Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20167/12.4T2SNT-E.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: RESOLUÇÃO DE ACTO PREJUDICIAL À MASSA INSOLVENTE
PRAZO DE CADUCIDADE
COMPETÊNCIA DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Na jurisprudência e na doutrina domina o entendimento de que, pese embora a epígrafe do art.º 123.º do CIRE se referir à “prescrição do direito”, o seu n.º 1 consagra um autêntico prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução.

II – De acordo o art.º 123.º do CIRE a resolução de acto prejudicial à massa insolvente é da competência do administrador da insolvência, e pode ser realizada por carta registada com aviso de recepção, devidamente fundamentada, dentro dos seis meses seguintes ao conhecimento do acto e dos pressupostos que fundamentam a resolução, mas nunca depois de completados dois anos sobre a data da declaração de insolvência (n.º 1).

III – A faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo n.º 2 do art.º 123.º do CIRE, pressupõe, cumulativamente: (a) que o contrato não esteja, na perspectiva das partes, jurídico-economicamente cumprido, isto é, que seja de execução duradoura ou continuada; (b) que a resolução do mesmo seja judicialmente invocada pelo réu, por via de excepção, atento o pedido formulado pelo autor.

IV – Não preenche o primeiro requisito a celebração de contrato de compra e venda, independentemente do cumprimento, ou não, da obrigação de pagamento do preço por parte do adquirente.

V - E também não preenche o segundo requisito enunciado, a pretensão resolutiva manifestada na contestação de acção de impugnação da resolução ou nela impetrada a título reconvencional, pois a resolução assim impetrada não podia ser considerada como uma defesa por via de excepção, na medida em que a acção consolida a impugnação do acto.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I - RELATÓRIO:

1. T..., intentou, em 06/06/2016, acção de impugnação de resolução contra Massa Insolvente …, peticionando que seja declarada ineficaz a resolução em benefício da Massa Insolvente efectuada pelo Senhor. Administrador de Insolvência, concretizada por carta registada com A/R, datada de 22 de Abril de 2016, relativa ao contrato de compra e venda de várias fracções, por escritura pública celebrada em 14/01/2011 entre o impugnante e a insolvente.
Como fundamento da sua pretensão, invocou, como questão prévia, a caducidade do direito de resolução do negócio, além de excepcionar a ineficácia da comunicação de resolução da compra e venda, por ausência de fundamentação, e a inexistência dos pressupostos para a resolução do referido contrato em benefício da Massa Insolvente.
No mais, alegou que o contrato de compra e venda foi celebrado de boa-fé, tendo sido pago o preço, liquidez que foi efectivamente realizada e no interesse económico-financeiro da insolvente e que foi utilizada no pagamento de dívidas desta ao Estado e de salários de trabalhadores entre outros.
2. Citada, a Massa Insolvente apresentou contestação, alegando, em substância, que a resolução se fundamentou na circunstância de não estar cumprido o negócio de compra e venda (no n.º 2 do art.º 123.º do CIRE) venda celebrado entre o Impugnante e a sociedade insolvente, por falta de pagamento do preço das fracções autónomas (€ 67.400,00), sendo, por isso, falso que com esse negócio tivesse havido alguma entrada de capital para a tesouraria da sociedade insolvente que lhe tivesse permitido pagar algum tipo de dívidas e que a má-fé do Impugnante se presume, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 4, in fine e n.º 5, alíneas a), b) e c), do CIRE. Mais alegou que os créditos reclamados pelos trabalhadores da Insolvente encontravam-se vendidos à data do término dos seus contratos de trabalho, sob a gerência de facto da mãe do Impugnante, IS…, e de AJ…, que do negócio resolvido resultaram, única e exclusivamente, benefícios para o Impugnante, em face da disposição de bens da Insolvente em seu proveito, e com manifesto prejuízo para os credores.
Termos em que pugnou pela improcedência da Impugnação, na sua totalidade, e consequente reconhecimento da validade e eficácia da resolução contratual declarada pela Massa Insolvente ao Impugnante.
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3. A audiência prévia realizou-se em 20/11/2017 (ref.ª Citius 109969901), na qual foram enunciados os seguintes temas da prova:
«1º - Se o Autor conhecia a situação de insolvência iminente da sociedade P…, Lda.;
2º - Da efectiva entrega do preço acordado no contrato de compra e venda dos imóveis;
3º - Da manutenção da gerência de facto por parte de IS… e de AJ… em data posterior à venda ao contrato de compra e venda em referência».
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4. Em 12/03/2018 (ref.ª Citius 112001701), foi realizada a audiência final, com observância das formalidades legais.

5. Posteriormente, em 17/05/2018 (ref.ª Citius 113168030), foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, «ineficaz a declaração de resolução emitida pelo Sr. Administrador, datada de 22.04.2016, comunicando a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a insolvente, celebrado no dia 14 de Janeiro de 2011, mediante outorga de escritura pública de compra e venda, a sociedade insolvente das fracções a seguir identificadas:
- Fracções autónomas abaixo identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Praceta … a, pelo preço global de EUR. 67 400,00:
- Fracção autónoma, individualizada pela letra B, que constitui a cave esquerda atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1853 de 2010/06/29, sendo de EUR. 15 839,37 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 15 900,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra C, que constitui a cave direita atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1 de 1986/07/23, sendo de EUR. 31 678,73 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 31 700,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra D, que constitui rés-do-chão esquerdo, letra A – atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1834 de 2010/06/29, sendo de EUR. 19 799,21 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 19 800,00».
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6. Inconformada, a Ré Massa Insolvente recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou as seguintes Conclusões:
«A. A douta sentença proferida nos autos julgou a Acção procedente, reconhecendo razão ao Autor relativamente à excepção de caducidade invocada como questão prévia, pelo que não conheceu do mérito da resolução em benefício de massa insolvente.
B. A Massa Insolvente, aqui Recorrente, fundamentou a resolução no n.º 2 do artigo 123º do CIRE, ou seja, na circunstância de não estar cumprido o negócio de compra e venda celebrado entre o Impugnante e a Sociedade Insolvente, uma vez que não tinha sido paga à Sociedade nenhuma quantia em contrapartida da transmissão das fracções, permanecendo por cumprir a obrigação do agora Recorrido, o pagamento do preço.
C. Na douta sentença considerou-se que essa previsão do n.º 2 do artigo 123º “enquanto... o negócio não estiver cumprido” se reporta aos contratos de execução continuada ou duradoura, defendendo-se que em tal previsão não caberia o contrato de compra e venda, e que o não pagamento do preço nestes contratos é um circunstancialismo posterior à completude do negócio.
D. Com todo o respeito, consideramos que essa interpretação não está correcta, apoiando-nos no facto de que o n.º 2 do artigo 123º do CIRE tem uma redacção praticamente idêntica à do nº 2 do artigo 287º do Código Civil (CC), e tendo em conta o que a jurisprudência tem considerado a esse propósito.
E. Nomeadamente no Ac. STJ de 2/11/2010, in Col. STJ, III, p.158 ss, e também disponível em www.dgsi.pt, Alves Velho, Proc. 6473/06.0TBALM.L1.S1, considerou-se que “o prazo de caducidade do artigo 917.º do C. Civil se aplica, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização. Mas, aplicável o regime do art. 917º, não pode esquecer-se a ressalva, com remissão para o n.º 2 do art. 287º. E aí se dispõe que enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.”
F. Esclarecendo-se no mesmo douto Ac STJ “O contrato de compra e venda considera-se não cumprido se a coisa ainda não foi entregue e/ou o preço ainda não foi pago (art. 879º C. Civil).
G. Considerando-se nesse douto Ac. STJ “Ora, se o prazo curto de caducidade para o exercício dos direitos decorrentes da garantia se justifica pela necessidade de evitar, no interesse do vendedor e do comércio jurídico em geral, incertezas sobre o destino do contrato e dificuldades de prova de vícios da prestação (coisa entregue) efectuada, bem se compreenderá que, não estando o negócio cumprido, não concorram expectativas da outra parte (vendedor) a proteger pelo decurso do tempo e prazo curto, designadamente, as relativas à certeza do destino do contrato cujas prestações não foram executadas.
H. As considerações expostas naquele douto Acórdão do STJ de 2/11/2010 fazem todo o sentido quando aplicadas ao caso dos presentes autos.
I. Conforme resulta da matéria dada como provada e não provada, e da douta Motivação da Matéria de Facto, o Autor não pagou o preço do contrato de compra e venda das fracções autónomas em causa nos autos.
J. Não houve dúvida, na douta sentença proferida, de que o preço não tinha sido pago.
K. Houve assim uma incorreta interpretação e aplicação pelo Tribunal a quo do disposto no art.º 879º C. Civil, pois deveria ter considerado que a falta de pagamento do preço fazia com que fosse considerado não cumprido o contrato de compra e venda celebrado, conforme Ac. STJ cit. supra.
L. Aplicando o raciocínio defendido no douto Ac. STJ cit., de 2/11/2010, será de considerar que, não estando o negócio cumprido, não concorrem expectativas da outra parte (neste caso do comprador) a proteger pelo decurso do tempo e prazo curto, designadamente as relativas à certeza do destino do contrato cujo preço não foi pago, até porque decorre da matéria provada e não provada, e da douta fundamentação, que o Autor/Recorrido foi alheio ao negócio.
M. A falta de pagamento do preço levava a que se tivesse de considerar dessa forma preenchido o primeiro requisito para aplicação do n.º 2 do artigo 123º do CIRE invocado na douta sentença “o negócio resolvendo não estar ainda cumprido”, o que determinaria que essa norma fosse aplicável aos presentes autos, conforme decorre da analogia com a interpretação dada ao n.º 2 do artigo 287º, do CC pelo Ac. do STJ cit. supra, pelo que a douta sentença proferida terá, com todo o respeito, incorrido em erro de interpretação, ao considerar que não era aplicável aquele nº 2 do artigo 123º “pela falta do primeiro pressuposto sobredito”.
N. Quanto ao segundo requisito apontado na douta sentença para aplicação do nº 2 do artigo 123º do CIRE, “a resolução ser efectuada por via de excepção”, que não chegou a ser analisado, tal requisito foi igualmente cumprido, pois o invocante, neste caso a Massa Insolvente, tinha a qualidade de Ré na ação, tendo a invocação sido feita na contestação.
O. Pelo que, no caso dos presentes autos, ao contrário da interpretação vertida na douta sentença, estavam assim preenchidos os dois pressupostos exigidos pelo nº 2 do cit. artigo 123º do CIRE.
P. Deverá assim ser alterada a douta decisão proferida, considerando-se que estão preenchidos os pressupostos para aplicação do nº 2 do art.º 123º do CIRE, estando dessa forma afastada a caducidade do direito do Administrador de Insolvência proceder à resolução do contrato.
Q. E deverá em consequência ser analisado o mérito da Acção.
R. Quanto ao mérito da Acção, ficou demonstrado o fundamento da resolução, uma vez que se provou que o Autor/Recorrido não pagou o preço relativo às fracções autónomas objecto da escritura de compra e venda em causa, celebrada em 2011, pelo que a Acção deverá ser julgada improcedente.
Termos em que deverá ser alterada a douta decisão proferida, devendo ser considerado não cumprido o contrato de compra e venda em causa nos autos, por não pagamento do preço, Daí decorrendo que não ocorreu caducidade do direito de resolução, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 123º do CIRE, Devendo, em consequência, ser conhecido o mérito da resolução operada, Assim se fazendo JUSTIÇA».

7. Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A RESOLVER:
Em face do disposto nos artigos 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/09/2007 (proc. n.º 07B2113) e de 08/11/2007 (proc. n.º 07B3586), consultáveis em www.dgsi.pt.
Assim, as questões essenciais a resolver são as seguintes:
Questão prévia: Da excepção de caducidade do direito de resolução;
- Na improcedência da referida excepção: Saber se estavam ou não reunidos os pressupostos que habilitavam o Tribunal a quo a conceder procedência à presente acção de impugnação da resolução em benefício da Massa Insolvente.

III - FUNDAMENTAÇÃO:
A) Fundamentação de facto:
Da 1.ª instância vêm provados e não provados os seguintes factos:
A.1) Factos provados
«1. No dia 10.08.2012 teve início o processo de insolvência da P…, Lda., dando origem aos presentes autos (apensos) que corre os seus termos neste Tribunal.
2. Por decisão de 18.04.2013, foi declarada a insolvência de P…,Lda., tendo sido nomeado como administrador da insolvência o Exmº Senhor M…
3. Por carta datada de 22.04.2016, registada com aviso de recepção, o Administrador da Insolvência dirigiu ao autor uma carta de resolução do contrato, com o seguinte teor:
“M…, administrador da insolvência no processo supra mencionado,
Vem comunicar a V.a Ex.a que teve conhecimento que no dia 14 de Janeiro de 2011, mediante outorga de escritura pública de compra e venda, a sociedade insolvente transmitiu a V.ª Ex.ª as fracções a seguir identificadas:
- Fracções autónomas abaixo identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal,…, onde se mostram registados, o regime da propriedade horizontal pela AP. 52 de 1983/05/16, inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo … da Freguesia da Falagueira, pelo preço global de EUR. 67 400,00:
- Fracção autónoma, individualizada pela letra B, que constitui a cave esquerda atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1853 de 2010/06/29, sendo de EUR. 15 839,37 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 15 900,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra C, que constitui a cave direita atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1 de 1986/07/23, sendo de EUR. 31 678,73 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 31 700,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra D, que constitui rés-do-chão esquerdo, letra A – atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1834 de 2010/06/29, sendo de EUR. 19 799,21 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 19 800,00;
SUCEDE QUE,
1 – O acto praticado pela sociedade agora insolvente frustra a satisfação dos credores da insolvência, designadamente pelas circunstâncias que se seguem.
2 - Em primeiro lugar porque fez operar a passagem de propriedade daquelas fracções para a vossa esfera jurídica, sem que V.a Ex.a tenha realizado ou oferecido até esta data a realização simultânea da sua contraprestação.
3 – Ou seja, a falta de cumprimento por parte de V.ª Ex.ª ocorre desde a data de outorga da escritura pública de compra e venda celebrada em 14 de Janeiro de 2011.
Vejamos,
4 – Não pode o administrador da insolvência aceitar como suficiente o único documento apresentado (cópia da escritura pública de compra e venda) e nem V.ª Ex.ª apresentou documento comprovativo do alegado pagamento do montante de EUR. 67 400,00 que permita fundamentar a realização da aludida escritura pública.
5 – Pelo que, e desde já, se invoca, por maioria de razão, a excepção do não cumprimento, porquanto V.ª Ex.ª não cumpriu, porque não quer, a obrigação que lhe competente, ou seja, o pagamento do preço.
6 – Permanecendo, até à data, a falta integral do cumprimento da sua contraprestação.
7 – E, qualquer homem médio comum concluirá existir, na situação supra apontada, um claro desequilíbrio entre as prestações de cada uma das partes.
8 – Porquanto ficou a massa insolvente diminuída, pela subtracção do seu património das fracções identificadas, sem a devida contrapartida, uma vez que não foi pago à devedora qualquer quantia, permanecendo por cumprir a vossa obrigação, ou seja, o pagamento do preço (EUR. 67 400,00).
9 – Resultando, única e exclusivamente, benefícios para V.a Ex.a, em face da disposição de bens da insolvente em vosso proveito.
10 – E com manifesto prejuízo para a satisfação dos credores da insolvência, uma vez que pelas obrigações da devedora devem responder todos os seus bens e é através destes que deverão os seus credores pagar-se.
11 – Ora, sendo o património garantia geral das suas obrigações, afigura-se de ingente importância a sua manutenção na titularidade da devedora.
12 – Isto posto, a excepção do não cumprimento que agora se invoca não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema dos contratos bilaterais.
13 – Ou seja, por força do sinalagma funcional, não se pode aceitar a execução de uma das prestações sem que a outra também o seja.
14 – Pelo que, se resolve o acto praticado pela devedora a favor de V.ª Ex.ª em face da falta de realização simultânea da vossa contraprestação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123º, n.º 2 do CIRE.
Sem conceder,
15 – Atento a factualidade descrita, também neste caso se presume, nos termos do disposto no artigo 120º, n.º 4 in fine e n.º 5 al. a), b) e c) do CIRE, a vossa má-fé, presunção essa que também se invoca para os devidos efeitos legais.
16 – Assim, prevê o primeiro preceito legal que a má-fé se presume “quanto a actos (…) em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data”.
17 – Ora, não desconhece o administrador da insolvência que V.ª Ex.ª é filho de I.S.…, naquela data sócia e gerente da sociedade insolvente.
18 - Significa isto que, pela particular natureza dos vínculos mantidos com a sociedade devedora e pela proximidade que dela tinha, não podia V.a Ex.a desconhecer que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente.
19 – Acresce que, a má-fé consiste no conhecimento, à data do acto, de que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente, do carácter prejudicial do acto e ainda do início do processo de insolvência.
20 – Deste modo, considerando a data em que se realizou a referida escritura pública de compra e venda e o início do processo de insolvência, não podia V.a Ex.a desconhecer, como conhecia, o carácter prejudicial do acto praticado.
21 – Não sendo razoável que V.ª Ex.ª não tivesse pago, até à data, o valor acordado pelas partes para a compra das fracções.
22 – Isto posto, considerando que na apreciação e aplicação da exceptio se deve ter em devida conta o princípio da boa-fé (impondo-se a regra de adequação e proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção), afigura-se que a gravidade da falta da vossa contraprestação é significativa.
23 – Pelo presente, pretende-se tutelar interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificando outros interesses menores, por via da resolução em benefício da massa insolvente do acto que precede a situação de insolvência da sociedade.
24 – A finalidade é, pois, a da reintegração daqueles bens imóveis no património da insolvente para efeito de satisfação dos direitos de todos os credores.
PELO EXPOSTO,
25 – Verificados e demonstrados os requisitos legais que a lei faz depender a resolução de actos em benefício da massa serve a presente para:
- Notificar V.a Ex.a de que, nos termos do artigo 120º, n.os 1, 2, 3, 4 e 5 e artigo 123º, n.º 2, todos do CIRE, se resolve o acto praticado (escritura pública de compra e venda celebrada em 14-01-2011), cujos objectos são as fracções acima identificados;
- Em face da resolução a que se procede e que opera com a recepção da presente carta registada, deverá V.a Ex.a restituir à MASSA INSOLVENTE o património da insolvente, com o respeito devido pelos direitos de todos os credores.”
4. No dia 14 de Janeiro de 2011, mediante outorga de escritura pública de compra e venda, a sociedade insolvente transmitiu ao aqui autor as fracções a seguir identificadas:
- Fracções autónomas abaixo identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, … onde se mostram registados, o regime da propriedade horizontal pela AP. 52 de 1983/05/16, …, pelo preço global de EUR. 67 400,00:
- Fracção autónoma, individualizada pela letra B, que constitui a cave esquerda atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1853 de 2010/06/29, sendo de EUR. 15 839,37 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 15 900,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra C, que constitui a cave direita atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1 de 1986/07/23, sendo de EUR. 31 678,73 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 31 700,00;
- Fracção autónoma, individualizada pela letra D, que constitui rés-do-chão esquerdo, letra A – atelier, encontrando-se registada a aquisição a seu favor pela AP. 1834 de 2010/06/29, sendo de EUR. 19 799,21 o valor patrimonial da designada fracção, pelo preço de EUR. 19 800,00;
5. A sociedade insolvente P… , Lda. teve como sócios e gerentes: I… e A... até 30.12.2011, data em que estes renunciaram ao cargo de gerentes, respectivamente;
6. Em 24.02.2012 foi registada a transmissão da totalidade das quotas da P… , Lda, por parte de I… e de A… para a Transportes …, Lda.
7. O autor é filho da sócia gerente I… e L… , casados entre si.
8. Em 17.01.2011, a sócia gerente Ilda …, transferiu para a conta da P… , Lda. a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
9. Em 21.01.2011, L… , transferiu para a conta da P…, Lda. a quantia de €17.400,00 (dezassete mil e quatrocentos euros)».
A.2) Factos não provados:
«a. O autor pagou o preço relativo ao contrato de compra e venda celebrado em 14 de Janeiro de 201».*

B) FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. O processo de insolvência é um processo de execução universal e concursal - artigo 1º do CIRE - visando, primordialmente, a liquidação do património do devedor em benefício credores que serão pagos à custa da liquidação da massa insolvente que, nos termos do artigo 46º, nº1, do CIRE, se destina “à satisfação dos credores da insolvência”.
Porque na iminência da falência podem ser praticados actos que redundem em prejuízo dos credores, a lei insolvencial confere ao administrador da insolvência o direito de os resolver em benefício da massa insolvente, logo em benefício da generalidade dos credores que devem ser tratados igualmente.
Segundo Gravato Morais, inResolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 47: “Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prima substancial, atendendo naturalmente à inexistência de vícios que os afectem…Do que se trata aqui é de, em razão de interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”.
A resolução, em benefício da massa insolvente, pode ser condicional, como no caso vertente – art.º 120º do CIRE ou incondicional, nos casos taxativamente previstos no art.º 121.º do mesmo diploma.
O artigo 120º do CIRE, na redacção aplicável, que é a dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, estabelece:
“1. Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2. Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3. Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prove em contrario, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos dora dos prazos aí contemplados.
4. Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5. Entende-se por má-fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontra em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontra à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
                (…)».
Por sua vez, o artigo 123º do CIRE dispõe:
“1. A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção.”
No n.º 1 do artigo 120º do CIRE vem identificado o objecto da resolução (condicional) em benefício da massa insolvente: actos prejudiciais à massa insolvente. No seu n.º 2, o legislador refere que “se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”.
O legislador adoptou uma formulação genérica e indeterminada do conceito de actos prejudiciais no n.º 1 do artigo 120º do CIRE, não enunciando à partida os concretos actos que deveriam ser sujeitos a resolução em benefício da massa mas optando por uma cláusula geral ou por um conceito-tipo no seu n.º 2.
Por conseguinte, poderá ser objecto de resolução em benefício da massa “todo o tipo de cenários susceptíveis de causar «prejuízo» e, portanto, todos os actos que possam estar incluídos no âmbito do n.º 2 do artigo 120º., sito é, que possam diminuir, frustrar, dificultar, pôr em perigo ou retardar a satisfação dos créditos dos credores da insolvência.
O pressuposto temporal é igualmente decisivo para o surgimento do direito à resolução em benefício da massa. O prazo de quatro anos previsto na versão original do n.º 1 do artigo 120º foi encurtado para dois anos com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, denotando uma opção claro do legislador pela celeridade na conformação das situações jurídicas e pela segurança jurídica, em detrimento dos interesses dos credores.
Refira-se, ainda, que a lei não exige que, no momento da prática do acto, o devedor se encontre em situação de insolvência.
Pressupostos para a resolução em benefício da massa são o carácter prejudicial do acto para a satisfação dos interesses dos credores e a realização ou omissão no período estabelecido na lei (nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência).
Demonstrados estes dois requisitos, é irrelevante a alegação da contraparte de que o devedor não se encontrava em situação de insolvência para efeitos de determinação do carácter prejudicial do acto. Essa demonstração apenas poderá ser relevante para a determinação da actuação de boa-fé ou má-fé do terceiro.
Para além da prejudicialidade objectiva constitui requisito geral da resolução condicional a má-fé do terceiro, nos termos da primeira parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 120º do CIRE.
O legislador enumera, no n.º 5 do artigo 120º do CIRE, três circunstâncias que concretizam o conceito de má-fé constante do n.º 4 do mesmo preceito.
Nos termos do normativo mencionado, considera-se de má-fé o terceiro que, à data do acto, tenha tido conhecimento de uma das seguintes circunstâncias: a) da situação de insolvência em que o devedor se encontrava; b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava em insolvência iminente; c) do início do processo de insolvência.
No que diz respeito à primeira circunstância, está em causa não uma situação de insolvência declarada, mas uma situação de insolvência de facto actual, em que se verifica uma impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas (artigo 3º, n.º 1), e/ou qualquer dos indícios previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20º. No entanto, apesar da insolvência não constituir pressuposto para a concretização do carácter prejudicial dos actos praticados ou omitidos pelo devedor, o seu conhecimento efectivo será determinante para a qualificação da conduta do terceiro como de má-fé.
No que concerne à segunda circunstância, deve considerar-se que estará de má-fé o terceiro que tivesse conhecimento de que o acto praticado ou omitido iria causar prejuízo aos credores, provocando a diminuição da garantia patrimonial ou a violação da par conditio creditorum. Relativamente à circunstância cumulativa de insolvência iminente ela tem de ser entendida como a situação em que o devedor revele já alguns sintomas da insolvência.
A terceira circunstância – início do processo de insolvência – refere-se ao momento da apresentação do requerimento para a declaração de insolvência do devedor.[1]
Por fim,  importa atentar que a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente prevista no artigo 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação ou declaração negativa, visando a demonstração da inexistência ou da não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo Administrador da Insolvência na carta resolutiva, pelo que impende sobre este o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada, como constitutivos do direito que se arroga (art.º 343.º, n.º 1, do Código Civil), cabendo à impugnante, autora, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).
Feitos este breves considerandos, passemos a apreciar as questões que se colocam no recurso.

2. QUESTÃO PRÉVIA: Da excepção de caducidade do direito de resolução
A Massa Insolvente, aqui Recorrente, fundamentou a resolução no n.º 2 do artigo 123º do CIRE, ou seja, na circunstância de não estar cumprido o negócio de compra e venda celebrado entre o Impugnante e a Sociedade Insolvente, uma vez que não tinha sido paga à Sociedade nenhuma quantia em contrapartida da transmissão das fracções, permanecendo por cumprir a obrigação do agora Recorrido, ou seja, o pagamento do preço (€ 67 400,00).
Na sentença em crise considerou-se que essa previsão do n.º 2 do artigo 123º “enquanto... o negócio não estiver cumprido” se reporta aos contratos de execução continuada ou duradoura, defendendo-se que em tal previsão não caberia o contrato de compra e venda, e que o não pagamento do preço nestes contratos é um circunstancialismo posterior à completude do negócio.
É a seguinte a argumentação expendida ma sentença recorrida:
                “(…)
Dispõem o art.º 123º do Cire sob a epígrafe: «Forma de resolução e prescrição do direito»:
«1 - A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
2 - Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção.»
A jurisprudência e a doutrina dominantes têm entendido que, pese embora a epígrafe do art.º 123.º do CIRE se referir à “prescrição do direito”, o seu n.º 1 consagra um genuíno prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução.
Assim, o prazo para o exercício da resolução do negócio em benefício da massa tem de ocorrer no espaço temporal de seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência. O n.º 2 do citado normativo excepciona este prazo, permitindo resolução a todo o tempo.
O Sr. Administrador faz a invocação desta norma.
Vejamos.
A possibilidade de resolução sem dependência de prazo consentida pelo n.º 2 do art.º 123º, depende da verificação cumulativa de dois requisitos, a saber:
a) o negócio resolvendo não estar ainda cumprido;
b) a resolução ser efectuada por via de excepção.
Assim, a previsão deste segmento normativo «enquanto…o negócio não estiver cumprido» reporta-se aos contratos de execução continuada ou duradoura. Já o «cumprimento» deve ser entendido como a realização, a perfeição, do negócio inter partes considerada, isto é, tal como elas o quiseram e gizaram entre si e por reporte aos efeitos que dele para elas poderão advir.
O aproveitamento, ou não, dos efeitos possíveis do negócio, por uma das partes, designadamente com relação ou com intervenção/afectação de terceiros, não releva, interfere com, ou impede o, cumprimento; pois que é uma realidade que se situa, a jusante, para além deste.
Ora, no caso em apreciação, o negócio objecto de resolução é um contrato de compra e venda de imóveis.
Denomina-se como contrato de compra e venda, ou promessa de compra e venda, o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de um objecto à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo valor em dinheiro (cf. art.º 879º do Código Civil). A transferência da propriedade dá-se por mero efeito do contrato.
Ora, contrato de compra e venda não é um contrato de execução continuada. Não é confundível a falta de pagamento do preço com o carácter duradouro ou continuado de um contrato. São conceitos distintos e não relacionáveis.
O não pagamento do preço é um circunstancialismo posterior à completude do negócio que se tornou pleno e eficaz com a celebração da escritura pública de compra e venda.
Assim, e desde logo pela falta do primeiro pressuposto sobredito, o n.º 2 do art.º 123º do CIRE, não é aplicável.
Do exposto, extrai-se que relativamente ao contrato celebrado em 14 de Janeiro de 2014, o Sr. Administrador dispunha no máximo de 2 anos sobre a data da declaração da insolvência para proceder à sua resolução – cf. art.º 123º, n.º 1 do CIRE (sem alteração na versão em vigor, em 2011 dada pelo DL n.º 185/2009, de 12/08).
Uma vez que a declaração de insolvência da P…, Lda foi decidida em 18.03.2013, em 18.03.2015 ocorreu a caducidade do direito do Administrador de Insolvência proceder à resolução deste contrato.
Assim, quando em 22.04.2016 o Sr. Administrador comunicou a resolução do contrato em benefício da massa, já havia caducado o direito de o fazer».
Cabe dizer, desde já, que sufragamos a fundamentação desenvolvida na sentença recorrida, bem como o sentido decisório alcançado, que seguiu, aliás, de muitíssimo de perto as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-02-2016 (proc. n.º 27/10.4TBPNL-O.C2, acessível em www.dgsi.pt..
Com efeito, como se conclui do referido aresto, a faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo n.º 2 do artigo 123.º do CIRE não se aplica aos contratos de execução instantânea (as obrigações são cumpridas em um só instante, num único momento, como sucede na compra e venda), nem aos contratos de execução diferida (a prestação é cumprida em um só acto, mas em momento posterior ao da celebração do contrato – Ex.: venda a prazo, parcelamento do preço), mas apenas aos contratos de execução continuada ou duradoura (as obrigações cumprem-se por uma sucessão de actos – Ex.: contrato de arrendamento - pagamento de parcelas periódicas).
No caso dos autos, falta, assim, o primeiro pressuposto (o contrato não estar, na perspectiva das partes, jurídico-economicamente cumprido) de cuja verificação, cumulativamente com o segundo pressuposto de “a resolução ser efectuada por via de excepção”, o n.º 2 do artigo 123.º do CIRE faz depender o uso pelo AI da possibilidade de resolução sem dependência de prazo.
E mesmo que se entendesse que o primeiro pressuposto (incumprimento do contrato de compra e venda, para efeitos do n.º 2 do art.º 123.º do CIRE) se verifica no caso em apreço - e ele falta manifestamente -, sempre falharia o segundo pressuposto que aponta para a possibilidade de resolução em acção judicial, mas apenas quando o invocante da resolução tenha a qualidade de réu nessa acção.
Refira-se, a propósito, que mesmo que a Massa Insolvente, aqui Recorrente tivesse deduzido reconvenção nesta acção de impugnação da resolução a pedir com pedido de que a resolução efectuada fosse declarada válida e eficaz, a resolução assim impetrada não podia ser considerada como uma defesa por via de excepção, pois que a acção consolida a impugnação do acto. Daí que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/03/2014, CJ-ASTJ 22, se tenha rejeitado a possibilidade de efectuar novamente a resolução em reconvenção da acção de impugnação.
Trata-se de uma opção legislativa que tem merecido algumas críticas, mas é inequívoca a posição do legislador, não restante ao intérprete e aplicador do direito outra solução que não seja a de respeitá-la.
Na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda [[2]], questionam a razão pela qual o legislador, à semelhança do que se passa no art.º 287.º, n.º 2, do Cód. Civil, não permitiu a resolução por via de acção ou de declaração à contraparte.
Ora, o contrato de compra e venda celebrado em 14 de Janeiro de 2011 aperfeiçoou-se, para efeitos do n.º 2 do artigo 123.º do CIRE, com o acordado das partes e a sua vinculação ao mesmo com a aposição das assinaturas dos respectivos outorgantes (Autor e legal representante da Insolvente) na respectiva escritura pública.
Assim, o Senhor Administrador da Insolvência dispunha de um prazo máximo de 2 anos, contado da data da declaração de insolvência (18/03/2013) da sociedade vendedora para proceder à sua resolução extrajudicial, prazo esse que expirou em 18/03/20015.
Por conseguinte, quando em 22/04/2016 o AI comunicou a resolução do contrato de compra e venda em benefício da Massa Insolvente já havia caducado [[3]] o direito de o fazer.
Isto porque, salvo o devido respeito, não acolhemos a tese da Recorrente, segundo o qual seria de aplicar à situação em análise nos autos o expendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/11/2010, proc. n.º 6473/06.0TBALM.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt. e na CJ STJ, III, pp. 158 e segs., relativamente à interpretação extensiva que em tal aresto se faz do prazo de caducidade do artigo 917.º do Cód. Civil, pois, como resulta da leitura do próprio aresto o âmbito da extensão propugnada é restrito às acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização ou às acções fundadas em vícios da coisa vendida  - venda de coisa defeituosa - (art.º  913º do Cód.. Civil).
Ora, como já se referiu supra, na linha do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/02/2016, já citado, “O «cumprimento» deve ser entendido como a realização, a perfeição, do negócio inter partes considerada, isto é, tal como elas o quiseram e gizaram entre si e por reporte aos efeitos que dele para elas poderão advir.
O aproveitamento, ou não, dos efeitos possíveis do negócio, por uma das partes, designadamente com relação ou com intervenção/afetação de terceiros, não releva, interfere com, ou impede o, cumprimento; pois que é uma realidade que se situa, a jusante, para além deste.”
Nesta perspectiva, a faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo n.º 2 do artigo 123.º do CIRE apenas se aplica aos contratos de execução continuada ou duradoura (as obrigações cumprem-se por uma sucessão de actos – Ex.: contrato de arrendamento - pagamento de parcelas periódicas), não sendo aplicável aos contratos de execução instantânea (as obrigações são cumpridas em um só instante, num único momento, como sucede na compra e venda), nem aos contratos de execução diferida (a prestação é cumprida em um só acto, mas em momento posterior ao da celebração do contrato – Ex.: venda a prazo, parcelamento do preço).
Por fim, dir-se-á que a pretensão resolutiva manifestada pela Ré, aqui Recorrente, na contestação da presenta acção de impugnação da resolução de compra e venda em benefício da massa insolvente não tem validade nem eficácia para interromper o aludido prazo de caducidade.
Conclui-se, assim, pela caducidade do direito de resolução em benefício da Massa Insolvente da compra e venda em causa.
Improcede, portanto, a questão prévia invocada, ficando prejudicada, pela solução dada à mesma, a apreciação da questão de saber se estavam ou não reunidos os pressupostos que habilitavam o Tribunal a quo a julgar procedente a presente acção de impugnação (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).
Por conseguinte, improcede o recurso.

IV - DECISÃO:
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente - artigo 527º do Cód. Proc. Civil.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 20 de Setembro de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Gabriela de Fátima Marques

[1] Cfr. MARISA VAZ CUNHA, Garantia Patrimonial e Prejudicialidade - Um Estudo Sobre a Resolução em Benefício da Massa, Almedina, 2017, pp. 215-219.
[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris Editora, 2008, p. 439 e segs.
[3] A jurisprudência e a doutrina dominantes têm entendido que, pese embora a epígrafe do art.º 123.º do CIRE se referir à “prescrição” do direito, o seu n.º 1 consagra um genuíno prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução (cf., neste sentido, por todos, Ac. do STJ, de 18/10/2016, proc. n.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1.