronunciou no sentido da absolvição do réu do pedido, em virtude de o Autor não ter conseguido fazer prova de que não tinha sido ele a ordenar as ordens de transferência.
X) A este respeito, refere o STJ, no referido acórdão de revista excecional, de forma lapidar: “Ora, o facto ilícito invocado traduzir-se-ia, segundo o Autor, na circunstância de as ordens de transferência terem sido executadas pelo BB apesar de não ter sido aquele quem as emitiu, e de estas terem sido “feitas à sua revelia”, desconhecendo quem as tenha emitido – cfr. artigos 35º e seguintes da petição inicial.
(…) Como atrás se referiu, o Autor só lograria a procedência da acção se provasse, primeiro que tudo, o facto negativo consubstanciador da ilicitude, ou seja, que não emitiu as ordens de transferência de fundos identificadas nos pontos 14. e 15. a que o Banco Réu deu seguimento. Faltando a prova da falsidade dessas ordens, não há, sequer, que apreciar os restantes requisitos da responsabilidade civil. [O Autor] põe, como se vê, todo o enfoque no incumprimento dos deveres de diligência do Banco Réu subalternizando o elemento fulcral e decisivo: a origem e autoria das ordens de transferência. Só se se tivesse provado que as ordens de transferência foram emitidas por outrem (que não o Autor), e à sua revelia, é que se poderia questionar se o Banco cumpriu os deveres de diligência a que estava contratualmente vinculado quando deu seguimento a essas ordens de transferência, no âmbito da relação negocial bancária firmada com o seu cliente.” (cfr. citação constante do texto das alegações).
Y) Com efeito, em situação de dúvida insanável, dever-se-á declarar não ter ficado provado que a ordem de pagamento tenha sido enviada por terceiros a partir da conta de email do Autor (versão sustentada pelos Autores), e não declarar-se (como o Tribunal a quo erradamente fez) não ter ficado provado que foram os Autores a emitir a ordem de pagamento a partir da sua conta de email (versão sustentada pelo BCP).
Z) Ainda quanto à questão das considerações vertidas pelo Tribunal a quo quanto a quem cabia ou não provar a suposta interferência na conta de e-mail do Autor Erik ..., cabe assinalar que os critérios de distribuição do ónus da prova são estabelecidos pelo legislador com base em razões e equilíbrios dos interesses jurídicos em presença (designadamente de facilidade de prova e hierarquia de posições jurídicas), na sequência da sua superior ponderação quanto a estes últimos, não sendo dado ao Tribunal alterar esse esquema normativo de definição de encargos probatórios (salvas as exceções em que o legislador expressamente o permita, o que não é o caso).
AA) Quando, contrariando a lei, o Tribunal a quo o faz (indevidamente
invertendo o ónus da prova), equipara-se e substitui-se ao legislador, em flagrante violação do princípio da separação de poderes, constitucionalmente consagrado e base do Estado de Direito Democrático em que toda a ordem jurídica assenta.
BB) Nestes termos, a interpretação do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada (gmail) foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou e-mail) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de e-mail (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, assim se aplicando o preceito a situações que não se enquadram no seu espírito nem âmbito aplicativo, atuando o juiz como se legislador fosse, viola a Constituição da República Portuguesa por ofensa do princípio da separação de poderes consagrado nos arts. 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa.
Da errada aplicação do errado critério selecionado de distribuição do ónus da prova
CC) Mesmo se o art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica fosse (e não é) o critério relevante no presente caso, nunca da sua aplicação resultaria decisão com o teor da proferida, pelo que também por aqui andou mal (e deve ser revogada) a decisão recorrida.
DD) Na verdade, face à lista de factos provados que já consta da sentença recorrida e da lavra do Tribunal a quo, a única conclusão plausível e possível a retirar é a de que as ordens em causa nos autos foram dadas pelos Autores, em particular pelo Autor Erik ..., na medida em que ficou assente nos autos, que as mesmas (i) foram ordenadas através do endereço de e-mail do Recorrido EF; (ii) vinham no seguimento de e-mails anteriores do Autor EF, cuja genuinidade os Autores não impugnam, e estavam em linha com o teor habitual desses e-mails, (iii) foram validadas e confirmadas pelo back-office do BCP de acordo com os procedimentos instituídos; (iv) tinham como destino bancos europeus, e não jurisdições mais comummente associadas a fraudes; e (v) estavam alinhadas, em termos de timing e valor das transferências, com a vontade manifestada pelo cliente de adquirir um imóvel a vendedores espanhóis (cfr., em particular, os factos provados n.º 43, 46, 48 e 50, 92 e 93, 15, 19, 21, 23, 24, 26, 29, 38 ou 39, 28, 31 e 34, 45, 84 e 85, 86 e 87).
Das livres construções da realidade e alegados meios de prova invocados pelo Tribunal a quo.
Da ausência de relação entre o julgamento de facto e a motivação de facto
EE) A motivação da decisão sobre a matéria de facto tem de estar em consonância com a própria decisão sobre a matéria de facto - sob pena de respeitar a uma outra decisão, incompatível com aquela que se motiva -, destinando-se a ser uma mera explicitação das razões que levaram o Tribunal a decidir como decidiu na prévia lista de factos que depois motiva, que não já a inovar (art. 607.º, n.º 4 C.P.C.), avançando com teses ou convicções íntimas do julgador que não têm reflexo na referida lista de factos.
FF) Ora, no que respeita à autoria das ordens de transferência ora em apreço, o Tribunal a quo afirma na motivação da decisão de facto a sua convicção de que não foi nenhum dos Autores a transmitir as ordens de transferência (cfr. p. 29 e p. 37 da sentença), quando na lista de factos não provados tinha afirmado algo de muito diferente: apenas que não tinha resultado provado que qualquer dos Autores tenha transmitido ao Réu as ordens de pagamento em questão (cfr. final do ponto B) da sentença, p. 25), contradição que também inquina a validade da sentença recorrida.
Violação do princípio do dispositivo e vícios associados
GG) Não pode ser admitida ou atribuir-se qualquer efeito à afirmação do Tribunal a quo, a p. 29 da sentença, em sede de motivação da decisão de facto, de que “poderá ter havido hacking da conta da testemunha” (no caso, SG, funcionária do Banco), dado que não podem ser relevados, em sede de decisão, factos que não constem da lista dos factos provados ou não provados, sob pena de violação do disposto no art. 607.º do CPC, em particular nos seus n.º 3 a 5, assim se pondo em causa a objetividade, imparcialidade e rigor da sentença, tal bastando para que a mesma deva, também por esta razão, ser revogada.
HH) Ao exposto acresce que com a convocação desta possibilidade de facto – a saber que possa ter havido hacking da conta de e-mail da testemunha SG -, o Tribunal a quo violou frontalmente o princípio do dispositivo, não podendo esse facto ser considerado em sede de decisão.
II) Com efeito, nunca os Autores invocaram nos autos (cfr., em particular, os artigos 24.º a 32.º da P.I.) qualquer invasão da conta da funcionária por terceiros, tendo, ao invés, identificado e confessado um problema na sua conta pessoal de email – gmail - quando alegaram que a mesma foi invadida por terceiros. Já a falha que os Autores alegam relativamente ao BCP reporta-se, assim, ao cumprimento ou não dos deveres de autenticação (resultando dos factos provados 84 e 85 da sentença que estes foram integralmente cumpridos).
JJ) Falar de possibilidade de hacking do email de uma funcionária do Banco é algo de radicalmente distinto de alegar (como o fazem os Autores) hacking da conta pessoal de e-mail dos Autores, pelo que ao trazer esse facto aos autos o Tribunal está a alterar de forma inadmissível a realidade que lhe é trazida, construindo uma outra relação material controvertida.
KK) A circunstância de o juiz convocar factos principais para o processo transmite às partes, em geral, um sentimento de dúvida quanto à equidistância de quem decide, sentimento esse que, no caso dos autos, foi gerado, de modo intenso, no decurso do julgamento, em virtude de o Tribunal não se ter coibido de, durante a audiência de julgamento, tecer observações altamente pejorativas relativamente às instituições de crédito no seu conjunto, fazendo (surpreendente) referência à sua alegada experiência pessoal com os Bancos (não obstante as vestes em que se encontrava), assim se deixando permear por razões não só não jurídicas, como antijurídicas (cfr., em particular, o teor da intervenção do Tribunal no decurso da audição do Autor VF prestadas na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 01:50:29 a 01.53:06, ora reproduzida no texto das alegações), sendo que também esta circunstância –representativa de violação do princípio do dispositivo -, conjugada com todas as demais assinaladas, nas presentes alegações, relativamente à sentença recorrida, não poderá deixar de ser considerada para efeitos de revogação da decisão.
LL) Acresce, ainda quanto a este ponto, que o eventual hacking do telemóvel de funcionário do Banco, a ter ocorrido, no que não se concede, representaria facto principal essencial– ainda que de uma outra causa de pedir, que os Autores não formularam que não um facto principal complementar ou concretizador resultante da instrução da causa. Ainda que, porém, se tratasse (e não se trata) de facto principal complementar ou concretizador, nem assim poderia ser processualmente considerado, em virtude de não ter sido concedida às partes a possibilidade de exercício do contraditório em momento anterior ao uso desse facto na sentença, o que representa violação do 3.º, n,º 3 e art. 5.º, n.º 2, als. a) e b) C.P.C. (cfr., a este respeito, em particular, HELENA CABRITA (em A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, pp. 99 e 100, para que se remete no texto das alegações), representando nulidade processual que inquina os atos subsequentes, designadamente a própria sentença.
MM) A referência feita pelo Tribunal a quo a que o hacking da conta de email de funcionário do Banco “poderá ter sucedido” consubstancia mera especulação do Tribunal que, em circunstância alguma, poderá ser elemento usado para prolação de uma sentença, até porque referindo o Tribunal a quo desconhecer-se se a conta de email estava ou não protegida, o fundamento para decidir que o facto se verificou é o mesmo do que seria para decidir que o mesmo não se verificou.
NN) De referir ainda que, sendo a existência de hacking da conta de e-mail da testemunha apresentada como uma pura possibilidade (e não como um facto certo), nunca o Tribunal a quo poderia daí retirar ilações quanto a outro facto (o que erradamente faz quando afirma que essa possibilidade reforça a convicção do Tribunal de que houve hacking da conta do Recorrido EF), com a agravante de a probabilidade de essa possibilidade ser verdadeira ser, de acordo com os dados que o Tribunal a quo proporciona, tão elevada quanto a probabilidade de verificação da hipótese contrária.
OO) Por fim, é de referir que o Tribunal a quo omitiu da sentença outros dados de prova que foram produzidos em audiência relativamente à suposta possibilidade de hacking da conta da testemunha SG, em particular o facto de essa hipótese avançada pelo Tribunal a quo ter sido expressamente negada pelas testemunhas JV e pela testemunha AM (cfr. depoimento da testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 01:33:05 a 01:34:33; depoimento da testemunha AM na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427170525_19844742_2871018, de 00:15:23 a 00:16:43).
PP) Em suma, não só não havia fundamento para o Tribunal a quo admitir como possível que tivesse havido hacking da conta de email da funcionária do Banco, como havia fundamento – não mencionado pelo Tribunal a quo – para concluir em sentido inverso.
QQ) Com efeito, mesmo que se tivesse demonstrado que a conta de email da funcionária não estava protegida por firewalls, como o Tribunal afirma– o que não sucedeu, de todo, antes havendo elementos para concluir em sentido contrário–, esta nota de facto não permitia retirar convicção de que tivesse havido hacking dessa conta. Da inexistência de proteção para a invasão da conta por terceiros vai um passo de gigante, que não tem qualquer suporte de raciocínio justificativo.
Da sustentação da decisão face ao “conhecimento comum”
RR) O “conhecimento comum” a que se refere o Tribunal a quo na sentença recorrida – e que, a par das declarações das partes, terá sido decisivo para o Tribunal criar a convicção que a conta de e-mail do Autor Erik ... foi hackeada, não é um meio de prova, nem as regras da experiência podem, enquanto tais, valer para efeitos de juízo de prova.
SS) Ainda que se possa assumir que há hackers no mundo, como afirma o Tribunal a quo, não pode daí retirar-se a ilação de que o envio das concretas ordens de transferência em causa foi efetuada por hackers, sendo evidente a ausência de um liame de raciocínio e de elementos de prova que permita estabelecer relação entre uma circunstância e a outra.
Do peso indevido atribuído pelo Tribunal a quo às declarações de parte dos Autores
TT) O Tribunal a quo atribui um peso indevido na sua decisão às declarações das partes, quando quer face à natureza deste tipo de declarações, necessariamente parciais, e às reservas da doutrina e jurisprudência quanto à sua valoração, quer face às concretas declarações dos Autores nestes autos, pejadas de incoerências e contradições, as mesmas não deviam ter sido consideradas.
UU) Com efeito, “em relação a factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, se não houve um mínimo de corroboração de outras provas.»” (cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2016, Processo n.º 427/13, citado no texto das alegações).
VV) Ora, no presente caso, as declarações de parte não foram corroboradas por outro meio de prova, dado que (como acima exposto) o alegado “conhecimento comum”, a que o Tribunal a quo se refere e no qual sustenta, em particular, a sua convicção quanto à conta de e-mail do Autor Erik ... poder ter sido objeto de interferência indevida, nada é sob o ponto de vista jurídico-probatório.
WW) É, aliás, particularmente surpreendente o peso que o Tribunal a quo acabou por reconhecer a estas declarações quando, no decurso do julgamento, referiu expressamente que este tipo de declarações raramente era de valorar (cfr., em particular, o trecho da sessão de julgamento do dia 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 02:46:27 a 02:47:20), tendo reiterado esse entendimento de princípio (que, no entanto, depois não respeitou) na própria sentença recorrida, ao referir ser de ter “especial cautela” com o teor destas declarações.
XX) De facto, as concretas declarações prestadas pelas partes nos autos reuniam todos os elementos para que tivessem merecido por parte do Tribunal particular cautela e ponderação na sua apreciação, sendo várias as ocasiões em que os Autores V e E F entraram em contradição quer face ao alegado nos articulados, quer face ao teor de documentos juntos aos autos, não devendo ter sido valoradas (cfr. contradições elencadas no texto das alegações e aí melhor identificadas, resultantes, nomeadamente, (i) do confronto entre o Doc. n.º 2 da P.I. e as declarações do Autor V F na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro de áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 00:24:39 a 00:25:39; (ii) das declarações do Autor V F na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 00:34:32-00:34:38; (iii) das declarações do Autor V F na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 01:48:35-01:49:09; 01:53:18, 01:53:30; 02:08:10-02:10:23; (iv) do confronto entre o teor do Doc. n.º 54 da Contestação e as declarações do Autor V F na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 02:03:36-02:04:26; (v) das declarações do Autor V F na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 00:59:43-01:03:18; 01:57:50-01:59:03; e 02:39:13-02:41:51; (vi) do confronto entre o teor do Doc. n.º 3 da Contestação e as declarações do Autor E F prestadas na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420143532_19844742_2871018, de 00:13:45 a 00:14:39; e (vii) do confronto entre o teor do Doc. n.º 22 da Contestação e as declarações do Autor E F prestadas na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420143532_19844742_2871018, de 00:16:46 a 00:17:08).
YY) Já as testemunhas arroladas pelo Recorrente depuseram de forma clara, circunstanciada e com conhecimento de causa, não tendo sido apontado pelo Tribunal quaisquer contradições ou incoerência nos seus depoimentos que justifiquem a falta de relevância que lhes atribuiu.
ZZ) Na verdade, o único exemplo que o Tribunal avança de uma situação em que, no seu entendimento, o depoimento da testemunha J V não lhe pareceu credível, é precisamente um ponto em que o depoimento da testemunha em causa é secundado pelo teor de um documento junto aos autos no decurso do julgamento, contemporâneo dos factos em questão, e que precisamente confirma integralmente o teor do depoimento dessa testemunha (cfr. e-mail de 15.03.2017 cuja junção aos autos foi admitida pelo Tribunal no decurso da sessão de julgamento de 27.04.2021, melhor identificado na ata da referida sessão de julgamento, p. 2).
DA DECISÃO QUANTO AO SEGUNDO PRESSUPOSTO DE FACTO EM QUE ASSENTA A PRETENSÃO DOS AUTORES
AAA) Independentemente de ter havido ou não interferência indevida na conta de e-mail pessoal (gmail) do Autor EF e de ter sido este ou terceiros a dar a ordem aqui em causa, para que a ação fosse procedente seria também necessário avaliar se o Recorrente cumpriu os seus deveres de validação e autenticação destas ordens, só aí podendo ser considerada a responsabilidade do mesmo Recorrente.
BBB) Com efeito, sobre o Recorrente impendem deveres de execução da ordem – e com prontidão, sob pena de ser responsabilizado pelos danos que daí decorrerem -, sendo que, em termos consentâneos com esse dever de pronta execução, é-lhe, contudo, exigida a adoção de procedimentos de autenticação para controlo de segurança, devendo adotar procedimentos através dos quais faz o controlo de segurança da informação que lhe chega.
CCC) Ora, no caso dos autos, o BCP cumpriu integralmente esse dever de autenticação relativamente às ordens de pagamento aqui em causa, conforme o Tribunal a quo declara quando afirma que cabe ao prestador de serviço provar que “a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada –o que logrou fazer, cf. factos 84 e 85”.
DDD) Tendo havido integral cumprimento, pelo BCP, dos seus deveres de autenticação, registo e contabilização das operações aqui em causa, a execução das referidas operações bancárias teve lugar em termos absolutamente regulares, não sendo assacável ao Recorrente qualquer responsabilidade.
EEE) Acresce que, como decorre dos factos constantes da petição inicial, as operações de transferência foram, sob o ponto de vista técnico, bem executadas pelo Banco, sendo que, a ter existido um problema informático, o mesmo aconteceu, na versão factual dos Autores (sintetizada no art. 63.º da P.I.), no momento da emissão da mensagem a partir da conta pessoal (gmail) de email do Autor E, pelo que também por aqui não há qualquer conduta ilícita ou culposa do Recorrente a considerar.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
Questão prévia: Das alterações a promover à decisão de facto em decorrência do que vai exposto supra quanto aos vícios de que padece a sentença recorrida
FFF) A sentença recorrida erra na forma como enquadra e decide a questão da suposta interferência indevida de terceiro no e-mail do Autor EF, como erra ao não reconhecer que, independentemente de saber quem deu essa ordem, tendo resultado provado que o Banco cumpriu os deveres de autenticação e controlo que lhe cabiam, a sua responsabilidade sempre estaria excluída.
GGG) A correção dos vícios apontados à sentença recorrida impõe, desde logo, a exclusão, da lista de factos não provados, da passagem em que aí se lê que “não ficou demonstrado que foram os Autores a emitir a ordem de pagamento a partir da sua conta de email”, sendo a mesma substituída pela inclusão, na mesma lista, do seguinte ponto: “não ficou demonstrado que foram terceiros a emitir a ordem de pagamento a partir da conta de email do autor E”.
HHH) A este respeito, cabe ainda assinalar que, face à lista de factos provados que já consta da sentença recorrida e da lavra do Tribunal a quo, a única conclusão plausível e possível a retirar da sua leitura conjugada é, por sinal a aposta, a saber, a de que as ordens em causa nos autos foram dadas pelos Autores, em particular pelo Autor EF.
III) Com efeito, resulta da referida lista de factos provados que as ordens em causa nos autos foram (i) ordenadas através do endereço de e-mail do Recorrido EF; (ii) vinham no seguimento de e-mails anteriores do Autor EF, cuja genuinidade os Autores não impugnam, e estavam em linha com o teor habitual desses e-mails, (iii) foram validadas e confirmadas pelo back-office do BCP de acordo com os procedimentos instituídos; (iv) tinham como destino bancos europeus, e não jurisdições mais comummente associadas a fraudes; e (v) estavam alinhadas, em termos de timing e valor das transferências, com a vontade manifestada pelo cliente de adquirir um imóvel a vendedores espanhóis (cfr., em particular, os factos provados n.º 43, 46, 48 e 50, 92 e 93, 15, 19, 21, 23, 24, 26, 29, 38 ou 39, 28, 31 e 34, 45, 84 e 85, 86 e 87).
JJJ) Face ao exposto, e a acrescer à exclusão da lista de factos não provados da referência a que não se demonstrou não terem sido os Autores a emitir a ordem de transferência, deveria antes ser aditado à lista de factos provados da sentença que resultou provado o facto de terem sido os Autores a emitir a ordem de transferência a partir do sua conta privada e pessoal de e-mail, com a seguinte redação:
Os autores, mais precisamente o Autor Vf, transmitiu ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017, 03.04.2017 referidas nos factos provados 43, 46, 48 e 50 da lista de factos provados”.
KKK) A alteração da decisão quanto à matéria de facto nos termos aqui requeridos afigura-se ser a única conclusão lógica a extrair da correção dos vícios já apontados à sentença recorrida e da consideração dos factos provados já constante da sentença, pelo que a alteração aqui propugnada não pressupõe, sequer, a necessidade de reapreciação da prova produzida, em particular da prova gravada, e/ou a introdução de outras alterações à lista de factos provados ou não provados.
LLL) Em todo o caso, à cautela e sem conceder, o Recorrente formula ainda os seguintes reparos adicionais à lista de factos considerados provados e não provados, requerendo a respetiva alteração, sendo as referidas correções de molde a corrigir lapsos de escrita contantes da mesma bem como a corroborar o que acima já vai exposto quanto a ter resultado da prova produzida que os Autores mais precisamente o Autor VF, transmitiu ao BCP as ordens de pagamento em causa na presente ação:
Correção de lapso de escrita nos pontos 84 e 85 da lista de factos provados
MMM) O Tribunal a quo considerou provado e declarou na sentença que também as ordens de transferência relativamente às quais se levanta a suspeita da interferência indevida foram objeto de verificação e validação pelo BCP nos mesmos termos das demais transferências, referindo de forma clara, na p. 34 da sentença, que “cabe ao prestador do serviço, e aqui réu, fornecer prova que a) a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada – o que logrou fazer, cf. factos 84 e 85”, entendimento este corroborado pela prova produzida nos autos (cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:06:18 a 00:07:57, e depoimento prestado pela testemunha AT na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427161949_19844742_2871018, de 00:08:04 a 00:08:15 e de 00:09:39 a 00:12:01; cfr. depoimento prestado pela testemunha AM na sessão de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427170525_19844742_2871018, de 00:03:00 a 00:05:12 e de 00:09:33 a 00:11.09).
NNN) Face ao exposto, e de forma a que os factos provados 84 e 85, aí referidos, passem a refletir de forma adequada o pensamento do Tribunal a quo quanto a esta matéria, expresso na passagem exposta supra, deve ser retificado o lapso de escrita constante das respetivas redações, passando aí a ler-se:
“84. Todas as transferências objeto dos pontos 15 a 39 e 42-43, 46-47, 48-49 e 50-51 da lista de factos provados foram duplamente validadas pelos private bankers, por um lado, e pelo back office do BCP, por outro, do ponto de vista normativo e técnico.
85. No que respeita às transferências identificadas no ponto 84 da lista de factos provados, o back office verificou a conformidade entre a ordem lançada no sistema e o que o cliente efetivamente ordenou e a conformidade das ordens recebidas com as normas e registos internos do BCP, incluindo a verificação dos poderes do ordenante, se o cliente podia ou não transmitir a ordem por telefone a verificação dos endereços de email utilizados.”
Factualidade que consta da lista de factos não provados e que deve ser incluída na lista de factos provados
Aditamento do facto alegado no artigo 51.º, alínea c) da Contestação à lista de factos provados
OOO) Ficou provado em sede de julgamento o alegado pelo Recorrente na alínea c) do artigo 51.º da Contestação – a saber, que “em 12.07.2016 ordenou uma transferência de 20.000 € da conta 45450481409 com destino a Portugal, a qual ordenou por email, não havendo qualquer registo de a ter confirmado por telefone” (cfr. depoimento prestado na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427161949_19844742_2871018, de 00:20:17 a 00:21:23; cfr. e-mail de 12.07.2016 junto aos autos na sessão e julgamento de 27.04.2021, referido na ata da sessão de julgamento de 27.04.2021, p. 3).
PPP) Face ao exposto, deve ser alterada a lista de factos não provados constante da sentença recorrida, excluindo-se da mesma o alegado no referido artigo 51.º, alínea c) da Contestação, e, bem assim, aditando-se uma nova alínea à lista de factos provados correspondente ao mesmo facto, com a seguinte redação:
Em 12.07.2016, o Autor VF ordenou uma transferência de 20.000 € da conta 45450481409 com destino a Portugal, a qual ordenou por email, não havendo qualquer registo de a ter confirmado por telefone”.
Aditamento do facto alegado no artigo 80.º da Contestação à lista de factos provados
QQQ) O alegado no artigo 80.º da Contestação – a saber, que “o Autor EF estava a ajudar o pai no assunto da aquisição do […] imóvel” - resultou provado nos autos (cfr. depoimento da testemunha SG, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:31:55 a 00:32:20).
RRR) O facto de os Autores VF e EF e da testemunha NBC, respetivamente filha e irmã dos mesmos, negaram este ponto nos seus depoimentos não merece credibilidade, sendo de assinalar que, para além do manifesto interesse dos mesmos na sorte dos autos, o depoimento da testemunha NBC quanto ao processo de aquisição do imóvel, em particular quanto a se o irmão esteve ou não em Portugal nesse período, foram contraditórias(cfr. depoimento prestado na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420164123_19844742_2871018, de 00:04:41 a 00:05:02; de 00:11:09 a 00:11:28; e de 00:12:02 a 00:12:06).
SSS) Face ao exposto, deve o facto alegado no artigo 80.º da Contestação ser retirada da lista de factos não provados e aditado à lista de factos provados, com a seguinte redação:
O Autor EF estava a ajudar o pai no assunto da aquisição do imóvel identificado nos pontos 78.º e 79.º da lista de factos provados”.
Aditamento dos factos vertidos nos artigos 110.º, 112.º, e 113.º da Contestação à lista de factos provados
TTT) Os factos alegados nos artigos 110.º e 112.º da Contestação - relativos ao pedido do Autor VF quanto à desmobilização de um depósito a prazo de € 40.000 para pagamento de sinal de uma casa que pretendia adquirir -resultaram provados dos depoimentos das testemunhas SG e JV, que confirmaram o teor dos contactos havidos com o Autor VF quanto à desmobilização do depósito a prazo, bem como do teor do documento junto aos autos na audiência de julgamento pela testemunha SG, contemporâneo destes contactos, em que o teor da conversa havida com o Autor VF é relatado (cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:33:29 a 00:35:00; cfr. depoimento prestado pela testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro de áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 00:21:18 a 00:21:47; cfr. documento admitido nos autos no decurso da sessão de julgamento de 27.04.2021, cfr. p. 2 da ata dessa sessão).
UUU) Resultou também claro da prova produzida que o facto de as transferências em causa nos autos terem ocorrido alguns dias após esta conversa e não imediatamente a seguir à mesma, ou o facto de o pagamento ter sido realizado em várias tranches, e não apenas numa só, não era suscetível de causar estranheza aos funcionários do Banco, estando perfeitamente em linha com o que é comum em operações de compra e venda de imóveis (cfr. depoimento prestado pela testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 00:23:23 a 00:24:17; cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:43:12 a 00:44:13).
VVV) Ao exposto acresce que, como resulta dos extratos de conta juntos como Doc. n.º 1 do requerimento do Recorrente de 30.03.2021, referentes à conta n.º 45450481409, o depósito a prazo de € 40.000 foi de facto liquidado em 17.03.2017 e, em virtude da referida liquidação, o saldo da conta passou de € 111.611,41 para € 151.611,41.
WWW) Assim, deve ser retirada da lista de factos não provados referência a que “não resultou provado o alegado pelo Réu, que o autor Victor havia informado os funcionários daquele que ia avançar com a compra do imóvel aos proprietários espanhóis, que iria proceder ao pagamento de qualquer sinal, que o autor Victor tenha dado ordem de liquidação do depósito a prazo no valor de € 40.000”, e, em contraponto, aditadas à lista de factos provados da sentença novas alíneas correspondentes aos factos alegados nos artigos 110.º, 112.º e 113.º da Contestação do Recorrente, com a seguinte redação:
“A Dra. SG pediu ao Dr. JV para contactar o Autor VF, o que este fez, em 15.03.2017, tendo o Autor V F dado instruções nesse telefonema para que fosse liquidado parcialmente o depósito a prazo no valor de 40.000 €, para poder pagar o sinal de 150.000 €, uma vez que o negócio ia de facto avançar, tendo ainda confirmado que pretendia um financiamento de 400.000 € a 5anos.”
“No dia 17.03.2017, o BCP, em cumprimento da instrução do Autor VF, procedeu à liquidação parcial do depósito a prazo, tendo creditado na conta nº 45450481409, o montante de 40.000 €.”
“Na sequência do referido crédito, o saldo da conta nº 45450481409 passou de € 111.611,41 € para 151.611,41 €.”
Aditamento à lista de factos provados dos factos alegados nos artigos 121, 126, 129, 132 e 152 da Contestação, que não constam da decisão de facto e resultaram provados nos autos
XXX) Resultou claro dos depoimentos prestados pelas testemunhas SG e JV que os mesmos apenas tomaram conhecimento de que poderia haver algum problema com as transferências em discussão nos autos após ter sido pedido ao Autor EF que assinasse o mapa de transferências, ou seja, em 05.04.2017 (cfr. factos provados 52, 54, 55 e 56 da lista de factos provados) (cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:55:27 a 00:56:18; cfr. depoimento prestado pela testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro de áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 00:27:33 a 00:27:51).
YYY) A testemunha JV referiu ainda nos autos que o Recorrido EF tinha, desde o início de 2017, acesso às suas contas no homebanking do BCP, tendo inclusivamente descarregado a app para poder acompanhar os movimentos feitos nas contas de que era titular, o que evidencia que o Autor EF tinha acesso aos movimentos das contas em causa ao longo deste período em que supostamente ocorreram transferências indevidas – sendo, nessa medida, pouco plausível que, se de facto não as autorizou, não as tivesse sinalizado mais rapidamente ao Banco (cfr. depoimento prestado pela testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro de áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 00:37:35 a 00:39:05).
ZZZ) O Autor EF mantém até hoje que não sabe explicar como foram realizadas as supostas transferências não autorizadas, tendo reiterado que assim era nas declarações prestadas nos autos (cfr. depoimento de parte prestado na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro de áudio 20210420143532_19844742_2871018, de 00:52:04 a 00:52:08).
AAAA) Resulta de tudo o que vai exposto que, em linha com o alegado nos artigos 121.º, 126.º, 129.º e 132.º da Contestação, o BCP não recebeu qualquer indicação quanto à suposta irregularidade destas transferências até 05.04.2017 –muito embora o Autor tivesse acesso aos saldos da sua conta que revelavam a existência dessas transferências – e que, até hoje, o Autor EF não logrou explicar em que moldes teria ocorrido a suposta interferência indevida com o seu email, como alegado no artigo 152.º da Contestação, pelo que os referidos factos devem ser aditados à lista de factos provados, com a seguinte redação:
O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 44 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 47 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 49 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 51 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
O Autor EF não explicou nem nessa data [05.04.2017], nem posteriormente, de que modo podiam ter acedido ao seu email e o que fez ou não para preservar a fiabilidade do seu endereço de email.”
Facto instrumental resultante da discussão da causa que deve ser incluído na lista de factos provados: O Autor VF não precisava de recorrer a crédito para adquirir o imóvel a que se referem os factos provados 86 e 87
BBBB) Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do CPC, “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa”.
CCCC) Resultou da instrução da causa que o Recorrido VF tinha, se assim o pretendesse, património próprio suficiente para adquirir o imóvel que tinha em vista e a que se reportam os factos provados 86 e 87 da lista de factos provados sem necessidade de recorrer a financiamento bancário, (cfr. depoimento prestado pela testemunha JV na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro de áudio 20210427144212_19844742_2871018, de 01:01:40 a 01:01:47 e de 01:01:06 a 01:01:22; cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 01:51:52 a 01:52:07), sendo este ponto relevante na medida em que, à luz desse facto, conhecido pelos funcionários do Banco com quem o Recorrido VF lidava habitualmente, os referidos funcionários não tinham razão para duvidar que o Recorrido estivesse em condições de avançar para a aquisição da casa e que as transferências em causa nos autos se reportassem ao pagamento do respetivo sinal, e isto independentemente de o processo de aprovação de financiamento não estar concluído ou sequer bem encaminhado à data em que ocorreram as transferências aqui em causa.
DDDD) Ainda quanto a este ponto, e por ser impressivo da ordem de grandeza do património do Recorrido VF, resultou da prova produzida nos autos a rapidez com que o próprio, segundo relato do filho, EF, procedeu à aquisição de um imóvel no Dubai, cuja propriedade é considerada provada no facto provado 71 da sentença (cfr. depoimento de parte do Recorrido Erik ... prestado na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro de áudio 20210420143532_19844742_2871018, de 00:34:57 a 00:35:12).
EEEE) Face ao exposto, deve ser incluído na lista de factos provados o seguinte facto resultante da instrução da causa:
O Autor VF tinha património suficiente para adquirir o imóvel referido nos pontos 86 e 87 da lista de factos provados sem necessidade de recurso a crédito bancário”.
Nestes termos e nos mais de Direito:
(i) deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que declara a total improcedência dos pedidos dos Autores;
(ii) Em todo o caso, e não obstante os vícios jurídicos da sentença justificarem, só por si, a revogação da decisão proferida nos termos expostos, deve, em todo o caso, ser alterada a lista de factos provados e não provados constante da sentença recorrida, nos termos também melhor expostos supra.
Os autores apresentaram contra-alegações e ampliaram a título subsidiário o objecto do recurso, tendo concluído da seguinte forma as suas alegações:
I. Bem andou a Sentença recorrida, em suma, ao considerar, contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, que não se provou nenhum dos factos em que assentou a sua defesa, em suma não se provou terem as ordens de Pagamento sido dadas pelos Recorridos, nem fraude, nem negligência grosseira, nem tendo o Banco conseguido demonstrar a inexistência de avaria, nem tendo conseguido provar a suspeição, que entendeu levantar, quanto às relações especiais do A. Vítor com o Regime Angolano e seu Presidente …( o que sempre faria dele uma Pessoa Politicamente Exposta e obrigaria o BCP a medidas adicionais de controlo de Branqueamento, que, como se verá em sede de ampliação, também não cumpriu).
II. Caso assim não seja por V. Exas. entendido, sempre, a título subsidiário, procedendo o recurso da Recorrente, se amplia o objecto do Recurso nos termos do artigo 636º do CPC, devendo ser reapreciada a decisão, de facto e de direito, quanto ao cumprimento dos deveres de autenticação, verificação e registo e do regime de prevenção de Branqueamento de Capitais (Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho, revogada pela Lei nº 83/2017 de 18.8), neste segmento errada e omissa.
III. Por se revelar útil ao apuramento da verdade, se requer a junção do DOC. 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido e, em especial, sendo o caso de V. Exas. alterarem o sentido da decisão, deverão ter o presente documento, que se junta, em reapreciação, ampliando-se os factos provados em conformidade com o seu conteúdo.
IV. Não resulta da sentença, em lado algum, que o Tribunal, tendo ficado na dúvida, recorreu ao regime, subsidiário, do ónus da prova, antes se concluindo: “ Tal reforça a convicção de que não foi nenhum dos autores a transmitir as ordens de transferência” Ou seja, o Tribunal a quo não teve dúvidas a que se seguiu o recurso às regras do ónus da prova para evitar um non liquet , antes o Tribunal formou convicção de que as ordens não foram dadas pelos Autores, motivo pelo qual julgou esse facto, como alegado pelo BCP, não provado, tendo ainda feito uso do conhecimento comum quanto à possibilidade de haking como lhe permite o artigo 5º nº 2 al. c) do CPC.
V. Parece o Recorrente pretender ignorar que o ónus da prova, não tem uma mas várias funções, entre elas: Uma Função de Direito, na medida em que quem pretende invocar um regime legal deve alegar os factos exigidos pela estatuição da norma (artigo 5º do CPC); Uma Função de Facto, na medida em que, em caso de dúvida, a não prova prejudica a parte que tinha o ónus da mesma.
VI. Mas, esta segunda função, apenas opera em caso de dúvida, o que não foi o caso dos autos, pois resultou claro ( não só do depoimento de parte, como pretende o Recorrente, mas também dos funcionários do Banco que foram unânimes em afirmar que os AA. apenas faziam circular dinheiro entre Portugal, Angola e Dubai ou como confirma a Testemunha SG que o Erik não estava a receber os seus e-mails, tendo que os reencaminhar para diferente e-mail, mas de abundante prova documental, de que são o maior exemplo os documentos 42 e 43 de onde resulta claro que não poderia o A. estar a transferir dinheiro para pagamento de sinal quando o crédito estava por aprovar, nem o Banco tinha os elementos relativos à aquisição e vendedores, mas também os documentos 6 e 10 da PI, 11, 39, 52, 53 e 55 da Contestação, que demonstram que não foram os AA. a dar aquelas ordens para pagamento do contrato promessa como sustentou o Recorrente.
VII. Ora o Recorrente ao apresentar a sua contestação fez uma opção e a opção consubstanciou-se, no essencial, em afirmar na Contestação que: As Ordens foram dadas pelos Recorridos, pois estavam a comprar uma casa e as ordens em causa foram para pagamento de sinal; As Ordens eram válidas e o BCP não é responsável por elas na medida em que os Recorrentes subscreveram Declaração de autorização de ordens via e-mail e telefone, em que isentavam o BCP de responsabilidades; Mais, o A V, Pai, até duvidava do seu filho E (titular do e-mail do qual as ordens partiram), tanto que até terá confessado ao Banco que estava arrependido de o ter como titular das suas contas; Mais ainda, o A. V até tinha, alegadamente ( suspeições infundadas que lançaram e não demonstraram), relações com o Avião do Presidente de Angola e era bem relacionado na Sociedade Angolana (?)
VIII. Em suma, a presente acção não seria mais que uma fraude levada a cabo pelos AA., sendo aliás a acção a forma de a concretizar. Veja-se que não alegou o Recorrente nenhum incumprimento por parte dos AA. de qualquer dever de guarda do seu e-mail ou qualquer facto que pudesse consubstanciar negligência grosseira dos AA.
IX. Por sua vez, os AA. na matéria de facto ( 6º a 46º) trazida aos autos, limitaram-se a negar terem as ordens de pagamento sido dadas por si ( ainda que utilizando-se o mail do A. E) e ter o R. falhado nos seus procedimentos (alegou, não resultando daí como pretende o R., que tais requisitos de procedência da acção sejam cumulativos, que não são à luz do regime aplicável, aqui regressaremos) o que complementaram, em matéria de direito, com a responsabilidade objectiva pelo risco.
X. Como resulta da sentença o Recorrente não conseguiu provar nenhum dos factos em que fundou a sua defesa (as suas alegadas excepções) e, como tal sempre tal resultado teria de ser levado à matéria de facto, como foi, ou seja a não prova de que as ordens tinham sido dadas pelos AA. como alegou e não conseguiu provar.
Por sua vez os AA., no entender da sentença (que como se verá em sede deampliação, aqui errou), não conseguiram provar que os procedimentos de autenticação do R. falharam.
XI. Considerando ainda que a Douta Sentença declarou nula as Declarações (Doc. 2 e 3) dos AA., ao abrigo do regime dos contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, no sentido de assumirem, os clientes consumidores, o risco das operações ordenadas por e-mail.
XII. Em suma, o que resulta do regime ( aplicado pela Sentença recorrida, que é o regime anterior dos serviços de pagamento), que por sua vez resulta de imposição de direito comunitário, Supra Nacional, que a Constituição da República Portuguesa acolhe, em traços gerais é:Responsabilidade do Banco resultante de facto ilícito ( violação da suas obrigações de verificação da ordem ou falha do seu sistema e avaria ou defeito deste); Responsabilidade dos Clientes em caso de Dolo, negligência grave ou fraude; Responsabilidade pelo Risco (da actividade) do Banco ( estando a Responsabilidade do Ordenante, neste caso, limitada a 150,00 €), ainda que tenha cumprido as suas obrigações, caso não consiga demonstrar a culpa do Cliente e este negue ter dado a ordem.
XIII. E esta responsabilidade pelo Risco da Actividade resulta, exctamente, do ónus especial da prova a cargo do Banco (ou inversão do ónus, caso assim se pretenda) e da limitação de responsabilidade do Ordenante a 150,00 €. Ou seja, não conseguindo o Banco demonstrar o Dolo, a negligência grave do cliente ou a fraude ( no nosso caso, a fraude é que foi o cliente a ordenar e agora sustenta que não, como defende o Recorrente e não outra forma de fraude em que os AA. tenham caído, por culpa sua), é obrigado a entregar ou devolver as quantias ao Cliente em cumprimento do contrato de depósito.
XIV. E foi, nesta medida, que o R. foi condenado, ou seja, não obstante ter cumprido, no entender da sentença, as suas obrigações de verificação ( aqui se discordando da sentença recorrida como subsidiariamente será objecto de ampliação de recurso), não só não demonstrou suficientemente que o sistema não foi afectado (veja-se que as ordens de pagamento tinham um erro na identificação do número da conta – zero a mais, os e-mails de E, ficavam regularmente presos nos filtros do banco, as ordens em causa nos autos foram reencaminhadas do telemóvel de SG, tudo como resulta dos Factos assentes 81 e 37 e Documentos 11 e 42 e 44, 45, ordens pedidas a S e executadas por A na ausência da Colega, como refere e nada levou a que o Banco ficasse alerta a tais ordens de pagamento) por falha como não conseguiu demonstrar a fraude que alegou (ao afirmar terem sido os AA. a ordenar os pagamentos e agora pretenderem a devolução das quantias), nem a negligência grosseira dos AA. ( que, de qualquer forma, não tinha alegado).
XV. Tudo tendo feito a sentença em cumprimento das normas já referidas do RSPME e de acordo com a Jurisprudência, veja-se neste sentido o AC STJ de 14-12-2016 processo n.º 1063/12.1TVLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt. bem como de acordo com o que sustenta a Doutrina, neste sentido Maria Raquel Guimarães (1999), na obra ‘As Transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Débito’, “é ao banco que cabe assegurar a regularidade do funcionamento do sistema, para além do controlo dos meios técnicos utilizados, compreendendo-se, assim, que sobre ele recaia o risco de esse mesmo sistema gerar danos não imputáveis a culpa dos seus utilizadores.”
XVI. O que se vem sustentando justifica também o motivo pelo qual improcede a invocação pelo Recorrente de um único Acórdão, uma vez que no referido Acórdão, aqui fundamento, não havia resultado provada ( ou julgada não provada) a não Autoria da ordem de pagamento pelos Clientes Bancários.
XVII. E, no referido caso, face à ausência de prova, o Tribunal recorreu ao ónus da prova, tendo ali concluído que antes de se aplicar o regime especial dos serviços de pagamento, o Cliente tinha de demonstrar que não ordenou os pagamentos.
O que, naquele caso, o Cliente bancário não fez e, no nosso caso os AA. fizeram, ficando provado esse facto negativo.
XVIII. Aqui chegados, nenhuma violação do artigo 62º, 20º e 32º, 2º e 111º, todos da CRP, existe no regime especial de ónus da prova que decorre dos artigos 70º e 71º do Regime dos Serviços de Pagamento.
XIX. Não se exige ali, ao contrário do que pretende fazer crer o Recorrente, que este demonstre que as ordens foram dadas pelo Ordenante. O que se exige ao Banco é que este faça prova de que a Ordem foi autenticada, registada e contabilizada e nenhuma avaria a afectou, o que demonstra com recurso a meios seus de que dispõe. No entanto tal não basta, por si só, como resulta da Lei, para provar que foi o Cliente que deu a ordem ou que este actuou de forma negligente ou fraudulenta e que o sistema não sofreu de avaria. Daqui resulta que o Banco, para se eximir de responsabilidade (pelo risco, pois a ilicitude resulta antes de violação de obrigações que consegue afastar), tem de demonstrar a fraude ou a negligência grave. Sendo aliás esse o entendimento que resulta entre outros do AC. RP de 13.6.2018, disponível em www.dgsi.pt:
XX. Ou seja, o que o Legislador Comunitário pretendeu foi configurar, nestes casos, em especial quando envolvido um consumidor, uma responsabilidade pelo risco da actividade (veja-se os considerandos 32 a 36, 46, 47 e artigo 60º da Directiva), suportando o risco quem da mesma beneficia, como no caso de muitas outras actividades), não se conseguindo fazer prova, em abono da segurança do sistema de pagamentos, o Banco é chamado a responder, podendo ( e devendo) transferir essa responsabilidade para uma Seguradora.
XXI. Responsabilidade pelo Risco esta que, não só não viola os preceitos constitucionais referidos pelo Recorrente, como os pondera e os utiliza na proporção necessária para encontrar uma solução justa e equilibrada (nos termos da fórmula do peso de Alexy) que respeite outros princípios constitucionais, como sejam os que resultam dos artigos 60º, 81º, 99º, 62º, 20º, tudo no respeito pelo Primado do Direito Internacional, nos termos do artigo 8º da CRP, que resulta do presente regime ser Transposição de Directiva Comunitária.
XXII. Pretende o Recorrente, por fim, sustentar que o Tribunal a quo aplicou o regime decorrente do artigo 70º dos Serviços de Pagamento de forma errada uma vez que uma ordem dada por e-mail cai fora do âmbito de aplicação de tal regime.
XXIII. Ora o Banco não tem de controlar o mail do Cliente, o Banco tem de assegurar que a ordem que lhe chega, antes de a introduzir no seu sistema, é uma ordem válida, cumprindo os seus procedimentos de validação, autenticação e registo e verificando ter esse e-mail sido vítima de fraude, pode cumprir as suas obrigações recusando ordens dadas por esse meio e disso avisando o cliente de imediato. Tal como uma ordem dada através de telefone. Ambas, antes de darem início ao pagamento a lançar no sistema do Banco, terão de ser autenticadas, validadas e registadas. E quando o Banco recebe uma ordem dada ao seu sistema, tem a obrigação de autenticar, validar e registar. Ora tal autenticação prévia não se pode bastar com verificar se o e-mail ou telefone são do cliente e estão registados como tal e se o cliente autorizou ordens dadas dessa forma (únicos procedimentos que o BCP efectuou como resulta claro dos depoimentos de João Vigoroux, Sapatinha Mourão, Ana Teles e Sandra Gomes transcritos em sede de ampliação de recurso) antes, quer se considere ser tal uma autenticação simples ou uma autenticação forte, terá sempre o Banco de assegurar que tal ordem é autêntica. Este objectivo apenas se cumpre se o Banco telefonar de volta ao Ordenante e pedir um código ou ouvir a voz do cliente ou enviar um e-mail a pedir uma conformação ou pedir o envio de uma ordem escrita assinada ( dispositivos de segurança personalizados).
XXIV. E, ao contrário do que pretende o Recorrente, uma ordem de pagamento dada à distância, de acordo com instrumentos e procedimentos previamente acordados entre as partes, sejam eles e-mail, homebanking ou ordens via telefone, todas estão cobertas pelo Regime dos Serviços de Pagamento sendo isso que resulta da análise conjugada das alíneas z) e aa) das Definições e ainda dos artigos 3º, 4º, 5º do Regime dos Serviços de Pagamento (no Respeito das Directivas pelo mesmo transpostas, veja-se o artigo 3º e 4º nºs 23 e 24 da DIRECTIVA 2007/64/CE do PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de Novembro de 2007).
Sendo aliás esse o entendimento que resulta entre outros do AC. RP de 13.6.2018 e o AC. RL de 11. 7.2019, disponíveis em www.dgsi.pt, em que se apreciaram, exactamente, ordens dadas por e-mail
XXV. Uma breve referência para a tentativa de colocar a Imparcialidade do Tribunal em causa, retirando de transcrições conteúdos que da mesma não resultam, vitimizando o Sector Bancário, como se o Tribunal pretendesse sancionar o Capital e o Capitalismo. Não, não foi o caso. Desde logo os mecanismos para colocar em causa a imparcialidade do Tribunal existem e estão previstos no artigo 121º do CPC, devendo o Recorrente ter feito uso deles em tempo, o que não fez.
XXVI. Uma referência final para deixar claro que também nenhum erro ou parcialidade resulta do relevo dado pelo Tribunal ao depoimento de parte. É que, ao contrário do que afirma o Recorrente e como melhor se verá, não só o depoimento das partes é corroborado por toda a prova documental, como também as testemunhas do Banco, por serem funcionários e terem cometido erros, se revelaram muito parciais e e foram incapazes de dar respostas adequadas quando confrontadas com toda a prova documental que contraria o que afirmaram, tudo como bem anotou o Tribunal a quo. Assim, restou ao Tribunal ponderar entre duas fontes de prova com as quais teve de decidir e proferir sentença, merecendo-lhe, ainda assim, mais credibilidade o depoimento das partes porque confirmado pelos documentos e porque os depoimentos das testemunhas do Recorrente chegaram mesmo a roçar o ridículo ao tentarem por exemplo dizer que era muito comum um sinal de uma casa ser pago através de cinco transferências em dias diferentes para destinatários e países diferentes ( Por exemplo o depoimento de JV de minuto 24 em diante ou de SG a explicar que quando vendeu a sua casa recebeu o pagamento parte de um usufrutuário e parte do adquirente da nua propriedade.
XXVII. Pretende o o ecorrente que seja revogada a decisão de facto no sentido de não se ter provado terem sido os AA. a dar as ordens de pagamento em causa nos autos, substituindo-se este facto pelos factos “ foram os AA. a dar as ordens em causa nos autos” e ainda “não se provou terem sido terceiros a dar as ordens em causa nos autos” Como resulta claro é esta a questão essencial do recurso de facto interposto, tendo os restantes factos impugnados pouca ou nenhuma expressão ou efeito quanto ao sentido da decisão a proferir.
XXVIII. Ora, desde logo, quanto a terem sido terceiros a dar a ordem em causa nos autos, tal resulta de não terem sido os AA. a dar ordem, na medida em que o Banco a recebeu, logo, não tendo sido os AA., terão de ter sido terceiros. E nenhuma prova foi produzida que permita ao Tribunal afirmar que não se provou que tenham sido terceiros como pretende o Recorrente.
XXIX. Atente-se que os AA., nos termos da lei, negaram ter dado as ordens mas não se propuseram provar que tais ordens foram dadas por terceiros pois tal prova seria diabólica (motivo pelo qual o legislador não exige isso ao consumidor), não se conhecendo esses terceiros. Logo, sempre basta a prova do facto negativo de não terem sido os AA. a dar as ordens de pagamento.
XXX. Isto, a não ser, claro, que no seguimento da junção do Documento 1 que se faz, entenda essa Relação dar por provado que foram terceiros a dar as ordens em causa nos autos (Dando-se aqui por provado ou reproduzindo o que consta do Despacho de Arquivamento junto), o que sempre resultará da verdade material e não de um ónus que impenda sobre os AA.
XXXI. Pretende o Recorrente que se julgue provado que foram os AA. a dar as ordens em causa nos autos e, a esse propósito, pretende afastar as declarações de partes que as negaram, desvalorizando o seu valor probatório. Isto quando nenhuma prova relevante refere nesse sentido além das testemunhas que o Tribunal, bem, referiu: “No que respeita à factualidade não provada, tal deve-se a não ter sido produzida prova sobre a mesma, ou os depoimentos das testemunhas não terem merecido a credibilidade do tribunal, por entrarem em contradição com o depoimento e declarações das partes. há que referir que, embora seja notório o interesse na causa que os autores têm, o que sempre implica especial cautela com o teor de declarações prestadas, a verdade é que SG e JV se mostraram muito envolvidos na situação que é objeto do litígio, demonstrando uma convicção que, em alguns pontos, se interpretou não como atestando a veracidade do que relatavam, mas uma necessidade de justificação e validação da sua própria atuação”
XXXII. A que acrescenta o Recorrente um documento trazido por uma testemunha, o Documento junto na sessão de 27.4, datado de 16 de Março de 2017, que, para mais, analisado com cuidado, contraria, manifestamente, o que o Recorrente afirma, uma vez que é, ali, nesse próprio documento, que a própria funcionária do Banco questiona a necessidade de desmobilizar uma aplicação para pagar um sinal, quando o financiamento para aquisição do imóvel não iria ser aprovado.
XXXIII. E este entendimento do Tribunal a quo é, de facto, verdadeiro, uma vez que as testemunhas, funcionários do Recorrente, falharam, incumprindo as suas obrigações. Falharam incumprindo as suas obrigações de validação das ordens via telefone, falharam não verificando que os destinatários não faziam parte dos destinatários usuais dos seus clientes, falharam ao não verificarem que os países Beneficiários não faziam parte do circuito habitual dos seus clientes, falharam ao não pedir o documento de suporte como fizeram no passado e até neste caso fizeram, mas tardiamente como resulta do documento 52 junto com a Contestação. E, como falharam, no cumprimento das suas obrigações (sendo que todas as testemunhas, para mais, referiram ter formações sobre Branqueamento de Capitais e que existia um relatório de auditoria interna a estas transferências que, lamentavelmente, não juntaram), estão com os factos numa relação apaixonada de defesa da sua actuação (desconhecendo-se se o Banco os sancionará atenta a sentença proferida).
XXXIV. O que terá acontecido também, e tal ficou claro em Julgamento ( depoimento da própria a 1h e 48 m), porque a Gestora de Conta SG estava fora do Banco, a trabalhar no telemóvel, (lamentavelmente e com o devido respeito e solidariedade, junto do seu Marido doente, depois em coma e que veio a falecer, exactamente no período das ordens em causa) e os procedimentos foram facilitados e não tiveram a devida atenção, recebendo esta testemunha as ordens no seu e-mail do telefone e reencaminhando para terceiros para as executarem, saltando-se os procedimentos de verificação, tudo como resulta dos documentos 11 da contestação e 44 a 52, de onde resulta serem as ordens pedidas a S, executadas por A e, no fim, aparece novamente a S, tardiamente a pedir o suporte das operações depois de as fazer como resulta do documento
XXXV. A que acresce que a funcionária que acabou por executar as ordens parece revelar pouco profissionalismo ao incluir smiles nos seus e-mails, veja-se o documento 47, em vez de perguntar aos clientes qual o motivo da transferência e verificar se se tratava de movimento habitual, para destino habitual e beneficiário relacionado com a actividade bancária dos seus clientes.
XXXVI. E estes erros destas testemunhas não resultam apenas dos depoimentos de parte, resultam, em primeiro lugar dos seguintes documentos 11 da Contestação: “Confirmei com o Cliente” de onde resulta claro que o Banco confirmava as instruções sempre com o cliente, Documento 39 “No seguimento da conversa telefónica”, Doc. 55 “ contacto directo com o cliente”, ou seja, a confirmação era sempre feita e no caso das cinco transferências, nada foi confirmado ou verificado, tudo tendo sido feito a correr e hoje procura-se justificar o injustificável vindo sustentar que o Banco acreditou que cinco transferências para países e destinatários diferentes com nomes de Emil Todorov, Ivica Mamic, Intermedia Consulting ( Factos Provados 43,46 e 48), de diferentes nacionalidades, se tratava de um sinal a pagar a um Espanhol.
XXXVII. E resultam ainda do Documento 52 que é um pedido de informação sobre o motivo das transferências depois das mesmas estarem feitas, provavelmente tendo a Gestora de Conta sido alertada, tardiamente, pelo Compliance do Banco ou estando fora do Banco não conseguiu cumprir as suas obrigações, ora a ser verdade que o Banco sabia que as transferências eram para pagamento de sinal e por isso não pediram documentos de suporte, porque o perguntaria no Documento nº 52? Ouçam V. Exas. a reação destas testemunhas aos documentos JV a 1hora e 18 min e SM a minuto 18. Ora daqui resultou a total falta de credibilidade das testemunhas da R. e o colapso total da estratégia que resolveu seguir na sua contestação ao alegar, para afastar o direito dos AA., factos que não poderia nem conseguiria provar.
XXXVIII. Por outro lado, a estratégia que o recorrente entendeu levar ao processo de afirmar que actuou na convicção de estar a transferir quantias para pagar o sinal de um imóvel que o Autor V pretendia comprar, cai também na totalidade quando confrontado com os documentos 42 e 43 juntos com a Contestação, sendo que no dia 24 de Março o BCP estava ainda a pedir elementos para o financiamento aos AA. de onde resulta que não tinham a identificação dos vendedores do imóvel e, mesmo assim, sem saber quem eram os beneficiários fizeram as transferências. Mais grave ainda, no dia 27 de Março, dia em que recebem um e-mail do cliente, zangado, dizendo que todo o processo estava demasiado atrasado e que isso lhe estava a colocar em causa o negócio com o vendedor, fazem, no mesmo dia, uma suposta quarta transferência para pagamento de sinal de um negócio que sabiam em risco e sem crédito aprovado para a aquisição. Nenhuma testemunha conseguiu explicar esta situação Depoimento de SG, 2ª Sessão e Acta de 27.4. confrontada com o Documento 43 a 1h e 48 e JV a minuto 52 em diante.
XXXIX. O único documento referido pelo Recorrente (e-mail de 15.3.2017 junto na sessão de julgamento de 27.4.2021) contraria manifestamente o que o próprio afirma, desde logo porque é um e-mail interno do Banco e nada demonstra, mas depois porque do mesmo resulta que o sinal não foi pago na data que ali se refere mas em dia distinto e mais, a própria funcionária do Banco coloca em causa a operação que lhe é pedida uma vez que o crédito não seria aprovado. Por outro lado, a não autoria resulta ainda de quando o Banco pretendeu informar os AA. das transferências, o A. E ter solicitado o envio para outro e-mail pois não estava a receber e-mails do Banco, como resulta dos depoimentos de E, Depoimento gravado a 20.4, minuto 39, “ vi movimentos e o saldo inferior e telefonei imediatamente para a Dra. S, ela reencaminhou as ordens e eu não recebi, pedi para ela reenviar para outro e-mail e vi que havia movimentos da minha conta e do meu Pai, minuto 45, “não tive nenhum contacto para assinar os mapas de ordens, minuto 47 fui eu que liguei, eu não dei as ordens, ligou para mim a confirmar, E confirmado pelo Depoimento de SG prestado a 27.4 a 2 horas de depoimento: E pediu para eu enviar para o outro mail porque não estava a receber no gmail, Erik ligou a dizer que não tinha recebido e pediu para eu reencaminhar e quando recebeu o mail disse que não tinha feito, se o E não fez as transferências vá apresentar queixa, eu entretanto vou avançar com os pedidos aos Bancos para devolverem, ele veio a Lisboa nessa semana apresentar queixa, 2 horas e 13 min não sabe se o Banco apresentou queixa.
XL. Bem como quando se lê o documento 56, página 2, em que, a final, o motivo de recusa de devolução havia sido a recusa dada pelo beneficiário BBVA, sendo que os AA. pagaram o montante para ser feito o pedido de devolução (documentos 10 e 11 da PI). Ou que a recusa resulta de existirem declarações a autorizar as ordens dadas por e-mail do documento 12. Em que ficamos então? Ora a não autoria das ordens resulta desta conjugação de factores e não, como pretende disfarçar o recorrente, apenas dos depoimentos de parte.
XLI. Nem do facto de o A. V pretender comprar ou não uma casa a um Espanhol resulta que este ordenou 5 transferências espaçadas no tempo para Alemanha e Espanha para pagar um sinal de uma casa, sendo o destinatário Ivica Mamic e Emil Todorov e uma Sociedade Intermedia Consulting SL ( da qual resulta através de uma simples pesquisa na internet que não se dedica a compra e venda de imóveis).
XLII. Mais, veja-se que, mesmo a transferência de baixo valor do documento 11 da Contestação foi confirmada (autenticada via telefone) junto do cliente.
Depoimento de E, sessão e Acta de 20.4., gravado a min 24 e Depoimento do A. V, sessão e acta de 20.4 gravado a 2h e 27 Vítor esclarece que ligaram para confirmar 45 euros ordenados pelo E”
XLIII. E, a não confirmação via telefone das ordens dadas por e-mail não pode resultar do depoimento de AT nem de SG como pretende o Recorrente pois primeiro AT não era a Gestora de conta, tendo esta em sede de depoimento , minuto 30 : “A confirmei com o cliente, podes tratar por favor” “não sei o que significa (confirmou), se foi por mail por telefone, não sei” nós temos várias formas de fazer confirmações, podemos confirmar ou não por telefone ou só por e-mail”, “ nem sempre o confirmar é ligar, posso confirmar por e-mail, ou não”, “ o procedimento é verificar se o cliente tem declaração de transmissão”. Bem como SG, 2ª Sessão e Acta de 27.4. gravado a 1h 32 se o cliente estivesse com urgência, as 15h da tarde, tenho meia hora para fazer, posso não perder tempo a confirmar”, “em casos de urgência posso não confirmar”, 1 hora e 39 confrontada com o Documento 11 “ Nem sempre acontece confirmar”, “Mas sim confirmei”
XLIV. E também JV confessa no seu depoimento a 1 hora e dois minutos “o que foi acordado entre as partes, a partir da data em que eu o acompanhei, passou a haver sempre uma confirmação telefónica”, “ não sei se anteriormente, era feita confirmação, até pelo gestor anterior à Sandra, não sei se seria feita confirmação telefónica”, 1h e 18 “ não sei explicar o motivo pelo qual foi pedido o documento de suporte”, 1h e 20 “ O Sr. V referiu que o Private Banker anterior confirmava todas as instruções anteriores e a Sandra devia ter feito isso”
XLV. Bem como do documento junto por esta testemunha no dia 27.4.2021 em Acta, ao contrário do que pretende o Recorrente, resulta claro que o A. termina o seu e-mail dizendo: Aguardo a Confirmação e o câmbio”. Ora, ao contrário do que pretende a Recorrente, as ordens dadas via e-mail eram confirmadas via telefone, daí o pedido de confirmação.
XLVI. Pretende ainda o Recorrente que o Tribunal a quo dê por provado que o A. E estava a ajudar o A. V, seu Pai, na compra do imóvel (o que é, no essencial, irrelevante, uma vez que fosse a ordem dada por quem fosse, atento o seu valor, sempre o Banco tinha de ter exigido o suporte Contrato – Promessa da operação).
Sendo que os depoimentos de V, E e de N são claros no sentido que era o Genro do A. JBC quem o estava a ajudar e tal resulta claro do documento 43 que refere expressamente “ in fine” a ajuda do genro e não do filho E.
XLVII. Pretende ainda o Recorrente que se dê por provada a desmobilização de 40.000 € de um depósito a prazo, solicitada pelo A. V, alegando a esse respeito a prova que resulta de comunicações internas do Banco e o extracto junto, bem como que se dê por provado que os AA. pretendiam pagar um sinal de 150.000,00 €.
XLVIII. Ora o Tribunal a quo não pode dar esse facto por provado, na medida em que os documentos juntos aos autos 42, 43 e documento junto na sessão de 27.4, demonstram que o financiamento estava por aprovar, logo não poderia o A. ir fazer o pagamento do sinal sem a certeza que conseguiria obter o financiamento.
Nem dar por provado tal facto com base na testemunha João Vigoroux que não foi capaz de juntar nem a ordem nem o mapa de confirmação dessa ordem que lhe foi pedida em Julgamento e porque o documento 6 da PI e 55 da Contestação o contrariam manifestamente.
XLIX. Afirma ainda o Recorrente que o A. tinha mais dinheiro além do depositado no Banco, que conhecia, e que o A. teria comprado o imóvel com capitais próprios sem recurso a financiamento o que resulta contrariado pelo depoimento de Vítor, minuto 49 :não tenho condições para comprar duas casas sem financiamento, o BCP tem tudo sobre a minha casa no Dubai, foram eles que fizeram os pagamentos parcelares ao longo dos anos, 2h 12, o BCP nunca aprovou o financiamento, nunca poderia comprar a casa sem financiamento; e até mesmo do Depoimento de SG, 2ª Sessão e Acta de 27.4. gravado a 1h e 40 Não há nenhum papel a pedir a desmobilização dos 40.000, não há uma ordem, foi dado por telefone e estive fora nessa semana. Confrontada com o Documento 43 a 1h e 48, afirma que “ foi o dia em que o marido entrou em coma, não se recorda de ler o e-mail, mas recordo-me do problema pois ele era fiador e o genro entrou em default, financiamento não era a 100%, ele tinha dinheiro suficiente para comprar, quanto tinha, não sei, para ser cliente tinha de ter 500.000 €, ele queria comprar a casa com financiamento, não me recordo de ele ter dito que comprava a casa com ou sem financiamento”. E depois de lerem este e-mail
transferem 40 mil Euros para Espanha? Silêncio...
L. Pretende ainda o Recorrente a inclusão nos factos provados do que articulou na contestação sob os artigos 121º, 126º, 129º, 132º, 152º, em suma no sentido de ter sido SG a enviar através de e-mail um pedido de confirmação de ordens e apenas nesse seguimento, a 5.4.2017 o A. E ter reclamado no sentido de não terem ordenado essas transferências. Ora, a documentação junta aos autos, não o demonstra, antes demonstra que SG enviou as referências dessas transferências para o G-Mail, que não o recebeu nesse mail (exactamente porque existia uma intromissão nessas comunicações) tendo pedido o envio para outro e-mail (Documentos 3). Logo, não podia S ter enviado esses e-mails para a conta G-Mail, antes tendo havido uma conversa telefónica, tal como foi relatado por E,  Depoimento gravado a 20.4 minuto 39, “ vi movimentos e o saldo inferior e telefonei imediatamente para a Dra.S, ela reencaminhou as ordens e eu não recebi, pedi para ela reenviar para outro e-mail e vi que havia movimentos da minha conta e do meu Pai minuto 45, “não tive nenhum contacto para assinar os mapas de ordens, minuto 47 fui eu que liguei, eu não dei as ordens, ligou para mim a confirmar. E confirmado pelo Depoimento de SG prestado a 27.4 a 2 horas de depoimento: E pediu para eu enviar para o outro mail porque não estava a receber no gmail, E ligou a dizer que não tinha recebido e pediu para eu reencaminhar e quando recebeu o mail disse que não tinha feito, se o E não fez as transferências vá apresentar queixa, eu entretanto vou avançar com os pedidos aos Bancos para devolverem, ele veio a Lisboa nessa semana apresentar queixa, 2 horas e 13 min não sabe se o Banco apresentou queixa.
LI. O que significa e bem andou o Tribunal a quo que no dia 5.4 os AA. Reclamaram junto do Banco as Ordens não autorizadas, sendo que a última ordem, atente-se a maior, data exactamente do dia 3.4.2017.
LII. Por fim quanto à tentativa de sustentar o insustentável, em que o Funcionário de um Banco diz ser comum um sinal ser pago em várias transferências para destinatários distintos e países distintos, a falta de credibilidade de tal afirmação é tanta que fala por si mesma.
LIII. Termos em que, salvo quanto ao facto articulado em 51º da Contestação, a que se irá em sede de ampliação de Recurso, bem andou o Tribunal a quo ao não incluir nos factos provados os artigos 80º, 11º, 112º, 113º. 121º, 126º, 129º, 132º e 152º, devendo manter-se a decisão proferida.
LIV. A Douta sentença proferida andou bem ao condenar o Recorrente na restituição das quantias na medida em que não se provou qualquer responsabilidade dos clientes bancários susceptível, à luz da Lei, de afastar essa obrigação, mais nem o Banco conseguiu demonstrar a inexistência de avaria. E condenou o Recorrente não obstante ter considerado ter este cumprido as suas obrigações de autenticação, validação e registo uma vez que o regime não se basta com o cumprimento dessas obrigações para afastar a responsabilidade do Banco.
LV. Sucede que ao julgar verificada e cumprida a obrigação de autenticação, verificação e registo nos termos em que assim concluiu na fundamentação com recurso aos factos provados 84 e 85, nesta parte, não andou bem o Tribunal recorrido, por motivos de direito e de facto. Desde logo, o Tribunal a quo entendeu aplicável aos factos em apreciação, transferências de 2017, o regime do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, subsequentemente alterado e republicado com a denominação “Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica” pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de novembro, afastando o disposto no Decreto-Lei n.º 91/2018 de 12.11, que aprova o novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo a Diretiva (EU) 2015/2366
LVI. Ora, o STJ, ao abrigo de norma semelhante, entendeu ser o novo regime aplicável, veja-se neste sentido o Ac. STJ de 18.12.2013 disponível em www.dgsi.pt, para que se remete. Ora, do que vem sendo exposto, resulta que deveria o Tribunal a quo ter aplicado aos factos em apreciação quanto resulta do Decreto-Lei n.º 91/2018 de 12.11, sempre que daí decorra um regime mais favorável para os AA, tendo o Tribunal a quo errado.
LVII. E, da aplicação deste regime, resulta que o Recorrente incumpriu duas obrigações para com os seus clientes, não tendo apresentado queixa-crime e não tendo procedido a autenticação forte, tudo como exigido nos termos dos artigos 2º al. d), 104º, 115º nº 5 e 114º nsº 2, 6 e 10 do Decreto-Lei n.º 91/2018 de 12.11.
LVIII. Razões pelas quais sempre terá tal factualidade – não apresentação de queixa crime e não realização de autenticação forte - de ser acrescentada à matéria de facto como não provada e, consequentemente, condenando-se o Recorrente ao abrigo do artigo 114º nº 2 e 10 do Novo RJSPME e 104º nº 1 por referência ao artigo 2º al. d) do mesmo Diploma.
LIX. Ainda que assim não se entenda, admitindo-se como aplicável o regime resultante do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, não se mostra provado nos autos que o Recorrente tenha procedido à autenticação ( aqui simples e não forte) dos Recorridos, clientes bancários, aqui tendo errado o Tribunal a quo.
LX. A que acresce a prova documental da qual resulta que o procedimento de autenticação era sempre um procedimento duplo através da confirmação de um elemento pessoal, mail se ordem dada por telefone ou telefone se ordem dada por e-mail, como resulta dos Documentos 11 da contestação e doc. 39 da Contestação.
LXI. Por fim tal resulta ainda confessado pelo Recorrente no seu artigo 51º da Contestação, daqui resultando que o BCP utilizava um procedimento de autenticação, ou seja confirmava por outro meio, pessoal, as ordens recebidas (no caso, as ordens dadas por telefone confirmadas por mail) facto esse que os AA. não contestaram, motivo pelo qual sempre tal artigo 51º deveria ter sido dado por provado, o que na presente reapreciação se peticiona, assim se ampliando os factos provados.
LXII. Devendo em conformidade aditar-se aos factos provados o artigo 51º da Contestação e não apenas o artigo 51º alínea C) como parece pretender o Recorrente (ainda que diga nas suas Alegações que deve ser julgado provado, pelo menos, a alínea c).
LXIII. Assim, o facto da ordem de pagamento ser proveniente de um e-mail autorizado, por si só não bastava, exigia-se ao prestador, atenta a anormalidade da ordem, que verificasse e confirmasse ( em suma, autenticar) a mesma junto do ordenante, antes de a realizar. Nesta linha de argumentação jurídica pode consultar-se, ainda os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Ac. Rel. Lisboa, de 15.03-2016, Proc.1063/12.1TVLSB e de 5.11.2013, Proc.9821/11.8T2SNT; Ac. desta Rel. Rel. Coimbra de 2.2.2016, Proc.902/13.4TBCNT; Ac. Rel. Porto de 29.4.2014, Proc.225/12.6TJVNF.
LXIV. Motivo pelo qual se deverá alterar o facto 84, aditando-se ali: (…), não tendo sido confirmadas pelo Private Banker, via telefone ou qualquer outro elemento de confirmação pessoal, como sucedera com outras ordens dadas por e-mail, antes da introdução das mesmas no sistema”
LXV. Por fim, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre os vícios do procedimento do Recorrente alegados pelos AA. na sua Petição Inicial, não se pronunciando sobre o incumprimento do Banco quanto aos seus deveres que resultam das normas de prevenção do Branqueamento de Capitais. Obrigação que, se tivesse cumprido, nenhuma das transferências teria ocorrido pois os AA. Nunca poderiam identificar o beneficiário que desconhecem, nem têm documentos de suporte às operações que ignoravam.
LXVI. Diga-se que, face aos depoimentos transcritos das testemunhas funcionários do Banco, ou as testemunhas estão a mentir para encobrir os erros cometidos ou é grave, muito grave a falta de formação em Branqueamento de Capitais que estes funcionários do BCP revelam
LXVII. Neste sentido ainda os artigos 18º a 25º do Aviso do Banco de Portugal n. 2/2018.
Acresce que nos termos do artigo 67º a 69º os prestadores de serviços de pagamento, têm de assegurar o cumprimento deste normativo. Ainda com relevo a propósito do incumprimento de obrigações de informação, zelo, diligência, registo e confirmação de elementos de suporte pelo Banco a Portaria nº 233/2018, a Lei 92/2017, a Lei nº 97/2017, o aviso nº 5/2008, nº 7/2009, nº 8/2016, a Portaria nº 150/2013, a Lei 5/2002, a Lei nº 52/ 2003, o DL nº 61/2007. Tudo obrigações que o Recorrente omitiu.
LXVIII. O não cumprimento dos deveres de ( neste caso, de obtenção de informação junto do ordenante ou beneficiário) informação é sancionada no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro nesse sentido o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
LXIX. Tendo o Banco R violado o dever de cuidado e de obter mais informação sobre a ordem de transferência - que os seus deveres profissionais impunham - é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; Neste caso, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na perda para os AA. Das quantias que o R. tinha à sua guarda, bem como o nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do Réu, estando preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483º, nº1, do Código Civil.
LXX. Nestes termos, caso o Recurso do Banco venha a ser julgado procedente, deve a decisão ser reapreciada em sede de ampliação de recurso que aqui se promove, concluindo-se que o Banco incumpriu os seus deveres de autenticação e nessa medida se alterando a decisão de facto proferida, removendo-se a conclusão de facto quanto ao cumprimento dos deveres de autenticação que o Tribunal a quo fundamenta nos Pontos Provados 84 e 85, ao afirmar “a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada – o que logrou fazer, cf.factos 84 e 85”
LXXI. Bem como incumpriu o Recorrente os seus deveres e normas destinadas à prevenção de branqueamento de capitais, assim se ampliando a matéria provada, inserindo-se nos factos provados que: O BCP conhecedor de que os seus clientes apenas efectuavam transferências entre Portugal, Angola e Dubai, executaram as transferências em causa nos autos sem saber ou pedir a identificação do Beneficiário e sem identificar a relação subjacente e sem um documento de suporte às transferências
LXXII. Tendo, nessa medida incumprido o contrato celebrado ou cometido facto ilícito que causou o prejuízo aos Clientes que deve, por esse motivo, ( ilicitude ou incumprimento e não apenas risco) indemnizar.
Termos em que se requer a V. Exas. a admissão do Documento Junto, devendo o Recurso interposto ser julgado improcedente mantendo-se a Decisão proferida ou, assim não se entendendo, julgada procedente a presente ampliação do Recurso e, nessa medida, pelos motivos de facto e de direito objecto da ampliação, se alterando a decisão proferida, mantendo-se a condenação do Banco na devolução das quantias, acrescidas de juros de mora e de penalização.
O banco respondeu à ampliação nos seguintes termos:
A) O despacho de arquivamento que os Recorridos juntam aos autos com as suas contra-alegações é datado de 10.03.2020, ou seja, mais de um ano antes do início do julgamento dos presentes autos, e reporta-se a uma queixa-crime apresentada pelo Recorrido VF, pelo que os Recorridos necessariamente sabiam que se encontrava a decorrer um processo baseado nessa queixa crime, e estavam a par (ou, se não estavam, tal só pode ser imputável a manifesta incúria dos Recorridos) dos respetivos desenvolvimentos.
B) Acresce que, conforme resulta de informação disponível no site dos CTT quanto à data de receção da cópia do documento aqui em causa pelo Dr. João … - Advogado, que é, respetivamente, genro e cunhado dos Recorridos VF – essa receção ocorreu a 05.05.2021 (cfr. Doc. n.º 1 aqui junta), ou seja, ainda durante a fase de julgamento e antes doencerramento da discussão, visto que as alegações orais apenas tiveram lugarno dia 14.05.2021.
C) Do exposto resulta que o documento em causa não é de forma alguma um documento superveniente, seja objetiva, seja subjetivamente, não podendo a sua junção aos autos ser admitida ao abrigo do artigo 425.º do CPC, pelo que o mesmo deve ser retirado da plataforma Citius, desentranhado do processo físico e devolvido aos Autores.
AMPLIAÇÃO DO RECURSO
Questão prévia: do objeto do pedido de ampliação do recuso
D) Nos termos do artigo 636.º, n.º 1 do CPC, é pressuposto prévio essencial para que determinada questão possa ser objeto de recurso subsidiário nesta sede que esteja em causa matéria que seja um dos fundamentos da ação e relativamente à qual a parte requerente tenha decaído, assim se excluindo de possíveis ampliações questões que não tenham sido anteriormente colocadasao Tribunal.
E) Ora, um dos pontos agora suscitados pelos Recorridos na sua ampliação do objeto do recurso, mais precisamente nos pontos 111.º a 116.º das contra alegações – referente, nas palavras dos Recorridos, à suposta não autenticação simples, não forte, das operações em causa nos autos - nãopreenche este requisito, na medida em que não integrava os fundamentos daação.
F) Também a parte das alegações dos Recorridos em que estes declaram pretender pôr em causa o teor da decisão de facto deve considerar-se excluídado objeto do recurso, por manifesta não verificação dos requisitos legais deque depende a impugnação da decisão de facto, nos termos do artigo 640.º,n.º 2, alínea a) CPC (disposição esta aplicável a casos em que a parte pretendaproceder à ampliação do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 3 do CPC).
Da falta de fundamento das pretensões dos Recorridos ao abrigo do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica
Da subversão pelos Recorridos das regras de aplicação da lei no tempo
G) Contrariamente ao invocado pelos Recorridos, a decisão recorrida revela-se irrepreensível no que diz respeito à aplicação da lei no tempo.
H) Com efeito, tendo os factos objeto de apreciação na presente ação ocorrido entre 14.03.2017 e 03.04.2017 e sendo o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica regulado, à data, pelo DL n.º 317/2009, de 30 de outubro (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 242/2012, de 7 de novembro e pelo D.L. n.º 157/2014, de 24 de outubro), é este o único diploma aplicável no que diz respeito aos critérios de autenticação ou outras diligências a adotar pelo Recorrente aquando da realização de tais operações de transferência.
I) Seria frontalmente contrário às mais elementares garantias ínsitas ao Estado de Direito exigir ao Recorrente que, quanto às referidas transferências, realizasse a diligência de autenticação tomando por referência normas jurídicas (reguladoras da mesma atividade de autenticação ) constantes do DL 91/2018, publicado em 12 de novembro de 2018. Normas que, em suma, o Recorrente não podia conhecer, simplesmente porque ainda não existiam nesse momento, sendo absurdo que o Recorrente fosse a qualquer título responsabilizado pela não observância de tais deveres.
J) A interpretação da norma constante do artigo 159.º do D.L. n.º 91/2018, de 12 de novembro, no sentido de que o cumprimento do dever de observar critérios de autenticação forte, bem como de apresentar queixa crime e a obrigação de indemnizar pela não observância desses critérios são exigíveis às instituições financeiras quanto a operações bancárias realizadas antes da publicação e entrada em vigor desse diploma (que estabelece esses critérios) é contrária ao princípio da confiança e do Estado de Direito Democrático, bem como ao direito à segurança e à propriedade privada, consagrados no artigos 2.º, 27.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade que ora expressamente se invoca.
Da subversão, pelos Recorridos, do critério legal de repartição do ónus da prova
K) Não assiste razão aos Recorridos quando afirmam que teria resultado provado nos autos que as ordens de transferência aqui em causa foram dadas por terceiros que teriam supostamente hackeado a conta de e-mail do Autor EF.
L) Com efeito, a análise da lista de factos provados releva de forma clara que o Tribunal a quo não fez constar da mesma terem sido terceiros (e não os Recorridos) a emitir as ordens de transferência a partir do e-mail do Recorrido EF, como também não fez constar da lista de factos provados o facto oposto. Antes se limitou a declarar, na p. 25, final do ponto.
B) da sentença, no âmbito do segmento que obedece à epígrafe “Factos não provados”, que: “Não resultou provado que qualquer dos autores tenha transmitido ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017”, assim decidindo com base com base em critérios de ónus da prova (que, indevidamente, fez impender sobre o Recorrente).
M) Contrariamente ao que decorre da posição sustentada pelos Recorridos, só se podem considerar factos processualmente provados aqueles que constam da correspondente listagem, não se podendo dizer provados aqueles que aí o Tribunal não tenha integrado, sob pena de total esmagamento dos critérios legais. A motivação da decisão de facto destina-se, pois, tão só a elucidar acerca do sentido do julgamento de facto, só podendo ser considerada por referência a este e não podendo substituí-lo.
N) Depois de ter considerado, e bem, que o Recorrente cumpriu integralmente os seus deveres de autenticação, registo e contabilização, o Tribunal a quo condenou o Recorrente invocando que este não provara que a operação de pagamento não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
Contudo, e como decorre da própria exposição dos Recorridos na sua petição inicial (cfr., em particular, o artigo 63.º da mesma), o problema não residiu em qualquer avaria técnica ou deficiência do sistema bancário, antes se tendo verificado a montante, no âmbito da conta pessoal de email do Recorrido EF (mediante invasão de tal conta de email por terceiros, que a partir dela teriam alegadamente enviado ordens de transferência para o Recorrente).
O) Porque assim, não tem aplicação o artigo 70.º do Regime Jurídico de Sistemas de Pagamento e da Moeda Eletrónica, pois este faz incidir sobre a instituição financeira (bancos) o ónus da prova de que a operação efetuada se não deveu a avaria técnica ou outra deficiência apenas quando está em causa avaria técnica ou deficiência do sistema bancário.
P) A razão de ser dessa norma (distributiva do ónus da prova sobre o banco) não se aplica, portanto, no caso em apreço, em que o problema que os Recorridos alegam respeita à invasão do sistema informático pessoal dos próprios (Recorridos) por terceiros e a que o Banco Recorrente é alheio (e que está, em suma, completamente fora do alcance e possibilidade de intervenção do Recorrente e, consequentemente, totalmente fora da sua responsabilidade).
Q) De resto, no atual segmento final do artigo 113.º, n.º 1 do D.L. n.º 91/2018, de 12 de novembro (correspondente ao artigo 70.º, n.º 1 do D.L. n.º 317/2009, de 30 de outubro, o legislador veio a, em interpretação autêntica, esclarecer que esse regime especial de ónus da prova só vale quando esteja em causa avaria ou outra deficiência técnica do sistema bancário.
R)  Esse é também o sentido jurisprudencial veiculado pelo acórdão de revista excecional (admitida por estarem “em causa interesses de particular relevância social”), proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27.11.2019, no processo n.º 12693/16.2T8PRT.P1.S1, que não aplicou esse regime em caso em que o Autor invocava, no essencial, o mesmo que os Recorridos.
S) A invocação jurisprudencial a que os Recorridos procedem nas contraalegações em suporte da sua posição não é suscetível de relevar para efeitos decisórios, dado que, dos vários acórdãos citados, apenas dois dizem respeito ao modo de realização de operação bancária em apreço nos autos (por email), todos os demais dizendo respeito a homebanking. Sendo que mesmo os dois referentes a situações de ordens dadas por e-mail respeitam a contextos de facto e de direito diversos daqueles que ora se analisam neste processo. Acresce que tais acórdãos foram proferidos antes da publicação do mencionado acórdão de revista excecional, pelo que não beneficiaram, esses Tribunais, da orientação jurisprudencial que o identificado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça imprimiu.
Da correção da decisão recorrida no que respeita à autenticação das operações aqui em causa
(i) Da falta de fundamento jurídico da pretensão dos Recorridos
T) A argumentação dos Recorridos quanto ao suposto incumprimento pelo BCP dos seus deveres de autenticação no que respeita às operações em causa nos autos assenta em duas linhas subsidiárias: uma primeira linha em que, tal como já alegado na PI, sustentam ser aplicável ao caso dos autos o DL 91/2018, de 12 de Novembro, que prevê, no respetivo artigo 2.º, alínea d), o conceito de “autenticação forte”, alegadamente não respeitada no caso dos autos; e uma segunda linha em que, prevenindo a possibilidade de se considerar ser de aplicar ao caso dos autos o DL 317/2009, de 30 de outubro - que não previa a figura da autenticação forte, mas apenas da autenticação dita simples -, os Recorridos sustentam que também essa dita autenticação simples não ocorreu.
U) Quanto à primeira linha de argumentação, e para além de se dar aqui por reproduzido o já alegado quanto à não aplicação ao caso dos autos do DL 91/2018 ou de quaisquer deveres aí previstos, cabe referir que o artigo 104.º do DL 91/2018, com a epígrafe “autenticação”, não elenca entre as situações que reclamam a suposta autenticação forte a das ordens de pagamento remetidas através do endereço de e-mail pessoal do ordenante, referindo-se antes a situações de em que o ordenante aceda em linha à sua conta, ou atua através de um canal remoto, formulações que, como sucede com outras disposições do referido DL 91/2018, estão pensadas para situações em que estejam em causa operações de pagamento ordenadas através de sistemas de homebanking.
V) Mais: não resulta minimamente do referido artigo 104.º do DL 91/2018 (nem de qualquer outra disposição do mesmo diploma, diga-se), que a suposta “autenticação forte” da operação se devesse reconduzir à necessidade de confirmação da ordem dada através de telefonema, como aqui sustentam os Recorridos.
W) Já no que respeita à segunda linha subsidiária de argumentação (cfr. pontos 111.º a 116.º das contra-alegações), e sem conceder quanto a não ser admissível a ampliação do recurso com base num fundamento não invocado anteriormente nos autos, cabe referir que, contrariamente ao que sustentam os Recorridos, a única conclusão possível e plausível a extrair dos factos considerados provados (em particular dos factos provados constantes dos pontos 84 e 85, que os Recorridos não impugnam, apenas requerendo um aditamento ao facto provado 84), à luz do DL 317/2009, de 30 de Outubro, aplicável ao caso dos autos, é a de que esse autenticação efetivamente ocorreu.
X) Acresce que ainda que se pudesse considerar para este efeito, como pretendem os Recorridos, a definição de “autenticação” constante da Diretiva 2007/64/CE (no que não se concede, na medida em que tal Diretiva não tem, por si só, aplicação direta em Portugal, não constando tal definição do DL 317/2009, de 30 de Outubro), a verdade é que também ao abrigo da referida definição estas operações se deveriam considerar autenticadas, não resultando da mesma qualquer sustentação para a pretensão dos Recorridos de que as ordens dadas por e-mail teriam que ser obrigatoriamente objeto de confirmação telefónica.
Y) Com efeito, a forma como a referida definição está redigida, com destaque para a referência aí feita aos supostos “dispositivos de segurança personalizados”, revela que, à semelhança do que sucede com outras disposições do DL 317/2009, a referida menção foi pensada para situações de autenticação de operações realizadas através de sistemas ditos de homebanking, em que o cliente entra no sistema do Banco e aí realiza a operação, sendo nesse contexto que poderá fazer sentido recorrer a outros dispositivos que permitam confirmar a identidade do ordenante, nomeadamente a confirmações por meio de código remetido para o número de telemóvel pessoal ou constante do cartão matriz pessoal atribuído ao ordenante.
Z) O mesmo não sucede em operações ordenadas através de conta de e-mail pessoal do ordenante, em que há, à partida, um elemento pessoal do cliente envolvido na operação e suscetível de verificação pelo Banco, o que, por si só, contribui para uma verificação da autoria da ordem, sendo que, no caso dos autos, estavam em causa não apenas ordens dadas através do endereço de email pessoal do ordenante, por este indicado ao Banco, como ainda ordens que, pelo seu tipo, configuração e enquadramento, se inseriam dentro do que o Banco reconhecia como sendo o padrão habitual de transmissão de ordens por parte do Recorrido EF.
AA) Com efeito, cabe recordar que o Recorrente tinha informação sobre os Recorridos e sobre a forma por estes escolhida para transmitir ordens (factos provados n.º 1 a 4), estavam em causa ordens de transferências de valores não muito elevados (factos provados n.º 43, 46, 48 e 50) e perfeitamente enquadrados com a aquisição do imóvel pretendida pelos Recorridos e de que o Recorrente foi sendo informado ao longo de meses (factos provados 86 e 87), estando além do mais perfeitamente enquadrados com a liquidação do depósito a prazo e com a transferência realizada da conta dólares para a conta euros (facto provado n.º 90). Acresce que a origem do dinheiro era conhecida (provinha das contas tituladas pelos Autores, cfr. factos provados 63, 64, 65, 66) e o destino era igualmente conhecido e estava alinhado com a informação prestada pelos Recorridos relativa à aquisição do imóvel (factos provados 86 e 87), tendo ainda as instruções sido verificadas pela área de operações do BCP (factos provados 84 e 85).
(ii) Do pedido de alteração da redação do facto 84 e de inclusão do artigo 51.º da Contestação na lista de factos assentes
BB) Como já referido supra, a lei não obriga a que ordens dadas por email sejam obrigatoriamente confirmadas por telefone, ou vice versa, sendo que o facto de essa confirmação adicional por telefone ou por e-mail poder ter pontualmente ocorrido em determinados momentos no passado não tem, naturalmente, o condão de transformar essa eventual confirmação adicional em obrigatória.
CC) Isso mesmo é, aliás, o que resulta dos depoimentos prestados nos autos – inclusivamente dos “apanhados” feitos pelos Recorridos do teor dos depoimentos dos funcionários do Banco relativamente a este ponto (cfr. pontos 113.º e 115.º das contra-alegações sob resposta, em que os Recorridos repetem parcialmente a referência aos mesmos depoimentos), sendo a essa luz que devem ser lidas as trocas de e-mails para que os Recorridos remetem no ponto 116.º das contra-alegações, juntas com os Docs. 11 ou 39 da Contestação, em que, relativamente a uma determinada ordem dada por email, é feita referência a uma confirmação com o cliente.
DD) Em todo o caso, cabe referir que o excerto que os Recorridos pretendem aditar ao facto provado 84 é de teor manifestamente genérico e conclusivo, sem suporte no concreto teor da prova produzida (nomeadamente nos depoimentos das testemunhas a que os Recorridos se reportam nos pontos 113.º e 115.º das contra-alegações), não sendo claro, em particular, a que se reportam os Recorridos com o uso do conceito indeterminado “outro elemento de confirmação pessoal” - muito embora sempre se diga que a verificação de que o endereço de e-mail de que provinha uma determinada ordem correspondia ao endereço de e-mail indicado pelo cliente na autorização de transmissão de ordens por e-mail correspondia, só por si, à validação da ordem com recurso a um elemento (no caso, o endereço de e-mail) de confirmação pessoal.
EE) Por fim, no que respeita ao pedido de aditamento do facto alegado no artigo 51.º da Contestação, relativo a ordens transmitidas pelo Autor VF, a respetiva inclusão, a ocorrer, apenas confirma o que o Recorrente vem alegando quanto às ordens dadas por e-mail não serem obrigatoriamente confirmadas por telefone.
FF) Com efeito, a única situação de ordem dada por e-mail pelo Autor VF a que se reporta o artigo 51.º da Contestação, identificada na alínea c) do mesmo (cuja inclusão na lista de factos assentes foi também requerida pelo Recorrente nas suas alegações), refere-se a uma ordem dada por e-mail sem qualquer registo de confirmação telefónica, tendo a testemunha Ana T.. confirmado que a ordem por e-mail aqui em causa não foi seguida de confirmação por telefone (cfr. depoimento prestado na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427161949_19844742_2871018, de 00:20:17 a 00:21:23).
(iii) Do pedido de inclusão de novos factos relativos à não apresentação de queixa-crime ou à não realização de autenticação forte na lista de factos assentes
GG) O pedido de inclusão na lista de factos provados de suposta factualidade relativa à “não apresentação de queixa-crime e não realização de autenticação forte” (cfr. artigo 110.º das contra-alegações) assenta na visão (errada) defendida pelos Recorridos quanto à lei aplicável aos factos em discussão nos autos ser o Decreto-Lei 91/2018 (do qual consta a referência ao termo “autenticação forte” ou ao dever de apresentação de queixa-crime) não devendo ser admitido.
HH) Em todo o caso, cabe ainda referir que a decisão de facto deve incluir factos, e não conclusões jurídicas, como a realização ou não realização de “autenticação forte”.
II) Já quanto à questão da não apresentação de queixa-crime pelo Banco, e para além de, face à lei vigente, esse não ser um dever do Banco, é de assinalar a particular falta de relevância do argumento num contexto em que, como os próprios Recorridos referem no ponto 5.º das contra-alegações, o Recorrido VF apresentou queixa crime quanto aos factos aqui em discussão, pelo que as autoridades de polícia criminal tomaram efetivo conhecimento dos factos.
JJ) Por outro lado, a referência a tal (inexistente) dever sempre se revelaria espúria no âmbito da ampliação do objeto do recurso, dado que este respeita à atividade de autenticação da operação de transferência executada, sendo que a apresentação de queixa crime, a ocorrer, teria lugar em momento posterior e, portanto, em contexto alheio àquele que se aprecia.
Do suposto incumprimento pelo BCP de deveres resultantes das normas de prevenção do branqueamento de capitais Dos equívocos dos Recorridos quanto ao regime legal aplicável
KK) A tese da suposta violação pelo BCP dos seus deveres de prevenção de branqueamento de capitais assenta num emaranhado sem sentido de diplomas e disposições legais, com destaque para a invocação de diplomas que não estavam sequer em vigor à data dos factos, em Março/Abril de 2017, e dos quais, em todo o caso, não se retiram as consequências que os Recorridos reclamam, em particular a título de responsabilidade civil.
LL) Com efeito, ainda que tais normas de prevenção do branqueamento de capitais não tivessem sido observadas (hipótese em que se não concede), nem assim tal incumprimento geraria o dever de o Recorrente indemnizar no quadro da presente ação, pois tais normas não se dirigem a evitar o alegado dano que os Recorridos invocam, ou seja o dano por que pretendem ser ressarcidos; antes visam evitar que haja lugar a branqueamento de capitais, sendo que não é, de todo, esse o objeto da presente ação.
MM) Em nenhum momento foi invocada, nem debatida, nem objeto de decisão nos presentes autos qualquer conduta qualificada – sequer indiciariamente - como representativa de branqueamento de capitais. O âmbito teleológico das normas reguladoras da prevenção de capitais tem, assim, alcance diferente daquele que corresponde à pretensão formulada pelos Recorridos, não podendo as mesmas ser, assim, convocadas como fundamento para a pretensão formulada pelos Recorridos.
NN) O facto de na Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, se referir a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005 de nenhum modo corrobora a posição dos Recorridos, pois tais referências recíprocas visam tão só assegurar a unidade e harmonia do sistema jurídico, sendo os seus âmbito e finalidades completamente distintos (sistemas de pagamento e branqueamento de capitais, respetivamente).
Em todo o caso: o BCP não incumpriu qualquer obrigação em sede de prevenção de branqueamento de capitais no âmbito das operações em causa nos autos
OO) O Recorrente não incumprido quaisquer obrigações de identificação e diligência em matéria de prevenção do branqueamento de capitais à luz da Lei 25/2008, de 5 de Junho, e do Aviso do Banco de Portugal nº 5/2013, que eram os diplomas aplicáveis à data dos factos.
PP) Assim, e considerando desde logo o dever de identificação que os Recorridos alegam ter sido incumprido, os Recorridos laboram em erro manifesto quanto ao objeto desse dever: o que está em causa é a obrigação, para o BCP, de identificação do seu cliente – no caso, do Recorrido EF - e não dos beneficiários das operações, como alegado no artigo 125.º ou 129.º das contra-alegações.
QQ) Não se verifica também qualquer violação de um eventual dever de diligência que recaísse sobre o Recorrente, com a nota de que, no caso, estaria, quanto muito, em causa, o dever de diligência previsto nos artigos 9.º e 25.º da Lei 25/2008, de 5 de Junho, e já não um dever de exame ou um dever de diligência reforçado (previstos nos artigos 12º, 15º e 26º), uma vez que, face ao contexto em que ocorreram as operações aqui em causa, não estamos manifestamente perante “operações que, pela sua natureza ou características, possam revelar um maior risco de branqueamento ou de financiamento do terrorismo”, nem “qualquer conduta, actividade ou operação cujos elementos caracterizadores a tornem particularmente susceptível de poder estar relacionada com o branqueamento ou o financiamento do terrorismo”, nem de “relações transfronteiriças de correspondência bancária com instituições estabelecidas em países terceiros” (por oposição aos Estados membros da União Europeia).
RR) Diga-se, aliás, que a idêntica conclusão se chegaria ainda que fosse aplicado o artigo 27.º da Lei 83/2017 (que não estava em vigor à data dos factos, recorde-se), conforme pretendido pelos Recorridos, dado que o Recorrente, conforme vimos, tinha informação sobre a finalidade e a natureza pretendida da relação de negócio, não se justificando, atendendo ao perfil de risco do cliente, “obtenção de informação sobre a origem e o destino dos fundos movimentados”.
Do pedido de inclusão de novo suposto facto na lista de factos assentes
SS) Não pode proceder o pedido de inclusão na lista de factos provados do alegado no ponto 142.º das contra-alegações, em que se refere que “o BCP conhecedor de que os seus clientes apenas efetuavam transferências entre Portugal, Angola e Dubai, executaram as transferências em causa nos autos
sem saber ou pedir a identificação do Beneficiário e sem identificar a relação subjacente e sem um documento de suporte às transferências”.
TT) Com efeito, e acrescer ao que já vai exposto quanto à não verificação, no caso dos autos, dos requisitos legais de que depende a impugnação da decisão de facto, e à falta de fundamento da tese dos Recorridos quanto à suposta violação de regras em matéria de prevenção de branqueamento, é de assinalar que os supostos “factos” que os Recorridos pretendem aditar à lista de factos provados não são sequer verdadeiramente factos, mas essencialmente alegações conclusivas dos Recorridos, sem qualquer suporte na prova produzida, em particular na que é indicada pelos Recorridos em suporte desta sua pretensão (com a nota de que é, à partida, absurdo, pretender que testemunhas de facto pudessem confirmar conclusões de direito quanto ao cumprimento ou não de deveres legais).
UU) Mais: estes supostos “factos” contradizem frontalmente factos provados constantes da sentença recorrida que o Recorrente não impugna, pelo que o aditamento dos mesmos deixaria a sentença recorrida em situação de contradição insanável, remetendo-se uma vez mais aqui para o que vai alegado supra quanto conhecimento que o Recorrente tinha dos Recorridos e da forma por estes escolhida para transmitir ordens (factos provados n.º 1 a 4), quanto a estarem em causa ordens de transferências de valores não muito elevados (factos provados n.º 43, 46, 48 e 50) e perfeitamente enquadrados com a aquisição do imóvel pretendida pelos Recorridos e de que o Recorrente foi sendo informado ao longo de meses (factos provados 86 e 87), estando além do mais perfeitamente enquadrados com a liquidação do depósito a prazo e com a transferência realizada da conta dólares para a conta euros (facto provado n.º 90), e, bem assim, para o que resulta dos referidos factos provados quanto à origem do dinheiro ser conhecida (provinha das contas tituladas pelos Autores, cfr. factos provados 63, 64, 65,
66) e o respetivo destino ser igualmente conhecido e estar alinhado com a informação prestada pelos Recorridos relativa à aquisição do imóvel (factos provados 86 e 87), tendo ainda as instruções sido verificadas pela área de operações do BCP (factos provados 84 e 85).
Nestes termos e nos mais de Direito:
(i) Deve ser rejeitado o pedido de junção de documento formulado pelos Recorridos, sendo o mesmo desentranhado do processo físico e retirado da plataforma Citius;
 (ii) Deve ser julgado procedente o recurso oportunamente interposto pelo Recorrente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que a mesma é desfavorável ao Recorrente, nos termos melhor requeridos nas alegações de recurso apresentadas;
(iii) Deve ser parcialmente rejeitada a ampliação de recurso requerida pelos Recorridos na parte em que a mesma (a) se reporta a um pedido de apreciação de uma questão não formulada inicialmente ao Tribunal e em que (b) requer a revisão da decisão de facto, por manifesta inobservância de requisitos legais, nos termos melhor expostos supra;
(iv) Em todo o caso, e sem conceder, deve ser julgado improcedente a ampliação do recurso requerida pelos Recorridos, nos termos melhor expostos supra.
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Constituem questões decidendas saber se:
i) A sentença impugnada é nula;
ii) Devem ser rectificados os pontos 84 e 85 dos factos provados;
iii) Se deve alterar a decisão de facto;
iv) A sentença deve ser revogada por erro de direito.
*
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. O Autor VF é cliente do B desde novembro 1994.
2. Em 24.07.2013, o Autor VF assinou uma Declaração de Transmissão de Ordens através da qual o Autor declarou: “Relativamente a todas as Contas de Depósito à ordem e de depósito de títulos de que é(são) titular(es) no B (…) e que podem ser movimentadas por quem tenha poderes para o efeito (…) pretender usar da possibilidade de transmitir” “telefonicamente” e por “e-mail” “ao Private Banker indicado pelo Banco ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias, assumindo toda a responsabilidade e todas as consequências que resultem de eventual má receção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tais factos não decorram de dolo ou culpa grave do Banco; aceitando de igual modo, que o banco possa, em qualquer momento exigir, prévia ou consequentemente à respetiva execução, a entrega de uma ordem ou instrução escrita, ou revogar com um aviso prévio de 30 dias o presente acordo de receção de ordens ou instruções telefónicas”
3. Em 07.10.2016 o Autor EF assinou uma “Declaração de Transmissão de Ordens”, através da qual declarou: “Relativamente a todas as Contas de Depósito à ordem e de depósito de títulos de que é(são) titular(es) no Banco  (…) e que podem ser movimentadas por quem tenha poderes para o efeito (…) pretender usar da possibilidade de transmitir” “telefonicamente” e por “e-mail” “ao Private Banker indicado pelo Banco ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias, assumindo toda a responsabilidade e todas as consequências que resultem de eventual má receção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tais factos não decorram de dolo ou culpa grave do Banco; aceitando de igual modo, que o banco possa, em qualquer momento exigir, prévia ou consequentemente à respetiva execução, a entrega de uma ordem ou instrução escrita, ou revogar com um aviso prévio de 30 dias o presente acordo de receção de ordens ou instruções telefónicas”
4. Nessa Declaração, o Autor EF indicou o endereço de correio eletrónico …@gmail.com.
5. Tendo sido também esse o email que indicou “Pedido de Alteração de Dados Pessoais” relativo à conta …, datado de 24.01.2017, no qual indicou ainda um segundo endereço de email, a saber @gotobe.co.ao.
6. O Autor VF assinou os mapas de regularização das transferências realizadas em 2016, tendo assinado os referidos mapas datados de 06.04.2016 (referente à transferência de 06.4.2016) 30.09.2016 (referente às transferências de 16.06.2016 e 12.07.2016) onde declarou ter transmitido as ordens em causa.
7. O Autor EF assinou os mapas de regularização das transferências realizadas em 2016, tendo assinado os referidos mapas datados de 15.11.2016 (referente à transferência de 11.11.2016) e 10.01.2017 (referente às transferências de 09.12.2016, 15.12.2016 e 26.12.2016), onde declarou ter transmitido as ordens em causa.
8. No dia 12.10.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail ...@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Sr. Dr. EF, Julgo que já estará por cá, porque tenho tentado ligar várias vezes e sem sucesso. Posso avançar com a conta como individual e depois se quiser incluir o seu pai, fazemo-lo mais tarde? Muito obrigada”
9. No dia 12.10.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Já regressei à Luanda. Foi pouco tempo com tanto para fazer. Falei com o meu pai e ele ficou de lhe telefonar. Existe alguma diferença entre abrir a conta individual e posteriormente adicionar outro titular, ou abrir logo numa conta conjunta? Após a abertura da conta vou-lhe solicitar um cartão de débito e um cartão de crédito. Obrigado”.
10. No dia 13.10.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail erik........@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde, Dr.ª S, Qual é o ponto de situação da conta? Obrigado, Cumprimentos, EF”.
11. No dia 13.10.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail erik........@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Ontem esteve cá o seu pai e assinou a documentação da conta. Estou a aguardar que abram a conta. Assim que tiver essa informação, envio-lhe os dados por mail, bem como a proposta do cartão. Com elevada estima,”
12. No dia 01.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia, Dra. S, A conta já está aberta? Obrigado. Cumprimentos, E”
13. No dia 06.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia, Drª S, Gostaria de fazer algumas operações, a conta já está disponível? Obrigado. Cumprimentos, E”.
14. No dia 07.11.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde, Sr. Dr. EF, Espero que se encontre bem. A conta ainda não está aberta, mas penso que esta semana estará operacional. Aviso assim que estiver aberta. Melhores cumprimentos”.
15. No dia 08.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Drª S, Fico à aguardar que me confirme a operacionalidade da conta. Entretanto, solicito uma transferência da conta conjunta com os meus pais com os seguintes dados: Beneficiário: FSC. Banco: Montepio Geral – Caixa Económica. País/Cidade: Portugal, Lisboa. IBAN:… SWIFT: MPIOPTPLXXX Montante: 45€ (quarenta e cinco euros) Obrigado, Cumprimentos, E”.
16. No dia 11.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Drª S, Queira por favor enviar o comprovativo da transferência, obrigado. Cumprimentos, E”.
17. No dia 14.11.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Sr. Dr. EF, Segue em anexo os NIBs das suas contas, em EUR e USD, bem como o comprovativo da transferência. Obrigada. Com elevada estima,”
18. No dia 17.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail erik........@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Drª S, Por favor trate-me por E apenas. Agradeço o envio do comprovativo de transferência e dos dados da minha conta, fico à aguardar o envio da proposta de adesão aos cartões de débito e crédito. Confirma a receção de uma transferência de EUR 300,00 na conta conjunta com os meus pais? Obrigado. Cumprimentos, E”.
19. No dia 23.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail … com o seguinte teor: “Boa tarde, Qual o ponto de situação em relação aos temas infra? Obrigado. Cumprimentos, E”.
20. No dia 23.11.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Lamento a ausência de resposta, mas os seus mail’s ficaram retidos. Segue em anexo os dados da sua conta, o extrato e os impressos para o cartão de débito. Relativamente ao cartão de crédito, só vai ser possível emitir pessoalmente. Confirmo o crédito de 300€ na conta dos seus pais. Com elevada estima”.
21. No dia 30.11.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Drª S, Queira por favor acusar a receção de três transferências de 2.000,00€, 1.790€ e 1.790€ respetivamente, na conta conjunta com os meus pais. Disse-me só ser possível emitir pessoalmente o cartão de crédito mas ainda assim enviou-me o pedido de adesão do cartão de crédito (em anexo o pedido de adesão preenchido). Porque é que não é possível? E quanto ao cartão de débito? Obrigado. Cumprimentos, E”.
22. No dia 02.12.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr Dr EF Espero que esteja tudo bem. Confirmo as entradas. Relativamente ao cartão de crédito, já não temos impressos para enviar, pelo que terá de ser presencialmente. Obrigada e bom fim de semana SG”.
23. No dia 08.12.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com uma ordem de transferência no valor de 1.436,00€, da conta nº45494593808 para uma conta bancária domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo o beneficiário YCA Linha: “Boa tarde Dr.ª S, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: 4549 Beneficiário: YCA Linha Conta Beneficiário: … IBAN Beneficiário: PT50  BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 1.436 € (mil quatrocentos e trinta e seis euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Cumprimentos, EF”.
24. Em 08.12.2016, a Dra. SG recebeu novo e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, ordenando uma transferência no valor de 3.580,00€ da conta n.º , identificada pelo Autor EF como conta n.º , para uma conta domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo a beneficiária ESA: “Bom dia Dr.ª S, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: … Beneficiário: ESC IBAN Beneficiário: … BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 3.580€ (três mil quinhentos e oitenta euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Atenciosamente, EF”.
25. No dia 09.12.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Sr. Dr. EF, Conforme nossa conversa telefónica de ontem e as suas solicitações abaixo, informo que foram realizadas as transferências hoje. Os comprovativos só são possíveis de enviar segunda feira. Relativamente aos 2 créditos de 1.790€, deram entrada dia 28.11.2016. Bom fim de semana. Com elevada estima.”
26. Em 15.12.2016, a Dra. SG recebeu novo e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …, ordenando uma transferência no valor de 2.000,00€ da conta n.º , para uma conta domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo a beneficiária Elna S.A.: “Bom dia Dr.ª Sandra, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante:  Beneficiário: ESACabral IBAN Beneficiário:  BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 2.000 € (dois mil euros) Por favor enviar o bordereaux da operação e acusar o crédito de três transferências duas de 1.790€ e mais uma de 2.000€. Pretendo utilizar o serviço de Internet Banking, pode enviar-me a proposta? Obrigado.”
27. No dia 15.12.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Espero que se encontra bem. Seguem em anexo os comprovativos das transferências anteriores. Informo que foram creditadas 2 transferências na conta dos seus pais: Data valor 12/12 EMRF 1,790.00 C Data valor 12/12 EMRF 1,790.00 C Lamento mas o acesso homebanking, só é possível entregar pessoalmente. O contrato é emitido de imediato, pelo que na próxima vez que estivermos reunidos, entrego. Com elevada estima”
28. Em 15.12.2016, a Dra. SG recebeu novo e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Grato pela informação enviada. Entre amanhã e segunda-feira será creditada mais uma transferência de 2.000€ por favor depois confirme, obrigado. Cumprimentos”
29. Em 22.12.2016, a Dra. SG recebeu novo e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, ordenando duas transferências no valor de 300 € e de 120 € da conta n.º 45494593808, para uma conta domiciliada no B e para uma conta no B, sendo os beneficiários D'j E C Cruz/JRS e FFAR: “Boa tarde Dr.ª S, Como tem passado? Queira por favor confirmar na conta dos meus pais em que eu sou titular um total de créditos de 2 transferências de 2.000€ cada e 4 transferências de 1.790 cada? Por favor proceder às seguintes transferências únicas com as seguintes características: Conta ordenante: 45494593808 Beneficiário: D'j E C da Cruz/JRS IBAN Beneficiário: BIC SWIFT: BBPIPTPL Banco: BPI Montante: 300 € (trezentos euros) Conta ordenante:  Beneficiário: FFAR IBAN Beneficiário: PT50 0033 0000 4523 1303 4100 5 BIC SWIFT: BCOMPTPL Banco: Montante: 120 € (cento e vinte euros) Aguardo o envio dos comprovativos. Obrigado. Votos de festas felizes, EF”.
30. No dia 26.12.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, e no qual escrevia o seguinte: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Espero que tenha tido um Santo Natal, na companhia de toda a família. Estive ausente na 6ª feira, pelo que as transferências foram realizadas hoje. Relativamente aos créditos, informo que deram entradas os seguintes: Data Valor MONTANTE D/C 12/12 EMRF 1,790.00 C 12/12 EMRF 1,790.00 C 12/16 EMRF 2,000.00 C Votos de uma felizes Festas. Cumprimentos,”
31. Em 27.12.2016, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail erik........@gmail.com, a requerer o envio dos comprovativos das transferências anteriores, com o seguinte teor: “Boa tarde Drª S, Foi de facto um Santo Natal, espero que o seu tenha sido igualmente Santo, junto dos seus. Grato pela informação, fico à aguardar o envio dos bordereaus. Obrigado. Cumprimentos, EF”.
32. No dia 11.01.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, a requerer o envio dos comprovativos das transferências anteriores, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Espero que esteja tudo bem consigo. Continuo à aguardar o envio dos comprovativos das duas últimas transferências de 300€ e 120€ respetivamente. Solicito que me envie um extrato com os movimentos de conta da conta 45494593808. Obrigado.”
33. No dia 11.01.2016, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Em primeiro lugar, faço votos de um Excelente ano 2017 e que tenha tido umas boas entradas. Lamento desde já não ter recebido as notas de lançamento relativamente ás transferências. Estive ausente e por algum motivo não foram enviadas. Segue em anexo: 1. as notas de lançamento; 2. O mapa de resumo de ordens já efetuadas, que muito agradeço que imprima, assine e devolva por mail. 3. Extrato. Informo ainda que desde o inicio do ano, foram creditados os seguintes valores: Conta nº … 01/0312/30 Ord.Pgt.do Estrg.//DESPESAS DE VIAGEM 2,500.00 C 01/03 12/30 Ord.Pgt.do Estrg.//DESPESAS DE VIAGEM 2,500.00 C Conta nº EMRF 2,500.00 C Estou ao dispor para o que entenda por necessário. Com elevada estima,”
34. Em 12.01.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de …@gmail.com, relativo ao mapa de transferências, com o seguinte teor: “Bom dia Dr.ª S, As minhas entradas foram boas, obrigado, estava de férias. Espero que as suas também tenham sido boas e faço votos que 2017 seja um ano fantástico. Agradeço o envio da informação solicitada, contudo, no mapa de ordens não aparece a transferência para FSC, queira por favor incluir a referida operação e reenvia-lo que eu depois assino e retorno. Está em falta o comprovativo da transferência de 2.000,00€ para ES, aguardo o envio do mesmo. Obrigado. Cumprimentos, E”.
35. No dia 12.01.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Queira por favor confirmar se entraram duas transferências de €2.500,00 cada, da conta 4545048140905. Obrigado. Cumprimentos, Erik”
36. No dia 17.01.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail erik........@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Temos pendentes os seguintes temas: - Mapa de ordens não aparece a transferência para FSC, queira por favor incluir a referida operação e reenviá-lo para que eu possa assinar e devolver; - O comprovativo da transferência de 2.000,00€ para ES; - A entrada de 2.500,00€ relativos a uma segunda transferência para a conta …. Obrigado. Cumprimentos, E”.
37. No dia 19.01.2017, a Dra. SG enviou um e-mail ao Autor EF, para o endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Boa tarde Sr. Dr. EF, Infelizmente, mais uma vez o seu mail ficou retido nos filtros do Banco, o que atrasa a resposta. · No mapa de ordens não aparece a transferência da FSC, porque foi feita na conta dos seus pais e a mesma foi regularizada pela Sra. sua mãe; · Comprovativo em anexo da elna; Entradas desde Jan: § Conta dos pais: 2 crédito de 2.500€ § Conta E: 2 crédito de 2.500€. Espero que agora, não esteja nada por tratar/responder. Estou inteiramente ao dispor, para o que entenda por necessário. Com elevada estima,”
38. No dia 14.02.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail do Autor EF, através do endereço de e-mail …@gmail.com, com o seguinte teor: “Bom dia Dr.ª S por favor proceder com a máxima urgência e enviar-me o comprovativo da transferência única com os seguintes dados: Beneficiário: AF IBAN Beneficiário: PT 2 Banco: BPI Montante: 80,00€”
39. Em 15.02.2017, o Autor VF ordenou, por e-mail enviado para o Dr. JV, uma transferência para o Dubai: “Bom dia Dr. J, Queira por favor proceder à uma transferência única (com a máxima urgência) com os seguintes dados: CONTA ORDENANTE: BENEFICIÁRIO: CALA IBAN BENEFICIÁRIO:  BIC SWIFT: ABDIAEAD BANCO: Abu Dhabi Islamic Bank MONTANTE: AED 3.000,00 (três mil dirhams). Por favor enviar o comprovativo. Obrigado Cumprimentos, VF”.
40. Em 15.02.2017, o Dr. JV enviou ao Autor VF, por e-mail, as duas simulações solicitadas.
41. Em 24.03.2017, a Dra. SG e o Dr. J V, enviaram ao Autor VF a lista dos documentos referentes aos compradores e dos documentos referentes ao imóvel e aos vendedores de que necessitariam para efeitos da análise do financiamento.
42. Por e-mail enviado em 27.03.2017 para a Dra. SG, com conhecimento para o Dr. JV, o Autor mostrou desagrado com a morosidade do processo, que já lhe estava a criar “problemas com o proprietário”, tendo-se ainda pronunciado sobre as dificuldades suscitadas e os documentos solicitados.
43. No dia 14.03.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail, proveniente do endereço eletrónico …@gmail.com, a solicitar uma transferência bancária da conta n.º …, no valor de 7.255,00€ para uma conta domiciliada no banco SK, com sede na Alemanha, sendo o beneficiário da transferência IM, com o seguinte teor: “Boa tarde Dr.ª S, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: 45494593808 Beneficiário: IM IBAN Beneficiário : DE19 6605 0101 0022 3883 00 BIC SWIFT: KARSDE66XX Banco : SPARKASSE KARLSRUHE Endereço do Beneficiário: EG - Straße , 76189 Karlsruhe, Germany Montante: 7.255 € (Sete mil duzentos e cinquenta e cinco euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Cumprimentos, EF”.
44. A transferência foi executada no dia 14.03.2017, tendo a Dra. AT, na ausência da Dra. SG, confirmado a execução da transferência através de e-mail, dirigido ao mesmo endereço eletrónico do Autor EF - …@gmail.com – e enviado também a nota de lançamento da transferência.
45. No dia 14.03.2017, a Dra. AT recebeu em resposta ao seu e-mail, um e-mail proveniente da mesma conta de correio eletrónico do Autor EF (…@gmail.com) a agradecer a realização da transferência.
46. No dia 21.03.2017, a Dra. AT recebeu novo e-mail, proveniente do mesmo endereço eletrónico (…@gmail.com), a solicitar nova transferência da conta n.º …, no valor de 6.500,00€, para conta domiciliada no banco ING, para a sucursal de Madrid, sendo o beneficiário da transferência Emil T M com o seguinte conteúdo: “Boa dia estimada A, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: … Beneficiário: ETM IBAN Beneficiário : ES70 1465 0350 2818 0064 5462 BIC SWIFT: INGDESMMXXX Banco : ING DIRECT Montante: 6.500 € (Seis mil e quinhentos euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Solicito os extratos bancários para os períodos descritos abaixo: nº de conta …, de janeiro de 2017 até a presente data. Cumprimentos, EF”.
47. A transferência foi executada no dia 22.03.2017, tendo a Dra. SG confirmado a execução da transferência através de e-mail enviado para o endereço de e-mail …@gmail.com, para o qual enviou também a respetiva nota de lançamento.
48. No dia 27.03.2017, a Dra. SG recebeu um e-mail proveniente do mesmo endereço eletrónico (…@gmail.com), desta feita a solicitar duas transferências: uma, da conta n.º …, no valor de 4.855,00€, para uma conta domiciliada no BBVA, com sede em Espanha, sendo o beneficiário INC, e outra, da conta n.º…, no valor de 45.424,00€ para uma conta sediada no mesmo banco, sendo o beneficiário ICP, com o seguinte conteúdo: “Bom dia Dr.ª S, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: 45494593808 Beneficiário: INC  IBAN Beneficiário : ES66 0182 15 08510201579828 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX Banco : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA Montante: 4.855 € (Quatro mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros Conta ordenante: … Beneficiário: ICP S.L IBAN Beneficiário: ES40 0182 0483 5202 0162 4125 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX BANCO : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. Montante: 45.424€ (Quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e quatro euros Por favor enviar o bordereaux. Obrigado.”
49. As transferências foram executadas no dia 27.03.2017, tendo a Dra. AT confirmado a execução das transferências através de e-mail enviado para o endereço eletrónico …@gmail.com, tendo enviado também as respetivas notas de lançamento.
50. No dia 03.04.2017, as Dras. SG e AT receberam novo e-mail proveniente do endereço …@gmail.com, a ordenar uma transferência da conta n.º 45450481409, no valor de 54.576,00€, para uma conta bancária domiciliada no banco BBVA, com sede em Espanha, sendo o beneficiário a ICP, com o seguinte conteúdo: “Bom dia Dr.ª A, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante:  Beneficiário: ICP S.L IBAN Beneficiário: ES40 0182 0483 5202 0162 4125 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX BANCO : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. Montante: 54.576€ (Cinquenta e quatro mil, quinhentos e setenta e seis euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado”.
51. A operação foi realizada no dia 03.04.2017 e nesse mesmo dia a Dra. S G confirmou a execução da transferência por e-mail enviado para o endereço …@gmail.com, tendo enviado a nota de lançamento e solicitado ainda informações sobre o pagamento ordenado, para confrontar com a informação anteriormente prestada pelos Autores.
52. Em 05.04.2017, a Dra. SG reencaminhou para o Autor EF os e-mails de 14.03.2017, 22.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017 para o endereço de e-mail …@gmail.com .
53. Em 02.03.2017 a Dra. SG enviou ao Autor VF os formulários de pedido de desvinculação de conta de depósitos à ordem e respetivas contas associadas que os Autores teriam de assinar e entregar para retirar um titular da conta
54. O Autor EF negou emitido as ordens dirigidas ao BCP por emails de 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017.
55. Em 05.04.2017 a Dra. SG enviou ao Autor EF, para a outra conta autorizada, …@gotobe.co.ao descritivo dos movimentos.
56. Em resposta a esse email, o Autor EF informou então, por e-mail a partir do endereço …@gotobe.co.ao, que: “todos os movimentos descritos infra são fraudulentos” pedindo que o BCP não aceitasse mais instruções provenientes do endereço de e-mail em causa erik........@gmail.com.
57. Os Autores apresentaram participação criminal junto da Polícia de Segurança Pública em 12.04.2017, o que deu origem ao processo com o NUIPC 000713/17.8PBLSB.
58. No dia 13.04.2017, o Autor VF, munido de uma procuração que para o efeito lhe tinha sido atribuída pelo filho, apresentou uma reclamação formal junto do Réu BCP, requerendo a devolução dos valores transferidos.
59. O Dr. JV e o Dr. JVR enviaram uma carta ao Autor EF, no dia 21.06.2017, na qual informavam não poder dar provimento à reclamação sobre o tema referido, “uma vez que cumprimos com o que se encontrava acordado através da Declaração de Transmissão de Ordens, subscrita por V. Exa, em 7 de outubro de 2016”.
60. No dia 12.07.2017, o Autor VF apresentou uma reclamação junto do Banco de Portugal solicitando que este interviesse junto do Réu de modo a garantir a devolução dos valores transferidos.
61. O Réu respondeu à reclamação apresentada pelo Autor VF junto do Banco de Portugal, por carta datada de 19.10.2017.
62. O autor VF é cliente do réu desde 1994. 63. Em 15.07.2013, o Autor VF e a mulher FF abriram a conta n.º 45438686403, em dólares americanos.
64. Em 20.05.2014, o Autor VF e a mulher FF abriram a conta n.º …, em euros.
65. Em abril de 2016, o Autor EF passou a ser também titular das contas n.ºs … e …, de que eram titulares os seus pais desde novembro de 2014.
66. Em 11.11.2016, os Autores VF e EF abriram a conta n.º …, em euros, e a conta nº …, em dólares.
67. Os Autores são ambos cidadãos (…).  
68. O Autor VF é empresário, e detém uma empresa de segurança, a …, que presta serviços de segurança de pessoas e bens, prestando ainda serviços a instalações patrimoniais, industriais e aeroportuárias, operando no mercado angolano desde 1994.
69. O Autor VF é proprietário de um imóvel no Dubai.
70. O Autor EF, para além de ajudar o pai, o Autor VF, nos seus negócios, tem também experiência profissional na banca e noutras áreas de negócio.
71. Entre março de 2010 a abril de 2012, trabalhou no Banco…, na área de Produtos Financeiros Estruturados Corporate.
72. Entre abril de 2012 e abril de 2013, exerceu funções como Diretor Comercial da E… Lda., trabalhando na área das vendas, imobiliário e gestão de shopping.
73. Entre maio de 2013 e maio de 2014, foi Diretor Geral da …, exercendo funções relacionadas com a reestruturação da empresa e no planeamento estratégico.
74. Foi ainda Diretor Geral na empresa G…, empresa que fundou em dezembro de 2013, que presta serviços de engenharia civil e de consultoria e formação, e, entretanto, encerrou atividade.
75. Apesar de residirem em Angola, os Autores deslocavam-se a Portugal algumas vezes por ano para, segundo informação dos próprios, tratarem de negócios (apenas no caso de VF) e para visitarem NB, filha e irmã dos Autores VF e EF, residente no …, sendo que o Autor VF era igualmente proprietário de um imóvel em Setúbal.
76. Foi precisamente por residirem em Angola – e embora aproveitassem pelo menos algumas dessas deslocações a Portugal para reunir com os colaboradores do BCP – que os Réus declaram pretender usar da possibilidade de transmitir ordens por telefone e por email e de facto usaram frequentemente dessa possibilidade, sendo os contactos presenciais com colaboradores do BCP pouco frequentes.
77. Nem o BCP, nem os Autores revogaram os acordos de transmissão de ordens referidos em 2 e 3.
78. Até abril de 2016, quando o Autor Erik ... passou a ser titular das contas nºs 45438686403 e 4540481409, o relacionamento do BCP, através dos respetivos colaboradores, era apenas com o Autor Victor ….
79. A partir de 2016, quando o Autor EF passou a ser titular das contas nº… e … e abriu as contas nºs … e …, a DSG passou a contactar com ambos os Autores e a receber instruções de ambos os Autores, através dos respetivos endereços de email, indicados nas declarações de transmissão de ordens que cada um assinou.
80. Os Autores tiveram contactos com outros colaboradores do B, da mesma sucursal, entre os quais, os Drs. JV, diretor da sucursal, e AT, Private Banker, embora esta de forma não pessoal.
81. No período de 2016/2017, a Dra. SG teve de se ausentar algumas vezes por estar a acompanhar o seu marido, que padecia de uma doença terminal e que viria a falecer em 28.03.2017.
82. O Autor EF contactava o B tendencialmente por email.
83. O Autor EF pedia que o B confirmasse por email a execução das transferências e que lhe fossem enviados, também por email, os respetivos comprovativos, o que o B efetivamente fazia.
84. Todas as transferências ordenadas pelos Autores VF e EF foram duplamente validadas pelos private bankers, por um lado, e pelo back office do B, por outro, do ponto de vista normativo e técnico.
85. O back office verificou a conformidade entre a ordem lançada no sistema e o que o cliente efetivamente ordenou e a conformidade das ordens recebidas com as normas e registos internos do B, incluindo a verificação dos poderes do ordenante, se o cliente podia ou não transmitir a ordem por telefone a verificação dos endereços de email utilizados.
86. Em finais de 2016, em data que não se consegue precisar, o Autor VF transmitiu à Dra. SG que pretendia adquirir um imóvel em Portugal, na zona de Cascais/Estoril, onde a sua filha residia, e que estava a fazer prospeção do mercado nesse sentido, sendo que para o efeito iria precisar de financiamento.
87. Mais tarde, em data que já não se consegue precisar, o Autor VF transmitiu à Dra. SG que já tinha um imóvel em vista, cujos proprietários eram espanhóis, mas que estava a tentar negociar o valor do imóvel.
88. Em fevereiro de 2017, o Autor VF solicitou, por telefone, ao diretor da sucursal, Dr. JV, duas simulações de crédito, a 5 e a 10 anos, para um imóvel com valor de aquisição de 560.000 € e considerando um financiamento no valor de 408.000 €.
89. No dia 15.02.2017, o Dr. JV enviou ao Autor VF, por email, as duas simulações solicitadas, tendo sido de seguida contactado pelo Autor VF para informar que em princípio a ideia seria avançar com o financiamento no valor de 400.000 € pelo prazo de 5 anos.
90. Em 02.03.2017, o Autor VF contactou a Dra. SG e deu instruções para que fosse feita uma transferência da conta em dólares nº 45438686403 no valor de 10.000 USD (equivalente a 94.786,73 €) para a conta em euros nº 45450481409; operação esta que foi realizada.
91. Em data não apurada, mas anterior às ordens de transferências em causa nestes autos, a Dra. SG e o Dr. JV falaram com o Autor VF por telefone e transmitiram-lhe alguma preocupação no que respeita à viabilidade do financiamento, por razões relacionadas com compromissos assumidos pelo Autor VF relacionados com o financiamento de um familiar.
92. O referido email de 14.03.2017 vinha integrado numa sequência de emails trocados entre o Autor EF e o BCP, com início em 14.11.2016 e que incluía os emails datados de 17.11.2016, 23.11.2016, 30.11.2016, 02.12.2016, 08.12.2016, 09.12.2016, 15.12.2016, 22.12.2016, 26.12.2016, 27.12.2016, 11.01.2017,12.01.2017, 17.01.2017 e 19.01.2017.
93. O referido email de 21.03.2017 vinha integrado numa sequência de emails trocados entre o Autor EF e o B, com início em 14.11.2016 e que incluía os emails datados de 17.11.2016, 23.11.2016, 30.11.2016, 02.12.2016, 08.12.2016, 09.12.2016, 15.12.2016, 22.12.2016, 26.12.2016, 27.12.2016, 11.01.2017,12.01.2017, 17.01.2017 e 19.01.2017.
94. As duas transferências de valor superior a 10.000 € foram objeto de aprovação superior: a transferência no montante de 45.424 € foi aprovada pelo Diretor de Sucursal JV e a transferência no montante de 54.576 € foi aprovada por AG, por delegação de competências do Diretor de Sucursal JV.
95. Após o relatado em 52, o Autor ligou novamente à Dra. SG e informou que, tendo acedido ao seu email com o endereço …@gmail.com, verificou não ter recebido qualquer email nem na caixa de entrada, nem na caixa de spam.
96. No dia 07.04.2017 o Autor VF deslocou-se à sucursal do Réu, onde reuniu com o Dr. JV para discutir o tema das transferências alegadamente não autorizadas.
97. Os Autores não deram conhecimento ao B de quaisquer desenvolvimentos processuais, desconhecendo o B se foi proferido despacho de acusação ou de arquivamento.
98. No dia 13.04.2017, o Autor VF, munido de uma procuração que para o efeito lhe tinha sido atribuída pelo filho, apresentou uma reclamação formal junto do Réu B, requerendo a devolução dos valores transferidos.
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B) Factos Não Provados
Nada mais se provou, para além dos factos supra elencados.
No que respeita ao tema da prova A i. e ii., resultou provado apenas o que consta das comunicações entre as partes e transcritas na matéria de facto provada; não resultou provado o alegado em 51º da contestação, ou que existisse uma prática sistemática de confirmação telefónica das ordens transmitidas por email.
No que respeita à matéria constante do tema da prova D iii. e iv, mais concretamente no que respeita ao projeto do autor V adquirir um imóvel no Estoril cujos vendedores seriam de nacionalidade espanhola, não resultou provado o alegado pelo réu, que o autor V havia informado os funcionários daquele que ia avançar com a compra do imóvel aos proprietários espanhóis, que iria proceder ao pagamento de qualquer sinal, que o autor V tenha dado ordem de liquidação do depósito a prazo no valor de €40.000.00; e que tenha encarregado o autor E de o coadjuvar no processo de compra do imóvel.
No mais, não resultou provado que qualquer dos autores tenha transmitido ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017.
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Dos errores in procedendo
Diz o recorrente:« EE) A motivação da decisão sobre a matéria de facto tem de estar em consonância com a própria decisão sobre a matéria de facto - sob pena de respeitar a uma outra decisão, incompatível com aquela que se motiva -, destinando-se a ser uma mera explicitação das razões que levaram o Tribunal a decidir como decidiu na prévia lista de factos que depois motiva, que não já a inovar (art. 607.º, n.º 4 C.P.C.), avançando com teses ou convicções íntimas do julgador que não têm reflexo na referida lista de factos.
FF) Ora, no que respeita à autoria das ordens de transferência ora em apreço, o Tribunal a quo afirma na motivação da decisão de facto a sua convicção de que não foi nenhum dos Autores a transmitir as ordens de transferência (cfr. p. 29 e p. 37 da sentença), quando na lista de factos não provados tinha afirmado algo de muito diferente: apenas que não tinha resultado provado que qualquer dos Autores tenha transmitido ao Réu as ordens de pagamento em questão (cfr. final do ponto B) da sentença, p. 25), contradição que também inquina a validade da sentença recorrida.
GG) Não pode ser admitida ou atribuir-se qualquer efeito à afirmação do Tribunal a quo, a p. 29 da sentença, em sede de motivação da decisão de facto, de que “poderá ter havido hacking da conta da testemunha” (no caso, SG, funcionária do Banco), dado que não podem ser relevados, em sede de decisão, factos que não constem da lista dos factos provados ou não provados, sob pena de violação do disposto no art. 607.º do CPC, em particular nos seus n.º 3 a 5, assim se pondo em causa a objetividade, imparcialidade e rigor da sentença, tal bastando para que a mesma deva, também por esta razão, ser revogada.
KK) A circunstância de o juiz convocar factos principais para o processo transmite às partes, em geral, um sentimento de dúvida quanto à equidistância de quem decide, sentimento esse que, no caso dos autos, foi gerado, de modo intenso, no decurso do julgamento, em virtude de o Tribunal não se ter coibido de, durante a audiência de julgamento, tecer observações altamente pejorativas relativamente às instituições de crédito no seu conjunto, fazendo (surpreendente) referência à sua alegada experiência pessoal com os Bancos (não obstante as vestes em que se encontrava), assim se deixando permear por razões não só não jurídicas, como antijurídicas (cfr., em particular, o teor da intervenção do Tribunal no decurso da audição do Autor VF prestadas na sessão de julgamento de 20.04.2021, ficheiro áudio 20210420095632_19844742_2871018, de 01:50:29 a 01.53:06, ora reproduzida no texto das alegações), sendo que também esta circunstância –representativa de violação do princípio do dispositivo -, conjugada com todas as demais assinaladas, nas presentes alegações, relativamente à sentença recorrida, não poderá deixar de ser considerada para efeitos de revogação da decisão.
LL) Acresce, ainda quanto a este ponto, que o eventual hacking do telemóvel de funcionário do Banco, a ter ocorrido, no que não se concede, representaria facto principal essencial– ainda que de uma outra causa de pedir, que os Autores não formularam que não um facto principal complementar ou concretizador resultante da instrução da causa. Ainda que, porém, se tratasse (e não se trata) de facto principal complementar ou concretizador, nem assim poderia ser processualmente considerado, em virtude de não ter sido concedida às partes a possibilidade de exercício do contraditório em momento anterior ao uso desse facto na sentença, o que representa violação do 3.º, n,º 3 e art. 5.º, n.º 2, als. a) e b) C.P.C. (cfr., a este respeito, em particular, HELENA CABRITA (em A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, pp. 99 e 100, para que se remete no texto das alegações)».
Alega assim o recorrente que a validade da sentença está inquinada porquanto existe uma dissonância/contradição entre matéria de facto não provada («que qualquer dos autores tenha transmitido ao réu as ordens de pagamento») e a motivação, quando o tribunal afirma a convicção «de que não foi nenhum dos autores a transmitir as ordens de transferência».
Não assiste razão ao recorrente. Como se refere no Ac. TRP de 05.03.2015, Proc. 1644/11, www.dgi.pt, «não são confundíveis nem têm o mesmo regime o vício de nulidade da sentença por falta de fundamentação e o vício da deficiência de motivação da decisão da matéria de facto».
Desenvolvendo o seu raciocínio, esclarece o referido tribunal que o artigo 607.º contém, nos seus números 4 e 5, normas próprias sobre a decisão da matéria de facto e sua motivação; o artigo 615.º enuncia as causas de nulidade da sentença; o artigo 662.º, relativo ao modo como o segundo grau pode conhecer dos erros ou vícios da decisão da matéria de facto, prevê, no n.º 2, d), que a Relação pode determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Perante estes dados normativos, o acórdão citado resume o novo regime nestes termos:
«i) Existe falta de fundamentação de facto da sentença, gerando a nulidade desta, nos casos em que a sentença não exibe os factos em se baseia a solução jurídica levada à decisão;
ii) Se da sentença constam os factos a que a decisão fez aplicação do direito, não falta aquela fundamentação nem a sentença é nula;
iii) Se a fixação da matéria de facto, que incorpora a sentença, mas constitui um momento prévio à fundamentação de facto da sentença, padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, segue-se o regime do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do novo Código de Processo Civil, cabendo à parte interessada, no recurso da sentença, o ónus de impugnar a decisão da matéria de facto e sustentar a presença desses vícios;
iv) Confrontada com essa arguição (ou mesmo oficiosamente), a Relação só pode anular a decisão se não tiver à sua disposição todos os meios de prova que lhe permitiriam sanar, por si mesma, a deficiência, obscuridade, contradição;
v) Nos demais casos (o vício é um desses, mas a Relação tem à sua disposição todos os meios de prova; o vício é a falta de fundamentação) a Relação não pode anular a decisão da 1.ª instância, cabendo-lhe sanar ela mesma o vício, excepto se se tratar de falta da “devida” fundamentação caso em que poderá ordenar à 1.ª instância que acrescente a fundamentação em falta, prosseguindo depois com o conhecimento do objecto do recurso».
No caso sujeito é fácil sanar a dissonância. O tribunal pretendeu realmente dar como não provado a matéria que enunciou, mas não ao ponto de dissipar todas as dúvidas quanto a facto positivo em causa, o que cremos resultar da linha de raciocínio desenvolvida e do tempo do verbo utilizado no parágrafo anterior (poderá).
Alega ainda o Banco que o uso pela sentença do facto de eventual hacking do telemóvel de funcionário do Banco violaria os artigos  3.º, n.º 3 e art. 5.º, n.º 2, als. a) e b).CPC.
O recorrente está aqui também a arguir uma nulidade. Porém, não esclarece a que nulidade se refere (nulidade procedimental ou da sentença?). Ficamos tão-só a saber que o Banco entende que a consideração daquele facto implicou o proferimento de uma decisão-surpresa.
Ora não estamos diante de qualquer decisão-surpresa pela singela razão de que não existe qualquer decisão.
O que o recorrente questiona é um aspecto concreto da motivação da decisão de facto (cfr. fls 334), que não pode, até pela sua formulação hipotética, ser confundido com uma verdadeira decisão.
Inexiste, por conseguinte, qualquer vício formal que se possa apontar à sentença impugnada.
Relativamente à suposta parcialidade do juiz diremos o seguinte: i) a imparcialidade do juiz «outra coisa não é, no plano teórico-prático, se não a actuação concreta e participada do «foro interior», de que cada magistrado, em consciência, está necessariamente apetrechado. Noutras palavras, trata-se daquele sentido intímo de «justiça», que ele experimenta (e não poderá não experimentar, se quiser ser honesto consigo mesmo) todas as vezes que a sua decisão dependa dos resultados objectivos de qualquer causa (ou seja das provas concretamente recolhidas), e não já de aspectos psicológicos desviantes (por exemplo, da maior simpatia ou antipatia, que ele bem podia humanamente sentir, em relação a uma parte e/ou ao seu defensor) ou, pior ainda, em relação a outros (mais ou menos visados) condicionamentos «externos»» (Luigi Paolo Comoglio, Mito, Fantasia e Realtà Del Giudice Imparziale, Wolters Kluwer/Cedam, Milano, 2021:290/291).
Quando o magistrado actua conscientemente, decidindo e motivando de modo parcial, o juiz atenta contra uma das mais importantes garantias das partes… e nega-se a si mesmo enquanto juiz.
Das garantias de imparcialidade, encima com propriedade o Capítulo VI do Título IV do Livro I do CPC, distinguindo entre impedimentos (artigos 115.º ss) e suspeições (artigos 119.º e ss).
As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (artigo 120.ª). A lei prevê os trâmites do incidente de suspeição (artigos 122.º e 123.º) não sendo viável fazer prevalecer os motivos de desconfiança em relação à imparcialidade do juiz através deste recurso.
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Da alteração da decisão de facto
Não por acaso a lei manda que o acórdão a elaborar pelo relator comece pelo ralatório, expondo-se de seguida os fundamentos e concluindo-se pela decisão (artigo 663.º, 2).
É verdade que a lei não diz quais os fundamentos que devem vir em primeiro lugar, se os de facto se os de direito, mas é intuitivo e tal resulta dos artigos 607.º a 612.º, para os quais aquele n.º 2 do artigo 663.º remete, que a premissa menor do silogismo judiciário deve antecer a premissa maior, para permitir uma correcta subsunção.
Comecemos, então, por analisar o recurso na parte que se refere à pretensão de ser alterada a decisão de facto.
Diz o recorrente: « MMM) O Tribunal a quo considerou provado e declarou na sentença que também as ordens de transferência relativamente às quais se levanta a suspeita da interferência indevida foram objeto de verificação e validação pelo BCP nos mesmos termos das demais transferências, referindo de forma clara, na p. 34 da sentença, que “cabe ao prestador do serviço, e aqui réu, fornecer prova que a) a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada – o que logrou fazer, cf. factos 84 e 85”, entendimento este corroborado pela prova produzida nos autos (cfr. depoimento prestado pela testemunha SG na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427102631_19844742_2871018, de 00:06:18 a 00:07:57, e depoimento prestado pela testemunha AT na sessão de julgamento de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427161949_19844742_2871018, de 00:08:04 a 00:08:15 e de 00:09:39 a 00:12:01; cfr. depoimento prestado pela testemunha AM na sessão de 27.04.2021, ficheiro áudio 20210427170525_19844742_2871018, de 00:03:00 a 00:05:12 e de 00:09:33 a 00:11.09).
NNN) Face ao exposto, e de forma a que os factos provados 84 e 85, aí referidos, passem a refletir de forma adequada o pensamento do Tribunal a quo quanto a esta matéria, expresso na passagem exposta supra, deve ser retificado o lapso de escrita constante das respetivas redações, passando aí a ler-se:
“84. Todas as transferências objeto dos pontos 15 a  39 e 42-43, 46-47, 48-49 e 50-51 da lista de factos provados foram duplamente validadas pelos private bankers, por um lado, e pelo back office do BCP, por outro, do ponto de vista normativo e técnico.
85. No que respeita às transferências identificadas no ponto 84 da lista de factos provados, o back office verificou a conformidade entre a ordem lançada no sistema e o que o cliente efetivamente ordenou e a conformidade das ordens recebidas com as normas e registos internos do BCP, incluindo a verificação dos poderes do ordenante, se o cliente podia ou não transmitir a ordem por telefone a verificação dos endereços de email utilizados.”
Os lapsos manifestos, traduzidos em erros de escrita, constituem erros materiais e são rectificáveis ex artigo 614.º.
É doutrina pacífica que «importa distinguir, cuidadosamente, o erro material do erro de julgamento. O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real (…). O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apuraso» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado V, Coimbra Editora, Coimbra, 1952:130).
No caso, nada indica que o juiz tenha escrito coisa diversa do que queria escrever. Ou dito de outro modo: não se pode retirar com segurança a conclusão de que a resposta do tribunal a quo, tal como foi dada, não coincide com a sua vontade real. 
 O recorrente pretende um «aperfeiçoamento» da matéria dada como provada pelo tribunal, mas a este «aperfeiçoamente» pode chegar-se, se houver motivos, através da interpretação dos factos, tarefa de resto sempre necessária, mas não através da requerida rectificação, cuja necessidade não se revela, nem do contexto nem das circunstâncias.
Manifesto lapso de escrita existe sim no ponto 33 da matéria de facto que em vez de 11.01.2017 refere 11.01.2016 (cfr. documento de fls. 114 v), e no ponto 54 que omitiu o verbo TER (negou TER emitido).    
O Banco entende ainda que, a acrescer à exclusão da lista de factos não provados da referência a que não se demonstrou não terem sido os autores a emitir a ordem das ajuizadas transferências, deve ser dada como provada a seguinte factualidade:
JJJ) Os autores, mais precisamente o autor VF, transmitiu ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017,27.03.2017,03.04.2017 referidas nos factos provados 43, 46,48 e 50 da lista de factos provados.
PPP) Em 12.07.2016, o autor VF ordenou uma transferência de € 20.000 da conta 4… com destino a Portugal, a qual ordenou por email, não havendo qualquer registo de a ter confirmado por telefone.
SSS) O autor VF estava a ajudar o pai no assunto da aquisição do imóvel identificado nos pontos 78.º e 79.º da lista de factos provados
WWW) A Dra. SG pediu ao Dr. JV para contactar o Autor VF, o que este fez, em 15.03.2017, tendo o Autor VF dado instruções nesse telefonema para que fosse liquidado parcialmente o depósito a prazo no valor de 40.000 €, para poder pagar o sinal de 150.000 €, uma vez que o negócio ia de facto avançar, tendo ainda confirmado que pretendia um financiamento de 400.000 € a 5anos.
- No dia 17.03.2017, o B, em cumprimento da instrução do Autor VF, procedeu à liquidação parcial do depósito a prazo, tendo creditado na conta nº 45450481409, o montante de 40.000 €.
- Na sequência do referido crédito, o saldo da conta nº 45450481409 passou de € 111.611,41 € para 151.611,41 €.
AAAA) - O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 44 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
- O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 47 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
- O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 49 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
- O B não recebeu qualquer mensagem a informar que o email referido no facto provado 51 não tinha sido recebido ou que qualquer vicissitude pudesse ter ocorrido com o referido email, nem teve nenhuma informação nesse sentido até ao dia 05.04.2017, quando pediu ao Autor que assinasse os mapas de transferências e este se recusou a fazê-lo.
- O Autor EF não explicou nem nessa data [05.04.2017], nem posteriormente, de que modo podiam ter acedido ao seu email e o que fez ou não para preservar a fiabilidade do seu endereço de email.
EEEE) O Autor VF tinha património suficiente para adquirir o imóvel referido nos pontos 86 e 87 da lista de factos provados sem necessidade de recurso a crédito bancário.
Que pensar desta pretensão do recorrente?
i) Em relação às alíneas JJJ) e WWW) não resulta da prova que tenham sido os autores, e mais precisamente o autor VF (sic) a transmitir ao réu as ordens de pagamento ocorridas em 14.03.2017, 21.03.2017,27.03.2017,03.04.2017 referidas nos factos provados 43, 46,48 e 50 da lista de factos provados.
Perante a relação controvertida e os cada vez mais frequentes ataques informáticos que os media diariamente noticiam, está vedado o recurso a presunções, ao quod plerumque accidit, para, a partir de uma ordem de transferência dirigida de um email supostamente do cliente ao Banco se poder extrair SEM MAIS  que foi realmente o cliente o ordenante.
Neste caso nenhuma imputação aos autores pode ser feita com segurança. Seria até leviano fazê-lo.
O banco dá particular relevo ao documento de fls. 301 v. Dele resultaria que o banco teria ficado legitimamente desobrigado de estranhar que, pelo menos as duas transferências de, respectivamente, € 45.424,00+€ 4855,00 e de € 54.576,00 saíam totalmente fora do perfil de transferências do cliente.
Ora no mesmo dia 27.03.2017 do pedido de transferência de € 45.424,00+4.855 VF enviou o email de fls 147 v. a SG e a JV e JC, informando de que «já tinha problemas com o proprietário devido à morosidade do processo».
Além do mais, a ter havido uma conversa telefónica ente VF e JV, nas palavras deste o que o autor terá referido é a passagem de um cheque para pagar ao vendedor do imóvel  e não de uma transferência.
Acresce que não pode deixar de se levar em conta que se tenha mantido em funções a private banker dos autores, Dra. SG quando o seu marido estava literalmente a falecer, dando instruções à sua colega substituta Ana Teles no IPO onde o cônjuge estava internado (afirmação que se deixa feita, sublinhe-se, com ressalva do maior respeito pelos sentimentos e até pelo profissionalismo da testemunha). Alguma coisa pode neste quadro correr pior do que em situações normais.
Por outro lado, o perfil do utilizador dos serviços de pagamento não deve ser tomado em abstracto, e esgotar-se na perspectiva negocial externa ao banco.
Se os alertas do B, como foi por várias vezes referido pelas testemunhas do réu, são tão eficazes ao ponto de se activarem perante meros erros de estilo ou gramaticais dos clientes, como explicar que não tenham disparado quando se constata que no período compreendido entre 12.10.2016 e 14.03.2017 o autor E fez ordens de transferência de respectivamente €45 (8.11.2016) €300 (17.11.2016) €2.000+1.790+1.790(30.11.2016)€1436 e €3.580 (08.12.2016) €2.000 (15.12.2016) €300+120 (22.12.2016) €80 (14.02.2017), subindo para €7.255 e € 6.500 respectivamente em 14.03.2017 e 21.03.2017 e ainda mais significativamente em 27.03.2017 e 03.04.2017 para € 45.424+4.855 e €54.576, sendo certo sendo estas últimas beneficiavam uma pessoa colectiva, o que não era de todo usual?
Acresce que o B estava ciente que o histórico dos clientes assinalava como circuito das transferências Angola-Portugal-Dubai.
Refira-se também que, diante dos extratos juntos aos autos pelo recorrente com o requerimento de fls. 235 resulta que:
99. O B procedeu à liquidação parcial do depósito a prazo do autor VF, tendo creditado na conta nº 45450481409, o montante de 40.000 €.
100. Na sequência da referida liquidação o saldo da conta nº 4… passou de € 111.611,41 € para 151.611,41 €.
Só nesta parte, referente a uma operação interna do Banco, tem o recorrente razão (mas não se compreende que se impute designadamente ao autor VF a ordem de transferência quando o suposto email de origem é do seu filho E).
ii) No que refere à alínea PPP) é verdade que o email constante de fls. 303 e seu teor foram confirmados no depoimento de AT. Não havendo razões para por em causa neste ponto o depoimento da testemunha adita-se aos factos provados este outro:
101. Em 12.07.2016, o autor VF ordenou por email uma transferência de € 20.000 da conta 4… com destino a Portugal.
Fica-se, quanto ao mais, sem saber em que circunstâncias os funcionárias do B deviam (se deviam) ou não confirmar as transferências (e se seguiam ou não regras fixas de procedimento, sendo que mesmo uma pequena transferência de €80, por exemplo, foi submetida a confirmação (cfr. documento de fls. 95).
iii) Também em relação à alínea SSS) se fala no autor V a ajudar o pai quando certamente se pretende falar no filho E. Não se percebe esta confusão nesta fase do processo. De qualquer modo, a filha do autor V, NBC disse que foi o seu marido quem prestou ajuda ao sogro, sendo que o seu irmão E estava em Luanda.
iv) No que se reporta à factualidade da alínea AAAA) que remete para os artigos 121, 126, 129, 132 e 152 e deve ser interpretada no contexto das alegações das partes, resulta que antes se demonstra, a partir do próprio depoimento de SG e do documento de fls. 25 a 27 junto com a petição inicial, que esta funcionária do B enviou as referências daquelas transferências para o G-Mail, tendo o autor E pedido, por telefone, a comunicação através de outro e-mail, o que foi feito.
v) Quanto à alínea EEEE), a mesma contém matéria conclusiva e devia resultar do confronto entre o concreto património de VF e o valor da aquisição do imóvel e das motivações que, também em concreto, tivessem estado subjacentes ao pedido de financiamento. Sem estes elementos propiciadores da referida comparação, não se pode proceder a pretensão do banco.  
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Do direito
Sendo os factos os acima elencados, já com as alterações ora admitidas, importa agora conhecer de direito.
Como aumentam cada vez mais os casos de acesso não autorizado a uma conta de depósito através da introdução não autorizada e abusiva das credenciais de acesso, não se estranha que nos últimos anos tenha também aumentado a procura dos tribunais por parte dos clientes bancários na busca de tutela dos seus direitos.
Encontramos por isso uma quantidade apreciável de Acórdãos dos nossos tribunais superiores, nos quais é tratado o problema do ponto de vista das relações internas entre a instituição financeira e o utilizador de serviços de pagamento.
Sem carácter exaustivo, podemos referir os seguintes Acórdãos, todos consultáveis em www.dgsi.pt:
Supremo Tribunal de Justiça
1. 14.01.2016, Proc. 1063/12.1TVLSB.l1.S1.
2. 18.12.2013, Proc. 6479/09.8.TBBRG.G1.S1: acórdão anotado por Maria Raquel Guimarães, Cadernos de Direito Privado, 49:9 e ss.
3. 14.12.2013, Proc. 1063/12.1TVLSB.L11.
Tribunal da Relação do Porto
4. 14.07.2020, Proc. 22158/17.OT8PRT.P1.
5. 04.06.2019, Proc. 1482/17.7T8PRD.P2.
6. 13.10.2016, Proc. 2513/14.8TBVFR.P1.
7. 07.10.2014, Proc. 747/12.9TJPRT.P1.
8. 29.04.2014, Proc. 1254/10.OJPRT.P1.
9. 29.04.2014, Proc. 225/12.6TJVNFP1.
10. 29.10.2013, Proc. 1254/10.OTJPRT.P1.
Tribunal da Relação de Lisboa
11. 01.10.2020, Proc. 19530/17.9T8LSB.L-8
12. 11.07.2019, Proc. 17446/17.8T8LSB.L1
13. 11.04.2019, Proc. 18/18.7T8TVD.L1-6.
14. 06.11.2018, Proc. 1952/15.1TSSXL.L1-1.
15. 12.07.2018, Proc. 2256/17.OT8LSB.L1-7.
16. 10.05.2018, Proc. 8903/151T8LSB.L1-2.
17. 21.12.2017, Proc. 1318/09.2TBTNV.L1-6.
18. 12.10.2017, Proc. 4761/15.4T8VNG-2
19. 15.03.2016, Proc. 1063/12.1TVLSB.L1.
20. 16.04.2015, Proc. 971/13.7TJLSB.L1-8.
21. 21.05.2015, Proc. 3377/14.1YXLSB.L1-2.
22. 03.03.2015, Proc. 1727/13.2TJLSB.L1-1.
23. 05.11.2013, Proc. 9821/11.8T2SNT.L1-1.
24. 12.12.2013,Proc. 164/11.(TBSRT.L1-6.
25. 28.06.2013, Proc. 147708/12.8YPPRT.l1-6.
26. 18.04.2013, Proc. 1397/10.OTVLSB.L1-6.
27.  24.05.2012, Proc. 192119/11.8YTPRT.L1-2.
Tribunal da Relação de Coimbra
28. 10.12.2020, Proc. 398/18.418GVA.C1.
29. 31.03.2020, Proc. 93/15.6T8TND.C1.
30. 11.02.2020, Proc. 8592/17.9T8CBR.C1.
31. 15.01.2019, Proc. 5600/11.OTBLRA.C1.
32. 02.02.2016, Proc. 902/13.4.TDCNt.C1.
Tribunal da Relação de Évora
33. 24.09.2020, Proc.26/19.OT8MRA. E1.
34. 12.04.2018, Proc. 9002/16.4TSTB.E1.
35. 25.06.2015, Proc. 3052/11.4TBSTR.E1.
36. 22.05.2014, Proc. 11/13.6TASL.E1.
Tribunal da Relação de Guimarães
37. 09.06.2020, Proc. 51/18.9T8PRG.G1.
38. 10.07.2019, Proc. 2406/17.7T8BCL.G1.
39. 17.12.2014, Proc. 1910/12.8TBVCT.G1.
40. 25.11.2013, Proc. 2868/11.4TDGMR.G1.
41. 30.05.2013, Proc. 6479/09.8TBBRG.G1.
Para efeitos de resolução da controvérsia importa antes de mais ver se ao caso sujeito é aplicável o DL n.º 317/2009, de 30 de Outubro, subsequentemente alterado e republicado com a denominação regime jurídico dos serviços de pagamento e da moeda electrónica (ora em diante RSP) pelo DL n.º 242/2012, de 7 de Novembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2007/64/CE,  de 13/11, ou se, ao invés é aplicável o regime do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/2366.
O artigo 159.º do Anexo deste último DL preceitua que «o presente Regime Jurídico não prejudica a validade dos contratos em vigor relativos aos serviços de pagamento nele regulados, sendo-lhes desde logo aplicáveis as disposições que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamento».
Há sempre situações jurídicas que surgidas no passado, tendem a prolongar-se para o futuro
A essas situações que lei se aplica?
Está em causa um problema de aplicação na lei no tempo que o artigo 12.º CC pretende resolver  
O artigo 12.º do Código Civil consagra a teoria do facto passado de Enneccerus: a lei só dispõe para o futuro; ainda que tenha eficácia retroactiva presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Explica José Oliveira Ascensão que o critério distintivo da lei com o qual se procura concretizar o princípio muito geral de que a lei só dispõe para o futuro  está contido no n.º 2 do citado artigo 12.º , donde resulta que a lei nova só se aplica às situações já constituídas, se a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem.
Tem razão o primeiro grau quando afirma ser o DL n.º 317/2009 o diploma aplicável, sendo que in casu não se pode abstrair dos factos que originaram a pretensão dos autores. Nos  Acs n.ºs 2 e 40 faz-se, é certo, uma diferente aplicação do artigo 12.º, mas sem fundamento (cfr. nomeadamente a crítica constante da anotação ao primeiro Acórdão, da autoria de Raquel Guimarães, pag. 25).
Assente este ponto, vejamos agora o que se nos oferece dizer sobre a solução de direito a que chegou o primeiro grau.
O BCP insurge-se, no essencial, contra o recurso feito pelo tribunal às regras de repartição do ónus da prova e designadamente à norma resultante da proposição do artigo 70.º do RSP.
O recorrente entende inclusive que a interpretação feita das regras do n.ºs 1 e 2 daquele artigo 70.º viola os artigos 2.º, 13.º 20, 32, 62.º e 111.º da Constituição da República.
Vejamos se tem razão.
No acórdão n.º 13 afirma-se. «Deste normativo [o artº 70º do DL 242/2012, de 07/1] resulta que o legislador faz recair sobre o banco a prova de que as operações de pagamento não foram efectuadas por avarias técnicas ou quaisquer outras deficiências, não bastando, para o efeito, socorrer-se do registo da operação de molde a demonstrar que ela foi autorizada pelo ordenante, tendo ainda de demonstrar que o cliente agiu de forma fraudulenta, ou não cumpriu deliberadamente ou por negligência grave algumas das suas obrigações previstas no artº 67º do DL 242/2012.
A opção pelo afastamento do ónus da prova a cargo do consumidor quanto ao mau funcionamento do sistema informático de homebanking, resulta da circunstância de ser o prestador de serviços de homebanking quem tem maior facilidade em demonstrar a versão factual que lhe aproveita, ou seja, a de que a utilização fraudulenta do serviço de homebanking por parte de terceiros não se deveu ao mau funcionamento do sistema informático.
No fundo, o legislador entendeu que o prestador de serviços é quem está em melhores condições, do que qualquer outro (incluindo o consumidor), para trazer a factualidade demonstrativa do modo como as coisas se passaram. E é assim, porque o funcionamento do “sistema informático” homebanking “pertencente à sua esfera de risco”, funcionando como critério suplementar de distribuição do ónus da prova, ou, melhor dizendo, ao “círculo de vida” em que o facto se produz: é a consagração da denominada teoria das esferas de risco, que preconiza uma ligação umbilical entre o ónus da prova e a dicotomia obrigações de meios/obrigações de resultado. (Cf. Hugo Luz dos Santos, “Plaidoyer por uma distribuição dinâmica do ónus de prova…”, cit., pág. 21 e segs.).
No acórdão n.º 14, por sua vez, escreve-se: «Decorre deste regime, que os riscos pela utilização normal do sistema correm por conta do prestador de serviços, isto é sobre o banco, o que não deixa de ser uma obrigação perfeitamente normal já que é o banco que vai retirar os maiores benefícios económicos do seu bom funcionamento.
O legislador onerou o Banco com o ónus da prova de que as operações de pagamento (nas quais se inserem as transferências bancárias) não foram afetadas por avarias técnicas ou por quaisquer outras deficiências, não bastando o registo da operação para, por si só, provar que a operação foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das obrigações decorrentes do artigo 67º no Dec. Lei n.º 317/2009 de 30/10.
E fê-lo pela simples razão de que o utilizador não podia ser colocado na necessidade de fazer prova sobre a operacionalidade e o funcionamento regular de um sistema informático complexo da entidade bancária e que não domina.
Pelo que se fez recair sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema (como decorreria também do disposto no artigo 796º do Código Civil), impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
Por outro lado, o utilizador do serviço de pagamento tem de dispor de um conjunto de dispositivos de segurança (código de acesso, cartão matriz, etc.) que lhe permitem aceder a esse serviço. Esses dispositivos de segurança personalizados têm uma função de autenticação – artigo 2º, al. t) do RSP – permitindo identificar o utilizador e verificar se este é efetivamente o cliente que contratou o serviço de homebanking. Exige-se, por isso, ao utilizador que tome todas as medidas razoáveis em ordem a preservar a eficácia desses dispositivos de segurança personalizados. Esses dispositivos de segurança personalizados visam evitar que terceiros consigam aceder, fraudulentamente, através do sistema, à conta do cliente utilizador do serviço de homebanking, logrando apropriar-se de fundos aí existentes.
Avultando neste tipo de contractos de home banking a obrigação de utilização correta do serviço por parte do utente, o qual assenta em boa parte na não divulgação dos seus elementos de segurança e códigos de acesso, o Banco pode elidir aquela presunção, afastando a sua culpa ou demonstrando mesmo a culpa do cliente pela deficiente utilização daqueles meios expeditos, designadamente, alegando e provando que o cliente beneficiário violou o contrato, divulgando na internet dados pessoais, secretos e intransmissíveis relativos ao seu acesso, em benefício de hackers.
Das normas enunciadas decorre pois, como se entendeu na decisão recorrida, que a responsabilidade por operações de pagamento não autorizadas incumbe, em princípio, ao prestador de serviços de pagamento, conforme regra estatuída no artigo 71.º, cabendo ao ordenante nas concretas situações previstas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 72.º, designadamente em caso de negligência grave do ordenante.
Entendeu-se na decisão recorrida que “a entidade bancária Ré não logrou fazer a prova de ter o Autor autorizado a operação de pagamento relativa à transferência bancária referida no ponto 7°) dos factos provados, e nem logrou fazer prova de que, através de uma sua conduta, tivesse permitido a um terceiro a utilização abusiva das suas credenciais de acesso, e menos ainda que tal lhe possa ser de algum modo imputável.
Ora, como supra se deixou expresso, competia ao banco Réu, enquanto prestador dos serviços de pagamento, provar que as operações de pagamento realizadas não foram afectadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência (art. 70°, n." 1).
E não se tendo apurado ter o Autor permitido, ainda que de forma não intencional, o acesso de terceiros às suas credenciais, não se pode concluir ser imputável a este a quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança.
Ignorando-se como é que os terceiros acederam às chaves ou códigos de acesso do Autor, ou mesmo se acederam às mesmas e não tendo a entidade bancária Ré provado não estar afectado o seu sistema informático por avaria técnica ou qualquer outra deficiência, recai sobre esta Ré nos moldes expostos o dever de reembolsar o Autor do montante da operação de pagamento (art. 71°), - não tendo sequer este de suportar os prejuízos sofridos até ao montante de €150,00, o que assim cumpre decidir».
No acórdão n.º 16 lê-se: «O banco réu não provou que o utilizador tenha tido qualquer comportamento susceptível de pôr em causa a segurança do sistema. Desconhecendo-se o modo como os terceiros lograram obter os dispositivos de segurança que permitiram aceder às contas, não fica afastada a possibilidade de tal ter resultado da vulnerabilidade do sistema, risco que só o banco poderia prevenir, ou de o sistema estar afectado de avaria técnica ou de outra deficiência, possíveis causas cuja não verificação incumbia ao réu demonstrar».
Por fim (mas poderíamos oferecer muitos outros exemplos) concluiu-se no acórdão n.º 17 «Não se tendo provado como foi obtido o acesso às credenciais de segurança utilizadas na autenticação das operações em causa (o que permanece desconhecido), não se pode estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta dos Autores e a realização das operações; sendo que esse nexo de causalidade é pressuposto da relevância do comportamento doloso ou negligente.
E não se tendo provado como foi obtido o acesso às credenciais de segurança por quem ordenou as operações em causa não é possível concluir que tal se ficou a dever a quebra de segurança por parte dos utilizadores, aqui Autores/Recorridos.
Não tendo a Ré/Recorrente alcançado prova dos factos que a isentavam de responsabilidade, está constituída na obrigação de repor imediatamente as contas debitadas na situação em que se encontrariam se as operações não autorizadas não tivessem sido executadas, e pagar juros moratórios, conforme decidido na sentença recorrida (art.º 60º da Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro e art.º 71º do Dec.-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro)».
Porque julgamos ser esta a interpretação mais correcta, não podemos deixar de estar de acordo com o primeiro grau quando sentenciou: «No caso, o autor E, primeiro, e depois o autor V negaram ter emitido ou autorizado as operações de pagamento em causa. Assim sendo, e conforme imposto pelo nº1 do art.º70º, cabe ao prestador do serviço, e aqui réu, fornecer prova de que a) a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada – o que logrou fazer, cf. factos 84 e 85 -, mas também que a operação não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência. Não logrou o réu provar tal pressuposto.
Conforme dispõe o nº2 do citado art.º70º, o facto de as ordens serem provenientes de endereço de correio eletrónico autorizado e validado não é suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este tenha agido de forma fraudulenta, ou que não cumpriu as obrigações decorrentes do art.º67º.
Ou seja, para que o prestador do serviço e aqui réu não seja responsabilizado, cabe-lhe provar ambos os pressupostos, o que aqui não sucedeu. Ora, não tendo resultado provado, pelo réu, que existiu atuação fraudulenta pelos utilizadores e aqui autores, ou que estes não cumpriram as obrigações que lhes cabiam, deliberadamente ou com negligência grave, inexiste causa para presumir que a operação, ainda que validada, tenha sido autorizada.
Por outro lado, não se provou sequer que os autores tenham violado qualquer das obrigações do utilizador do serviço de pagamento, elencadas no art.º 67º; pelo contrário, resultou provado que logo que a funcionária do banco réu enviou ao autor Erik os descritivos das operações, este informou, de imediato, que tais ordens não haviam sido dadas por si».
A interpretação dada pelo tribunal recorrido do RSP, na parte que tem a ver com a repartição do ónus da prova, encontra-se na linha da posição que julgamos pacificamente adoptada pela jurisprudência dos tribunais superiores e particularmente por esta Relação.
Na verdade, no acórdão n.º 12 diz-se: «Nos termos do nº. 1 do seu art. 67º, o utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem a obrigação de o utilizar de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização.
Mas, nos termos do nº. 1 do art. 70º do diploma, caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
Como se aludiu no Ac. do STJ. de 14-12-2016, in
www.dgsi.pt. «Compreende-se este regime: por um lado, só o prestador do serviço de pagamentos, também fornecedor deste serviço, pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo também a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento.
Daí que recaiam sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema, como decorreria também do disposto no art. 796º do Código Civil, impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência».
Efectivamente, é sobre o prestador dos serviços de pagamento que incumbe assegurar a qualidade e eficácia dos respectivos sistemas, preservando a segurança e a confiança por banda do utilizador titular das contas.
No caso vertente, como se escreveu na sentença proferida «… provou-se que a autora foi estranha à transferência ocorrida, não tendo sido aquela a dar a ordem de transferência da quantia de € 12.800,80.
E não se evidencia qualquer incumprimento doloso ou gravemente negligente por parte da utilizadora, ora A., totalmente alheia ao acesso fraudulento de terceiro ao e-mail do seu legal representante, meio aceite por ambas as partes para efectuar transferências à distância».

Desta feita, não se apurando qualquer culpa da lesada, para a produção ou agravamento dos danos, será sobre a ré e ora apelante que recai a responsabilidade, na qualidade de prestadora do serviço, de proceder ao reembolso do valor indevidamente transferido para um terceiro e ainda não ressarcido à legítima titular».
Não podemos, porém, ficar por aqui. Isto porque o recorrente, não podendo desconhecer o sentido da jurisprudência, apela para a técnica da superação (overruling) isto é, pretende que se enverede por uma nova via, aplicando ao caso a regra substantiva do artigo 342.º, CC e o princípio ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat.
Este entendimento apoia-se no argumento segundo o qual «o universo da responsabilidade bancária comporta uma enorme diversidade de tipologias e contextos em que as relações bancárias se estabelecem, sendo que no que respeita, em concreto à questão das ordens de pagamento, devem distinguir-se, desde logo, as situações em que (i) o pagamento é realizado pelo ordenante (cliente bancário) no sistema informático do Banco, em que se integram, em particular, as situações de utilização pelos clientes de sistema de homebanking daquelas outras em que (ii) o pagamento é realizado pelo Banco no seu sistema informático, no seguimento de instrução transmitida pelo cliente pela forma contratada com o Banco para o efeito (por exemplo, por e-mail enviado da conta pessoal do cliente), sendo que às realidades de facto que integram um ou outro tipo de situações estão associadas diferenças quanto aos concretos sistemas informáticos envolvidos, à respetiva titularidade/controlo, ou aos sujeitos que realizam o ato de execução da operação bancária».
Ora no caso vertente estando em causa a segunda situação e não podendo o banco controlar o dispositivo utilizado pelo cliente para emitir uma ordem de pagamento não seria de aplicar o artigo art. 70.º do RSP , mas sim a regra geral do artigo 342.º, 1, CC.
Não tem razão. A lei não faz a distinção acima referida e, de acordo com o conhecido brocardo, onde a lei não distingue também nós não devemos distinguir.
Seria aliás estranho que o legislador tivesse feito essa distinção quando se sabe que o sentido da evolução da legislação  da União relativa à tutela dos instrumentos de pagamento contra as transacções fraudulentas tem sido o de acentuar a segurança preventiva do sistema no seu todo e particularmente a jusante, como o demonstra o facto de, com a Directiva 2015/2366 de 25 de Novembro de 2015, se ter iniciado a transição de um sistema de autenticação monofactorial para um sistema multifactorial.
Por outro lado, o artigo 70.º fala em operação de pagamento executada, e não só em ordem de pagamento, sendo certo que a responsabilidade do prestador de serviços se circunscreve à execução correcta da operação de pagamento e não apenas à execução das operações ordenadas através de instrumentos sujeitos ao controlo directo do prestador.  
O ordenamento português não permite que o juiz pronuncie um non liquet justificado pela persistência de dúvida sobre os factos em litígio (artigo (artigo 8.º, 1 CC). Quer isto dizer que o juiz deve concluir o processo acolhendo ou rejeitando o pedido do autor.
A norma do artigo 342.º CC reparte então o ónus da prova e, implicitamente, o risco da falta de convencimento do juiz.
É sabido que subjacente àquele artigo está a chamada teoria da norma (Normentheorie) imputada ao autor alemão Rosenberg.
Esta norma pode enunciar-se assim: a parte tem o ónus de provar a existência dos pressupostos de facto previstos na norma cuja aplicação se pretende.
Essa parte suporta consequentemente a desvantagem de subsistir dúvida insanável acercada situação de facto.
Como refere Salvatore Patti «o ónus da prova serve para evitar que o non liquet sobre a situação de facto se transforme num non liquet sobre a situação de direito. E para o fim da aplicação da regra é indiferente a razão por que não foi superada a incerteza sobre a existência dos pressupostos da norma, se por a parte ter permanecido inactiva ou se por ter fornecido provas não convincentes, ou ainda por a parte contrária ter fornecido adequadas contraprovas» (Le Prove, seconda edizione, Giuffrè, Milano, 2021:158).
É por apego a esta teoria que o BCP pretende que eram os autores que tinham que provar que a sua conta pessoal de email tinha sido invadida por terceiros.
Mas não tem razão. O artigo 342.º é uma norma geral sobre o ónus da prova como resulta a contrario da epígrafe do artigo 343.º, não excluindo normas sectoriais.
Um exemplo de um regime especial sobre o ónus da prova é justamente o  consagrado no artigo 70.º do citado DL 317/2009.
O legislador, seguindo bem entendido o sentido da Directiva, prevê aqui uma inversão do ónus da prova fazendo-a reciar sobre o prestador de serviços de pagamento, denotando uma escolha que revela uma enorme preocupação pelo contraente débil e uma intransigência por comportamentos desiguais e por práticas anómalas.
É notório que o risco de operações fraudulentas depende tanto do comportamento dos utentes dos serviços de pagamento, como do nível de segurança do serviço adoptado pelo operador desses serviços. No plano jurídico, o fio condutor que anima o RSP é a consciência da necessidade de gerir conflitos entre partes desiguais, num quadro de segurança dos sistemas informáticos e de confiança dos utentes nesse sistema.
Não se estanha assim que, em tema de repartição do ónus da prova, se tenha enveredado por uma solução que aposta na efectividade da tutela dos utilizadores dos serviços de pagamento.
Refere a propósito da legislação italiana Maria Cecilia Paglietti: «O tema é um clássico da contratação desigual: é um dado adquirido no debate jurídico, de facto, que a tutela da parte débil da relação negocial se desenvolva também através de uma especial repartição do ónus probatório, posto que o princípio dispositivo (…) é, na sua formulação pura, inadequado às lides desiguais, arriscando-se a lesar as partes débeis.
Comum é, portanto, a tendência dos sistemas europeus para fazer recair o cumprimento do ónus da prova sobre os profissionais, tanto por motivos políticos (qual instrumento de reequilíbrio de posições assimétricas) como processuais (facilitar o acertamento dos factos, fazendo recair o ónus da prova sobre o sujeito que se encontra em posição melhor para satisfazê-lo)»  (Questione in materia di prova nei casi di pagamenti non autorizzati, it.readkong.com, 43-80).
Entre nós, Carolina França Barreira analisa com algum detalhe a atribuição do ónus da prova à entidade bancária à luz do regime extraído do citado artigo 70, não tendo dúvidas em fazer decorrer do n.º 1 «que compete à entidade bancária provar que a operação de pagamento foi autenticada, por exemplo, provando que o instrumento de pagamento e os respectivos códigos pessoais de segurança foram, de facto, utilizados.
A opção legislativa constante do n.º 1 do artigo 70.º deve-se ao simples facto de o utilizador não poder ser colocado na necessidade de fazer prova sobre o funcionamento do complexo sistema informático do banco, sistema este que não domina. Uma vez feita esta prova, cabe ainda ao banco provar a culpa do seu cliente, o grau de contribuição para os prejuízos ocorridos. Assim, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, caso o utilizador negue ter autorizado determinada operação de pagamento ou alegue que esta não foi correctamente efctuada, «a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º.
O primeiro ponto que este preceito nos indica é que o registo da operação de pagamento não pode ser entendido como um sinal inequívoco de que o titular a autorizou. A autorização no homebanking, geralmente, é concedida através da introdução de uma série de códigos pessoais e intransmissíveis no teclado de um computsdor, contudo não podemos ignorar os casos em que este acesso é feito por terceiros, distintos do titular do instrumento de pagamento, que conseguiram obter esses dados através de fraudes informáticas.
(…) Assim, compete à entidade bancária provar, no caso concreto, qual o nível de participação do seu cliente na operação de pagamento não autorizada e o grau de diligência com que actuou» (Home banking: A Repartição dos prejuízos decorrentes de fraude informática, Revista Electrónica de Direito, n. 3: 37/38).
Como vimos, o recorrente não satisfez este ónus. Na dúvida insanável sobre esta conduta dos autores, o non liquet de facto transforma-se numa decisão desfavorável a quem tinha de fazer a prova da situação: o recorrente.
Será que esta interpretação viola os preceitos constitucionais indicados pelo B?
Não o cremos.
O princípio da igualdade do artigo 13.º impõe que sejam tratadas por igual as situações iguais, mas também que sejam tratadas desigualmente as situações desiguais, na medida da sua desigualdade. Como vimos a repartição do ónus da prova no caso do artigo 70.º justifica-se na medida em que trata desigualmente situações que são material e processualmente desiguais.
O propósito de tutelar com maior ênfase, no confronto com o prestador, a posição do utilizador dos serviços de pagamento tem assento constitucional. O artigo 60.º da CRP preceitua que os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação dos danos.
A todos é, sem dúvida, assegurado o acesso ao direito e aos tribunais e a um processo equitativo. No entanto, a existência de «um direito processual do consumidor», com as particularidades que decorrem da especial qualidade em que os cidadãos actuam, não contende com a protecção geral conferida os demais cidadãos e às empresas.
Até porque os princípios constitucionais não são regras. A distinção entre regras e princípios tem tido uma indiscutível validade operativa.
Nas palavras de Paolo Ferrua, «os princípios são proposições normativas com elevado grau de genericità (de factispécie aberta) aplicáveis na forma de «mais ou menos», portanto com a máxima expansão ou restrição; as regras são proposições normativas de elevada especificidade (de factispécie fechada), aplicáveis na forma de «tudo ou nada» portanto destinadas a ser ou não respeitadas, sem possibilidade intermédia». Daqui uma importante consequência. «Os primeiros, em sede de actuação, são sujeitos a ponderação, a balanceamento. Pertence ao legislador ordinário encontrar um ponto de equilíbrio de modo a conciliá-los mesmo quando se apresentam em potencial conflito, evitando que um possa sacrificar o outro, se bem que isto não deva induzir a nivelar todos os princípios no mesmo plano. As regras, ao invés, como normas hipotéticas que ligam específicos efeitos a outros tantos específicos pressupostos, não estão sujeitas a balanceamento, antes, a maioria das vezes são recebidas como são pela lei ordinária. Em compensação, ao contrário dos princípios, admitem excepções, desde que previstas, bem entendido, pela própria fonte constitucional; a excepção representa para a regra o que o balanceamento e a ponderação representam para o princípio» (Il giusto processo, 3.ª ed., Zanichelli, Bologna, 2012: 85; o bold é nosso).
A interpretação feita da proposição contida no artigo 70.º respeita rigorosamente o balanced equilibrium querido pelo legislador ordinário e adoptado na sua discrionariedade legislativa. Não foram, portanto, violados os artigos 20.º e 32.º da CRP.
Também não se mostram violados os artigos 2.º e 11.º da CRP já que, ao contrário do referido pelo recorrente, ao tribunal não se pode assacar qualquer «activismo judiciário», substituindo-se ao legislador na criação de uma norma inexistente, mas sim o cumprimento dos artigos 203.º, in fine CRP e 8.º, 2 CC, que, como é óbvio, não só não veda, mas antes impõe uma actividade interpretativa ou de aplicação da lei, no caso em estrita obediência aos dados positivados pelo legislador. A interpretação preconizada pelo recorrente, essa sim, seria violadora da lei.
Finalmente, também não se viola o direito constitucional à propriedade privada consagrado no artigo 62.º CRP. Note-se que o recorrente vê essa violação no facto de com a interpretação do artigo 70.º que prevaleceu estar a assacar-lhe as consequências de uma intromissão feita num espaço informático que não é seu e que não pode controlar. Não é isto que se defende na sentença. O que se diz, repita-se, é que não se tendo provado quem se intrometeu numa conta pessoal existente num sistema informático  interconectado entre o cliente e o banco, provocando um desfalque nessa conta dos autores, deverá ser o banco, parte mais forte e documentada, a suportar as consequências desfavoráveis desse non liquet.
Improcedem todas as conclusões do B em sede de direito.
Como o recurso do B, parte vencida, irá ser julgado improcedente, a apreciação das questões suscitadas no recurso interposto pelos AA ex artigo 636.º cai por terra.
*
Pelo exposto, acordamos em:
i) Indeferir a junção aos autos do documento de fls 457 e ss. e ordenar o seu desentranhamento do processo físico e sua devolução aos apresentantes e bem assim a sua retirada da plataforma CITIUS.
ii) Admitir a ampliação do âmbito do recurso ex artigo 636.º CPC, cujas questões suscitadas não são todavia apreciadas.
iii) Indeferir a arguição de nulidades.
iv) Ordenar a rectificação dos lapsos de escrita existentes no ponto 33 da matéria de facto, que em vez de 11.01.2017 refere 11.01.2016, e no ponto 54 que omitiu o verbo ter.
v) Alterar a decisão de facto nos termos sobreditos.
vi) Julgar improcedente o recurso do Banco;
vii) Confirmar a decisão recorrida.
viii) Condenar o Banco nas custas do recurso.
*
28.04.2022
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura