Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19373/17.0T8SNT.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NRAU
RENDAS
MORA
ACÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/29/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo.

Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A… veio intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra “S…LDA.” e contra R…ambas as partes, melhor identificadas nos autos, formulando os seguintes pedidos:
a)- Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes e, consequentemente, ser a Ré condenada a entregar ao Autor o locado (fracção “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …..inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 330 da freguesia de …., concelho da A…), livre e devoluto de pessoas e bens próprios.

b)- Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor os seguintes valores:
a.- € 8.712,50 relativamente a rendas vencidas;
b.- as rendas vincendas, à razão de €1.387,50 cada, com início na que se vencer em Novembro de 2017 e subsequentes até à efectiva entrega do locado.
c.€ 203,84 relativamente a juros de mora vencidos à taxa comercial;
d.- Juros de mora vincendos à taxa comercial sobre a data de vencimento de cada prestação e até à efetiva entrega do locado.

Alega, para tanto, em suma, que:
- O Autor e a Ré celebraram contrato de arrendamento, em 23-10-2015, pelo prazo de 5 anos, pela renda mensal (a pagar ao senhorio) de 1 387, 50 euros; após o termo de um período em que a Ré pagou as rendas tardiamente e deixou rendas por pagar, tendo vindo a liquidar todos esses valores em dívida, voltou a deixar de pagar rendas (de abril a outubro de 2017);
Por isso, o Autor pretende a resolução do contrato de arrendamento e o pagamento das rendas vencidas e não pagas e as vincendas até entrega do locado;
Valor quanto ao qual também pretende que o Réu seja responsabilizado, na sua qualidade de fiador.
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Os Réus vieram contestar invocando a falta de interesse em agir do aqui Autor, com fundamento na inadmissibilidade legal da presente ação judicial , defendendo que, para estes casos (de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas com mora superior a três meses) a lei impõe que a resolução opere por comunicação do senhorio à contraparte e, não, por meio de interposição da presente ação.
O Autor pronunciou-se sobre a invocada exceção.
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Foi, então, julgada procedente a excepção dilatória.
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É esta decisão que a R impugna, formulando estas conclusões:

a)- A procedência da ação supõe a sua conformação legal com o ordenamento jurídico em vigor.
b)- A presente ação, por determinado preceito legal e por recorrente efeito da pacífica jurisprudência, carece de fundamento de per si.
c)-  Entende o R. que a razão lhe assiste, e a presente ação deveria ter sido rejeitada liminarmente.
d)-  No que respeita à falta de pagamento da renda pelos R.R., diz o nº 3 do art.º 1083º do Código Civil: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte”.
e)-  O legislador, inserindo o artigo 1084º nº 1 do Código Civil num contexto imperativo, harmonizando-o com o artigo 14º nº 1 do NRAU, tomou uma concreta opção, não consentindo a nosso ver o uso de qualquer outra forma de processo.
f)-  Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra exarado em 15/04/08 – Proc. 937/07 (http//www.dgsi). Conforme ali se diz, o interesse em agir é um pressuposto processual referente às partes, cuja falta consubstancia uma exceção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso.
Pelo que, revogando-se a decisão recorrida e em sua substituição proferido Acórdão que reconheça a exceção deduzida, considerando que a sentença é revogada, se fará a correta interpretação dos factos e a aplicação do Direito.
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do  Código de Processo Civil),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o objecto do litígio prende-se com a resposta a esta questão: há falta de interesse em agir por parte da A. ao utilizar a acção de despejo para obter o despejo do arrendado, já que foi objectivo do legislador com o NRAU limitar a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas por período superior a três meses, à via extrajudicial?

Seguimos a jurisprudência maioritária, segundo a qual no âmbito do NRAU, a comunicação extrajudicial prevista no artigo 1084º do Código não constitui meio único ao dispor do senhorio para operar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento naquele incumprimento do arrendatário, tendo igualmente possibilidade de, para o mesmo efeito, recorrer à acção judicial (de despejo), competindo-lhe optar pelo uso de um ou outro meio: neste sentido , cf toda a jurisprudência citada na decisão impugnada[1]..

Esta interpretação é , inequivocamente, a que melhor se adequa a uma interpretação sistemática e teleológica das normas jurídicas que, no âmbito do novo RAU, se destinam a regulamentar o arrendamento e os modos de cessação do mesmo.

O preceituado nos  artigos 9º, nº7 do NRAU, que define a forma por que deve concretizar-se aquela notificação ou comunicação (notificação judicial avulsa ou contacto pessoal), artigo 15º, nº1, e) (o comprovativo de tal comunicação ou notificação e o contrato de arrendamento passam a constituir título executivo) e o artigo 14º, nº1 (que determina que a acção de despejo constitui meio para fazer cessar a situação jurídica do arrendamento) não afasta a admissibilidade de recurso à via judicial para operar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na situação de mora por mais de três meses, por parte do arrendatário, no pagamento das rendas vencidas, antes claramente, conferem essa admissibilidade.

Por outro lado , esclarecedor é o que consta do ponto 1 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento nº 34/X: “o regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base no incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra a manutenção do arrendamento”,ou seja, mantém-se a possibilidade de fazer cessar o contrato de arrendamento, com o referido fundamento, nos moldes já previstos no anterior RAU, tendo a nova lei criado um novo mecanismo, para o mesmo fim, com o objectivo de agilizar o procedimento relativo à resolução do contrato e entrega do locado.

Não podemos esquecer que ,”….. existindo mora no pagamento da renda superior a três meses, tal implica um rompimento do equilíbrio contratual formado com a celebração do contrato, comporta uma tal reiteração no incumprimento por parte do arrendatário, indiciadora de uma especial gravidade porque violadora do interesse creditório nuclear do senhorio, abalando a sua confiança num futuro cumprimento pontual do pagamento das rendas, tornando, assim, inexigível a manutenção do vínculo contratual, justificando-se, neste contexto, o novo meio criado pelo legislador do NRAU, que concede ao senhorio, para a apontada hipótese, a possibilidade de resolver extrajudicialmente o contrato de arrendamento, através de notificação judicial avulsa ao arrendatário incumpridor, ou contacto pessoal com o mesmo, com a menção do facto incumprido, servindo o comprovativo dessa notificação ou comunicação, juntamente com o contrato de arrendamento, de título executivo extrajudicial, abrindo directamente as portas à acção executiva para a entrega do locado….”Cf Ac RC de 2/11/2010 in ITIJ.

Daí que se compreenda e justifique que só a mora superior a três meses permita uma resolução extrajudicial do contrato de arrendamento. Por isso , quando o motivo invocado para a resolução do contrato seja mora no pagamento da renda, mas igual ou inferior a três meses, só por via judicial aquela poderá ser obtida, funcionando, neste caso, as regras contidas no artigo 1083º, nº2 do Código Civil, ficando o senhorio onerado com a alegação e prova dos factos constitutivos da justa causa da resolução, cabendo ao tribunal, apreciando-os, concluir se os mesmos, pela sua gravidade ou consequências, tornam inexigível a manutenção do arrendamento, ao contrário do que se verificará na hipótese de resolução judicial em que o motivo invocado seja a mora superior a três meses, pois, neste caso, o julgador, comprovada essa mora, está vinculado à determinação legal da justa causa.

Pode, assim, concluir-se que, não afastando o complexo normativo que regula o arrendamento urbano, antes a comportando, a possibilidade de resolução judicial do contrato de arrendamento, esta mantém-se, como solução alternativamente colocada à disposição do senhorio para fazer cessar o contrato de arrendamento, mesmo com fundamento em situação de mora no pagamento da renda por mais de três meses.

E não se argumente, em abono de tese contrária, que a exclusividade do recurso à via extrajudicial para resolver o contrato de arrendamento no caso em que é invocada mora superior a três meses é imposta pela imperatividade do artigo 1080º do Código Civil, pois, a imperatividade aí vertida reporta-se a todos os mecanismos que a lei prevê para obter a cessação do contrato e não apenas àquela. Portanto, a regra da imperatividade tem a ver com a definição do regime jurídico da cessação do contrato de arrendamento (a todo ele) e não com a possibilidade que se abre ao senhorio de a fazer operar também por via extrajudicial.
Termos em que improcedem as conclusões.
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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.

Custas pela apelante


LISBOA, 29/11/2018


António Valente
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa 
                            


[1]Que aqui damos como reproduzida.