Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
326/21.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: DESENHOS OU MODELOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. No âmbito dos desenhos e modelos deve usar-se o mesmo critério para aferir da novidade e, sobretudo, da singularidade, quer no momento do exame da criação e da apreciação da validade do DOM, quer no momento da definição do âmbito de tutela do mesmo.
II. Neste âmbito, o conceito de utilizador informado refere-se a um utilizador, e não um perito, mas que tem um nível de conhecimentos superior ao consumidor médio e, portanto, não se trata de um qualquer utilizador, mas de um utilizador informado;
III. No que respeita à apreciação do carácter singular de um desenho ou modelo há que ter em conta o grau de liberdade de que o criador dispôs para elaborar este desenho ou modelo.
IV. O grau de liberdade do criador de um desenho ou modelo define-se, designadamente, a partir das limitações ligadas às características impostas pela função técnica do produto ou de um elemento do produto, ou, ainda, pelas prescrições legais aplicáveis ao produto ao qual o desenho ou modelo é aplicado. Estas limitações levam a uma normalização de determinadas características, que se tornam então comuns aos desenhos ou modelos aplicados ao produto em causa.
V. Quanto maior for a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo, menos as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado. Inversamente, quanto mais a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo for limitada, mais as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa,
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I. RELATÓRIO.
PACHECA HOTEL, EVENTOS & GOURMET, LDA. interpôs recurso do despacho do Senhor Diretor do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), proferido por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, do mesmo Instituto, que recusou o pedido registo do DM 4722.
Alegou, em síntese, que o pedido de registo foi concedido numa primeira fase, sem que tenham ocorrido reclamações e que após a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a recorrida pediu a modificação da decisão, sendo que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial não deveria ter aceite tal pedido, na medida em que não tendo a recorrida reclamado em momento anterior ficou precludido o seu direito de pedir a modificação oficiosa.
Acrescentou que, o seu DM tem as características e requisitos legais de registo, razão pela qual o registo deveria ter sido concedido.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10/12.
Foi citada a parte contrária que pediu a improcedência do recurso, alegando, em síntese, que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial decidiu adequadamente.
Veio então a ser proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
Inconformada, apelou a Requerente, concluindo, após alegações, da seguinte forma:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o recurso judicial apresentado pela ora Recorrente e, consequentemente, determinou a manutenção da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) em recusar o registo relativo ao Desenho ou Modelo (“DM”) Nacional n.º 4722, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 142/2021.
2. Considera a Recorrente, que o Tribunal a quo não procedeu a uma cabal análise da prova documental junta aos autos, entendendo, ainda, que a sentença assenta numa errada apreciação da matéria de direito.
3. Assim, a Sentença Recorrida deve ser revista, uma vez que contrariamente ao que decorre da mesma, encontram-se preenchidos os requisitos de novidade e da singularidade dos DM em crise nos presentes autos, pugnando-se por isso pela substituição da sentença recorrida por outra que ordene a competente revogação do Despacho proferido pelo INPI o qual recusou o pedido de registo do DM nacional n.º 4722.
4. Pretendia a Recorrente com o recurso judicial interposto para o Tribunal a quo julgasse o mesmo procedente e com isso substituísse o despacho de modificação da decisão proferido pelo INPI relativo à concessão do registo do DM n.º 4722.
5. Por outras palavras considerou o Mm.º Juiz a quo que o despacho proferido pelo INPI não merecia qualquer censura, tendo este despacho sido no sentido de que ao desenho constante do pedido de registo submetido pela Recorrente faltava novidade e singularidade, com fundamento na similitude entre esse produto e vários outros anteriormente divulgados ao público, através, por exemplo, de publicações de imprensa e páginas da Internet;
6. Considerando que o DM n.º 4722 falhava o preenchimento dos dois requisitos substantivos centrais para a atribuição do direito exclusivo de DMs, sendo que o INPI alterou a decisão de concessão que havia proferido em 23 de janeiro de 2017.
7. Pode ler-se na sentença recorrida que “O que o recorrente defende serem, no seu desenho, particularidades, como o forro a prancha de madeira na parte que, na ótica da recorrente torna o seu bungalow inconfundível; o facto de estar assente em duas traves horizontais; o revestimento em madeira clara (característica que não resulta dos desenhos); a janela frontal na forma circular; e, a tampa circular na cobertura não conferem os desejados novidade e carácter singular, na medida em que não alteram a perceção global e de conjunto do produto, circunstância em alinhamento com o artigo 176.º n.º 2, que dispõe que se consideram idênticos (pelo que não são novos) os desenhos ou modelos cujas características especificas apenas difiram em pormenores sem importância e em alinhamento com o artigo 177.º segundo o qual só existe carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador for diversa da impressão global causada pelo desenho anterior. Em conclusão, e em concordância com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, afigura-se que não estamos na presença de um desenho que reúna os requisitos necessários à sua proteção (…)”.
8. Ora, não pode a Recorrente concordar com tal decisão, impondo-se uma revisão cautelosa e minuciosa dos desenhos e modelos sobre os quais incidiu o pedido de registo nacional n.º 4722.
9. Desde logo, constitui fundamento de recusa de registo o não preenchimento do disposto nos artigos 176.º (novidade) e 177.º (caráter singular) do CPI, requisitos esse que como demonstrado pela Recorrente estão preenchidos.
10. Ademais e como se sabe, quer para aferir a novidade, quer para aferir a singularidade, é necessário comparar o desenho em análise com os desenhos já divulgados ao público na data do pedido (ou da prioridade reivindicada).
11. Apesar de não ter efetuado esse exame comparativo entre o produto da ora Recorrente e os produtos potencialmente conflituantes invocados no presente processo, o INPI e a sentença recorrida corrobora, que aquele não preenchia os requisitos da novidade e da singularidade.
12. Salvo o devido respeito, porém, se a Recorrente já considerava que o INPI apreciou estes requisitos de proteção de modo apenas superficial, o mesmo se diga do Tribunal a quo, não tendo o mesmo confrontado os desenhos que se dizem “iguais”, pois caso tal exercício tivesse sido realizado, a pretensão da Recorrente seria procedente e o pedido de registo seria aprovado.
13. Uma análise mais atenta, revela não apenas que a aparência do DM n.º 4722 é nova, diferindo de DMs anteriormente divulgados em pormenores com significativa importância ornamental mas também dotada de singularidade.
14. Isto porque ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a impressão global que o DM da Recorrente suscitada no utilizador informado difere da causada pelo conjunto de DMs pertencentes à chamada parte prévia.
(Da novidade)
15. Nos termos do art. 176.º do CPI, o DM é considerado novo se nenhum DM idêntico tiver sido divulgado ao público antes da data relevante para a proteção, dentro ou fora de Portugal (n.º 1), sendo que os DMs serão tidos como idênticos se as suas características específicas diferirem apenas em pormenores sem importância (n.2).
16. Se por um lado a Recorrente não põe em causa que, à data do pedido de registo do DM n.º 4722, já tinha havido divulgação ao público, para efeitos do art. 178.º n.º1, de bungalows com a aparência de uma pipa de vinho, admitindo inclusive a Recorrente que, tendo esses produtos anteriores sido divulgados através da utilização no comércio, de revistas da especialidade e de páginas da Internet, não pode deixar de considerar-se que esses produtos foram divulgados de forma a poder razoavelmente ter chegado ao conhecimento dos meios especializados na UE, integrando assim o património prévio de DMs.
17. Por outro lado, não pode a Recorrente aceitar, a análise comparativa entre esses produtos e o DM n.º 4722 e conclusões que dela se deve extrair, uma vez que entende o Tribunal a quo que para além dos produtos divulgados anteriormente no mercado hoteleiro (posição já vertida no despacho do INPI), existe uma grande similaridade global dado que os pormenores da prancha (terraço) não são suficientemente diferenciadores.
18. Ora a verdade é que o confronto entre os dois conjuntos de figuras coloca a nu as manifestas diferenças entre o DM da Recorrente e o tipo de produtos anteriormente divulgados.



Figuras 1, 2, 3 - Desenho ou modelo n.º 4722, cujo pedido de registo foi publicado no BPI em 15 de novembro de 2016;



Figuras 5 e 6 - Produto anterior, utilizado na Alemanha e divulgado na rede social Pinterest.
19. Desde logo, a prancha de madeira na parte dianteira, a servir de terraço para os ocupantes, torna o bungalow da Recorrente inconfundível e em nada se confunde com o de qualquer outro desenho anteriormente divulgado, pois que para além de constituir uma diferença relevante, este é um terraço verdadeiramente original e que nunca passaria despercebido aos olhos dos consumidores.
20. Trata-se, aliás, de um dos elementos marcantes dos bungalows que vieram a ser edificados na Quinta da Pacheca com base no DM n.º 4722, sendo utilizado pelos ocupantes para fins diversos, nomeadamente para refeições e repouso:


21. Para além das diferenças relacionadas com a prancha dianteira, são várias as escolhas criativas que distinguem o DM n.º 4722 da "arte prévia": o facto de estar assente em duas traves horizontais, o revestimento de madeira clara (que contrasta com o dos bungalows retratados nas figuras 4 e 5), a janela frontal em forma circular e a tampa circular no topo da cobertura.
22. Naturalmente, o facto de partilharem a mesma finalidade - elemento destacado no despacho do INPI para concluir no sentido da existência de identidade ou "grande similitude" – está longe de ser decisivo, uma vez que a finalidade não constitui uma característica ornamental.
23. A finalidade do produto não faz parte dos elementos legais da definição de "desenho ou modelo", não sendo sequer avaliável ou equacionável na aferição ou determinação das características do DM ou da sua aparência.
24. Considerar a finalidade servida por um produto como um elemento relevante implicaria ainda a exclusão de numerosos produtos do âmbito potencial de proteção: qualquer produto que cumprisse o mesmo propósito que um produto anteriormente divulgado veria as chances de aceder à proteção conferida pelo regime de DMs diminuídas, o que não poderia deixar de se considerar absurdo.
25. Andou mal o Tribunal a quo quando na sentença recorrida dá apenas destaque deu ao facto de a prancha de madeira (terraço) ser um “pormenor sem importância”, ora aceitar como boa tal conclusão implica afirmar que qualquer futuro alojamento turístico com inspiração vitivinícola e com a forma de uma pipa carecerá de novidade, apenas pelo facto de assumir tal forma, sendo, como tal, insuscetível de proteção.
26. Em face do exposto, andou mal o Tribunal a quo, ao não considerar preenchido o requisito da novidade, devendo ao invés ser revertido o despacho de modificação proferido pelo INPI, passando a concluir-se que o DM n. º 4722 preenche efetivamente o requisito da novidade previsto no art. 176.º do CPI.
(Da singularidade)
27. Também a Recorrente no seu recurso, demonstrou que o DM 4722 para além de preencher o requisito da novidade, reveste-se ainda de caráter singular.
28. Nos termos do artigo 177.º do CPI, para que um DM possua caráter singular a impressão global que suscita no utilizador informado deve diferir da impressão global causada a esse utilizador por qualquer DM divulgado ao público antes da data do pedido de registo ou da prioridade reivindicada (n.º 1), devendo, nessa análise, tomar-se em consideração o granjear de liberdade de que o criador dispôs para a realização do DM (n.º 2).
29. Segundo a jurisprudência europeia, para que se considere ·haver singularidade, as diferenças entre o DM registando e os DMs anteriores devem gerar uma "impressão global de diferença" ou uma "ausência de dejá vu" em relação ao património de DMs anteriores.[1], o que se verifica in casu.
30. Não obstante tais diferenças a verdade é que, a este propósito, concluiu (mal) o INPI e bem assim a sentença recorrida, que as diferenças entre o DM n.º 4722 e os produtos anteriormente divulgados "não se afiguram, a nosso ver, suficientemente fortes para alterar o conjunto e produzir uma impressão estética globalmente diferenciada que os possa distanciar entre si".
31. Ao contrário do que acontece com o requisito da novidade, o CPI indica um referencial a partir do qual deve ser feita a aferição do caráter singular: o do utilizador informado, tendo naturalmente presente que o perfil do utilizador informado varia de produto para produto e deve ser analisado dentro do nicho de produto em específico.
32. Resulta à evidência que o utilizador quando confrontado com o produto da Recorrente, não poderia deixar de ter uma impressão global de diferença em relação aos produtos anteriores reproduzidos supra.
33. Se é verdade que um turista, mesmo que especialmente atento e consumidor de revistas da especialidade, não conseguiria detetar diferenças de pormenor, tais como as diferenças relativas ao número e à distribuição simétrica ou assimétrica de aros numa pipa, o mesmo não se pode dizer acerca, por exemplo, , por exemplo, da prancha dianteira destinada a servir de terraço.
34. É manifesto que qualquer turista veria num bungalow em forma de barrica que integrasse um terraço retangular de grandes proporções na parte dianteira, como o DM da Recorrente, um tipo de alojamento notoriamente diferente da generalidade dos alojamentos de férias e, em particular, de todos os outros bungalows inspirados em pipas de vinho.
35. E nesta senda deveria o Tribunal a quo analisar o Despacho do INPI quando este afirma no despacho impugnado pela Recorrente que: "nesta área de atividade não há uma saturação de formas no mercado e os criadores têm uma grande liberdade para conceber outras configurações diversificadas de apresentação dos produtos sem que tenham de estar condicionados ou limitados, no todo ou em parte, ao design que foi divulgado através dos produtos anteriores".
36. Com efeito, é por não estarmos perante um mercado particularmente saturado que o grau de liberdade do criador é maior e que, por isso, se exigem diferenças maiores para que se considere existir a tal impressão global de diferença, diferenças essas que se pede que sejam analisadas pelo Tribunal ad quem após um confronto de DMs.
37. E nem se diga que o simples facto de o bungalow da Recorrente ter a forma de uma pipa é suficiente para se concluir pela falta de preenchimento do requisito da singularidade. A ser assim, qualquer alojamento turístico com tal forma, ainda que apresentando diferenças significativas em relação aos já divulgados (como é o caso do bungalow da Recorrente), ficaria excluído do acesso à proteção sobre DMs.
38. O mesmo aconteceria a tantos outros produtos que, não obstante pertencerem a uma mesma tipologia (por exemplo, "copos", jarras", cadeiras"), encontram-se protegidos como DM por, precisamente, na apreciação da sua singularidade, ter sido tomado em consideração o grau de liberdade usufruído pelo seu criador.
39. Ante o exposto, e com o respeito devido, parece ser incorreta a conclusão final a que chega o Tribunal a quo a de que "não estamos na presença de desenho que reúna os requisitos necessários à sua proteção".
40. Assim, reputando de incorreta a (sucinta) análise comparativa feita pelo Tribunal a quo, pugna a Recorrente pela substituição da sentença recorrida e consequentemente do despacho de modificação também no respeitante ao requisito da singularidade.
41. Em conclusão, resulta que estão preenchidos, de facto e de direito, os pressupostos legais que fundamentam a concessão do registo do DM n.º 4722, pelo que, por todos os fundamentos se requer a revogação da sentença ora recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que substitua o despacho de modificação da decisão proferido pelo INPI no processo relativo ao DM nacional n.º 4722 por outro que conceda o registo, porquanto e contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, não é aplicável ao DM n.º 4722 o motivo de recusa do registo previsto no art. 192.º, n.º 4, alínea a), do CPI.
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A Recorrida contra-alegou, concluindo que inexistem motivos que fundamentem a existência do carácter de novidade ou singular, porquanto não há qualquer elemento causador de efeito de surpresa pois a impressão global é a mesma causada por todos os outros desenhos já divulgados, de dormir num bungalow em forma de pipa, resultando evidente que não é um desenho desconhecido a qualquer consumidor por ter sido já amplamente divulgado ao público antes da data de pedido de registo.
Terminou pedindo que o presente recurso seja julgado improcedente e, em consequência, seja mantida a decisão recorrida.
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se se mostram reunidos os pressupostos para que seja admitido o registo do DM 4722.
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III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
a) Em 17/10/2016, a recorrente pediu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo de Desenho ou Modelo (DM) 4722, para proteger as figuras seguintes:
     ;
b) Não foram apresentadas reclamações ao pedido de registo.
c) Por despacho de 23/1/2017, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, concedeu o registo referido.
d) No dia 1/3/2017, a recorrida apresentou junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial pedido de alteração do despacho que concedeu aquele registo.
e) No dia 31/5/2017, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial deferiu o pedido de modificação da decisão, recusando o registo de DM pedido.
f) À data do pedido de registo 4722, eram conhecidos, pelo menos, os seguintes produtos:











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III.2. Na decisão recorrida entendeu-se que não se provaram quaisquer outros factos com relevância para boa decisão da causa
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III.3. Fundamentação de direito.
Não tendo sido objecto de impugnação matéria de facto considerada pelo Tribunal Recorrido, é com base na mesma que deverá apreciar-se a pretensão recorrida.
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III.3. Os factos e o direito.
O caso em apreço convoca o regime dos desenhos e modelos, que, como é sabido, se encontra, por via de instrumentos jurídicos da União Europeia, praticamente uniformizado ao nível da mesma União.
Assim, tratando-se de desenhos e modelos comunitários, importa atender ao regime de protecção dos mesmos consagrado no Regulamento CE do Conselho n.º 6/2002, de 12 de dezembro de 2001 (doravante Regulamento 6/2002/CE ou apenas Regulamento).
Nos termos do artigo 3º, alínea a), deste Regulamento “Desenho ou modelo” designa a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente, das linhas, contornos, cores, forma, textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação».
O artigo 4º desse Regulamento, sob a epígrafe «Requisitos da proteção», dispõe, no seu nº 1 que: «Um desenho ou modelo será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua caráter singular.»
Sob a epígrafe «Novidade», o artigo 5º do mesmo Regulamento estatui que:
«Um desenho ou modelo será considerado novo se nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público: (…)
b) No caso de um desenho ou modelo comunitário registado, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é reivindicada proteção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade.
2. Os desenhos ou modelos serão considerados idênticos se as suas características diferirem apenas em pormenores insignificantes.»
O artigo 6º do Regulamento nº 6/2002, sob a epígrafe «Caráter singular», dispõe:
«1. Considera‑se que um desenho ou modelo possui caráter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público:
a) No caso de um desenho ou modelo comunitário não registado, antes da data em que o desenho ou modelo para o qual é reivindicada proteção tiver sido pela primeira vez divulgado ao público;
b) No caso de um desenho ou modelo comunitário registado, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é requerida proteção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade.
2. Na apreciação do caráter singular, deve ser tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo.»(o destacado é nosso)
O artigo 7º deste regulamento, sob a epígrafe «Divulgação», enuncia, no seu n.o 1:
«Para efeitos dos artigos 5º e 6º, considera‑se que um desenho ou modelo foi divulgado ao público se tiver sido divulgado na sequência do depósito do pedido de registo ou em qualquer outra circunstância, apresentado numa exposição e utilizado no comércio ou divulgado de qualquer outro modo, antes da data mencionada na alínea a) do n.º 1 do artigo 5º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º, conforme o caso, exceto se estes factos não puderem razoavelmente ter chegado ao conhecimento dos meios especializados do setor em causa que operam na Comunidade pelas vias normais e no decurso da sua atividade corrente. No entanto, não se considerará que o desenho ou modelo foi revelado ao público pelo simples facto de ter sido revelado a um terceiro em condições explícitas ou implícitas de confidencialidade.»
Acerca do âmbito de protecção do desenho ou modelo comunitário, o artigo 10º do referido Regulamento estabelece que:
«1. O âmbito da proteção conferida por um desenho ou modelo comunitário abrange qualquer desenho ou modelo que não suscite no utilizador informado uma impressão global diferente.
2. Na apreciação do âmbito de proteção, deve ser tomado em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do seu desenho ou modelo.»
Por outro lado, quanto aos «Direitos conferidos pelo desenho ou modelo comunitário», o artigo 19º do mesmo regulamento dispõe, no seu n.º 1:
«Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento. A referida utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado ou aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos.»
No âmbito do direito nacional, é o artigo 173º do CPI, na linha do que vinha já da legislação anterior à que aprovou o CPI vigente (artigo 173º do CPI/2003), que define os desenhos ou modelos como elementos respeitantes à aparência (total ou parcial) de um produto, resultante das características que emergem, nomeadamente, das «linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação».
Por seu turno o artigo 175º do CPI estabelece os pressupostos de protecção de desenhos e modelos. Extrai-se do mesmo serem registáveis os desenhos:
a) Novos e
b) Singulares ou
c) Conhecidos mas envolvendo recombinação ou redisposição de elementos em termos tais que lhes confiram singularidade.
Os artigos 176.º do CPI, 177º e 193º do CPI fornecem indicações quanto à interpretação dos conceitos de novidade e singularidade, nos termos que antes se descreveram relativamente ao Regulamento 6/2002, e permitem concluir que é a figura do “utilizador informado” que é usada pelo legislador para aferição do carácter singular e para determinação do âmbito do exclusivo.
Trata-se de um consumidor mais atento, avisado e informado do que o consumidor comum, que conhece desenhos existentes no sector económico apreciado, reconhece os componentes usuais desses desenhos, revela interesse pela matéria e exibe um grau de atenção não mediano mas elevado.
Podemos, do que acaba de expor-se, concluir que visando a protecção dos DOM a remuneração do enriquecimento do património estético, a criatividade, a medida do contributo do criador para a inovação estética, apenas essa singularidade ou essa parcela de criatividade deve beneficiar do exclusivo reconhecido ao titular, permitindo-lhe nessa justa medida reagir contra terceiros que a usurpem[2].
Por essa razão, também as características funcionais se encontram excluídas de protecção.
O exame do carácter singular implica, em conformidade com os preceitos citados, designadamente com o mencionado artigo 6º do Regulamento:
- a determinação do sector dos produtos em que o DOM se destina a ser aplicado;
- a definição do utilizador informado desses produtos;
- a avaliação do grau de liberdade do criador na avaliação do DOM;
- finalmente, estabelecer o resultado da comparação dos DOM em causa, tendo em conta o sector em questão, o grau de liberdade do criador e as impressões globais produzidas no utilizador informado pelo DOM contestado[3].
Tratando-se, como se referiu de normas europeias transpostas para o direito nacional, não pode deixar de atender-se à interpretação que das mesmas têm feito os Tribunais Europeus.
O conceito de utilizador “informado”, definido pelo Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão “Shenzen Taiden”[4] e depois pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão “Pepsico”[5], “sugere que, sem ser um criador ou um perito técnico, o utilizador conhece diferentes desenhos ou modelos existentes no setor em causa, dispõe de um certo grau de conhecimentos quanto aos elementos que estes desenhos ou modelos normalmente incluem e, devido ao seu interesse nos produtos em causa, demonstra um grau de atenção relativamente elevado quando os utiliza”[6].
Trata-se de um utilizador, e não um perito, mas que tem um nível de conhecimentos superior ao consumidor médio e portanto não se trata de um qualquer utilizador, mas de um utilizador informado[7].
No que respeita ao grau de liberdade e às características funcionais, como decidiu o Tribunal Geral no Acórdão de 13.11.2012[8]:
“(…) Em segundo lugar, no que respeita à apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo, o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 6/2002 dispõe que há que ter em conta, nesta apreciação, o grau de liberdade de que o criador dispôs para elaborar este desenho ou modelo.
44. O grau de liberdade do criador de um desenho ou modelo define‑se, designadamente, a partir das limitações ligadas às características impostas pela função técnica do produto ou de um elemento do produto, ou, ainda, pelas prescrições legais aplicáveis ao produto ao qual o desenho ou modelo é aplicado. Estas limitações levam a uma normalização de determinadas características, que se tornam então comuns aos desenhos ou modelos aplicados ao produto em causa [acórdãos do Tribunal Geral, representação de um suporte promocional circular, já referido no n.° 28, n.° 67, e de 9 de setembro de 2011, Kwang Yang Motor/IHMI — Honda Giken Kogyo (motor de combustão interna), T‑11/08, não publicado na Coletânea, n.° 32].
45. Por conseguinte, quanto maior for a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo, menos as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado. Inversamente, quanto mais a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo for limitada, mais as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado. Assim, um grau elevado de liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo reforça a conclusão de que os desenhos ou modelos comparados que não apresentam diferenças significativas suscitam a mesma impressão global no utilizador informado (acórdão motor de combustão interna, já referido no n.° 44, n.° 33).(…)
89. No que respeita, desde logo, à referência de que o IHMI não tem de responder a argumentos sem interesse ou sem pertinência, importa considerar, como já foi acima referido no n.° 81, que uma eventual saturação da área de conhecimento, decorrente da alegada existência de outros desenhos ou modelos de termossifões ou de radiadores que apresentam as mesmas características de conjunto dos desenhos ou modelos em causa, era pertinente, na medida em que podia ser suscetível de tornar o utilizador informado mais sensível às diferenças de proporções internas entre estes diferentes desenhos ou modelos. (…)”.
Como o Tribunal Geral da União Europeia reiterou no seu Acórdão de 06.06.2019, proferido no processo T-209/18 (Porsche)
“(…) 22. Resulta da redação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 que o caráter singular de um desenho ou modelo comunitário deve, antes de mais, ser apreciado à luz da impressão global que suscita no utilizador informado em causa [v. Acórdão de 25 de outubro de 2013, Merlin e o./IHMI — Dusyma (Jogos), T‑231/10, não publicado, EU:T:2013:560, n.o 28 e jurisprudência referida]. Além disso, esta impressão global deve ser diferente da suscitada por qualquer desenho ou modelo divulgado junto do público antes da data de depósito do pedido de registo ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data dessa prioridade.
23. Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 esclarece que, na apreciação do caráter singular que esteja em questão, deve ser tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo em causa.
24. Recordados estes requisitos legais, há que salientar que a jurisprudência pertinente esclarece, a este respeito, que o caráter individual de um desenho ou de um modelo deve resultar de uma impressão global, do ponto de vista do utilizador informado, de diferença ou de inexistência de «déjà vu», relativamente a qualquer desenho ou modelo anterior. Nesta perspetiva, as diferenças que não são suficientemente marcadas para afetar essa impressão global não podem ser tidas em conta, apenas podendo ser decisivas as diferenças suficientemente marcadas para criar impressões globais distintas [v. Acórdão de 7 de novembro de 2013, Budziewska/IHMI ‑ Puma (Felino a saltar), T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 29 e jurisprudência referida].
25. À luz dos critérios acima mencionados, importa analisar se, do ponto de vista do utilizador informado e tendo em consideração o grau de liberdade de que, no caso, o criador de um modelo pode beneficiar, a impressão global suscitada pelo modelo controvertido difere da suscitada pelo modelo anterior.
Quanto ao utilizador informado
26. No que diz respeito à interpretação do conceito de utilizador informado, há que considerar que a qualidade de «utilizador informado» implica que a pessoa em causa utilize o produto no qual está incorporado o desenho ou modelo conforme a utilização a que o referido produto se destina. Além disso, o adjetivo «informado» sugere que, sem ser necessariamente um perito técnico, o utilizador em questão conhece os diferentes desenhos ou modelos existentes no setor em causa, dispõe de um certo grau de conhecimentos quanto aos elementos que estes desenhos ou modelos normalmente incluem e, devido ao seu interesse nos produtos em causa, demonstra um grau de atenção relativamente elevado quando os utiliza [Acórdãos de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 59, e de 28 de setembro de 2017, Rühland/EUIPO — 8 seasons design (Lâmpada em estrela), T‑779/16, não publicado, EU:T:2017:674, n.o 19].
27. O conceito de utilizador informado deve assim ser entendido como um conceito intermédio entre o conceito de consumidor médio, aplicável em matéria de marcas, a quem não se exige nenhum conhecimento específico e que, regra geral, não efetua aproximações diretas entre as marcas em conflito, e o conceito de uma pessoa do ramo, ou seja, um perito dotado de certas competências técnicas. Assim, pode entender‑se que o conceito de utilizador informado designa um utilizador dotado não de uma atenção média mas de uma vigilância especial sobre os produtos em causa, em razão da sua experiência pessoal ou do seu amplo conhecimento do setor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 53).(…)”
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Ora, no caso dos autos, o consumidor a ter em atenção é o cliente de bungalows para alojamento turístico, em particular no âmbito do enoturismo.
Os desenhos que se pretende ver protegidos enformam pequenas habitações para o referido alojamento turístico, com a forma de pipas de vinho, isto é, com a sua aparência habitual - sendo idênticas as linhas, os contornos, as formas, os materiais - aos quais foram introduzidas aberturas, para possibilitar a sua utilização com um destino diferente do habitual no contexto vinícola – o alojamento.
Ora, como se demonstrou, existem desenhos anteriores pelo menos semelhantes, assumindo os dos autos pequenos pormenores distintos, assinalados na decisão recorrida, que não alteram a percepção global e de conjunto do produto..
Assim, subscrevemos o juízo do Tribunal Recorrido quando entende que aos olhos do consumidor esclarecido, bem informado e atento os desenhos em causa não suscitam uma impressão global diversa que a dos desenhos anteriormente divulgados - subsiste para este, a noção da forma conhecida da pipa e da conversão funcional em local adaptado para habitação, sendo que essa mudança de afectação não confere a estes produtos, a característica da novidade, perante o que se expôs.
Como se considerou no processo n.º 324/21.3YHLSB.L1 desta secção, “o dito utilizador informado não construiria leitura global divergente sobre os produtos comparados e seus desenhos. Certamente que, na sua perspectiva, tudo se ficaria pela «boa» ideia de adaptar recipientes para vinho, designadamente toneis, a função distinta da natural e histórica de conter vinho.
Os desenhos sub judice não gozam de protecção legal, face ao exposto e ao disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 175.º e no n.º 1 do artigo 193.º do Código da Propriedade Industrial, pelo que a pretensão recursiva não pode deixar de naufragar.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 527.º do CPC).
Registe e notifique.
*                                                     Lisboa, 2022-06-21                                   
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Paula Pott
Eleonora Viegas
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[1] Cf. Tribunal Geral, T-666/11, Danuta Budziewska, para. 29
[2] Cf. Sousa e Silva, Pedro “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2019,  pg. 162
[3] Cf. o Acórdão do Tribunal Geral “Danuta Budziewska”, proferido em 07.11.2013, no âmbito do processo T‑666/11.
[4] Processo T-153/08, Acórdão de 22.06.2010.
[5] Processo C-281/10, Acórdão de 20.10.2011.
[6] Cf. Ac. do TJUE de 21.09.2017, proferido no âmbito dos processos apensos C‑361/15 P e C‑405/15 P.
[7] Cf. Carvalho, Maria Miguel, “Desenhos e Modelos. Caráter Singular. Cumulação com Marca”, Direito Industrial, VIII, 2010, pg. 436.
[8] Processos T-83/11 e T-84/11 “Antrax”.