Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30378/11.4T2SNT-C.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: LIQUIDAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO
RECTIFICAÇÃO
RECLAMAÇÃO
PRAZO
JUROS HIPOTECÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Em sede de execução de crédito hipotecário nada obsta à reclamação no requerimento inicial executivo dos juros de mora vencidos que ultrapassem o limite global temporal de três anos de juros - cfr. artº 693º, nº2, do CC ;
–  É que, relacionando-se a ratio do artº 693º, nº 2, do CC, com o princípio da especialidade ou da especificação, e que tem, precisamente, por fundamento a satisfação do interesse público da protecção de terceiros,  em última análise  a limitação do referido nº 2, do artº 693º, há-de relevar, se for caso disso, apenas e tão só em sede de “concurso de credores“, maxime no âmbito de decisão de verificação e graduação dos créditos , caso em que os juros por mais de três anos ficarão  excluídos da garantia hipotecária ;
– Em face do referido em 4.2., a fortiori vedado está ao executado, que não deduziu embargos, reclamar de pretensa violação na execução do disposto no  nº 2, do artº 693º , e ao abrigo do disposto no artº 734º, nº1, do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA
                                  
1.- Relatório                         
A  [ Banco ...,S.A,] moveu em 27/12/2011 acção executiva contra B [ José ....], C  [ Carla ...]  , D [ Sofia.... ]  e  E [ Anabela..... ] , com vista à cobrança coerciva da quantia total de 126.662,27€ [ com fundamento em títulos executivos correspondentes a mútuos concedidos em  Junho de 2004 - no exercício da sua actividade creditícia - , com hipoteca e fiança, e nos montantes de € 80.000,00 e de € 20.000,00 ].
1.2. - Prosseguindo a execução a respectiva e normal tramitação legal, veio em 10/2/2021 a executada E ( porque FIADORA ), e ao abrigo do disposto no artigo 723.º, n,º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, deduzir incidente de reclamação, de liquidação datada de 27-06-2018, para tanto aduzindo em síntese os seguintes considerandos ;
i) Relacionados com a FALTA OU INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO EXECUTIVO.
 Não podendo a interpelação autónoma do fiador ter-se como realizada com a sua citação para a acção executiva, então à executada/Fiadora E não pode ser exigido pela exequente os juros de mora peticionados no requerimento executivo, nem os juros vencidos antes da citação ;
ii) Vedado está à exequente outrossim exigir da executada/Fiadora E a cobrança de quantia reclamada a título de sobretaxa de mora no valor de 4%, porque aplica-se a mesmo à mora que ocorre em contratos em vigor e não, como neste caso, a contratos resolvidos e em liquidação;
iii) Relativamente ao VALOR RESPEITANTE A PROCESSAMENTO DA MORA, de € 4.149,60, não é ele também devido, porque não se mostra alegado qualquer facto como causa de pedir para o efeito, nem foram apresentados documentos justificativos de tal quantia, nem decorre do título executivo, sendo que é pelo título executivo que se «determinam o fim e os limites da acção executiva», nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CPC;
iv) AS DESPESAS EXTRAJUDICIAIS PETICIONADAS, no valor de € 376,49, respeitante ao primeiro contrato, e de €95,12, relativo ao segundo contrato, não são também devidas, desde logo porque não apresentado qualquer título executivo a elas respeitante;
v) Tendo a exequente, como credor e único proponente, adquirido metade da fracção pertencente a B, pelo preço de € 16.400,00 , e  ficando dispensado de depósito do preço, nos termos do artigo 815.º,n.º 1, do CPC, certo é que a referida quantia não está contemplada na liquidação de 27-06-2018, para efeitos de amortização do crédito exequendo;
vi)  NO ÂMBITO DE NEGOCIAÇÕES havidas  entre a exequente a executada, em 2019, à exequente foi entregue a quantia de € 5.000,00, através de depósito na conta de recuperação de crédito n.º 148228514, indicada pelo exequente, a qual também não está reflectida na liquidação ;
vii) Relativamente aos JUROS GARANTIDOS PELA HIPOTECA e pela exequente reclamados, e ,tendo o mesmo Exequente fixado a data da entrada em mora em 25-03-2006  e 25.08.2006 , razão porque exige os vencidos e vincendos desde 25-03-2006, certo é que o artigo 693.º do Código Civil determina no seu nº 2, que “ Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos “, logo, verificando-se que cerca de 15 anos após o início da mora, o exequente continua a liquidar juros, numa matéria onde o limite é estabelecido de forma imperativa por razões de interesse e ordem pública, então a liquidação de juros é também nula e de nenhum efeito, nos termos dos artigos 286.º e 294.º do Código Civil ;
viii) Tendo a exequente , em 26 de Junho de 2019, vendido o imóvel hipotecado para garantia do crédito a José ......, pelo preço de € 73.000,00 -  e cujas duas metades lhe foram adjudicadas pelos preços de € 16.400 e de € 30.839,52 – então  o valor que deve ser atendido e considerado como pago ao exequente é o recebido pela venda do imóvel hipotecado, € 73.000,00, uma vez que foi adquirido por um preço substancialmente inferior ao seu valor de mercado, o que prejudicou os fiadores na proporção do enriquecimento ilícito do credor/exequente, nos termos do artigo 334.º do Código Civil;
ix) A PRESENTE RECLAMAÇÃO é tempestiva, quer porque a liquidação do crédito exequendo bem como da nota discriminativa dos honorários e despesas do Agente de Execução é um ato material, que pode ser corrigido em qualquer momento, nos termos dos artigos 613.º e 614.º do CPC, sendo que as questões suscitadas, de indagação e aplicação do direito aos factos, tais como a sobretaxa, a violação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 25 de Março de 2009, n.º 7/2009, os juros garantidos pela hipoteca, o limite máximo desta, a nulidade da liquidação de juros até efectivo e integral pagamento, e o abuso de direito, são questões de conhecimento oficioso que só deixam de poder ser apreciadas e julgadas pelo juiz do processo a partir do momento em que sobre elas tenha recaído despacho judicial que já não possa ser impugnado mediante recurso ordinário; ou seja, a questão passou a estar a coberto de caso julgado.
1.3. - Pronunciando-se sobre o requerimento/RECLAMAÇÃO identificado em 1.2. veio o tribunal a quo a proferir – em 30/4/2021 - a seguinte DECISÃO ;
Através de requerimento dirigido aos autos em 10.02.2021, vem a executada E “deduzir incidente de reclamação, da liquidação datada de 27-06-2018”, alegando que a reclamação é tempestiva.
Porém, analisados os autos, verifica-se que, contrariamente ao que afirma, a agora requerente foi regularmente notificada da liquidação, nos termos previstos no art. 249.º do Código de Processo Civil, através de carta registada que lhe foi remetida em 27.06.2018.
O prazo de que a executada dispunha para reclamar da liquidação era de 10 dias, pelo que é manifesta a extemporaneidade da reclamação apresentada, apenas, em 10.02.2021.
Acresce que, muita da matéria alegada visa atacar a própria execução e não a liquidação, pelo que teria de ter sido deduzida em sede de oposição à execução, que também não foi deduzida no prazo de 20 dias após a citação, como se impunha.
E, ao contrário do que a executada defende, nenhuma da matéria alegada é de conhecimento oficioso.
Impõe-se por isso indeferir o requerido por manifesta extemporaneidade.
Termos em que, face ao exposto, atenta a sua manifesta extemporaneidade, indefiro a reclamação apresentada pela executada em 10.02.2021 contra a nota de liquidação.
Custas incidentais pela executada E, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art. 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II quedo mesmo faz parte integrante), sem prejuízo do apoio judiciário de que a executada beneficia.
Notifique.”
1.4. - Inconformada com o teor do DESPACHO identificado em 1.3., do mesmo veio [ em 20/5/2021 ] a executada E [ amparando-se nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º,n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º , 654.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, ex vi artigos 852.º e 853.º, todos do Código de Processo Civil ], interpor recurso de apelação, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1.ª Pelo presente recurso pretende-se impugnar o despacho proferido nos autos de execução em 30.05.2021, notificado à executada com a data de elaboração de 03-05-2021, e que indeferiu o incidente de reclamação, da liquidação datada de 27-06-2018, por manifesta extemporaneidade, registado no sistema com a referência 18294562.
2.ª Sendo o patrocínio judiciário obrigatório, e tendo a executada constituído mandatária em 13 de Junho de 2018, e estando a carta de notificação da liquidação datada de 27 de Junho de 2018, deveria ter sido notificada à mandatária, ao abrigo dos princípios da boa fé e da cooperação, nos termos dos artigos 7.º, 8.º e 58.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conforme os actos com as referências 12669548 e 12715293.
3.ª A omissão na liquidação das quantias recebidas pelo Exequente, o valor de ½ do imóvel hipotecado e a quantia de € 5.000,00, configura um erro de escrita ou de cálculo, na medida em que a liquidação da execução é uma operação de simples cálculo aritmético, estando, por isso, a sua rectificação sujeita ao regime previsto nos artigos 249.º do Código Civil, 146.º, 613.º e 614.º do Código de Processo Civil.
4.ª O erro em causa, deverá ser corrigido, por iniciativa da parte, ou oficiosamente, “a todo o tempo”, nos termos dos artigos 7.º, 8.º, e 614.º do CPC, conforme os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-09-2017, processo n.º 281/16.8T8CHV-AG1.S1, e de 30-06- 2020, processo n.º 5941/17.3T8CBR.C1.S1.
5.ª Pretendendo o exequente aproveitar-se de tal erro, invocando a falta de reclamação oportuna, deve o juiz ordenar a rectificação, ao abrigo dos “grandes princípios enformadores do anterior CPC, como é o caso do processo equitativo, do direito à tutela judicial efectiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma”, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-06-2015, processo n.º 3937/09.8TTLSB.L1.S1.
6.ª Além disso, se a executada paga a dívida exequenda, total ou parcialmente, mas o pagamento não é considerado na liquidação do julgado, o exequente que invoca a falta de reclamação oportuna para fazer suas as quantias recebidas, age com manifesto abuso de direito, in casu, nas modalidades de venire contra factum proprium por violação do princípio da confiança, e na modalidade do desequilíbrio, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
7.ª Acresce ainda que, a executada não foi notificada das certidões onde está registado o valor patrimonial tributário do imóvel, fixado em € 72.563,57, e cujo ½ indiviso foi adquirido pelo exequente pelo preço de € 16.400,00, contra o disposto no artigo 812.º, n.º 3, do CPC, o que pode determinar a nulidade da liquidação, nos termos do artigo 195.º, n.º 3, do CPC, consoante as referência 99236713 e 7632783.
8.ª Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos, por força do disposto nos artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil, cfr., entre muitos, os Acórdãos do STJ, de 05-11-1980, processo n.º 068914;de06-06-2000, processo n.º 00A440; de 27-06-2006, processo n.º06A1677; e de 30/11/2010, processo n.º 1254/07.7TBGDM-.P1.S1.
9.ª O limite imperativo e a proibição de “convenção em contrário” mostram que a matéria está subtraída à disponibilidade das partes por ser de interesse e ordem pública, o que significa, necessariamente, que é de conhecimento oficioso, só assim podendo ser salvaguardado o interesse subjacente, cfr., entre outros, os Acórdãos do TR de Coimbra, de 13-11-2007, processo n.º 130-D/1999-C1, e TR do Porto, de 08-09-2020, processo n.º 423/15.0T8LOU-B.P1.
10.ª Verifica-se que, decorridos 15 (quinze) anos após o início da mora, o exequente continua a liquidar juros, numa matéria onde o limite está estabelecido de forma imperativa por razões de interesse e ordem pública, e defende que lhe assiste o direito a eles «até efectivo e integral pagamento”, cfr. a referência 17979147, o que torna a liquidação de juros nula e de nenhum efeito, nos termos do artigo 294.º do Código Civil.
11.ª Ao mesmo tempo, uma tal liquidação de juros traduz-se num ostensivo desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados, na medida em que provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem do credor exequente e o sacrifício imposto à devedora, configurando uma actuação com abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
12.ª As hipotecas asseguram o montante máximo de € 127.339,60, o crédito foi cumprido parcialmente, o exequente peticionou na execução o capital em dívida no total de € 98.009,44, já realizou uma quantia superior a € 90.000, mas ainda reclama a quantia de € 148,614,99, bem como o direito aos juros até efectivo e integral pagamento, cfr. os actos com as referências 2865730, 8881120, 10849844, 109594450, 14334130, 11417854, 11417871, 14229961,11417977, 11554091, 14579101, 14711254, 14922765, 15362372,15548548, 15817013, 1673034, 16844690, 16994622, 17185897,17316775, 17453878, 17685066, 13912381, 14543765, 18793702 e18822444.
13.ª O montante máximo assegurado pela hipoteca visa proteger interesses de terceiros, e, por isso, o cálculo desse montante não poderá desrespeitar o prescrito na lei substantiva sobre a garantia hipotecária, ou seja, tal montante não resulta da vontade dos interessados mas apenas da lei, o que significa que está subtraído da disponibilidade das partes, ou que é de conhecimento oficioso, só assim podendo ser salvaguardado, como decorre do Acórdão do STJ, de 06-06-2000, Revista n.º 00A440.
14.ª Contendo o n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil uma norma imperativa, de interesse e ordem pública, que deve ser apreciada oficiosamente pelos tribunais, tal significa que o montante máximo assegurado pela hipoteca é de conhecimento oficioso, quer por ter subjacentes as mesmas razões de interesse e ordem pública quer porque, permitindo-se que entre pela janela o que está proibido de entrar pela porta, frustrar-se-iam os objectivos da norma.
15.ª Destarte, por força da aplicação do disposto no artigo 693.º do Código Civil, a executada apenas responde pelo capital inicial, pelos juros referidos e demais garantis discriminadas no registo da hipoteca, até ao limite do montante máximo garantido por esta, enão por qualquer outro valor, independentemente do tempo decorrido para cobrança judicial do crédito, conforme o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-06-2000, processo 00A440, entre outros.
16.ª Além disso, no crédito também garantido por hipoteca, reclamado pela UCI, foram peticionados juros de mora vincendos até integral pagamento, o qual não foram impugnados, mas o crédito foi graduado nos seguintes termos: “1.º Os créditos hipotecários, pela ordem da prioridade dos registos (nesta parte apenas quanto à fracção I), até ao valor máximo fixado no registo da(s) hipoteca(s), e juros relativos ao período de três anos;” Cfr. as referências Citius 113767585 e 116728890.
17.ª Daqui decorre uma desigualdade de tratamento inadmissível, quer entre os executados quer em relação aos exequentes e credores reclamantes, em clara violação da garantia do princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei, mas também, um primado do ato do agente de execução sobre a decisão judicial, o que viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
18.ª Considerando o limite imperativo de juros estabelecido no artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil e a diligência que se espera do credor, tendo este aguardado seis anos para instaurar a execução, onde peticiona uma dívida de capital de € 98,009,44 e recorre a diligências dilatórias e ilegais para prolongar a sua pendência, dessa forma, vindo a liquidar mais de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), a título de juros de mora, age com manifesto abuso de direito, o que decorre dos actos com as referências citius 3451000, 4068095,4069657, 4069794, 4650975, 4652441, 46552542, 4653108,25989880, 26142472, 7632783, 8027491, 586034, 1756454,2438814, 89582969, 4629835, 4781283, 5764874, 99236977,7001055, 8881120, 8958176, 10045847, 10047521, 10300219108760079, 1746563 e 1882244.
19.ª Considerando o longo catálogo de actos processuais ocorridos após a liquidação de 27-06-2018 (11-02-2017), designadamente as penhoras dos vencimentos e dos imóveis, a citação do credor hipotecário, a decisão de venda, a sentença que reconheceu o crédito reclamado, a liquidação de 27-02-2019 e as novas diligências de identificação de bens penhoráveis a liquidação em questão é anómala e sem provisão legal, o que se infere dos actos com as referências11417854, 1981765, 12421166, 12421287, 12668181, 12668194,12668200, 13340034, 13340178, 1340240, 116728890, 14220825,14220847, 14220852 e 17298955.
20.ª A lei não permite ao Agente de Execução efectuar a liquidação do julgado quando bem entender e as vezes que entender, subvertendo os trâmites processuais e no exclusivo interesse do exequente, nomeadamente para realizar a capitalização de juros, de cada vez, passando os juros vincendos a incidir sobre um capital que engloba os juros já liquidados, violando o disposto no artigo 560.º, n.º 1, do C.Civil, e permitindo ao exequente eximir-se ao princípio da preclusão.
21.ª A liquidação do julgado antes de o executado exercer o direito de oposição à penhora, e bem assim de ser notificado da decisão de venda, de poder impugná-la, e antes de poder suscitar perante o juiz “outras questões”, e da graduação dos créditos reclamados, nos termos dos artigos 784.º, 785.º, 812.º e 723.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, viola o princípio do contraditório, em que se integra a proibição de indefesa, e o direito de acesso aos tribunais, bem como o princípio do direito à tutela judicial efectiva, nos termos dos artigos 20.º, n.º 1,2012.º e 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
22.ª A apreciação do abuso de direito pode fazer-se oficiosamente, por estar em causa um princípio de interesse e ordem pública, conforme, entre outro, os Acórdãos do STJ, de 10-09-1979, Revista n.º  067976 ; de 25-11-1999, Revista n.º 99B602 ; de 12-11-2013, processo n.º1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 ; e 12-07-2018, processo n.º 2069/14.1T8PRT.P1.S1;  e o Acórdão do TR de Guimarães, de 28-02-2019, proces n.º 248015/09.2YIPRT.G1.
23.ª Incidindo a decisão do Agente de Execução sobre matéria de interesse e ordem pública, de conhecimento oficioso, a falta de reclamação oportuna não determinada a consolidação definitiva da mesma, por força da limitação imposta ao princípio da preclusão no artigo 573.º, n.º 2, in fine do CPC, conforme os Acórdãos do STJ, de12-07-2018, processo n.º 2069/14.1T8PRT.P1.S1, e do TR de Lisboa, de 29-09-2020, processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7.
24.ª As questões de conhecimento oficioso só deixam de poder ser apreciadas pelo juiz do processo a partir do momento em que sobre elas tenha recaído despacho judicial, e não tendo sido julgadas, podem ser invocadas, ex novo, mesmo na fase de recurso, nos termos dos artigos nos artigos 5.º, n.º 3, e 608.º, n.º 2, in fine, do CPC.
25.ª Pelo exposto, salvo o devido respeito, a decisão impugnada violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 334.º e 693.ºdo Código Civil, 573.º, n.º 2, e 723.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC.
NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, REQUER QUE SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, COM A CONSEQUENTE REVOGAÇÃO DO DESPACHO IMPUGNADO.
1.5.- Dos autos não decorre que tenha a exequente apresentado contra-alegações.
*
Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes  :
I  - Aferir se decisão apelada se impõe ser revogada, porque para todos os efeitos a reclamação da apelante foi deduzida tempestivamente ;
II – Aferir se, ainda que extemporânea, obrigado estava o Tribunal a quo em apreciar/conhecer das várias questões suscitadas pela apelante na sua reclamação, porque de conhecimento oficioso e a ter lugar a todo o tempo, máxime as referentes à ;
a) Omissão na liquidação das quantias recebidas pelo Exequente [o valor de ½ do imóvel hipotecado e a quantia de € 5.000,00 ], porque configuram ambas um erro de escrita ou de cálculo, na medida em que a liquidação da execução é uma operação de simples cálculo aritmético, estando, por isso, a sua rectificação sujeita ao regime previsto nos artigos 249.º do Código Civil, 146.º, 613.º e 614.º do Código de Processo Civil;
b) Nulidade da liquidação por omissão de notificação da executada das certidões onde está registado o valor patrimonial tributário do imóvel, fixado em € 72.563,57, e cujo ½ indiviso foi adquirido pelo exequente pelo preço de € 16.400,00;
c)  Questão dos juros contabilizados em excesso, pois que o seu limite imperativo e a proibição de “convenção em contrário ”mostra que a matéria está subtraída à disponibilidade das partes por ser de interesse e ordem pública, o que significa, necessariamente, que é de conhecimento oficioso;
d) O montante máximo assegurado pela hipoteca visa proteger interesses de terceiros, e , por isso, o valor máximo daquela e que é de € 127.339,60, não pode ser ultrapassado, questão esta que é também de conhecimento oficioso ;
e) Incidindo a decisão do Agente de Execução sobre matéria de interesse e ordem pública, de conhecimento oficioso, a falta de reclamação oportuna não determina a consolidação definitiva da mesma, por força da limitação imposta ao princípio da preclusão no artigo 573.º, n.º 2, in fine do CPC ;
*
2.- Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da  apelação pela embargada interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, sendo a mesma também pela seguinte [ que decorre do expediente junto ao autos de execução ];
2.1. - A executada E, aos 23/2/2012, foi citada para querendo e no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução , o que não fez ;
2.2. – A executada E,por carta registada e datada de 8/8/2012, foi  notificada da penhora realizada na execução e para, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 863-B do Código Processo Civil, (C.P.C.) , deduzir oposição, querendo, no prazo de DEZ DIAS, o que não fez  ;
2.3. – Em 27-06-2018, ABIGAIL ......,Agente de Execução elaborou Nota Discriminativa referente ao Processo 30378/11.4T2SNT , a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra – Juízo, Execução - Juiz 3, com o seguinte TEOR :

NOTA DISCRIMINATIVA
Juízo Secção Processo 30378/11.4T2SNT
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo Execução - Juiz 3
N/ Refª 3858-11B
Exequente: Banco Comercial Português, S.A.
Mandatário: Dr. Luís ....... .
Executado(s) E e Outros
Valor da Acção: 126.662,27 €
Data de início: 13-12-2011
Data Final: 02-11-2017
Valores Recebidos: 33.016,21 €
Adjudicação do Imóvel: 30.839,52 € 02-11-17
Produto da Execução: 0,00 €
Provisões/Adiantamentos: 2.176,69 €
Relativa ao(s) Executado(s) valor
Quantia exequenda 126.662,27 €
Taxa de Justiça 76,50 €
Juros Civis
Juros à taxa de 6,7520% sobre o 1º capital 78.434,47 €
13-12-2011 a 02-11-2017 31.209,51 €
Juros à taxa de 7,2520% sobre o 2º capital 19.574,97
€ 13-12-2011 a 02-11-2017 8.365,78 €
Juros Compulsórios 0% 0,00 €
Imposto de Selo 4% 1.583,01 €
Despesas que integram custas de parte 204,00 €
Honorários do Agente de Execução 2.026,69 €
Sub-total 170.127,76 €
Adjudicação do Imóvel 30.839,52 €
Recebimentos 0,00 €
TOTAL 139.288,24 €
Relativa ao Exequente
Quantia exequenda 126.662,27 €
Taxa de Justiça 76,50 €
Juros Civis
Juros à taxa de 6,7520% sobre o 1º capital 78.434,47 € 13-12-2011 02-11-2017 31.209,51 €
Juros à taxa de 7,2520% sobre o 2º capital 19.574,97 € 13-12-2011 02-11-2017 8.365,78 €
Juros Compulsórios 0% 0,00 €
Imposto de Selo 4% 1.583,01 €
Despesas que integram custas de parte 204,00 €
Adiantamentos/Provisões 2.026,69 €
Sub-total 170.127,76 €
Adjudicação do Imóvel 30.839,52 €
Pagamentos efectuados ao exequente 0,00 €
TOTAL 139.288,24 €
RESUMO DA CONTA
Saldo a Favor do Exequente 139.288,24 €
Saldo a Favor do(s) Executado(s) - 139.288,24 €
Honorários do Solicitador 2.026,69 €
Juros Compulsórios 0,00 €
Honorários e Despesas do Agente de Execução
Portaria 331-B/2009 de 30 de Março
Juízo Secção 0 Processo 30378/11.4T2SNT Unidade de Conta 102,00 €
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo Execução -
Juiz 3
Exequente: A.
Executado(s) E e Outros
Valor da execução 126.662,27 € N/Refª 3858-11B
Fase 1
QTD / DESCRIÇÃO DO ACTO Valor
1 1. Despesas e honorários de todos os actos praticados nesta fase 80,00€
2. Citações prévias a pedido do exequente VER ponto 4
Fase 2 e 3
3. Penhora
Até 5 horas 0,00 €
Por cada hora + 0,00 €
Até 5 horas 0,00 €
Por cada hora + 0,00 €
3.1 Penhora Efectiva em diligência externa ( Com citação executado em simultâneo) 0,00 €
3.1 Penhora Efectiva em diligência externa (Com citação executado em simultâneo) 0,00 €
3.2 Penhora efectiva em diligência externa (sem citação do executado) 0,00€
3.2 Penhora efectiva em diligência externa (sem citação do executado) 0,00 €
3.3 Por cada penhora frustrada em diligência externa relativa a bens móveis não sujeitos a registo 0,00 €
1 3.4 Por cada bem efectivamente penhorado (inclui registos necessários) 25,50€
1 3.5 Por cada imposição de selos de penhora 25,50€
3.6 Por cada acto de redução de penhora 0,00 €
3.7 Por cada Procedimento de pagamento que implique adjudicação, consignação ou a entrega de bens penhorados, incluindo designadamente títulos de transmissão 0,00 €
1 3.8 Por cada procedimento de pagamento, sob a forma de venda de bens penhorados, incluindo designadamente publicações, notificações a preferentes e arrematantes, afixação de editais, abertura das propostas e títulos de transmissão (excepto venda por negociação particular) 102,00 €
3.9 Por cada procedimento de pagamento sob a forma de venda por
negociação particular, incluindo designadamente publicações, notificações a preferentes afixação de editais e títulos de transmissão Venda de bens Valor da Venda 0,00 €
3.10 a) Cancelamento de Penhora realizada por meios electrónicos ou por outros meios – 1 bem 0,00 €
3.10 b) Cancelamento de Penhora realizada por meios electrónicos ou por outros meios - + do que 1 bem 0,00 €
4. Citações e notificações sob a forma de citação
1 4.1 a) Por cada citando, quando a citação for efectuada por via postal, efectiva1 20,40 €
6 4.1 b) Por cada citando, quando a citação for efectuada por via postal, frustrada 61,20 €
4.1 c) Por cada citando, nos termos do art. 833º-B, nº 4 e 7 do CPC 0,00 €
4 4.1 d) Por cada notificação pós-penhora de executado 81,60 €
4.1 e) Por cada notificação , nos termos do art. 833º-B, nº 4 e 7 do CPC 0,00 €
4.2 a) Por cada citando, quando a citação for efectuada por contacto pessoal, efectiva 0,00 €
1 4.2 b) Por cada citando, quando a citação for efectuada por contacto pessoal, frustrada 25,50 €
4.3 Por cada citando, quando a citação for efectuada por edital electrónico (inclui afixação de editais 0,00 €
4.4 Por cada citando, quando a citação for efectuada por via electrónica 0,00 €
4.5. a) Citação do cônjuge 0,00 €
10 4.5 b) Citação de credor público ou privado 51,00 €
4.5 c) Citação de instituições de crédito, sociedade financeira 0,00 €
4.5 d) Citação de terceiros 0,00 €
5. Notificações e comunicações
5.1 Notificação à Entidade patronal (Penhora/Suspensão/Cancelamento) 0,00 €
5.2Notificação à Entidade Bancária (Penhora/transferência/Cancelamento 0,00 €
5.3 Notificação para Penhora de Créditos/Cancelamento 0,00 €
1 5.4 Notificação à Conservatória para penhora de imóvel/Cancelamento 25,50 €
5.5 Notificação à Conservatória para penhora de veículo/Cancelamento 0,00 €
5.6 Notificação à Conservatória para penhora de quota/cancelamento 0,00 €
5.7 Notificação para penhora de renda/cancelamento 0,00 €
5.8 Notificação às partes da redução de Penhora 0,00 €
5.9 Notificação às partes da suspensão da instância 0,00 €
7 5.10 Notificação para se pronunciar quanto à modalidade da venda 35,70€
14 5.11 Notificação da decisão da modalidade da venda 71,40€
7 5.12 Notificação da data da venda 35,70 €
5.13 Notificação ao encarregado de venda 0,00 €
1 5.14 Notificação de nota discriminativa 5,10 €
7 5.15 Notificação nos termos do art. 919º do CPC7 35,70 €
5.16 Notificação do art. 833º B, nº 3 do CPC 0,00 €
5.17 Notificação 241º do CPC 0,00 €
7 5.18 Notificação do Auto de Abertura de Propostas 35,70 €
4 5.19 Outras notificações 20,40 €
6. OUTROS ACTOS
1 6.1 Liquidar os créditos dos credores 153,00 €
6.2 Deslocações 0,00 €
Execuções de entrega de coisa certa e prestação de facto
7. Entrega de coisa certa (por coisa ou conjunto de coisas) incluindo todos os actos acessórios à realização da entrega 0,00 €
8. Prestação de facto (por facto ou conjunto de factos), incluindo todos os actos acessórios à realização da prestação de facto 0,00 €
Total de honorários de actos 870,50 €
DESCRIÇÃO VALOR
TOTAL DE HONORÁRIOS DE ACTOS 870,50 €
Remuneração adicional (art. 20) Valor recuperado ou garantido 30.839,52 €.
Selos de Autenticação 2,00€
Expedição de correio 37,37€
Expediente 120,00€
SUBTOTAL 1.363,17 €
Adiantamento de Honorários 1.676,69 € (valor do adiantamento sem IVA) - 1.363,16 €
Total de honorários e despesas (sem IVA) 0,00 €
IVA 23% 0,00 €
Total de honorários e despesas (com IVA) A 0,00 €
Emolumentos e despesas não Sujeitas a IVA 350,00 €
Adiantamentos de emolumentos e despesas não sujeitas a IVA -350,00€
Saldo das despesas B 0,00 €
Honorários que saíram precípuos das quantias penhoradas (artº 455º do
Código do Processo Civil) C 0,00 €
Total a Pagar ao Agente de Execução A+B+C 0,00 €.
_______________________________________________________
2.4 – A executada  E foi notificada da liquidação identificada em 2.3., através de carta registada que lhe foi remetida em 27.06.2018 [ facto inserto da decisão recorrida ] ;
2.5. -  A executada  E juntou aos autos em 4/7/2018 [ Refª 29625914 ] procuração datada de 13/6/2018, conferindo poderes forenses à Drª Carla G… ;
2.6. – Do requerimento inicial da execução consta o seguinte :
1ª - Em 2 de Junho de 2004, no exercício da sua actividade creditícia, o A., celebrou com o B e C  e ainda com os Executados D e E, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, no montante de €. 80.000,00 (...)”
2.º - Em 2 de Junho de 2004, no exercício da sua actividade creditícia, o A., celebrou com celebrou com o B e C  e ainda com os Executados D e E, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, no montante de €. 20.000,00 (Vinte mil euros)...”
3º Os contratos acima identificados encontram-se garantidos com duas hipotecas constituídas sobre a fracção autónoma designada pela letra "C" correspondente ao rés-do-chão, habitação com arrecadação na cave com o n.º …, do prédio urbano localizado na Rua Cidade de Recife, n.º ..., S. marcos, Cacém, freguesia de S. marcos, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... .
4º As hipotecas encontram-se registadas sob as Aps. 20/20040520 e 21/20040520 conforme cópia de certidão predial que se junta como Documento n.º 3 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
5º Ficou convencionado que cada empréstimo seria amortizado em 480 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, a primeira das quais com vencimento a 25 de Julho de 2004 e as restantes com vencimento em igual dia dos meses subsequentes (....).
6º Sucede porém que, apesar de instados para os respectivos pagamentos, os Executados deixaram de pagar as prestações devidas ao Banco Mutuante a 25.03.2006  e  25.08.2006;
7º O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida – Cfr. Artigos 781.º e 817.º do Código Civil;
8º Na data do incumprimento dos contratos identificados como documento n.º 1 e documento n.º 2 a taxa de juro contratual era de 2,7520%  e de 3,2520, taxas às quais acresce a sobretaxa de mora no valor de 4%.
9º Pelo que, à data de 12 de Dezembro de 2011, o valor em dívida relativo ao mencionado contrato de mútuo com hipoteca e fiança e saldo devedor é no valor de €. 126.662,57 (...), que diz respeito às seguintes quantias:
Documento n.º 1:
 Capital em dívida                        € 78.434,47
- Juros de mora                            € 18.965,98
- Despesas                                         € 376,49
- Processamento de mora               € 4.149,60
  O que perfaz o total de             € 101.926,54
 Documento n.º 2:
Capital em dívida                         € 19.574,97
- Juros de mora                              € 4.871,06
- Imposto de Selo                               € 194,85
- Despesas                                           € 95,15
O que perfaz o total de                 € 24.736,03
10º Ao valor total dos mútuos acrescem os juros de mora vincendos desde 13 de Dezembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis;
(...)
12º Termos em que, pretende a Exequente haver dos Executados, o valor em dívida, no montante global de €.126.662,57 (Cento e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos, calculado à data de 12 de Dezembro de 2011, a que acrescem os juros de mora vincendos desde 13 de Dezembro de 2011 até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida relativamente ao contrato supra identificado, bem como o imposto de selo sobre esses juros, nos termos legais aplicáveis, com a consequente condenação dos Executados nas custas da execução.
2.7. – Aos  02 de Novembro de 2017, pelas 14:00 horas , no 3º Juízo de Execução de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste , e no âmbito de DILIGÊNCIA DE ABERTURA DE PROPOSTAS, uma vez feitas as diligências no sentido de averiguar se deu entrada alguma proposta apresentada, verificou-se não terem sido apresentadas propostas relativamente a 1/2 pertencente à executada C sobre da fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente ao rés-do-chão C, habitação, arrecadação na cave com o n.° ..., sita na Rua Cidade de Recife, n.° …, freguesia de São Marcos, concelho de Sintra, descrita na Conservatória de Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.° … "C" e inscrita na respectiva matriz sob o artigo n.° … "C", sendo que actualmente pertence à União das freguesias do Cacém e São Marcos, pela melhor oferta acima de 85 % do valor base de venda no valor de 36.281,79 Euros, que é o montante de 30.839,52;
2.8 -  No seguimento do referido em 2.7., foi de seguida pela Exmª Juiz que à diligência presidia, proferido o seguinte DESPACHO :
 Face à ausência de propostas e atendendo ao teor do requerimento de adjudicação do bem imóvel penhorado nos presentes autos apresentado pelo Exequente A no montante 30.839,52 €, declara-se o mesmo aceite, ficando dispensado do depósito do preço, de harmonia com o disposto no n.° 1 do artigo 815.° do CPC e ainda do pagamento do IMT de harmonia com o n.° 1 do art.° 8.° do CIMT.
Porém, não fica dispensado do depósito dos créditos reclamados e graduados, das custas e despesas prováveis do processo.
Após o comprovativo do pagamento do Imposto de Selo devido pela Transmissão, far-se-á a adjudicação do imóvel ”;
2.9. - Do registo predial inerente à fracção autónoma designada pela letra "C" correspondente ao rés-do-chão, habitação com arrecadação na cave com o n.º 16, do prédio urbano localizado na Rua Cidade de Recife, n.º ..., S. marcos, Cacém, freguesia de S. marcos, concelho de Sintra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º 261 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo, constam as seguintes inscrições relevantes:
C2 - Ap. 20/20040520 - HIPOTECA VOLUNTÁRIA – provisória por natureza – al. i , do n.º 1 e al. b) do nº 2 do art º 92 - a favor do A - Praça D. João 1, 28, Porto - garantia de empréstimo - valor; capital - 80 000,00 Eur. juro anual 3,59% acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal; despesas ; 3 200,00 Eur. Montante máximo ; 101 416,00 Eur;
C3 – Ap.21/20040520 - HIPOTECA VOLUNTÁRIA - provisória por natureza- al, i) do nº 1 e al.b) do nº 2 do artº 92 - a favor do A - garantia de empréstimo - valor; capital- 20.000,00 Eur. juro anual 4,21% acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal; despesas; 997,60 Eur. Montante máximo: 25.923,60 Eur;
C3 - Ap.23/20040813 Av.01 juro anual de 4,0% , acrescido de 4,0% no caso de  mora» a título de cláusula penal. Montante máximo; 25.851,60 Eur.. CONVERSÃO.;
2.10 - Da escritura de COMPRA E VENDA, MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA , de 2/6/2004, e referente ao empréstimo de 80 000,00€, identificado em 2.9, consta que D, e E, como QUARTAS OUTORGANTES, “ solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia, bem como ao benefício do prazo, previsto no artigo 782° do Código Civil, sendo-lhes, por isso, imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes deste empréstimo, sempre que o banco o possa exigir dos mutuários”;
2.11 - Da escritura de COMPRA E VENDA, MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA, de 2/6/2004, e referente ao empréstimo de 20 000,00€, identificado em 2.9, consta que D, e E, como TERCEIRAS OUTORGANTES, “ solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia, bem como ao benefício do prazo, previsto no artigo 782° do Código Civil, sendo-lhes, por isso, imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes deste empréstimo, sempre que o banco o possa exigir dos mutuários”;
***
3.- Motivação de Direito
3.1. - Se decisão apelada se impõe ser revogada, porque para todos os efeitos a reclamação da apelante foi deduzida tempestivamente.
Discorda a apelante/executada E da decisão proferida pelo tribunal a quo a 30/4/2021  [ identificada e transcrita em 1.3. ] e no tocante à considerada extemporaneidade da reclamação, e no pressuposto de que porque notificada da liquidação elaborada pela Agente de Execução  através de carta registada que lhe foi remetida em 27.06.2018, certo é que apenas da mesma vem reclamar a 10.02.2021- ou seja, muito para além do prazo legal de 10 dias .
Não tendo a apelante impugnado [ questão que das conclusões recursórias não faz parte, daquelas não constando – nos termos do artº 640º, do CPC – que impugna a recorrente a considerada/decidida  notificação da executada da liquidação através de carta registada que lhe foi remetida em 27.06.2018 ]  a sua notificação e, tendo presente o disposto no artº 149º,nºs 1 e 2 do CPC e, bem assim, o disposto no artº 46º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto [  “Qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria” ] , pacífico nos prece que a decisão apelada, nesta parte, não merece qualquer crítica.
Por outra banda, tendo presente a factualidade inserta em 2.5. [  A executada E juntou aos autos em 4/7/2018  procuração datada de 13/6/2018, conferindo poderes forenses à Drª Carla G… ], o certo é que a junção de procuração forense  a processo judicial apenas pode ter como efeito a constituição de mandatário para os termos subsequentes do processado, com a obrigação de a secretaria e os demais intervenientes processuais notificarem os mandatários de qualquer acto ou despacho subsequente àquela junção - cfr. artºs 247º e 249º, ambos do CPC.
É que, existindo previsão legal expressa relativamente a tal matéria, não há que chamar à colação – para efeitos de obrigatoriedade de notificação do mandatário da parte em relação a actos praticados nos autos em momento anterior à junção da procuração  – os princípios da cooperação e/ou o dever de boa–fé processual ( artºs 7º e 8º, do CPC ), os quais de resto se mostram-se de todo inadequados  para suportar a pretensão da apelante.
Por último, e na linha da ratio subjacente aos artºs 189º, 197º e 199º, nº1, todos do CPC e, tendo a executada E atravessado nos autos em 4/7/2018  uma procuração forense, sendo que, nos 10 dias subsequentes não vem ao processo arguir a pretensa  omissão de notificação da liquidação, então tal comportamento omissivo não pode deixar de equivaler também a uma manifestação tácita que justifica presumir que a executada prescindiu conscientemente de arguir qualquer omissão de acto que a lei prescreve, ou seja, a sua efectiva notificação da liquidação elaborada pela  Agente de Execução não pode ser discutida.
É que, o executado ao intervir no processo através do respectivo mandatário, juntando a procuração, tem ele , ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição de qualquer falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se. (1)
Em suma, a decisão apelada não é credora de qualquer reparo no tocante à decisão do Primeiro Grau ao considerar a reclamação de liquidação como extemporânea.
*
3.2 - Omissão na liquidação das quantias recebidas pelo Exequente [o valor de ½ do imóvel hipotecado e a quantia de € 5.000,00 ], porque configuram ambas um erro de escrita ou de cálculo, na medida em que a liquidação da execução é uma operação de simples cálculo aritmético, estando, por isso, a sua rectificação sujeita ao regime previsto nos artigos 249.º do Código Civil, 146.º, 613.º e 614.º do Código de Processo Civil.
Vem a apelante aduzir que, ainda que extemporânea a reclamação da liquidação da sua responsabilidade operada pela Agente de Execução a 27-06-2018, certo é que a omissão na aludida liquidação das quantias recebidas pelo Exequente, designadamente o valor de ½ do imóvel hipotecado ( de € 16.400,00)  e a quantia de € 5.000,00 ( quantia entregue à exequente durante as negociações havidas em 2019 ),  configura um erro de escrita ou de cálculo, na medida em que a liquidação da execução é uma operação de simples cálculo aritmético, estando, por isso, a sua rectificação sujeita ao regime previsto nos artigos 249.º do Código Civil, 146.º, 613.º e 614.º do Código de Processo Civil.
Logo, nos termos do artº 614º, do CPC, justificava-se que o tribunal a quo tivesse ordenado a devida rectificação da aludida liquidação, porque licita a todo o tempo e que a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do tribunal.
Apreciando.
Diz-nos o artº 719º,nº2, do CPC, que “Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis”.
Também o artº 719º do mesmo diploma legal, nos seus  nºs 1 e 2, dispõe , respectivamente, que “ Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.” E que “ Mesmo após a extinção da instância, o agente de execução deve assegurar a realização dos actos emergentes do processo que careçam da sua intervenção”.
No seguimento do referido, pacífico é que incumbe ao agente de execução proceder no âmbito de instância coerciva à prática do acto de  liquidação da responsabilidade do executado, o qual é notificado ao executado ( artº 847º,nº3, do CPC ) , sendo que, padecendo ele de vício subsumível à previsão do artº 614º, do CPC , nada obsta a que  seja objecto de rectificação a requerimento ( v.g. em sede de reclamação a que alude o artº 723º,nº1, alínea c), do CPC ) do executado e a todo o tempo ( cfr. artº 613º, nº3 e 614º, do CPC ),  
Ademais, como bem se concluiu em Ac. de 11-07-2019 proferido por este mesmo Tribunal da Relação (2), “Em princípio, o acto de liquidação da responsabilidade do executado, efectuado pelo agente de execução na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que é devido, incluindo as custas.
Isto dito, reza o artº 614º, nº1, do CPC, sob a epígrafe de “ Rectificação de erros materiais “ que “ Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
Perante o disposto no aludido artº 614º, nº1, do CPC, manifesto é que para que à parte seja “lícito” socorrer-se do incidente de rectificação [ tout court ] de acto de liquidação de Agente de Execução, exigível é que na realidade se esteja perante um erro material [ cfr epígrafe do artº 614º, do CPC],  ou seja, quando [ como bem alerta José Alberto dos Reis (3) ] se escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor do “despacho” não coincide com o que se tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
Ademais, chama ainda à atenção José Alberto dos Reis (4) para as palavras “lapso manifesto” ( as quais integram ainda a parte final do actual nº1, do artº 614º, do CPC ), frisando que apelam as mesmas para que, em face das circunstâncias, exigível é que seja manifesto e claro que foi o autor do acto vítima de um erro material, ou seja , “ é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever....”
Em conclusão, no erro material existe uma divergência, clara e ostensiva, entre a vontade real do decisor e o que veio a ser exarado no texto, tratando-se de erro que ( cfr. artigo 249.° do Código Civil) se revela e ou evidencia do próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
Postas estas breves considerações , e incidindo agora a nossa atenção sobre o conteúdo do acto/liquidação que consta do item de facto nº 2.3. da motivação de facto, ostensivo e manifesto nos parece que não se vislumbra  que nele exista um qualquer erro de cálculo e/ou inexactidão que  seja devido a mero lapso manifesto, logo susceptível de rectificação.
Desde logo, porque relativamente  à quantia de € 5.000,00 , quantia alegadamente entregue à exequente durante as negociações havidas em 2019 , certo é que do referido acto de liquidação não poderia constar, desde logo porque de acto se trata que é de 27-06-2018, e ademais tem ele por objecto o processado até   02-11-2017.
Já relativamente ao valor de ½ do imóvel hipotecado ( de € 16.400,00)  certo é que de quantia se trata que em lugar algum da liquidação é referida – desde logo porque prima facie relacionado com acto que não teve lugar nos autos de execução nº 30378/11.4T2SNT-C.L1 – e, consequentemente, a existir, não se revela e ou evidencia do próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, o que afasta a aplicabilidade do artº 614º, do CPC para efeitos de rectificação.
Destarte, e sem necessidade de mais considerações, também ao abrigo do disposto no artº 614º, do CPC, não podia a reclamação da apelante ter sido deferida nesta parte, e isto sem prejuízo de, a todo o tempo, o executado juntar aos autos documento comprovativo da adjudicação, pagamento ou qualquer outro título extintivo que obrigue a uma reformulação da liquidação da responsabilidade da executada/reclamante ( cf. artº 846º,nº1 e 5, do CPC.
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3.3. - Da Nulidade da liquidação por omissão de notificação da executada das certidões onde está registado o valor patrimonial tributário do imóvel, fixado em € 72.563,57, e cujo ½ indiviso foi adquirido pelo exequente pelo preço de € 16.400,00.
A amparar a revogação da decisão apelada, invoca também a recorrente que enquanto executada não foi notificada das certidões onde está registado o valor patrimonial tributário do imóvel, fixado em € 72.563,57, e cujo ½ indiviso foi adquirido pelo exequente pelo preço de € 16.400,00, o que viola  o disposto no artigo 812.º, n.º 3, do CPC,  e , consequentemente pode determinar a nulidade da liquidação, nos termos do artigo 195.º, n.º 3, do CPC.
Em rigor, vem a apelante enxertar na instância recursória que desencadeou a arguição ( ainda que “timidamente ) de uma NULIDADE processual praticada em sede de tramitação da instância coerciva, vício adjecto que para todos os efeitos não arguiu/invocou directamente junto do Tribunal a quo,maxime no âmbito do seu requerimento de 10/2/2021 [ Refª ].
É que, não obstante e en passant ter aflorado tal matéria no artº 63º do seu requerimento de 10/2/2021 não retira da mesma quaisquer consequências legais, maxime não invoca/argui expressis verbis junto do tribunal a quo qualquer NULIDADE, impetrando a sua reparação.
O que dizer ?.
Ora, como é entendimento pacífico, quer na doutrina (5), quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores (6), e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não tinham sido, nem o tinham que ser ( porque não suscitadas pelas partes ), objecto da decisão recorrida .
É que, como bem refere o STJ (7)“(…) sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido ( matéria não anteriormente alegada ) ou formulação de pedidos diferentes ( não antes formulados ), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido ( confirmando-as, revogando-as ou anulando-as ) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC ).”
Dito de uma outra forma, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [ o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida ], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida ( no momento e lugar adequado ) à apreciação do tribunal  a quo ( nova, portanto ).
Concluindo, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem pois como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo  modelo adoptado o da reponderação, que  não o de reexame (8).
Postas estas breves considerações, e como vimos supra, constata-se que a apelante, apesar de considerar que a montante da decisão apelada foram cometidas nulidades processuais, maxime relacionadas com a omissão de actos/formalidades cuja prática estava vedada ao tribunal a quo, certo é que não as suscitou/reclamou assertivamente junto da primeira instância, antes só agora as vem arguir ( qual arguição/reclamação per saltum ) junto do tribunal ad quem e já em sede de instância recursória de apelação.
Ora, ao enveredar pela referida estratégia como forma de erradicar eventuais nulidades processuais pretensamente cometidas em sede de tramitação dos autos em primeira instância, e não tendo junto do tribunal a quo do respectivo cometimento reclamado, ao fim ao cabo coloca a apelante ao tribunal ad quem uma questão nova, maxime porque não submetida à apreciação do tribunal da primeira instância ,  e  , portanto, que por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão/despacho.
De resto, e a terem-se cometido v.g. efectivas nulidade decorrentes da omissão de acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, estar-se-ia sempre perante uma nulidade secundária (9) de conhecimento não oficioso, estando a mesma dependente de arguição da parte interessada ( cfr. artigo 197º,nº1, in fine do  CPC), razão porque se impunha que tivesse sido ela arguida [ pois que não está a mesma - a nulidade - coberta por um despacho judicial, caso em que o meio adequado de reacção seria então a imediata interposição de recurso do mesmo despacho  (10) ] perante o tribunal a quo ( que in casu não foi ) e, após, do despacho que a apreciasse/decidisse, negando-a, então sim justificava-se [ caso não seja de aplicar a nova regra da irrecorribilidade a que alude o artº 630º,nº2, do CPC ] interposição do competente recurso de apelação .
É que, em causa está a conhecida doutrina tradicional corporizada na velha máxima “dos despachos recorre-se; das nulidades reclama-se”. (11)
Ao assim não agir/diligenciar , não apenas impede a recorrente que o próprio tribunal a quo, ao conhecer da reclamação de vício de nulidade que só agora aduz directamente junto do ad quem, a pudesse reparar,  como , ademais, e por via oblíqua/indirecta, age ainda de forma a suprimir um grau de jurisdição.
Em conclusão, em razão de tudo o supra exposto e, porque como vimos já (12), o nosso sistema de recursos inclina-se para a solução que defende que o objecto do recurso é a decisão recorrida, e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, impondo-se tão só ao tribunal ad quem apreciar se é ela aquela que “ex lege” devia ter sido proferida, e , não constando da presente instância recursória o referido objecto [ que em rigor não o é a decisão de 17/4/2015, pois que nesta não se apreciou/conheceu de quaisquer irregularidades/nulidades processuais , desde logo porque não arguidas (13) ], tudo conjugado, tal conduz necessariamente à improcedência in totum da conclusão recursória da apelante dirigida para pretensos vícios adjectivos cometidos em sede de tramitação da acção executiva.
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3.4. - Da questão dos juros contabilizados na liquidação reclamada.
Vem a apelante insurgir-se contra a liquidação que da decisão apelada é objecto e no tocante aos montantes na mesma inseridos/contabilizados em sede de juros vencidos, para tanto aduzindo designadamente e em síntese que : a) obrigada estava a Agente de execução a contabilizar apenas os juros relativos a três anos, por força do disposto nos artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil ; b) Decorridos 15 (quinze) anos após o início da mora, continuam a liquidar-se juros «até efectivo e integral pagamento, e numa matéria onde o limite está estabelecido de forma imperativa por razões de interesse e ordem pública, o que torna a liquidação de juros nula ; c) Assegurando as hipotecas o montante máximo de €127.339,60, e estando o crédito exequendo cumprido parcialmente, certo é que o exequente peticionou na execução o capital em dívida no total de € 98.009,44, já realizou uma quantia superior a € 90.000, mas ainda reclama a quantia de € 148,614,99, bem como o direito aos juros até efectivo e integral pagamento; d) Considerando o limite imperativo de juros estabelecido no artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil e a diligência que se espera do credor, tendo este aguardado seis anos para instaurar a execução, onde peticiona uma dívida de capital de € 98,009,44 e recorre a diligências dilatórias e ilegais para prolongar a sua pendência, dessa forma, vindo a liquidar mais de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), a título de juros de mora, age em rigor o exequente com manifesto abuso de direito.
Neste conspecto, e tendo presente o teor do requerimento executivo reproduzido no item de facto nº 2.6., vemos que os juros vencidos, os vincendos [ desde 13 de Dezembro de 2011 até efectivo e integral pagamento], e as taxas de juro aplicáveis, mostram-se ab initio  explicitados/reclamados na petição inicial, sendo que, para todos os efeitos, não deduziu a ora apelante a competente OPOSIÇÃO mediante embargos – nos termos do artº 728º, do CPC.
Relativamente a tal “omissão”, diz a apelante que, porque em rigor incide a decisão do Agente de Execução – na referida parte - sobre matéria de interesse e ordem pública, e de conhecimento oficioso, então a falta de reclamação oportuna não determina a consolidação definitiva da mesma, por força da limitação imposta ao princípio da preclusão no artigo 573.º, n.º 2, in fine do CPC, logo, podia e devia o Primeiro grau da mesma ter conhecido.
Quid juris ?
Pacífico é que confrontado o executado com uma execução que lhe é movida , e porque como decorre do disposto no artº 10º, nº5, do Código de Processo Civil, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva“, ou seja , a acção executiva exige e supõe sempre um título executivo, isto é, um título com força legal e suficiente para servir da base à execução (14), então o meio específico que a lei adjectiva lhe faculta para à execução se opor é a oposição por embargos - artº 728º, do CPC.
A referida OPOSIÇÃO, constituindo do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do titulo executivo e(ou) da acção que nele se baseia (15), e , não se baseando a execução em sentença, pode nos embargos o executado alegar além dos fundamentos de oposição a uma sentença, também quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artº 731º, do CPC.
Porém, porque em rigor a dedução da oposição à execução não equivale a uma contestação duma acção executiva, mas antes uma petição duma acção declarativa, já a respectiva apresentação não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios a cargo do réu na acção declarativa,  mas – e como adverte Lebre de Freitas (16) – “ na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo.
Ainda assim, e ainda seguindo Lebre de Freitas, também a não observância do ónus de excepcionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas ainda assim sem prejuízo de o executado a poder invocar em outro processo.
Uma outra característica particular da acção executiva – explicada pelo facto de envolver a normal e típica tramitação do processo executivo, não propriamente a declaração ou reconhecimento dos direitos, mas a consumação de uma subsequente agressão patrimonial aos bens do executado (17) – é a que se relaciona com o poder/dever de o juiz, logo liminarmente, controlar a regularidade da instância executiva, máxime aferindo da observância , ou não, dos limites legais do pedido  deduzido em conformidade com o titulo executivo, e isto porque o nº 3, do artº 726º, do CPC, é expresso em dizer que “É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados”.
Em face do referido, pacifico é que pouco sentido faz sustentar-se a impossibilidade do conhecimento oficioso da ilegalidade parcial do pedido formulado em acção executiva, sob pena de, a tal se entender, se violar frontalmente o pensamento do legislador, através da apreensão judicial de bens do executado, em valor ou quantidades superiores às necessárias à satisfação do efectivo, e não do alegado, crédito do exequente. (18)
E, o referido controlo, e sendo manifesta a insuficiência do título para os suportar, pode assim incidir precisamente sobre a parcela da quantia exequenda reclamada a título de juros, vencidos e vincendos, e respectivas taxas aplicáveis, máxime à luz do artº 726º, nº 2, alínea a), e nº 3, do CPC, porque consagra ele a admissibilidade do indeferimento liminar do requerimento executivo quanto à parte do pedido que exceder os limites constantes do título executivo, e também porque, como vimos já supra, é através do conteúdo do referido título, que constitui o pressuposto da acção executiva, que se determinam os limites desta ( art. 10.º,nº5, do CPC).
Interligada com a questão que vimos apreciando, mostra-se também a possibilidade que o artº 734º, nº1, do CPC, confere ao juiz titular da acção coerciva de, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados,  poder conhecer oficiosamente, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Ou seja, ultrapassada a fase do Despacho Liminar e, bem assim, precludido também o direito de o executado deduzir oposição à execução [ podendo na referida oposição suscitar v.g. questões com as dos juros “excessivos” reclamados, quer em razão das taxas aplicáveis, quer no tocante ao período da sua contabilização ], nada obsta a que o tribunal, oficiosamente [ e a fortiori a requerimento do executado ], venha conhecer de questões que poderiam ter determinado a montante o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo.
Tal possibilidade do conhecimento oficioso superveniente dos fundamentos de indeferimento liminar foi introduzida, recorda-se, no processo de execução logo pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, diploma que no seu preâmbulo vem justifica-la dizendo tratar-se de solução “que decorre da inexistência de uma específica fase de saneamento no processo executivo, visando reduzir ou limitar substancialmente o efeito preclusivo emergente simultaneamente do não conhecimento de certa questão pelo juiz, em sede liminar, e da não dedução de embargos pelo executado, quando o processo revele que é irremediavelmente irregular a instância executiva ou manifestamente inexistente a obrigação exequenda”.
Explicitando a aludida questão, é de resto LEBRE DE FREITAS (19)  bastante assertivo em dizer que “ Da articulação do art. 726-2-c com o art. 734 resulta que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento de execução com algum dos fundamentos referidos; mas resulta também que, não o tendo feito, deverá rejeitar ulteriormente a execução, extinguindo-a, quando se aperceba da situação, ainda que em virtude de embargos de executado deduzidos com outro fundamento ou quando o processo lhe seja concluso por outro motivo, até ao primeiro acto de transmissão de bens.”
Ainda LEBRE DE FREITAS [ mas agora  em “A Acção Executiva , Depois da reforma da reforma” (20) ],vem clarificar que, passado o momento do despacho liminar, é ainda possível ao juiz vir a conhecer , até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados ( venda, adjudicação, entrega de dinheiro) ou, por extensão, de consignação dos respectivos rendimentos, de qualquer das questões que, nos termos do artº 812º-E ,nºs 1 a 4, podiam ter conduzido ao convite ao aperfeiçoamento ou ao indeferimento liminar do requerimento executivo ( artº 820º)”.
Sobre a questão, também este Tribunal e Seção do Tribunal da Relação de Lisboa, teve já a oportunidade de se pronunciar, o que fez no seu Acórdão de 28-04-2016 (21), e no qual veio a concluir que :
“Numa acção executiva o despacho liminar de citação não implica uma aceitação definitiva da validade e suficiência do título executivo, que pode ser reavaliado ao longo do processo.
- A preclusão do seu conhecimento não ocorre perante a ausência da dedução de embargos de executado.
- A leitura conjugada da al. a) do n.º 2 do art.º 726º com o art.º 734º, ambos do Código de Processo Civil, permite constatar que o limite traçado pelo legislador para o conhecimento da falta de título executivo é o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, e não o início da fase de venda, porque só então se coloca a questão da protecção do adquirente de boa-fé”.
Aqui chegados, e descendo ao concreto, vem a apelante/executada E e em 10/2/2021, e ao abrigo do disposto no artigo 723.º, n,º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, deduzir incidente de reclamação de liquidação datada de 27-06-2018, para tanto invocando no essencial que incorre a referida liquidação em manifesta violação do disposto no artº 693º, nº2, do CC, normativo este que é expresso em dispor [ sob a epígrafe de “Acessórios do crédito“ ] que “tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange e, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a Três anos“ .
Mais aduz a apelante que, o referido normativo, consubstancia uma  norma de ordem e interesse público, revestindo, assim, carácter imperativo, podendo por isso ser invocada por qualquer legítimo interessado e devendo ser oficiosamente aplicada pelo tribunal, logo vedado estava ao tribunal a quo desconsiderá-la sob a pretexto de a reclamação deduzida ser extemporânea.
Adiantando desde já o nosso veredicto, é nossa convicção que a liquidação pela apelante visada não apenas não incorre em violação do disposto no artº 693º,nº 2, do CC, como, ademais, e a fortiori, impedida estava a reclamante de com base em tal putativa violação socorrer-se sequer do dispositivo do nº1, do artº 734º, do CPC, o qual reza que  “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
Na verdade, a propósito do disposto no artº 693º, nº2, do CC [ o qual reza, como sabemos já, que “tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange e, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a Três anos“ ], e sendo pacífico que de norma se trata que tem carácter imperativo, podendo por isso ser invocada por qualquer legítimo interessado e devendo ser oficiosamente aplicada pelo tribunal (22), o certo é que emana a mesmado princípio da especialidade ou da especificação, e que tem, precisamente, por fundamento a satisfação do interesse público da protecção de terceiros e da segurança no comércio jurídico dos bens  (23) ].
Ou seja, como bem salienta RUI PINTO (24), estando em causa uma garantia real como a HIPOTECA, e sempre que tal garantia real transcende as relações entre devedor e credor - seja por haver outros credores (ou potenciais credores) do titular do bem dado em garantia seja por esse titular não ser o devedor - há interesse em que outros sujeitos jurídicos, além do credor e do devedor, conheçam o limite do valor garantido, razão porque de norma se trata que surge enquanto regra que determina, mormente quanto à hipoteca esse limite (e a inscrição do mesmo no registo).
A ratio do artº 693º, do CC, é assim, no entender de RUI PINTO, o de proteger as expectativas de terceiros quanto ao valor máximo abrangido pela garantia e estimular a diligência do credor sem, contudo, o forçar a agir logo que se verifique o incumprimento.
Na sequência do referido, nada obsta assim que, no requerimento inicial executivo, reclame o exequente os juros vencidos e vincendos desde o início do incumprimento e até à data da propositura da acção coerciva, e isto ainda que ultrapassem eles mais do que os relativos a três anos, não obrigando tal circunstância à imediata intervenção correctiva do julgador nos termos do artº 726º, nº3, do CPC.
Explicando o exacto alcance do artº 693º,nº2, do CC, diz-se v.g. em Acórdão do STJ de 27-06-2006 (25) , que  ;
Assim, quanto a juros, há que atender ao prescrito no n.º 2, do citado art.º 693.º: a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os juros relativos a três anos.
Alterou-se o princípio, que era duvidoso, do art.º 900.º do Código Civil de 1867, não obstante a alteração introduzida pelo decreto n.º 19126, de 16 de Dezembro de 1930.
O facto da hipoteca só abranger os juros dos últimos três anos, não obsta a que se registe nova hipoteca em relação aos juros vencidos ( art.º 693.º, n.º 3), nem que se executem juros por mais de três anos, estando, porém estes, excluídos da garantia hipotecária.
Além disso, se os juros tiverem sido capitalizados, não se lhes aplica a restrição do art.º 693.º”.
Também Pires de Lima e Antunes Varela (26), e a propósito da indicação rígida dos jutos de três anos, comentam que tem a mesma,” sem concretização dos períodos a que respeitam, a vantagem de afastar muitas dúvidas que se suscitam noutros países, como, por exemplo, a de saber se estão garantidos por hipoteca os juros vencidos durante a execução, e terá ainda a vantagem de estimular, para além de certo limite, a diligência do credor exequente. Também a proibição de convenção em contrário mostra que é no interesse de terceiros que se estabelece a limitação do n.º 2; os juros poderiam cumular-se sem conhecimento destes.”
Em última análise, portanto, a limitação do nº 2, do artº 693º, do CC, há-de relevar, se for caso disso, apenas e tão só em sede de “concurso de credores“, maxime no âmbito de decisão de verificação e graduação dos créditos – artºs 788º a 791º, do CPC.
Em face do acabado de expor, e não integrando a questão dos JUROS hipotecários matéria susceptível de ter determinado a prolação pelo julgador de despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, então não podia sequer a mesma – a fortiori - ter sido suscitada pela apelante no momento em que o foi  e ao abrigo do disposto no artº 734º,nº1, do CPC, e sabendo-se ademais que o requerimento – aquele em que suscita a questão do excesso dos juros pela exequente reclamados e pela agente de Execução contabilizados na sua liquidação de 27-06-2018 - da  executada E  é outrossim atravessado nos autos já em 10/2/2021 [ vide item de facto nº 1.2 ], ou seja, muito tempo depois da decisão de adjudicação à exequente do Direito penhorado nos autos [ vide itens de facto nºs 2.7. e 2.8 ].
Aqui chegados, inevitável se mostra assim a improcedência da apelação interposta por E e no tocante à questão da putativa violação pelo Primeiro Grau do disposto no nº2, do artº 693º, do CC.
Igual desfecho tem igualmente a questão alusiva à invocada ultrapassagem dos montantes máximos assegurados pela hipoteca e registados na CRP, quer porque não se verificando a mesma em face do requerimento inicial executivo [ cfr. decorre da factualidade inserta nos itens 2.6 e 2.9, ambos da motivação de facto do presente acórdão ], não podia a mesma ser suscitada ao abrigo do disposto no nº1, do artº 734º, do CPC , a que acresce que - como vimos supra  - pacifico é também que a reclamação da liquidação mostra-se extemporânea.
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3.5. - Do ABUSO DO DIREITO e, bem assim, da pretensa violação os montantes máximos assegurados pela hipoteca.
Para a apelante, a liquidação de juros efectuada pela Agente de Execução e em concretização do pela exequente reclamado na execução, traduz-se num ostensivo desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados, na medida em que provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem do credor exequente e o sacrifício imposto à devedora, configurando uma actuação com abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
Ou seja, no entender da executada E,  não apenas a violação do limite imperativo de juros estabelecido no artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil, como outrossim o facto de ter aguardado seis anos para instaurar a execução - onde peticiona uma dívida de capital de € 98,009,44 -, tudo conjugado, é revedor que a exequente age com manifesto abuso de direito, instituto este que é de apreciação oficiosa, por estar em causa um princípio de interesse e ordem pública.
APRECIANDO
É vero que o instituto do abuso do direito consubstancia questão que é de conhecimento oficioso, podendo inclusive ser conhecida apenas em sede de instância recursória, porque não suscitada em sede de tramitação dos autos na primeira instância.
Pacífico é também que o abuso do direito surge-nos como uma “válvula de escape” [ qual válvula do sistema, permitindo corrigir soluções que, de outro modo, se apresentariam contrárias a vectores elementares (27)], de conhecimento oficioso, mostrando-se contemplado no art. 334.º do CC, na concepção objectiva, rezando tal normativo que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” .
No seguimento do referido, e para que o exercício de um direito seja considerado ilegítimo, basta que seja o julgador confrontado com uma situação de facto que seja claramente demonstrativa de um excesso dos limites impostos pela boa fé, não se exigindo que da parte do titular exista a consciência de estar a agir em manifesto excesso.
Ora, no âmbito da necessária aferição do excesso, dizem-nos PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (28), que importará atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, sendo que, já no que concerne ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se fundamentalmente os juízos de valor positivamente consagrados na lei .
Em última análise, o que importa é reconhecer que concreto sujeito é efectivamente titular do direito que pretende exercer ( direito subjectivo ou mero poder legal), mas, em razão do modo/forma de o exercer, forçoso é considerar que está a exceder-se manifestamente no seu exercício, ultrapassando o limites impostos pela boa fé.
Por último e no âmbito das consequências do abuso do direito, serão elas as mais variadas, tudo dependendo do caso concreto, devendo portanto ser ajustadas às especificidades de cada caso, em suma, e no entender ainda de Pires de Lima e Antunes Varela (29), “pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, nos termos do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.”
Uma última e breve questão importa  ainda versar, relacionando-se a mesma com a modalidade do abuso do direito relacionada com o desequilíbrio do exercício das posições jurídicas [ maxime o relacionado com a desproporção entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem ], o qual constitui um tipo extenso e residual de actuações contrárias à boa-fé. (30)
Em quaisquer das suas modalidades, ensina ANTONIO MENEZES CORDEIRO (31) “podemos considerar que o titular, exercendo embora um direito formal, fá-lo em moldes que atentam contra vectores fundamentais do sistema, com relevo para a materialidade subjacente “.
Aqui chegados, e descendo ao concreto, a verdade é que não nos revela a factualidade assente , e com segurança, que ao lançar mão da acção executiva, e no âmbito da respectiva tramitação, tenha a exequente lançado mão de expedientes subsumíveis à figura do desequilíbrio do exercício das posições jurídicas  da exequente e executada.
Desde logo, porque como decorre do principio geral consagrado no artº 817º, do CC, pacifico é que não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património d devedor, sendo portanto a execução o meio comum/normal de o credor [ v.g. hipotecário] obter coactivamente a satisfação do seu direito.
E, para o fazer, e sendo o credor hipotecário possuidor de um título executivo, nos termos do art. 703º,nº 1, do CPC, não dispõe de prazo certo/curto para o fazer, podendo protelar a sua propositura, cabendo já ao executado designadamente e relativamente aos JUROS vencidos reclamados ,socorrer-se - se tal se justificar, invocando-a em sede de embargos de executado -  da excepção peremptória da PRESCRIÇÃO ( artº 310º,alímea d), do CC ).
Acresce que, executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor ( artº 752º, do CPC ), a penhora inicia-se forçosamente pelos bens sobre que incida a garantia e, já na fase da venda do bem imóvel onerado com a hipoteca, certo é que todos os proponentes ( como também o exequente, em sede de ADJUDICAÇÃO - cfr artº 799º,nº3, do CPC ) estão sujeitos ao preço mínimo da venda, razão porque o imóvel só será adjudicado ao exequente caso não surja [ como sucedeu no caso dos autos ] nenhuma proposta mais elevada, ou seja, o bem é prima facie vendido pela melhor oferta de mercado.
Ademais ,e como bem se chama à atenção em Acórdão do STJ de 26/1/2021 (32), “ Tratando-se de uma venda coerciva e forçada, não poderia ser de outra forma”, inevitável é concluir que na venda judicial não funcionam as normais regras de oferta e de procura, dizendo a experiência que é normal assistir-se à venda judicial de bens por valor bastante inferior àquele que seria conseguido fora do processo executivo.”
É verdade que, como é reconhecido por Carla Camara (33), não é de afastar a convocação da figura do “abuso do direito” – na modalidade do “venire contra factum proprium” – do exequente ao requerer o prosseguimento da execução, em processo executivo, para cobrança do remanescente, após ter adquirido a propriedade do bem hipotecado, quando se evidencia uma desconformidade entre o formal exercício de um direito processual e a materialidade subjacente do correspondente direito substantivo, designadamente, quando, de forma manifesta, o valor obtido pelo credor – e que ingressa no seu património – ao adquirir o bem em processo executivo, é superior àquele pelo qual o bem foi, na realidade, alienado naquele processo em termos de satisfazer (parcial ou integralmente a dívida exequenda) e, não obstante, ainda assim, o credor pretender o prosseguimento da execução.
Sucede que, in casu, mostra-se a execução ( a se) desprovida de elementos seguros que permitam enveredar por um tal juízo [ sendo que, por regra, a factualidade capaz de alicerçar e revelar a figura do abuso do direito de acção coerciva há-de ser alegada em articulado inicial da oposição à execução, importando que em sede embargos seja provada ] e, consequentemente, também no que concerne a esta questão, a apelação só pode improceder.
Seja como for, porque a constituição de hipoteca sobre o imóvel a adquirir por meio da quantia mutuada não pode de todo ser encarada como uma limitação da responsabilidade do mutuário incumpridor ao valor do mesmo, mas sim como um reforço do crédito do mutuante e face à garantia geral das obrigações - maxime não existe  qualquer fundamento que justifique que o risco pela desvalorização do imóvel adquirido com a quantia mutuada deva necessariamente correr por conta do mutuante (34) - , então não bastará uma situação [ de adjudicação do imóvel hipotecado à exequente e subsequente prosseguimento da execução ] como a dos presentes autos  e por si só para concluir pela ilegitimidade do exercício pela exequente do seu direito coactivo .
Tudo visto e ponderado, a apelação improcede in totum, impondo-se a confirmação do despacho apelado.
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4 – Sumariando  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) .
4.1. – Em sede de execução de crédito hipotecário nada obsta à reclamação no requerimento inicial executivo dos juros de mora vencidos que ultrapassem o limite global temporal de três anos de juros - cfr. artº 693º, nº2, do CC ;
4.2 –  É que, relacionando-se a ratio do artº 693º, nº 2, do CC, com o princípio da especialidade ou da especificação, e que tem, precisamente, por fundamento a satisfação do interesse público da protecção de terceiros,  em última análise  a limitação do referido nº 2, do artº 693º, há-de relevar, se for caso disso, apenas e tão só em sede de “concurso de credores“, maxime no âmbito de decisão de verificação e graduação dos créditos , caso em que os juros por mais de três anos ficarão  excluídos da garantia hipotecária ;
4.3 – Em face do referido em 4.2., a fortiori vedado está ao executado, que não deduziu embargos, reclamar de pretensa violação na execução do disposto no  nº 2, do artº 693º , e ao abrigo do disposto no artº 734º, nº1, do CPC.
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não se concedendo provimento à apelação de E:
5.1. -  Confirmar a decisão apelada;
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Custas pela apelante.
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(1)  Veja-se vg o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/5/2019, Proferido no Processo nº 3398/08.9TBBRG-A.G1 e disponível in www.dgsi.pt.
(2) Proferido no Processo nº 13644/12.9.YYLSB-C.L1-2 e disponível in www.dgsi.pt.
(3)  In Código de Processo Civil, Volume V, págs. 130 e segs.
(4) Ibidem, pág. 131.
(5) Cfr. designadamente o Prof. João de Castro Mendes, in " Recursos",edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e segs. ; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I , 2ª Edição, pág. 566 ; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158  ; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 e António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, pág. 103 e segs..
(6) Cfr. v.g. e de entre muitos outros: os Acs. do STJ 07.07.2009 e de  28.05.2009 ( proc. nº 160/09.5YFLSB ), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(7) In ac. citado de  28.05.2009 , proc. nº 160/09.5YFLSB  .
(8) Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ibidem .
(9) Como bem se refere no Ac. de 2/7/2009, deste mesmo tribunal da Relação de Lisboa, disponível in www.dgsi.pt “ Fora das situações enunciadas nos artigos 193º a 200º CPC, que integram as nulidades principais, dispõe o nº 1 do artigo 201º CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas).
As nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependente de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 202º CPC.
As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as apreciar é que cabe recurso.
(10) É que“dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se“, cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. II, pág. 507 e segs.
(11) Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editor, pág.. 183.
(12) Cfr. o Prof. João de Castro Mendes, ibidem.
(13) Como se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/7/2007, disponível in www.dgsi.pt “(…) se a parte não reclama da nulidade ou infracção processual no tempo oportuno, e perante o Tribunal onde é praticada, não pode, ulteriormente, em recurso, suscitar a nulidade, considerando-se esta sanada. O recurso não serve ou não é o meio próprio para conhecer da infracção às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o Tribunal onde aquela ocorreu, nos termos previstos nos arts. 202º a 205º do CPC.”
(14) Cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Cód. de Processo Civil, Vol. I, segunda edição, pág. 63 .
(15) Cfr. José Lebre de Freitas, em A Acção Executiva , Depois da reforma da reforma, 5ª Edição, Coimbra Editora, pág. 189.
(16) Ibidem, pág. 190.
(17) Vide v.g. o relatório do DL n.º 329-A/95, de 12/12.
(18) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01-03-2001, Proferido no Processo nº 0031793 e disponível in www.dgsi.pt.
(19) Em A acção Executiva, 7.ª Edição, 2017, Coimbra Editora, pág. 92.
(20) Em A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5ª Edição, Coimbra Editora, pág. 164.
(21)  Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-04-2016, Proferido no Processo nº 7262-13.1TBOER.L1-6 e disponível in www.dgsi.pt.
(22) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8-9-2020, Proferido no Processo nº 423/15.0T8LOU-B.P1e disponível in www.dgsi.pt.
(23) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2018, Proferido no Processo nº 1231/14.1TBCSC.L1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.
(24) Em Os juros cobertos pelas garantias reais, II ENCONTROS DE DIREITO CIVIL, A tutela dos credores, UNIVERSIDADE CATÓLICA EDITORA Lisboa, 2020.pág. 449.
(25) Cfr. Acórdão proferido no Processo nº 06A1677 , sendo Relator AZEVEDO RAMOS, e disponível in www.dgsi.pt.
(26) Em CC Anotado, VOLUME I, 2 dª Edição, Coimbra Editora, anotação ao artº 693º .
(27) Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, em “ Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “ In Agendo “, Almedina, 3ª Edição, pág.  119.
(28) Em CC Anotado, VOLUME I, 2 dª Edição, Coimbra Editora, anotação ao artº 334º .
(29) Ibidem, pág. 278
(30) Ibidem, pág. 118
(31) Ibidem, pág. 119
(32) Proferido no Processo nº 466/14.1TBVFX-B.L1.S1 , sendo Relator PEDRO DE LIMA GONÇALVES, e disponível in www.dgsi.pt.
(33) Em A aquisição da propriedade do bem hipotecado pelo credor e a questão da satisfação (integral ou parcial) do crédito, in Armando Marques Guedes/Maria Helena Brito/Ana Prata/Rui Pinto Duarte/Mariana França Gouveia, “Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas”, volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, págs. 769 a 773.
(34) Vide neste sentido v.g. GIL TELES DE MENESES DE MORAES CAMPILHO, em DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DIREITO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE MÚTUO PARA AQUISIÇÃO DE HABITAÇÃO E ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL HIPOTECADO POR VALOR INFERIOR AO DA DÍVIDA EXEQUENDA, UCP, 2011., e acessível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/8939/1/111229%20DISSERTA%C3%87%C3%83O%20DE%20MESTRADO%20-%20GIL%20CAMPILHO.pdf.
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Lisboa, 15/7/2021
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva