Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11742/17.1T8LRS.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ARRENDAMENTO
DESPEJO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA
Sumário: Para prosseguimento do procedimento especial de despejo, deve considerar-se como suficiente para considerar cumprido o requisito legal previsto no artigo 15º nº4 e 15º nº1 i) do NRAU a apresentação no BNA de um contrato de arrendamento de Março de 1975, celebrado por escritura pública e registado na Repartição de Finanças oito dias após a sua celebração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


VB…, HB… e MB… intentaram contra C…, Lda procedimento especial de despejo para obter a cessação do contrato de arrendamento relativo a imóvel de que são comproprietários, com a sua desocupação e relativamente ao qual foi efectuada comunicação de resolução, por falta de pagamento de rendas, ao abrigo dos artigos 1083 nº3 do CC e 9º nº7 a) e 10º nºs 2 b) e 3 da Lei nº6/2006 de 27/2.

Juntaram o registo predial do imóvel e a habilitação de herdeiros por óbito do seu pai, a escritura pública mediante a qual o seu pai celebrou com a requerida o contrato de arrendamento em causa, o requerimento de notificação judicial avulsa comunicando a resolução do contrato e a respectiva certidão negativa e a carta registada com AR novamente comunicando a resolução do contrato e devolvida ao remetente.

O procedimento veio a ser objecto de recusa pelo Balcão Nacional de Arrendamento, com o fundamento de que não se mostra pago o imposto de selo exigido pelo artigo 15º-C nº1, i), 1ª parte do NRAU.

Os autores apresentaram reclamação ao abrigo do artigo 157º nº5 do CPC, alegando que o pagamento do imposto de selo resulta da conta aposta na escritura pública, resultando também que o mesmo foi manifestado na Repartição de Finanças, estando a cobrança do imposto de selo prevista nos artigos 69º, 137º, 138º e 139º do Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pelo Decreto 12 700 de 20/11/26 e, ao ser celebrado por escritura pública, foi cobrado pelo notário, sobre quem recaiu a obrigação de entregá-lo ao Estado e sendo certo que, mesmo que assim não fosse, a respectiva obrigação se encontra prescrita há anos nos termos do artigo 48º da LGT.

O Secretário de Justiça do BNA pronunciou-se sobre a reclamação, no sentido de que a conta aposta na escritura diz respeito à conta do pagamento da cópia da escritura, pois o imposto de selo corresponderia a 5% sobre o valor da renda mensal, ou seja 350$00, nos termos do artigo 16º da tabela anexa ao Decreto 21916 de 28/11/32, pelo que, não havendo comprovativo do pagamento do imposto do selo ou da sua isenção, nem comprovativo da liquidação do IRS, foi recusado o requerimento de despejo ao abrigo do artigo 15º-C nº1 i) do NRAU).   

Foram os autos remetidos ao Tribunal competente e, após distribuição, foi proferido despacho que indeferiu a reclamação.
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Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões com os seguintes argumentos:
  Resulta dos autos que o contrato de arrendamento foi celebrado por escritura pública, pelo que a cobrança do imposto de selo foi efectuada pelo Notário.
  A escritura pública constitui a forma mais solene de celebrar contratos, o que permite demonstrar que o combate à economia paralela (objectivo primordial do legislador) se encontra assegurado.
  Resulta da primeira página da escritura pública que o contrato foi entregue na Repartição de Finanças, de acordo com o carimbo nela aposto.
  Acresce que é manifesto que a obrigação de pagamento de selo se encontra prescrita, uma vez que, a não ter sido cumprida, nasceu há cerca de 42 anos, conforme o disposto no artigo 48º da LGT, sendo o conhecimento da prescrição de conhecimento oficioso.
  A decisão recorrida aplicou erradamente o disposto no artigo 15º nº4 da Lei 6/2006 (NRAU) e viola o disposto nos artigos 65º, 137º e 138º do Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pelo Decreto 12 700 de 20/11/26 e artigo 48º da Lei Geral Tributária, devendo se revogada, ordenando-se o prosseguimento do PED junto do BNA. 
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A questão a decidir é a de saber se se verifica o fundamento de recusa do requerimento de despejo por falta de pagamento do imposto de selo.
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FACTOS.
Os factos a atender são os que constam no relatório do presente acórdão e ainda:
A escritura pública em que foi celebrado o contrato dos autos tem a data de 5 de Março de 1975.
A escritura contém a seguinte conta: Art 18º nº1… 30$00, Art 26º e 32º… 18$00, Selo do acto… 15$00, Selo do papel…30$00, Total… 93$00.
Na escritura está aposto um carimbo de entrada na Repartição de Finanças de Moscavide, com a data de 13 de Março de 1975.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
O procedimento especial de despejo, que os apelantes iniciaram com o seu requerimento no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), está regulado nos artigos 15º a 15º-S da Lei 6/2006 de 27/2 (NRAU), sendo, nos termos do nº1 do referido artigo 15º, o meio processual de o senhorio pôr termo ao contrato de arrendamento nos casos em que o arrendatário não desocupa o locado na data prevista na lei ou na data prevista na convenção entre as partes, encontrando-se entre esses casos a resolução do contrato a que se refere o nº 2 alínea e) do mesmo artigo.

Estabelece o nº4 deste artigo 15º, na redacção da Lei 79/2014 de 19/12, que “o procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC”.

Por seu lado, o artigo 15º-C nº1 alínea i) contempla como um dos fundamentos de recusa pelo BNA do requerimento do procedimento especial de despejo “não se mostrar pago o imposto do selo ou liquidado o IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado, nos últimos quatro anos, salvo se o contrato for mais recente”.

No presente caso o BNA recusou o requerimento especial de despejo por não se mostrar pago o imposto de selo.
Contudo, sendo o contrato do ano de 1975, há muito que decorreu o prazo de prescrição deste imposto, previsto no artigo 48º da Lei Geral Tributária (DL 398/98 de 17/2), excepção que, não só foi invocada pelos apelantes, como é de conhecimento oficioso nos termos do artigo 175º do Código de Processo Tributário (DL 433/99 de 26/10), não sendo aceitável que uma obrigação tributária prescrita seja impedimento do prosseguimento do procedimento de despejo (ver sobre esta matéria o ac, RL de 10/04/2014, p. 2173/13, em www.dgsi.pt, no âmbito da redacção do NRAU antes da Lei 79/2014 de 19/12, quando ainda não se previa como alternativa ao pagamento do imposto de selo a liquidação do IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado).

Dir-se-á, porém, que deverá considerar-se cumprida a exigência do artigo 15º-C nº1 i) do NRAU, face aos elementos constantes dos autos.

O imposto de selo, actualmente regulado no Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei 150/99 de 11/9, estava, à data do contrato em apreço, regulado no Decreto 12 700 de 20/11/26, cuja forma de cobrança estava contemplada nos respectivos artigos 65º, 137º, 137 e 138º e a Tabela Geral do Imposto de Selo estava prevista no Decreto 21 916 de 28/11/32, na redacção do DL 375/74 de 20/8, reportando-se os seus artigos 16º e 93º ao selo devido na escritura pública de contrato de arrendamento.

Da conta que consta na escritura pública não é possível retirar que o pagamento do imposto de selo aí está incluído, mas o registo do contrato na repartição de finanças, oito dias depois da celebração do contrato, tem de considerar-se suficiente para se concluir que foi satisfeita a obrigação tributária em apreço, tendo em atenção que é este registo que desencadeia o respectivo processo de pagamento.

Na verdade, tendo o contrato sido outorgado pela forma legal mais solene, ou seja, por escritura pública, que à data conferia ao notário meios de fiscalização das obrigações fiscais e tendo o mesmo sido registado na Repartição de Finanças, não é razoável exigir-se que, mais de quarenta anos depois da celebração do contrato nas condições descritas, estas não sejam consideradas suficientes para facultar ao interessado um meio expedito de operar o despejo ao abrigo do novo regime do RAU e, ao mesmo tempo, satisfazer a intenção do combate à informalidade e à economia paralela, subjacente às normas deste diploma (cfr neste sentido o citado ac RL de 10/01/2014).

Conclui-se portanto que está preenchido o requisito legal imposto no artigo 15º nº1 i) do RAU, procedendo as alegações de recurso.   
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, revogando-se o despacho recorrido, considera-se estar cumprido o requisito do artigo 15º-C alínea i), 1ª parte do NRAU, devendo ser admitido o requerimento do procedimento especial de despejo.
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Sem custas. 
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Lisboa,  2018-01-25
                                                                      
Maria Teresa Pardal                                                                     
Carlos Marinho                          
Anabela Calafate