Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
62/14.3TYLSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A aprovação de um plano de revitalização, com a manutenção em actividade da devedora, agora em termos de poder recuperar e vir a cumprir as suas obrigações, é, certamente, mais favorável para a sociedade e para os credores, do que a manutenção daquela, mas numa situação económica difícil ou mesmo de insolvência eminente, que a levou a requerer o PER.
2. Tendo sido alcançada a aprovação de um plano de revitalização, pela totalidade dos credores, justificado que foi o prolongamento das negociações, e tendo concorrido para o “atraso” na aprovação do plano de revitalização facto respeitante ao AJP, estranho, portanto, ao próprio processo, é contrário ao espírito da lei e aos objectivos do legislador permitir que, apenas, razões de ordem formal obstem à sua aceitação e, eventual, homologação.
3. O prazo previsto no art. 17º-G, nº 1 do CIRE não tem natureza peremptória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 13.02.2014, S – SII, S.A. veio intentar processo especial de revitalização ao abrigo do disposto no art. 17º-A e ss. do CIRE, com as alterações introduzidas pela L. 16/2012 de 31.12 [1].
Em 24.04.2014, o administrador judicial provisório veio juntar aos autos declaração elaborada nos termos do nº 5 do art. 17º-D, da qual consta que aquele e a devedora pretendem prorrogar as negociações com vista à aprovação do plano de revitalização pelo período de um mês (fls. 117 e 118).
Em 4.06.2014, o AJP apresentou requerimento aos autos pedindo a prorrogação do prazo para a conclusão das negociações e apresentação do resultado da votação do plano, por mais 15 dias, alegando, em síntese, que não obstante o prazo para as negociações já tenha terminado as mesmas ainda não foram concluídas, estando a decorrer de forma positiva, uma vez que os principais credores (bancos) condicionaram a aprovação do plano (que anexou) à constituição de novas garantias, que a devedora se disponibilizou a prestar, estando em curso avaliações patrimoniais que são necessárias para a constituição daquelas, sendo de crucial relevância permitir que as avaliações se concluam, permitindo eventual aprovação do plano e consequente revitalização da devedora (fls.119 a 140).
Em 16.06.2014 foi proferido despacho que indeferiu a requerida prorrogação de prazo por impossibilidade legal, e ordenou a notificação da revitalizanda e do AJP, “sendo este para providenciar pela imediata submissão do plano a votação ou comunicar o encerramento das negociações sem aprovação do mesmo nos termos do nº 1 do art. 17º-G”. Mais determinou que, “decorridos que sejam 15 dias sem que nada tenha sido dito, sejam os autos conclusos” (fls. 141 a 143).
Em 14.07.2014 foi proferido o seguinte despacho: “Notificados para comunicarem nos autos o encerramento das negociações e resultado da votação, O Sr. Administrador Judicial Provisório e a Apresentante, uma vez que o prazo para o efeito já terminou, nada foi dito nos autos. Como bem se refere no ac. tirado no TRL em 2014-03-13, disponível no sito www.dgsi.pt, a revitalização visa evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontram em dificuldades, no pressuposto de que ainda é possível mantê-los em actividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação não ser (pelo menos manifestamente) desfavorável aos credores (por contraposição com a liquidação do património do devedor em processo de insolvência). O sucesso de tal medida pressupõe uma actuação célere e bem delimitada no tempo, conforme decorre do regime legal descrito. As negociações entre o devedor e os credores devem, pois, concluir-se no prazo máximo de três meses, contado desde o termo do prazo para a apresentação das impugnações da lista provisória de créditos. E conclui-se no mencionado aresto: O decurso do aludido prazo implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar homologar o plano de recuperação da empresa, aprovado (no caso dos autos, sem unanimidade dos credores) para além daquele prazo, ou seja, in casu, três meses após o termo do mencionado prazo legal. Pois bem, no caso dos autos o prazo máximo para a conclusão ocorreu… Pois bem, no caso dos autos o prazo máximo para a conclusão ocorreu a 24.05.2014. Terminado que foi o prazo há mais de um mês e meio, e não tendo o Sr. Administrador da Insolvência e Revitalizanda prestado qualquer esclarecimento que fosse na sequência do despacho datado de 16 de Junho p.p., é de concluir pela conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de recuperação. Em face do exposto, e vista a manifesta falta de diligência da Apresentante e do AJP por ela indicado, determino o cumprimento do disposto no nº 1 do art. 17º-G, com a publicação no portal CITIUS do encerramento do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação. Mais notifique o Sr. AJP para dar cumprimento ao preceituado no nº 4 do art. 17º-G, remetendo aos autos o parecer ali mencionado no prazo de 10 dias” (fls. 3 e 4).
Em 16.07.2014, o AJP juntou requerimento aos autos do qual consta, em síntese, que, tendo tomado conhecimento no portal CITIUS do despacho de encerramento do processo sem aprovação, vem dar conhecimento que o processo terminou com aprovação do plano com uma percentagem de 100%, como consta da Acta de Abertura dos Votos e da Lista de Votação que anexa [2]. Mais informa que tal documentação não foi entregue por motivos de saúde que o impediram de trabalhar, durante vários dias, acabando mesmo por recorrer à urgência hospitalar. Termina requerendo que “… face ao exposto e considerando, acima de tudo o futuro da sociedade devedora, a sua revitalização e permanência em actividade com todas as consequências daí decorrentes quer para a própria, quer para os seus credores, bem como o resultado da votação do mesmo, solicita-se a V. Exa a revogação do despacho de encerramento do processo sem aprovação de plano de recuperação e a sua substituição por outro de aprovação e homologação do plano aprovado por todos os credores”.
Foi proferido despacho que indeferiu o requerido e, de novo, ordenou a notificação do AJP para apresentar parecer nos termos do art. 17º-G, nº 4 (fls. 147 e 148).
Não se conformando com a decisão de encerramento do processo, apelou a devedora, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) Porque a Recorrida se encontra em PER, está isenta do pagamento prévio da taxa de justiça (art. 4º, nº 1, al. u) do RCP).
b) O legislador ao introduzir o PER no nosso ordenamento jurídico, teve por fim alcançar a obtenção de acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa,
c) Sendo regra privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do coletivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor (neste sentido, vide, o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2013, tirado no Recurso nº 1008/12.9TYLSB.L1-8).
d) Acresce que, a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjetiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art. 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada” (neste sentido, vide, o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 25/03/2014, tirado no Recurso nº 3175/13.5TBSXL.L1-1).
e) Porém, foi entendido no douto Despacho recorrido, que ultrapassado o prazo das negociações e na ausência de resposta do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, se deveria concluir pela conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano.
f) Ora, nos termos do nº1 do art. 17º-G, é o administrador judicial provisório quem deve comunicar ao processo o encerramento do processo negocial, podendo este ser destituído, o que não aconteceu (n.º 1 do art. 56º do CIRE).
g) Nenhum dos credores veio ao processo reclamar a recusa de homologação do plano, em virtude do decurso do prazo de conclusão das negociações, estando o seu interesse assegurado como se encontrava o da Recorrente.
h) Continuando a ser possível a satisfação do interesse público, consubstanciado na necessidade de promover a recuperação das empresas.
i) Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, andou mal o douto Despacho recorrido ao ter concluído, sem mais, pela conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, atentas as normas legais e a jurisprudência acima transcrita.
j) Assim, o douto Despacho recorrido preconizou uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.
k) Acresce que, o prazo para concluir as negociações encetadas não tem natureza perentória, desde logo por ser a própria lei a prever a sua eventual prorrogação (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, tirado no Recurso nº 8972.13.9T2SNT.L1-7).
l) O PER destina-se a permitir ao devedor o estabelecimento de negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização (cf. art. 17º-A, do CIRE).
m)  Sendo incompreensível que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o acordo com os credores, seja pura e simplesmente recusada a homologação do plano aprovado, apenas por razões de ordem formal (neste sentido, vide ainda o recente Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, tirado no Recurso nº 8972.13.9T2SNT.L1-7).
n) Ora, não tendo o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D do CIRE, natureza perentória, não tendo ocorrido violação de normas imperativas e a demora nas negociações tendo sido justificada no requerimento de 02/06/2014, a qual permitiu a aprovação do plano de recuperação, pela unanimidade dos credores.
o) O decurso do prazo em causa, não permite presumir a conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação.
p) Assim, o douto Despacho recorrido ao ter decidido pela conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, por decorrido o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D, preconizou uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica.
Termina pedindo que seja revogado o despacho do recorrido, com todas as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da apelante (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) a única questão a decidir é se devia ter sido proferido despacho a encerrar o processo de negociações por ser de presumir ter-se concluído aquele sem aprovação de plano de recuperação.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O constante do relatório supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Entendeu o tribunal recorrido que decorrido mais do que o prazo máximo de 3 meses para conclusão das negociações nos presentes autos, e nada tendo dito o AJP e a devedora sobre a aprovação de plano de revitalização, não obstante notificados para o efeito, era “de concluir pela conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação”, e, consequentemente, declarar o processo encerrado.
E mesmo na sequência de requerimento do AJP que apresentou a Acta de Abertura dos Votos e da Lista de Votação [3], da qual consta a aprovação do plano com uma percentagem de 100%, justificando o “atraso” de tal apresentação [4], e pedindo a revogação do despacho que declarou encerrado o processo e a homologação do mencionado plano, o tribunal recorrido manteve o despacho de encerramento, por entender não haver qualquer fundamento para o revogar.
Insurge-se a apelante contra tal entendimento sustentando, por um lado, que o mesmo vai contra a vontade do legislador ao regular a matéria em causa, e, por outro, o prazo para a conclusão das negociações não é um prazo peremptório.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos assistir razão à apelante.
O processo especial de revitalização (PER) foi introduzido no CIRE pela L. 16/2012 de 20.04, e, de acordo com o disposto no artº 17°-A, nºs 1 e 2 “destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização", e pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".
Visando, pois, o PER a viabilização ou recuperação do devedor, a sua introdução no CIRE, cujo fim, de acordo com o art. 1º, nº 1, era a satisfação dos direitos dos credores, traduz-se numa mitigação de tal finalidade e num retorno à anterior legislação falimentar na qual se previam figuras tendentes à recuperação da empresa.
O processo especial de revitalização é um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a lograr-se um acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa. 
Este tipo de processo especial surgiu como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial num momento especialmente crítico do seu desenvolvimento, criando o legislador um novo instrumento de apoio à recuperação de empresas, com o intuito de optimização do contexto legal, tributário e financeiro em que as empresas actuam, tendo em vista a revitalização empresarial de unidades economicamente viáveis, e resultou do quadro de memorando de entendimento com a “Troika” (no qual o Governo português assumiu o compromisso de alterar o regime de insolvência), que determina a aprovação de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra judicial em conformidade com as boas práticas internacionais”.
Foi neste contexto que o Governo aprovou a Resolução de Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25.10, que fixa os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, vindo, posteriormente a ser introduzido no CIRE o PER, em cujo âmbito o devedor e os credores se deverão orientar pelos princípios definidos na referida Resolução (art. 17º-D, nº 10).
Portanto, o PER destina-se a permitir ao devedor que, encontrando-se em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, podendo, a final, o plano de recuperação ser aprovado ou não aprovado, seguindo o processo os termos do disposto nos arts. 17º-C a 17º-G, sendo certo que o que se pretende fundamentalmente é a conclusão do processo com a aprovação, pela maioria dos credores, de um plano que permita a manutenção sustentada da empresa, que se traduza em perdas mais reduzidas para os credores, evitando-se os efeitos sociais e económicos negativos que advêm da liquidação de uma empresa, conforme resulta dos considerandos do Anexo da referida Resolução de Conselho de Ministros.
O PER está consagrado em termos muito flexíveis, embora fixando um determinado procedimento e publicidade, bem como prazos curtos, num processo de natureza urgente (art. 17º-A, nº 3) que se pretende de rápida conclusão, tendo em conta, nomeadamente, os efeitos da sua instauração previstos no art. 17º-E.
Daí que se estipule no art. 17º-D, nº 5 que “findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem de um prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”.
E o art. 17º-G, nº 1 dispõe que “caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no nº 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius”.
Como se escreveu no Ac. da RL. de 10.04.2014, P. 8972/13.9T2SNT.L1-7, rel. Desemb. Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt, “… o art. 17º-G do CIRE apenas contempla a hipótese de o processo negocial ser obrigatoriamente encerrado no caso de as negociações terminarem (antecipadamente ou por ser ultrapassado o prazo previsto no nº 5, do art. 17º-D) sem que tivesse sido possível aprovar o plano de recuperação”.
E isso mesmo parece ter entendido o tribunal recorrido, quer quando proferiu o despacho de 16.06.2014 [5], em que determinou a notificação do AJP para “providenciar pela imediata submissão do plano a votação ou comunicar o encerramento das negociações sem aprovação do mesmo nos termos do nº 1 do art. 17º-G”, quer quando proferiu o despacho recorrido, no qual, face ao decurso de mais de mês e meio sobre o término do prazo previsto por lei para as negociações e à ausência de qualquer esclarecimento pelo AJP ou pela devedora, entendeu ser de concluir pela conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de recuperação, e, por isso, determinou o encerramento do processo.
Porém, ao ser-lhe, logo depois, apresentada a acta de aprovação do plano (com a mesma data do despacho em que encerrou o processo) pela totalidade dos credores, manteve aquele despacho, afigurando-se-nos que por entender que o prazo previsto no art. 17º-G, nº 1 tinha natureza peremptória.
Não sufragamos, porém, tal entendimento, mais uma vez acompanhando a posição sustentada no supra referido acórdão desta Relação (e secção), em sentido contrário.
No caso em apreço, o prazo de 2 meses para as negociações foi prorrogado, nos termos da lei, por mais um mês, e decorrido este, o AJP veio ao processo requerer [6] nova prorrogação por mais 15 dias, fundamentando tal pedido no facto de as negociações estarem a decorrer de forma positiva, mas porque os principais credores tinham condicionado a aprovação do plano à constituição de novas garantias, que a devedora se tinha disponibilizado a prestar, estavam em curso avaliações patrimoniais que eram necessárias para a constituição daquelas, e que era crucial concluir.
E o que é um facto é que as negociações levaram à aprovação pela totalidade dos credores de plano de revitalização, alcançando o fim visado pelo legislador com a previsão do processo em causa.
Mesmo no Ac. desta Relação [7] em que o tribunal recorrido se ancorou para indeferir a prorrogação do prazo peticionada pelo AJP, se entendeu que “outra poderia ser a solução se, por hipótese, o plano de recuperação fosse aprovado pela totalidade dos credores: aí eventualmente seria de ponderar a negligenciabilidade da eventual ultrapassagem do prazo para a conclusão das negociações, caso se mostrasse, apesar de tudo, satisfeita a totalidade dos interesses em presença, isto é, os do devedor, os dos credores e os da comunidade em geral”.
Não existe notícia nos autos de que qualquer credor se tenha manifestado contra a demora nas negociações.
A aprovação de um plano de revitalização, com a manutenção em actividade da devedora, agora em termos de poder recuperar e vir a cumprir as suas obrigações, é, certamente, mais favorável para a sociedade e para os credores, do que a manutenção daquela, mas numa situação económica difícil ou mesmo de insolvência eminente [8], que a levou a requerer o PER.
Como se fez constar da Resolução de Conselho de Ministros a que supra se aludiu, a mesma destina-se “a fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, bem como a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso (…). Uma negociação extrajudicial bem-sucedida tem, assim, como resultado final um plano de reestruturação da dívida acordado entre devedor e credores, assente na redefinição dos prazos de pagamento ou até no perdão de parte da dívida, e que permite ao devedor manter-se em actividade sem interrupções”. O essencial é a vontade “Que a empresa se mantenha em actividade sem necessidade de intervenção de terceiros (nomeadamente, o administrador da insolvência), contribuindo para que esta ultrapasse as suas dificuldades económicas; Que os credores reduzam as suas perdas (os dados estatísticos apontam para uma maior recuperação de créditos nos casos de recuperação extrajudicial de empresas, quando comparada com os casos de insolvência e liquidação do património do devedor); Evitar os efeitos sociais e económicos negativos que advêm da liquidação de uma empresa, traduzindo-se num procedimento benéfico, também, para trabalhadores, clientes, fornecedores e investidores”.
Tendo sido alcançada a aprovação de um plano de revitalização, nos termos em que o foi, justificado que foi o prolongamento das negociações, e tendo concorrido para o “atraso” na aprovação do plano de revitalização facto estranho ao próprio processo [9], afigura-se-nos contrário ao espírito da lei e aos objectivos do legislador permitir que apenas razões de ordem formal obstem à sua aceitação e, eventual, homologação.
Assim sendo, na procedência da apelação, deve revogar-se o despacho recorrido, devendo o tribunal recorrido proferir o despacho a que alude o nº 5 do art. 17º-F.       
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 2014.12.09
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(Cristina Coelho)
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(Roque Nogueira)
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(Pimentel Marcos)
[1] Diploma de que serão todos os artigos referidos sem menção expressa a outro diploma legal.
[2] Sendo que tal acta se mostra datada de 14.07.2014 – fls. 21.
[3] Datada de 14.07.2014, tal como o despacho recorrido.
[4] Apenas a si imputável, como alegado.
[5] Ultrapassado já o prazo de 3 meses.
[6] A prorrogação prevista na lei não depende de decisão do juiz, fazendo-se com o acordo escrito entre o AJP e o devedor.
[7] De 13.03.2014, P. 1904/12.3TYLSB.L1-2, rel. Desemb. Jorge Leal, in www.dgsi.pt.
[8] Embora ainda não se encontre em tal situação como resulta do despacho proferido após o despacho em que se admitiu o recurso em causa – fls. 29.
[9] Motivos de saúde do AJP.