Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCA MENDES | ||
Descritores: | TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL SUBSÍDIO DE DOENÇA NATURAL INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/29/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais. (Elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I-Relatório Nos presentes autos de acção declarativa instaurada por AAA contra o “BBB” foi, em 04.11.2022, proferido o seguinte despacho pelo Exmº Juiz a quo: «O A. propôs a presente acção contra o BBB pedindo a sua condenação: a) à prática do acto devido, consistente no reconhecimento ao A. do direito aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional e por doença natural, entre 2 de Julho de 2012 e 19 de Outubro de 2014, com o consequente pagamento das parcelas em falta, no valor total de 14.531,01€; b) anulação da nota de reposição n.º 9323625, de 20 de Outubro de 2015, e, em consequência, que sejam anuladas as notificações que lhe venham a ser feitas para reposição de quantias consideradas indevidamente recebidas, bem como ordenado o pagamento ao A. das importâncias já deduzidas, no valor de 1.022,46€, e das que venham a ser deduzidas; c) no pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados ao A., em quantia nunca inferior a 20.000€; d) dos juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, desde da data do vencimento até integral pagamento, e desde a citação quanto aos danos morais. Alegou, para tanto: no ano de 2012 trabalhava para a …exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de escriturário nível IX, com a retribuição mensal de 963,52€, acrescida de subsídio de refeição pela quantia diária de 9€; a 31 de Julho de 2013, foi reconhecido ao A. doença profissional por tendinite quervain direita, à qual correspondeu a atribuição de uma pensão, com efeitos a partir de 7 de Maio de 2013, no valor mensal de 23,38€; em 23 de Dezembro de 2013 foi reconhecido agravamento da doença profissional, agora com uma incapacidade permanente parcial de 5,91%; o A. teve alta em 17 de Junho de 2013; esteve vários períodos com incapacidade temporária; mais, o A. sofreu ainda de doença natural, com incapacidade iniciada em 5 de Fevereiro de 2014 e mantendo-se até 19 de Outubro de 2014; por ofício de 16 de Junho de 2014, o R. informou o A. da forma de cálculo adoptada dos subsídios de doença profissional e doença natural; porém, o A. não se conforma com a fórmula de cálculo utilizada, isto é, com a remuneração de referência; entretanto, e a propósito dos períodos por doença natural, o R. emitiu a referida nota de liquidação, com a qual não se conforma; após peripécias várias, que descreve, considera que o R. deu causa ao pedido por danos morais. A acção foi proposta em 29 de Março de 2016. A 5 de Abril de 2022 o Tribunal Administrativo de Sintra declarou-se incompetente para conhecer do pleito, conforme fundamentos ali expendidos. Mas serão os Juízos do Trabalho os competentes para conhecer do pleito, ao menos na sua totalidade? Como se sabe, para determinar qual o tribunal competente temos, em primeira linha, de atender ao pedido do A., para, de acordo com a factualidade carreada para a petição e face aos índices de competência que constam das diversas normas reguladoras da competência dos tribunais, se poder avaliar qual a matéria do litígio. Pois bem, de acordo com o disposto no artigo 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16.01, «as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos». Por seu lado, dispõe o artigo 126.º, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 62/2013, de 26.08, compete aos juízos do Trabalho conhecer, em matéria cível, «das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais». Ora, «do cotejo destes normativos parece decorrer que a competência dos tribunais do trabalho nesta matéria é meramente residual, subsistindo somente na medida em que não sejam da competência dos tribunais administrativos e fiscais como jurisdição regra»: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2006, processo 0446941, em www.dgsi.pt. E, como «refere Leite Ferreira –relativamente à legislação anterior, mas com plena actualidade (dada a redacção e sentido) na actual –, aos tribunais de trabalho foi retirada competência, em benefício dos tribunais administrativos, para conhecer, em matéria cível, das questões entre instituições da previdência ou de abono de família e seus beneficiários, respeitantes a direitos, poderes ou obrigações legais ou estatutárias, designadamente sempre que tais instituições actuem no uso do seu poder de autoridade, como pessoas colectiva de direito público que são»: cf. Acórdão citado. Acrescente-se que aos juízos do Trabalho compete, ainda, em matéria cível, conhecer «das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais». Por isto, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido e causa de pedir relacionados com a «doença natural», isto é, com o pedido de condenação ao subsídio de doença natural e de anulação da nota de reposição, feito ao abrigo do Decreto-lei n.º 28/2004, de 04.02, que «estabelece o novo regime jurídico de protecção social na eventualidade doença, no âmbito do subsistema previdencial de segurança social». Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 13/2002, de 19.02). Tal crédito não emerge, pelo menos de modo directo, da relação de trabalho, a qual é mera condição para o seu recebimento (em prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 4 do referido artigo 4.º). Antes, trata-se de uma relação regulada pelo Direito Administrativo, em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público. O mesmo sucede com o pedido de condenação da R. por danos não patrimoniais. A seu respeito dispõe a alínea f) do n.º 1 do já mencionado artigo 4.º que compete aos Tribunais Administrativos conhecer dos pleitos que tenham por objecto a «responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional». É, assim, «inquestionável que o legislador do novo ETAF cometeu à jurisdição administrativa a apreciação de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se esta responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada. A distinção deixa de ter interesse relevante para o efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer caso, a jurisdição administrativa. Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.09.2017, tirado no processo 1021/16.7T8GRD.C1. É que o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31.12, é o aplicável ao caso (cf. artigo 1.º), até porquanto o descrito pelo A. a este respeito em nada se relaciona com o disposto com qualquer norma da Lei n.º 98/2009, de 04.09. Por isso, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação do R. no pagamento por uma indemnização por danos morais. Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 13/2002, de 19.02). A incompetência, em razão da matéria, determina a incompetência absoluta deste Juízo do Trabalho, constituindo excepção dilatória insuprível que determina a absolvição da instância do R., em conformidade com o disposto nos artigos 96.º, alínea a), 97.º, 99.º, n.º 1 e 100.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea a), e 590.º todos do Código de Processo Civil, e artigo 54.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. Decisão: pelo exposto, declara-se este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação ao pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais, bem como dos respectivos juros, e, em consequência, absolve-se o R. da instância sobre tais pretensões. Custas a cargo do A., nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Para efeitos de eventual recurso desta decisão, fixa-se provisoriamente à causa o valor de 35.553,47€, conforme proposto pelo A. e aceite pela R. Notifique. * A acção prossegue para conhecimento do pedido de condenação da R. ao pagamento do diferencial relativo aos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional, pela quantia global de 12.440,13€, por discordar do valor de retribuição de referência de que a R. se serviu no seu cálculo. Porém, importa corrigir a sua distribuição, pois acha-se distribuída como acção comum quando, em razão do pedido e causa de pedir apresentados, corresponde a uma acção especial emergente de doença profissional, 4.ª espécie (artigos 21.º e 155.º do Código de Processo do Trabalho). Determina-se, por isso, que a acção seja distribuída na 4.ª espécie, dando-se baixa na 1.ª espécie, prosseguindo os autos a legal tramitação.» * O A. recorreu da decisão que declarou a incompetência em razão da matéria e formulou as seguintes conclusões: (…) Não foram admitidas as contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. O recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso. * II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação no pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais. * III- Apreciação Os factos com interesse para apreciação da questão elencada são os supra relatados. Em primeiro lugar cumpre referir que o Tribunal a quo considerou que era competente para conhecer do pedido na parte atinente a doença profissional. Não se coloca, por isso, em causa a inaplicabilidade do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública (Dec.lei nº 503/99, de 20 de Novembro). A questão que importa apreciar prende-se com os pedidos de pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais. Vejamos. Estabelece o art.º 126º, nº1, i) da lei de Organização do Sistema Judiciário (lei nº 62/2013, de 26 de Agosto) que compete aos juízos de Trabalho conhecer das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais. Ao contrário do que defende o recorrente, não está em causa a aplicação do nº 2 deste preceito legal, uma vez que os presentes autos não integram um processo de contra-ordenação. Quanto à referida alínea i) do nº 1 do art.º 126º da LOSJ, concordamos com as razões indicadas na decisão recorrida (supra explanadas). Com efeito, importa ressalvar as competências próprias dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Conforme refere o artigo 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16.01, «as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos». Ora, o art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais estabelece: «1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo.» Ora, a situação em apreço enquadra-se nas citadas alíneas, conforme refere a decisão recorrida. No sentido apontado, vide Acórdão desta Relação de 29.04.2021(relatora Desembargadora Laurinda Gemas) - www.dgsi.pt. O art.º 4º, nº4, b) exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público. Não cumpre, todavia, aplicar este preceito, dado que os créditos invocados não resultam, de modo directo, de contrato de trabalho. Não merece, por isso, censura a decisão recorrida. * IV- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário. Registe e notifique. Lisboa, 29.03.2023 Francisca Mendes Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos | ||
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Decisão Texto Integral: |