Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16/10.9TMLSB-A.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: ALIMENTOS A EX-CONJUGE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Os alimentos devidos no âmbito da sociedade conjugal devem, pois, ser enquadrados como uma das vertentes do dever de assistência, que compreende a obrigação do cônjuge prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar devendo, pois, ser apurado o nível de vida económico e social de que o casal usufruía antes da separação de facto –
II. Com a reforma operada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que alterou a redacção do artigo 2016.º do Código Civil e aditou o artigo 2016.º- A ao mesmo diploma legal, foram alterados de forma muito significativa os critérios para a atribuição dos alimentos a ex-cônjuges, sendo dois os princípios basilares de tais alterações:

1. – “Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” – artigo 2016., n.º 1;

2. – “O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” – artigo 2016.º-A, n.º 3.

III. Encontrando-se ambos os ex-cônjuges numa situação deficitária, sendo que, mesmo assim, o Réu assegura o pagamento de diversas despesas da A (o Réu assegura as despesas que acima se discriminaram à A., ajuda a filha comum com bens alimentares em montante nunca inferior a € 250,00 mensais, paga os passes à filha e netos, no valor de € 105,00 mensais e paga as explicações ao neto no valor de € 40,00 mensais.

IV. Para além dessas despesas, suporta ainda aquelas que decorrem do facto de, aos fins de semana, ir de sua casa, no Seixal, a Lisboa, para ir buscar os seus netos de carro a casa da A. e passar os fins de semana com os mesmo, entregando-os Domingo à noite à mãe, filha dos Apelantes)., entende-se que mais não se lhe pode ser exigido.

Como decorre da matéria de facto dada como provada, o Réu assegura as despesas que acima se discriminaram à A., ajuda a filha comum com bens alimentares em montante nunca inferior a € 250,00 mensais, paga os passes à filha e netos, no valor de € 105,00 mensais e paga as explicações ao neto no valor de € 40,00 mensais.

Para além dessas despesas, suporta ainda aquelas que decorrem do facto de, aos fins de semana, ir de sua casa, no Seixal, a Lisboa, para ir buscar os seus netos de carro a casa da A. e passar os fins de semana com os mesmo, entregando-os Domingo à noite à mãe, filha dos Apelantes, em ….

Neste quadro fático, e sem necessidade de mais e maiores explicações, por se considerarem despiciendas, podemos afirmar que não assiste direito à A. de peticionar ao Réu a fixação de uma pensão de alimentos após o divórcio, não sendo de esquecer os montantes que a mesma já aufere a esse título, embora sem essa designação e qualificação no âmbito deste processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:      Acordam noTribunal da Relação de Lisboa


I. RELATÓRIO

LC, propôs contra JC, a presente acção de Alimentos Definitivos, que segue a forma de processo ordinária.

Para o efeito, alegou, em súmula, que contraiu casamento com o Réu em 24 de Junho de 1963 e que este  instaurou acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge. Ambos viviam em comunhão de mesa e leito, nunca a A. o tendo impedido de entrar em casa, até que este abandonou o lar, saindo de casa sem lhe dar nenhuma explicação, deixando de lhe entregar qualquer quantia para o seu sustento, afirmando ainda que  mantinha a intenção de restabelecer a vida em comum.

Mais alegou que até Julho de 2005 o Réu entregava-lhe voluntariamente a quantia mensal de € 1.250,00 para as despesas correntes da casa (alimentação de ambos, dos filhos e dos netos que os visitavam), bem como pagava as despesas de electricidade, gás, condomínio e seguros da casa, tendo deixado de contribuir para as referidas despesas domésticas a partir daquela data.


O Réu aufere a título de reforma o valor mensal de € 2.800,00 e a A. aufere uma pensão mensal no valor de € 274,79, não tendo outro rendimento nem podendo obtê-lo, atendendo à sua idade e saúde.

Antes do Réu abandonar o Lar, a família tinha uma situação financeira estável. Conclui, assim, que a situação financeira do Ré é desafogada e a A. vive da sua pensão e da ajuda de terceiros, despendendo com alimentação, medicamentos e vestuário uma quantia mensal não inferior a € 500,00 à qual acresce o correspondente às despesas normais de manutenção da casa, numa quantia de € 600,00 mensais.

Pede, aassim, que o Réu seja condenado a pagar-lhe a título de alimentos a quantia não inferior a € 800,00 mensais.

Citado o Réu, deduziu contestação, impugnando parte dos factos alegados pela A. e alegando, em resumo, que efectivamente em Agosto de 2008 ocorreu uma separação de facto do casal por si constituído com a A., sendo que a partir dessa mesma data, passou a residir no Seixal, ai comendo e dormindo.

Referiu ainda que o valor da pensão de reforma de que beneficiava era de € 2.811,00 em 2010, mas em 2011 passou a ser de € 2.711,00.

A A. detém outros rendimentos além da sua pensão de reforma, nomeadamente, dois complementos de reforma ou equivalentes, num total de, pelo menos, € 75,00 mensais, assim como não detém as despesas nos montantes que apresenta, mas sim em montantes inferiores, sendo que alguns dos encargos que a mesma invoca, são suportados pelo próprio Réu, como seja os impostos relativos à casa onde aquela vive.

Invoca ainda o Réu uma série de despesas a seu cargo, num montante mensal aproximado de € 2.400,00 assim como necessitar de ajudar economicamente a sua filha e netos e padecer de problemas de saúde, ambos factores que agravam a sua condição financeira, sobrando-se cerca de € 300,00 mensais, os quais destina a fazer face a despesas imprevistas, nomeadamente, com a sua saúde.

Termina, alegando que a A. não necessita de alimentos, nem o próprio deter condições para contribuir com qualquer valor a título de prestação mensal para aquela.

Procedeu-se à realizção de Audiência de Discussão e Jjulgamento, com observância das formalidades legais, proferindo-se decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, acompanhada da respectiva fundamentação, constante dos autos e constante de fls. 292 e ss, sobre a qual não recaiu qualquer reclamação, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e, nessa conformdade, condenou o Réu a pretar alimentos à A. no valor mensal de € 250,00 devidos desde a instauração da acção (Março de 2011) e até à dissolução do vínculo conjugal ocorrida em Junho de 2012.

Inconfomada com o assim decididio, a A. interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

(…)
Conclui, assim, pelo provimento do recurso e pela revogação da sentença recorrida.

Inconformado também com o decidido, o Réu interpôs, subordinadamente, recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:
(…)

Conclui, assim, pela procedência do recurso com a sua consequente absolvição do pedido de alimentos a favor da A. e com a revogação da sentença recorrida.

Para o caso de assim se não entender, pede subsidiariamente que a sua condenação em alimentos a favor da A. seja fixada em valor substancialmente inferior a € 100,00.

A. e Ré contra-alegaram, respectivamente, mantendo as posições inicialmente defendidas nos recursos apresentados.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II. FACTOS PROVADOS

(…)

III. FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso.

O conteúdo de tais conclusões deve ainda obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas que devem ser objecto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas tão só aqueles que fazem parte do respectivo enquadramento legal, como linearmente decorre do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil (artigo 5.º do Código de Processo Civil na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

No presente recurso principal a A./Apelante coloca questões que se reportam, essencialmente, a saber se a acção proposta pretendia apenas a fixação de alimentos durante o período de separação de facto do casal, conforme foi o entendimento do Tribunal de 1.ª Instância ou se, pelo contrário, se reportava quer aos alimentos devidos durante essa separação de facto, quer àqueles que devem ser fixados após o decretamento do divórcio, conforme defendido pela A.

Também o Réu interpõe recurso subordinado em que questionando parte da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, conclui pedindo a sua alteração e a sua consequente absolvição do pedido formulado pela A. Defende ainda que deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, na parte respeitante ao entendimento de que os alimentos a considerar e peticionados estão circunscritos ao período temporal considerado na decisão proferida.

Muito embora este recurso interposto pelo Réu/Apelante tenha sido apresentado em momento posterior àquele que foi apresentado pela A./Apelante, proceder-se-á ao seu conhecimento em primeiro lugar, por razões de ordem lógica uma vez que, só após fixada a matéria de facto, deve incidir a respectiva apreciação em termos de Direito.
 
Nestes termos, proceder-se-á à apreciação do recurso interposto pelo Réu e, só após, à apreciação do recurso interposto pela A.

Assim, é de se ter presente que o questionar da matéria de facto dada como provada inscreve-se como uma prorrogativa de que as partes gozam, nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil [artigo 662.º do Código de Processo Civil na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], desde que a sua impugnação obedeça ao cumprimento de determinadas regras processuais.

Como é pacífico, nestas situações estamos perante uma reapreciação da prova que tem por escopo permitir que o Tribunal de recurso emita um juízo crítico sobre a adequação entre a prova realizada em 1.ª Instância e a matéria de facto dada como provada, cumprindo à parte reclamante expor a sua discordância por referência aos termos daquela decisão e fundamentação nos temos do disposto nos artigos 685.º-B e 712.º do Código de Processo Civil [artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho].

No presente caso esse ónus foi cumprido pelo Réu/Apelante o que determina que se proceda à requerida reapreciação da prova em relação aos quesitos 10.º, 13.º e 16.º da Base Instrutória que o Réu/Apelante considera que foram incorrectamente julgados.

Para uma melhor compreensão dos factos procede-se à transcrição dos quesitos em causa, respectiva resposta e fundamentação que mereceram por parte do Tribunal de 1.ª Instância.

Quesito 10.º - “A estas despesas acrescem as despesas normais de manutenção da habitação, tais como, electricidade, água, gás, telefone, artigos de limpeza, despesas de condomínio, transportes, Imposto Municipal sobre Imóveis e Taxa de Esgotos, seguro multirriscos/habitação e outras despesas diversas, numa quantia mensal não inferior a € 600,00”.

Resposta: “Provado apenas que, a estas despesas, acrescem as despesas normais da manutenção da habitação, tais como a electricidade, água, gás, telefone, artigos de limpeza, despesas de condomínio, transportes, imposto municipal sobre imóveis e taxa de esgotos, seguro multi-riscos habitação, que ascendem a montante global não inferior a € 250,00”

Fundamentação: “o tribunal atendeu aos documentos juntos a fls. 9 e seguintes e 97 e seguintes. Analisados os documentos, feita a conta aritmética, e ponderado o tempo decorrido, encontrou-se, por excesso, a média que justificou a restrição na resposta”.

Resposta proposta pelo Apelante: “A estas despesas acrescem as despesas normais de manutenção da habitação, tais como electricidade, água, gás, telefone, artigos de limpeza, despesas de condomínio e transportes, que ascendem a montante global não inferior a € 100,00”.

Quesito 13.º - O valor líquido da pensão do Réu em 2010 era de € 2.811,00 e em 2011 era de € 2.711,00”.

Resposta: “Provado”.

Fundamentação: “o teor dos quesitos 13 e 14 decorre das Declarações de Rendimentos e respectivas notas de liquidação apresentadas pelas partes”.

Resposta proposta pelo Apelante: “O valor líquido da pensão do Réu em 2010 era de € 2.811,00, em 2011 era de € 2.711,00 e a partir de 08-03-2013 de € 1.939,03 mensais já inclui os duodécimos correspondentes ao 13.º mês”.
Quesito 16.º - “O Réu sofre de diabetes, asma crónica, problemas pulmonares e hipertensão, pelo que necessita de acompanhamento médico conatante, tendo despesas relacionadas com a saúde, em valor mensal não inferior a 200,00 €”.

Resposta: “Provado apenas que o Réu sofre de diabetes, asma crónica, problemas pulmonares e hipertensão, pelo que necessita de acompanhamento médico, suportando despesas de saúde de valor médio mensal não inferior a € 140,00”.

Fundamentação: “Na resposta restritiva ao quesito 16.º, o tribunal considerou a informação médica de fls. 215 e 216, atinentes às patologias de que padece o A. bem como à medicação prescrita em conformidade. Além dessa informação, o Réu juntou, a fls. 212-214, extractos bancários dos quis constam despesas de farmácia suportadas durante um período de cerca de 30 dias compreendido entre Janeiro e Fevereiro de 2013.  É certo que se desconhece o que comprou o Réu e para quem. Porém, os valores resultantes ascendem a cerca de € 140,00. O que se reputa plenamente congruente com as necessidades medicamentosas patentes na informação médica. Nesta confluência, por recurso ainda às regras da lógica e da experiência comum, o tribunal julgou pertinente atender ao valor resultante dos próprios documentos juntos pelo Réu e reputou avisado restringir levemente a resposta. Note-se que o Réu nada mais juntou com relevo a este nível, não tendo carreado sequer factura atinente a consulta médica”.

Resposta proposta pelo Apelante: “O Réu sofre de diabetes, de asma crónica, problemas pulmonares e hipertensão, pelo que necessita de acompanhamento médico, suportando despesas de saúde de valor médio mensal não inferior a € 180,00”.

Analisemos cada uma destes quesitos, respostas dadas e a fundamentação que mereceram.

O primeiro dos quesitos é um complemento do quesito anterior [9.º], cuja transcrição se impõe para poder ser analisada a questão colocada pelo Réu/Apelante:

“Com alimentação, medicamentos e vestuário, a Autora despende mensalmente uma quantia não inferior a € 500,00”

E que mereceu a seguinte resposta: “Provado apenas que, com alimentação, medicamentos e vestuário, a A. despende mensalmente uma quantia que ronda os € 350,00”.

A fundamentação à resposta a este quesito foi a seguinte: “No tocante às despesas de saúde suportadas pela A., compulsados dos documentos juntos a fls. 85 e seguintes, verificou-se que em março de 2011, em duas consultas e em medicação, a A. pagou cerca de € 135,00. Todavia, analisados os demais documentos, constata-se que as despesas mensais em medicação, carreadas para os autos, respeitantes aos meses subsequentes, oscilam entre € 4,00 e € 20,00. Nesta confluência, foi mister responder restritivamente ao quesito 9.º”.

Ora, da análise dos documentos juntos aos autos e ali mencionados, podemos verificar que, em parte, assiste razão ao Réu/Apelante, no que se reporta à resposta dada ao quesito 10.º da Base Instrutória.

Com efeito, basta a soma das despesas indicadas àquele título pela A. e a sua subsequente divisão pelos doze meses do ano para verificarmos que a média mensal encontrada é a de € 116,19 - valor que fica muito aquém dos € 350,00 dados como provados.

Provavelmente, ao elaborar-se a referida “conta aritmética”, o Tribunal não terá atentado ao facto de algumas daquelas despesas ali referidas reportarem-se a dois meses, e não a um apenas, como é o caso do gás e da electricidade, assim como ao caso dos esgotos, que são fracionados e pagos duas vezes ao ano (sendo que a este item nos iremos referir mais á frente).

Ora, aos valores comprovadamente suportados pela A. somou-se ainda, neste Tribunal, o valor de um passe social de terceira idade, no montante de € 13,00 mês, por se tratar de uma despesa cujo valor é do conhecimento comum.

Por outro lado, nada há nos autos que nos permita afirmar que é a A. que paga o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) em relação à casa que habita, sendo certo que o Réu afirma ser ele a proceder à liquidação desse valor, no que não foi contrariado pela A. Assim, sendo, este descritivo não pode fazer parte da resposta dada ao quesito em questão.

Também o descritivo relativo ao pagamento da taxa municipal de esgotos e seguro de habitação da casa em que a A. reside é suportado pelo Réu, conforme resulta do Ponto 16 dos Factos Provados e que não está em discussão nos autos.

Acresce que, entende-se não ser de descurar o facto de o Tribunal ter dado como provado que, pelo mesmo tipo de despesas, o Réu suportava o pagamento mensal de uma quantia “não inferior a € 100,00” – Ponto 15 dos Factos Provados – e não se conhecem despesas adicionais que a A. possa fazer nos itens ali referidos e que o Réu os não faça. Bem pelo contrário, haverá despesas de casa que o Réu terá de suportar e que a A. poderá realizar, como aqueles a que acima já nos referimos.
 
Seja como for, a verdade é que nada há nos autos que permita afirmar que a A. tem mais despesas do que o Réu, nos itens em apreciação e que permita, assim, fazer uma distinção de valores entre ambos.

Assim, a resposta ao quesito 10.º - e que corresponde ao Ponto 7 dos Factos Provados - deve ser aquela que é proposta pelo Apelante e que se passa a transcrever:

“A estas despesas acrescem as despesas normais de manutenção da habitação, tais como electricidade, água, gás, telefone, artigos de limpeza, despesas de condomínio e transportes, que ascendem a montante global não inferior a € 100,00”.

Relativamente ao valor da pensão do Réu é facto notório, sendo do conhecimento de qualquer cidadão comum, que face á grave crise económico-financeira que assolou e assola o País, desde 2012 que as pensões superiores a € 1.110,00 passaram a ser pagas apenas doze vezes por ano e, desde 2013, com uma redução decorrente da Contribuição Extraordinária de Solidariedade – artigo 25.º do OGE para 2012 - Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro - artigo 78.º do OGE para 2013 – Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 3/2013, de 10 de Janeiro.

Do exposto resulta, necessariamente, que a pensão auferida pelo aqui Réu e considerada na resposta dada a este quesito, foi objeto de quebra, no período temporal ali mencionado, circunstância que o Tribunal não podia deixar de atender tanto mais que, na decisão a proferir, o Tribunal deve ter em conta todos “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” – artigo 663.º, n.º 1 do Código de processo Civil [com idêntica redacção no artigo 611.º do Código de Processo Civil Revisto]. 

Esse atendimento, porém, apenas pode ter lugar no momento em que o Tribunal está a apreciar as questões de Direito e a proferir uma decisão actualizada e não, como o pretende o Apelante, quando está a responder aos quesitos, no âmbito da matéria ali perguntada.

Nesse contexto, o Tribunal não pode responder para além do que consta do quesito, ressalvadas as questões interpretativas e explicativas que se contenham no âmbito do mesmo quesito.

Assim, mantém-se a resposta dada ao quesito 13.º da Base Instrutória - que corresponde ao Ponto 9 dos Factos Provados.
Em sede própria, no caso, na apreciação de Direito colocada pela A./Apelante, como já acima deixamos expresso, será alisada a questão colocada pelo Réu/Apelante no âmbito desta impugnação da matéria de facto reportada ao montante da sua pensão.

Finalmente, no que se reporta à resposta dada ao quesito 16.º da Base Instrutória cumpre referir que o Tribunal analisou os documentos juntos aos autos, realizando uma interpretação cuidadosa dos mesmos.

Porém, a verdade é que parece não ter considerado alguns desses elementos [nem estes são mencionados na respectiva Fundamentação à fixação da matéria de facto, como é o caso das Declarações de IRS apresentadas pelo Réu, relativas aos anos de  2010 e 2011 - juntas a fls. 201/ss e 206/ss], e cuja soma aritmética nos permitiria encontrar um valor de despesas médicas mensais na ordem dos € 180,00.

Este dado, correlacionado com os graves problemas de saúde relatados na informação médica de fls. 215/216, acima referida, permite concluir pela procedência do requerido pelo Apelante.

Assim, a resposta ao quesito 16.º - e que corresponde ao Ponto 12 dos Factos Provados - deve ser aquela que é proposta pelo Apelante e que se passa a transcrever:

O Réu sofre de diabetes, de asma crónica, problemas pulmonares e hipertensão, pelo que necessita de acompanhamento médico, suportando despesas de saúde de valor médio mensal não inferior a € 180,00”.

Para uma melhor apreciação das demais questões colocadas pelas partes, passa-se a transcrever a totalidade da matéria de facto provada, com as alterações já introduzidas, e que será tida em consideração na decisão de Direito a proferir:

(…)

Decidida a questão de facto, passemos agora à análise da questão de Direito colocada pela A./Apelante nas suas conclusões de recurso, no caso, saber se a mesma deduziu ou não um pedido de “fixação de um regime de alimentos provisórios, logo destinado a prover as suas necessidades até obter sentença transitada de divórcio, bem como uma pensão de alimentos a título definitivo, como consequência do divórcio e nos termos em que a lei o prevê, sendo essa cumulação de pedidos de divorcio e de alimentos definitivos expressamente consentida pelo nº 2 do artº 470º do CPC” – conclusão n.º 5 do recurso apresentado.

Se examinarmos a petição inicial podemos constatar que logo na página inicial a A., invocando o disposto no artigo 470.º, n.º 2, do CPC, refere propor “acção de alimentos definitivos” contra o Réu.

No decorrer dessa petição é alegada a separação de facto do casal, a existência de uma acção de divórcio proposta pelo Réu, assim como um conjunto de despesas que a A. afirma suportar, concluindo pelo pedido de condenação do Réu a pagar uma “prestação mensal a seu favor na importância de € 800,00” – Ponto 19 daquele articulado.

Aliás, reforçando esse pedido, diz-se no Ponto 20 desse mesmo articulado: “Assim, deve o Réu (ali mencionado como sendo o A., por manifesto lapso), ser condenado a prestar à Ré (quando se querida dizer A.) uma pensão de alimentos de valor não inferior ao indicado no artigo antecedente.

Como podemos verificar, não há qualquer referência a um pedido de alimentos que abranja os dois momentos temporais distintos (na vigência da separação de facto / após o divórcio) sendo indiscutível que, em relação a cada um deles, vigoram pressupostos jurídicos para atribuição de uma pensão de alimentos muito diversos.

A simples referência ao artigo 470.º, n.º 2, do Código de Processo Civil na petição inicial apresentada – sendo este o único dispositivo citado – não permite desfazer as dúvidas que a acção instaurada, nos termos em que o foi, pode suscitar, tanto mais que se trata de uma norma processual e a questão que estamos a discutir é de direito substantitvo. 

Atendendo, porém, ao contexto em que a acção é instaurada, ao facto de todos os elementos necessários para a decisão a proferir terem sido alegados e objeto de prova, bem como ao princípio da economia processual, devemos considerar que a acção instaurada pela A. se propunha alcançar uma decisão sobre ambos os períodos temporais em questão. A questão relativa à distinta apreciação para a atribuição dessa mesma pensão constitui já uma questão de Direito e que, em nada afecta a apreciação a realizar.

Concluindo, na apreciação a realizar, serão considerados dois períodos temporais distintos: o primeiro, que decorre desde a instauração da acção à prolação da sentença de divórcio e respectivo trânsito; o segundo, que decorre desde então.

Analisemos, antes de mais, os pressupostos atributivos de uma pensão de alimentos, em cada um desses períodos.

Assim, é necessário ter presente que, à data da instauração da presente acção em Tribunal – … de Março de 2011 -, A. e Réu estavam casados um com o outro desde … de 1963 e separados de facto desde Agosto de 2005.
Por sentença transitada em julgado em … de Junho de 2012, foi decretado o divórcio entre A. e Réu.
 O pedido formulado pela A. deve, por essa razão, e num primeiro momento, ser analisado no âmbito da sociedade conjugal, com aplicação do disposto nos artigos. 2015º e 1675º do Código Civil, e não na situação de cessação de tal sociedade conjugal, caso em que é aplicável o disposto nos artigos 2016.º, n.º 1 e 2016.º-A do mesmo diploma legal.
Os alimentos devidos no âmbito da sociedade conjugal devem, pois, ser enquadrados como uma das vertentes do dever de assistência, que compreende a obrigação do cônjuge prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar devendo, pois, ser apurado o nível de vida económico e social de que o casal usufruía antes da separação de facto – neste sentido, entre outros, Maria Nazareth Lobato Guimarães, Reforma do Código Civil, 1981, pág. 191.
Porém, na prática, com a separação de facto do casal esse nível de vida dificilmente poderá ser igualado, desde logo, porque como decorrência dessa mesma separação foram criados dois núcleos de vida distintos, com despesas próprias, diferenciadas, inerentes a cada um dos membros do casal. Assim, muito embora a obrigação alimentícia a prestar deva respeitar uma aproximação o mais vizinha possível do nível de vida antes mantida pelo casal, não nos podemos esquecer também de socorrer do princípio da proporcionalidade, a estabelecer entre as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do devedor, respeitando a independência desses dois agregados familiares autónomos, formados a partir da separação de facto – artigo 2004º do CC – para que ambos os cônjuges possam viver com dignidade e em situações de facto idênticas. 
No presente caso encontra-se provada a existência da separação de facto entre os cônjuges desde Agosto de 2005 sendo que a presente acção apenas deu entrada em Tribunal no dia 28 de Março de 2011, sendo esta última data aquela que se irá considerar para efeitos de início da obrigação alimentícia a fixar, no caso de a mesma ser devida.   
Ora, em Março de 2011 o Réu auferia uma pensão de € 2.711,00 e tinha despesas que ascendiam a € 2.004,01. Nessa mesma altura, a A. tinha rendimentos no valor de € 349,79 e despesas no valor de € 450,00 sendo que auferia ainda do benefício de viver em casa em relação á qual não pagava qualquer montante e de ser o Réu a suportar as despesas com o IMI, taxa de esgotos e seguros multi-riscos habitação, situação essa que, aliás, que se mantém até á presente data.
Assim, podemos apurar que as despesas mensais suportadas pelo Recorrente/Réu, apuradas em julgamento, ascendiam em 2011 a € 2.004,01 o que permite apurar um saldo positivo nessa data de € 706,99. Em relação à Recorrente/A. podemos apurar um deficit de € 100,21.
O Réu, no entanto, para além de ajudar a então mulher [e agora, ex-mulher], quer com a habitação e pagamento das despesas que acima se deixaram já individualizadas, ajuda também filha e netos comuns, suportando despesas que lhe retiram pare dos seus proventos.
Sendo certo que a Ré tem actualmente setenta e oito anos de idade, não menos certo é que o Réu tem também setenta e seis anos de idade, pelo que ambos se encontram numa fase da vida em que as necessidades médicas são mais prementes e a possibilidade de poderem exercer qualquer actividade remunerada é praticamente inexistente.
  Analisados todos estes factos podemos afirmar que a diferença entre o saldo negativo da A./Recorrente e o saldo positivo do Réu/Recorrente permite-nos fixar à primeira, no período compreendido entre a data da entrada da acção em Tribunal e a data do trânsito em julgado da sentença de divórcio, uma pensão de alimentos no montante de € 100,00 mensais, quantia esta que não impedia este último de manter a sua vida normal.
Esta situação altera-se, no entanto, após a sentença de divórcio, por serem distintos os critérios de atribuição de tal pensão, como acima se deixou já exposto, para além de que, desde então, a sua situação económica também se alterou de forma muito significativa.

Com efeito, e conforme acima já se deixou afirmado, desde 2012 que as pensões superiores a € 1.110,00 passaram a ser pagas apenas doze vezes por ano e, desde 2013, com uma redução decorrente da Contribuição Extraordinária de Solidariedade. Ora, tendo presente que o Réu juntou aos autos cópia da sua caderneta bancária em que são diferenciadas as despesas e os créditos ali depositados, e sendo que relativamente a este último item consta o depósito realizado em 08 de Março de 2013, no valor de € 1.939,03 correspondente à sua pensão de reforma – documento e afirmação que não foram objeto de impugnação por parte da A. -, sempre seria este o valor da pensão a considerar a partir daquela data.

Assim, sempre seria de colocar uma questão que se considera pertinente: como pode ser exigível a este Réu/Apelante que neste momento também está numa situação de insolvência - tendo um deficit mensal de € 64,98 – que contribua com qual quer importância para o seu ex-cônjuge?
Trata-se, porém, de uma falsa questão, atento o contexto jurídico em que se insere.

            Na verdade, e como acima já se deixou expresso, decretado o divórcio, a obrigação de alimentos do Réu para com a A. tem já contornos distintos, sendo também incontornável que não nos podemos esquecer que o Réu continua ainda a contribuir com alimentos à ex-mulher, assegurando pagamentos diversos que vão desde a possibilidade de esta habitar uma casa em relação à qual não paga qualquer montante, assim como o de proceder ao pagamento do IMI, taxa de esgotos e seguros multi-riscos habitação respeitantes àquela mesma habitação.

            Esses contributos nunca podem deixar de ser considerados como alimentos tendo presente a noção leal dos mesmos, inscrita nos artigos 2003.º e seguintes do Código Civil.

            Por outro lado, com a reforma operada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que alterou a redacção do artigo 2016.º do Código Civil e aditou o artigo 2016.º- A ao mesmo diploma legal, foram alterados de forma muito significativa os critérios para a atribuição dos alimentos a ex-cônjuges, sendo dois os princípios basilares de tais alterações:

1. – “Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” – artigo 2016., n.º 1;

2. – “O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” – artigo 2016.º-A, n.º 3.

Ora, se no presente caso temos ambos os ex-cônjuges numa situação deficitária, sendo que, mesmo assim, o Réu assegura o pagamento de diversas despesas da A., entende-se que mais não se lhe pode ser exigido.

Como decorre da matéria de facto dada como provada, o Réu assegura as despesas que acima se discriminaram à A., ajuda a filha comum com bens alimentares em montante nunca inferior a € 250,00 mensais, paga os passes à filha e netos, no valor de € 105,00 mensais e paga as explicações ao neto no valor de € 40,00 mensais.

Para além dessas despesas, suporta ainda aquelas que decorrem do facto de, aos fins de semana, ir de sua casa, no Seixal, a Lisboa, para ir buscar os seus netos de carro a casa da A. e passar os fins de semana com os mesmo, entregando-os Domingo à noite à mãe, filha dos Apelantes, em ….

Neste quadro fático, e sem necessidade de mais e maiores explicações, por se considerarem despiciendas, podemos afirmar que não assiste direito à A. de peticionar ao Réu a fixação de uma pensão de alimentos após o divórcio, não sendo de esquecer os montantes que a mesma já aufere a esse título, embora sem essa designação e qualificação no âmbito deste processo.

           

            IV. DECISÃO
 Face ao exposto, julgam-se parcialmente procedentes as Apelações e, nessa conformidade, procede-se à alteração da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos seguintes termos:
       - procede-se à alteração das respostas dadas aos quesitos 10.º (Ponto 7 dos Factos Provados) e 16.º (Ponto 12 dos Factos Provados), nos termos que acima se deixaram consignados, mantendo-se inalterada a demais matéria de facto dada como provada;

  - condena-se o Réu no pagamento da quantia de € 100,00 mensais, a título de alimentos à A., no período compreendido entre Março de 2011 (data da instauração da acção) até Junho de 2012 (data da dissolução do vínculo conjugal);

    - conhecendo do pedido de fixação de alimentos definitivos após a dissolução do vínculo conjugal, formulado pela A., julga-se o mesmo improcedente, absolvendo-se o Réu.

            Custas por A. e Ré.

       Lisboa, 09 de Julho de 2014

       Dina Maria Monteiro

       Luís Espírito Santo

       José Gouveia Barros