Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2148/13.2TBCSC.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: LOTEAMENTO CLANDESTINO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -O fraccionamento ilegal de um prédio (loteamento clandestino) não obsta ao reconhecimento judicial da usucapio que sobre ele prevalece e sobrepõe.
-A usucapio é uma forma de aquisição originária do direito (direito constituído “ex novo”).
-Perante um longo período de tempo, deixa de fazer sentido a invocação do interesse público que preside às restrições impostas à divisão, à prévia sujeição aos mecanismos ligados ao urbanismo, devendo o sistema jurídico absorver a situação existente.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


J... e M... demandaram M... e marido, M..., M..., A..., O..., L... e mulher, M..., C... e Mulher S..., M... e marido, A...; M... e marido, V..., N..., M... e marido, C..., M... e Mulher, A..., L.... e mulher, A... pedindo que se declare que os autores são proprietários da parcela confinante com o lado Sul do seu prédio, com 23,50m de comprimento por 3,80m de largura, num total de 89,30m2, a desanexar do prédio dos réus e a anexar ao dos autores, por a terem adquirido por usucapião, condenando-se os réus a reconhecer isso mesmo e ordenando-se as respectivas correcções de áreas.

Alegaram, para tanto, que adquiriram avos indivisos de prédio rústico, tendo procedido à demarcação da área adquirida e à construção de uma moradia, tendo ocupado parte de terreno que não lhe pertencia, convictos que era seu. Mais alegam que sempre utilizaram essa faixa de terreno, como sendo sua, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

Na contestação, os réus M..., M..., A... e L... impugnaram o alegado pelos autores concluindo pela absolvição do pedido.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador - fls. 110.

Após julgamento foi prolatada sentença que absolveu os réus do pedido -  fls. 114 e sgs.

Inconformados, apelaram os autores formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª-Ao proceder à demarcação do terreno que adquiriu, o recorrente avançou um pouco para sul e considerou como fazendo parte do seu lote uma pequena faixa de terreno com cerca de 90m2, pertencente ao prédio rústico contíguo.
2ª-Sobre essa faixa de terreno os recorrentes exerceram actos de posse, pública, pacífica, contínua e de boa-fé durante mais de 30 anos, ocupando-a com a garagem da sua casa e parte do logradouro.
3ª-Adquiriram, pois, tal faixa de terreno por usucapião.
4ª-Aliás, o loteamento do prédio de que o lote dos recorrentes faz parte foi aprovado, tendo o respectivo alvará sido emitido em 19 de Novembro de 2012, com o nº1464 e atribuído àquele lote o nº 1.
5ª-Não existe norma excepcional que estabeleça que certa e determinada posse não conduz à usucapião, designadamente os diplomas legais sobre loteamento, destaques ou fraccionamento de prédios rústicos.
6ª-Sendo a usucapião uma forma de aquisição originária, ela operará mesmo relativamente a uma parcela de um prédio, ainda que na sua génese tenha estado um fraccionamento ilegal.
7ª-Perante um período de tempo de duração da posse de mais de 30 anos, não faz qualquer sentido invocar o interesse público, devendo antes o sistema jurídico absorver a situação e reconhecer ao usucapiente a exclusividade do seu direito de propriedade sobre a parcela em causa.
8ª-Sendo assim, como é, a acção devia ter sido julgada procedente por procedentes serem os seus pedidos.
9ª-Não decidindo desta forma o Tribunal a quo violou, além do mais, o disposto nos arts. 1260,1261, 1287, 1296 e 1316, todos do Cód. Civil.
10ª-Assim, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue a acção procedente e provada.

Não foram deduzidas contra-alegações.

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:

1.-Por escritura pública outorgada no dia 6 de Maio de 1980, no 21º Cartório Notarial de Lisboa, O..., na qualidade de procurador de A..., declarou vender a J..., casado no regime de comunhão de adquiridos com M... e a A..., casado no regime de comunhão de adquiridos com M..., que declararam comprar, em comum e partes iguais, pelo preço de   Esc. 75 000$00, setecentos e cinquenta/ cinco mil e novecentos avos indivisos do prédio rústico sito em Atibá, limites dos lugares de Pau Gordo e Livramento, freguesia do Estoril, concelho de Cascais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 327, Secção 49, descrito na 2ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o  nº 6854 a fls. 12 do Lº B-21;
2.-Posteriormente, o autor e A... procederam, no terreno, à demarcação de uma área e dividiram-na em duas parcelas, uma para cada um deles, tendo a parcela do autor ficado com a área de 372 m2;
3.-O prédio referido em 1. deu origem a um loteamento clandestino composto por dez “ lotes”;
4.-Na área onde se instalou, o autor iniciou a construção de uma moradia no ano de 1980 – após a celebração da escritura de compra e venda – e só veio a terminá-la e a habitá-la em 1 de Julho de 1986;
5.-A referida moradia encontra-se inscrita na matriz predial respectiva sob o art. 5121 da freguesia do Estoril, com a área coberta de 100m2 e logradouro com 280m2;
6.-Na referida caderneta predial consta que o prédio inscrito sob o art. 5121 confronta a Norte com A..., a Sul com F..., a Nascente com F... e a Poente com rua e que é composto de rés-do-chão (2 divisões e garagem) e 1º andar (3 divisões, 1 cozinha, casa de banho, 2 vest. ou corredor, 1 marquise, 1 varanda);
7.-Ao proceder à demarcação referida em 2., o autor avançou um pouco para Sul e considerou como fazendo parte do seu lote uma pequena faixa de terreno com 23,50m de comprimento por 3,80m de largura, num total de 89,30m2;
8.-Ao avançar com a delimitação para Sul, o autor recuou-a a Norte, não aumentando em área a sua parcela;
9.-Com a delimitação da parcela em causa, os autores, ainda no ano de 1980, ocuparam-na com os materiais necessários para a construção da sua futura casa;
10.-A faixa referida em 7. tem nela implantada a garagem da casa dos autores, que ficou pronta e foi ocupada ao mesmo tempo que a casa e que dela faz parte integrante, e uma parte do logradouro;
11.-Pelo menos desde 1 de Julho de 1986 que os autores têm permanecido ininterruptamente na referida faixa, ocupando-a, além do mais, com a garagem da sua casa e logradouro e delimitando-a com os mesmos muros delimitadores também da sua casa, usufruindo-a como sendo sua, à vista de todos e sem oposição de ninguém;
12.-Os autores utilizam, desde sempre, a garagem para guardar o carro e para arrumos e passando pela restante área da faixa, quer a pé, quer de carro, para se dirigirem para a garagem ou para a casa;
13.-Os autores são havidos pela generalidade das pessoas como donos do seu prédio na sua totalidade e, concomitantemente, como donos da faixa do terreno em causa;
14.-Os autores desde 1981 que pagam impostos de acordo com a configuração que consta da caderneta predial;
15.-Até 29 de Julho de 2011, ninguém se opôs ao uso dado pelos autores à aludida faixa de terreno;
16.-O loteamento do prédio referido em 1. foi aprovado, tendo o respectivo alvará sido emitido em 19 de Novembro de 2012, com o nº 1464;
17.-Ao lote dos autores foi atribuído o nº 1, com a área de 282 m2.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se há ou não lugar à aquisição da propriedade da faixa de terreno sita em loteamento clandestino por usucapião.

Aquisição da propriedade da parcela por usucapião.
         
A usucapião consiste num dos modos de aquisição do direito real correspondente à propriedade, de acordo com o artigo 1316 do Código Civil, sendo a respectiva noção dada pelo artigo 1287: A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião. 
  
Resulta, assim, que a aquisição do direito por usucapião supõe a posse, que esta seja mantida durante certo lapso de tempo e à imagem do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo; uma coisa é a posse, outra a usucapião, que é o seu efeito defectível, como salienta Orlando de Carvalho (Direito das Coisas, pg. 194).

A posse, de acordo com o artigo 1251 do Código Civil, é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

E adquire-se, no caso de aquisição originária da posse, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito - artigo 1263 al. a) do CC.

Mas, como se traduz a posse?

A discussão é antiga acerca da tutela da posse, divergindo os dois sistemas possessórios que se defrontam nos ordenamentos de raiz continental europeia (o sistema subjectivo e o sistema objectivo), embora ambos se baseiem na experiência jurídica do direito romano, onde a posse era concebida como o poder de facto exercido sobre uma coisa simples e corpórea - a res unita corporalis - em termos de propriedade ou pleno domínio.

Importa atentar na síntese do tema apresentada por Menezes Cordeiro: uma tradição românica, sedimentada pelos jurisprudentes elegantes e, depois, por Savigny, consagrou a ideia de posse assente em dois elementos: o corpus, ou controlo de facto em si e o animus, ou intenção de ser proprietário - animus domini - de ser possuidor - animus possidendi - ou de ter a coisa para si - animus sibi habendi
       
Mau grado as convicções da doutrina, nunca foi possível dar uma noção clara de animus. E por isso, nenhum legislador a inseriu, jamais, em texto legal. Não obstante, o peso da tradição e a necessidade de delimitar, em geral, a posse de detenção, têm levado a doutrina maioritária do Sul a exigir, junto do corpus e para que, de posse, se possa falar, o animus.

Recordemos a contraposição entre as duas posições históricas e logicamente possíveis: Savigny e Jhering. Enquanto, para Savigny, o ponto de partida é a detenção - controlo material da coisa - a qual, acompanhada duma especial vontade, dá azo à posse, para Jhering, tal ponto é constituído pela posse - controlo material, logo voluntário, da coisa - a qual, quando descaracterizada pelo Direito, se reduz à mera detenção (A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, pg. 51).

Assim, para formular o conceito de posse, Savigny serviu-se de dois elementos estruturantes; o corpus e o animus.O primeiro é um elemento material e físico; o segundo, espiritual, anímico ou intencional; ambos têm de existir, forçosamente coexistem.

Jhering considera antes que o elemento volitivo está implícito no poder de facto, como acto de vontade exercido sobre a coisa, pois sem vontade não há relação possessória; Jhering não afasta o elemento intencional da posse, transpondo a problemática do animus para a consciência social, para a opinião geral, segundo o senso comum, em face da relação de facto do sujeito com a coisa.

Sintetizando o pensamento de Savigny, ensinava Manuel Rodrigues: todos os poderes de facto sobre as coisas podem agrupar-se em duas classes - a posse e a detenção. Quando o poder é destituído de qualquer elemento intencional, como nos que ainda não atingiram o uso da razão, ou exercido em nome de outrem, há detenção; quando o poder físico tem um carácter permanente, exclusivo, e é exercido como se aquele que o exerce fora o seu titular, há posse.

E como poder independente, exclusivo e permanente, só pode considerar-se aquele que domina completamente a coisa, a posse é apenas o estado de facto, paralelo à propriedade, estado de direito, e portanto a intenção, o animus, que se exige no que tem o poder de facto, é o de exercer o direito de propriedade como se fora o proprietário.

É a esta vontade orientada para um fim especial - o direito de propriedade - é a esta vontade de qualificação especial, que se chama animus domini (M. Rodrigues, A Posse, 2ª ed., pg. 79).

A posse é uma relação de facto da pessoa com a coisa tal como a impõe o fim de utilização desta sob o ponto de vista económico. Esta relação varia segundo as coisas (cit. apud Manuel Rodrigues, A Posse, pgs. 84 e 85).

Deixada enunciada, em termos gerais, a linha de dissonância entre as teorias subjectiva - de Savigny - e objectiva - de Jhering -, importa salientar que, entre nós, como, de resto, na generalidade dos países de raiz romanística, a concepção subjectiva da posse encontrou esmagadora adesão entre a doutrina e a jurisprudência, no sentido de que a posse pressupõe animus e corpus,numa relação biunívoca.

E muito contribuiu, para tal, a monografia do Professor Manuel Rodrigues, “A Posse”, publicada, em 1ª edição, na década de 30 do século passado, ainda hoje referência obrigatória, argumentando concludentemente que o Código Civil de 1867 acolheu a concepção da posse formada por dois elementos: o corpus e o animus sibi habendi.

O art. 1251 do actual Código Civil enquadra a posse no sistema subjectivo, norma em que são sensíveis, como salienta Orlando de Carvalho (RLJ, ano 122º, pg. 68), a nota do corpus (“quando alguém actua…”) e a nota do animus (“por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outra direito real”).

Em idêntico sentido pronuncia-se Antunes Varela, entendendo que o legislador português não aceitou a concepção objectiva da posse: para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela. A aceitação desta concepção subjectiva da posse – exigência do animus – levou o legislador, por motivos de equidade, a conceder excepcionalmente a defesa possessória em casos em que não existe posse por parte do detentor, por falta de animus possidendi: cf. artigos 1037 nº 2, 1125 nº 2, 1133 nº 2 e 1188 nº 2. A causa de pedir nas acções possessórias intentadas ao abrigo destes preceitos, não é a posse, mas antes a relação jurídica de mera detenção (Código Civil Anotado, III vol., pgs. 5 e 6).

Do mesmo modo, no acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 1996 (BMJ 457-55), ponderou-se: como já acontecia com o Código Civil de 1867, o actual ordenamento jurídico português adopta a concepção subjectiva da posse. Daí ser esta integrada por dois elementos estruturais: o corpus e o animus possidendi.Define-se o corpus como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o animus possidendi se caracteriza como a intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados.

Em face de tudo o que se deixou dito, devendo entender-se que a posse é integrada por dois elementos estruturais - o corpus e o animus possidendi - importa agora determinar se os apelantes/autores são havidos como possuidores da faixa identificada nos autos e se a posse constitui caminho para uma autêntica dominialidade, ou seja, se a adquiriram por usucapião.

A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta – art. 1258 CC.

A posse titulada é a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico – art. 1259 CC.

A posse é de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, presumindo-se de boa-fé a posse titulada e, ao invés, a posse não titulada, presume-se de má-fé –   art. 1260 CC.

A posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados – art. 1261 CC.

A aquisição da posse, entre outras, tem lugar - a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito – art. 1263 CC.

Invocada a usucapio os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288 CC).

In casu, aplicando o direito aos factos provados constata-se que os autores adquiriram a faixa por usucapião (art. 1287 CC).

Temos o corpus e animus caracterizadores da posse dos autores cujos actos foram praticados de forma ininterrupta, pública e pacífica (arts. 1262, 1263 CC).

A posse dos autores presume-se de má-fé por não ser titulada (art. 1260/2 CC), daí que a usucapio a favor destes só tem lugar findo o prazo de 20 anos (1296 CC).

Na verdade, os actos de posse dos autores iniciaram-se, em 1980, porquanto a partir dessa data estes aí depositaram os materiais para a construção de sua casa.

Acresce que, em 1986, aquando do terminus da construção, a faixa continuou a ser ocupada agora pela garagem e por uma parte do logradouro, até ao presente, ou seja, há mais de 20 anos.

Desde 1980 que os autores usam a faixa como se fossem os únicos proprietários, i. é, com animus possidendi, com intenção de agir como titulares do direito correspondente aos actos realizados, como titulares do direito de propriedade sobre a dita faixa.

Não obstante, a 1ª instância decidiu pela impossibilidade dos autores adquirirem a faixa usucapiente por usucapião uma vez que a parcela de terreno onde esta se encontra situa-se em loteamento clandestino.

Quid juris?

O prédio rústico (facto sob o nº 1) deu origem a um loteamento clandestino composto por 10 lotes.

O loteamento do prédio (facto apurado sob o nº 1) foi aprovado – alvará de 19/11/2012 com o nº 1464 (facto sob o nº 16).

A parcela dos autores situa-se em loteamento clandestino.

A faixa usucapienda está contida/integrada na parcela dos autores.

Os autores invocam a usucapião relativamente à faixa usucapienda (cerca de 89 m2) e não à parcela de terreno.

“A usucapião é uma forma de constituição de direitos e não uma forma de transmissão dos mesmos: o usucapiente não adquire o bem por transmissão de anterior titular, o direito surge, “ex novo”, na sua esfera jurídica.

Assim, sendo a usucapio uma forma de aquisição originária e não derivada de direitos, ela operará, mesmo relativamente a parcelas de um prédio, ainda que, na sua génese tenha estado um fraccionamento ilegal.

E isto porque, perante um período um longo período de tempo, deixa de fazer sentido a invocação do interesse público que preside às restrições impostas à divisão, à prévia sujeição aos mecanismos ligados ao urbanismo, devendo o sistema jurídico absorver a situação e reconhecer ao usucapiente a exclusividade do seu direito de propriedade sobre a parcela que, na prática e desde há tanto tempo, nunca deixou de lhe pertencer e sobre a qual veio exercendo, de forma regular, continuada e pacífica, os poderes inerentes ao direito de propriedade” – cfr. Acs. STJ de 4/2/2014, relator Conselheiro Fernandes do Vale e de 9/10/98, relator Santos Bernardino, in www.dgsi.pt e Ac. RC de 31/5/05, Proc. 399704.dgsi.Net, relator Serra Baptista.

Daqui se extrai que os autores/apelantes adquiriram a propriedade da faixa de 89,30 m2, por usucapião, procedendo a sua pretensão. 

Concluindo:

1–O fraccionamento ilegal de um prédio (loteamento clandestino) não obsta ao reconhecimento judicial da usucapio que sobre ele prevalece e sobrepõe.
2–A usucapio é uma forma de aquisição originária do direito (direito constituído “ex novo”).
3–Perante um longo período de tempo, deixa de fazer sentido a invocação do interesse público que preside às restrições impostas à divisão, à prévia sujeição aos mecanismos ligados ao urbanismo, devendo o sistema jurídico absorver a situação existente.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revogando-se a sentença, declara-se que os autores são proprietários da parcela em causa – confinante com o lado Sul do seu prédio, com 23,50 metros de comprimento por 3,80 metros de largura, num total de 89,30 m2, a desanexar do prédio dos réus (prédio rústico que confronta do lado Sul com o dos autores, descrito na ficha nº 2294, Sec. 49-59 da freguesia do Estoril e inscrito na matriz respectiva da dita freguesia sob o art. 35, com a área de 17.884,55 m2 – cfr. art. 10 da p.i) e a anexar ao dos autores, por a terem adquirido por usucapião, condenando-se os réus a reconhecer o esse direito (propriedade), devendo proceder-se às respectivas correcções de áreas.
Custas pelos apelados



Lisboa, 16/2/2017   

             

Carla Mendes
António Ferreira de Almeida
Catarina Arêlo Manso
Decisão Texto Integral: