Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
165/14.4TXLSB-M.L1-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
JUÍZO DE PROGNOSE FAVORÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: ITendo o arguido atingido os dois terços da pena, a sua libertação condicional pode ter lugar se se revelar adequada às necessidades de prevenção especial;

IIA concessão da liberdade condicional está dependente de um requisito em que se acentuam essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social. È assim, relevante a capacidade objectiva de readaptação demonstrada pelo recluso, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da liberdade, o que só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, vir a adoptar um comportamento socialmente responsável, sem cometer crimes, requisitos esses que não se verificam no caso dos autos estando estes também respaldados pelo parecer dos membros do conselho técnico.;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:


No nuipc 165/14.4TXLSB-M.L1, aqui redistribuído em 2021.02.04, foi, em vista de eventual concessão de liberdade condicional, proferida sentença no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 5, pela qual se não concedeu a liberdade condicional ao arguido/recorrente, AA, porque,em suma, escalpelizados todos os aspetos, não se verifica que estes permitam elaborar o juízo de prognose favorável ínsito à concessão da liberdade condicional a partir dos 2/3 da pena. Razões de prevenção especial determinam, portanto, que se acompanhe o parecer unânime dos membros do conselho técnico e do Ministério Público.

***

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, formulando as extensas (“num total de 112”, uma delas/36.ª “vazia” - que, como sublinha o Ministério Público,supostamente resumem a argumentação contida em 21 das 41 páginas da motivação de recurso”, e infra transcritas na íntegra apenas por razões de celeridade processual - cf. Código de Processo Penal, artigos 412.º, n.º 1, in fine, e 417.º, n.º 4

seguintes conclusões:
1.Entendeu a Exma. Juiz "a quo" que resulta, no caso concreto, o seguinte:

a)- Circunstâncias do caso: o recluso encontra-se, agora, em cumprimentoda pena de 12 anos e 2 meses de prisão, aplicada no processo n.º 3825/09.8TACBR do juiz 11 do juízo central criminal do Porto, que, para além das próprias, cumulou as penas aplicadas ao arguido nos processos n.º 574/02.1TACTX, n.º 1411/09.1TDLSB, n.º 120/02.7TASCD, n.º 239/07.8PGAMDd e n.º 820/99.7JAFAR, pela prática, entre 1998 e 2011, de três crimes de burla qualificada, um crime de burla simples, um crime de usurpação de funções, um crime de desobediência, três crimes de falsificação de documento, dois crimes de burla na forma tentada, um crime de insolvência dolosa, um crime de branqueamento e um crime de manipulação de mercado.
b)- Cumprimento da pena: início em 19/08/2011 (assinalando-se ainda, 11 dias de desconto), meio da pena em 08/09/2017, dois terços em 18/09/2019, cinco sextos em 28/09/2021 e termo em 08/10/2023.

c)-Que o recluso:

h)- Autodefine-se com uma pessoa empreendedora e ambiciosa, características que em seu entender o levaram à prática dos crimes; adopta um discurso elaborado, mas evasivo e cauteloso nas informações veiculadas, procurando transmitir uma imagem de acordo com a desejabilidade social; enaltece as suas competências e da sua mulher; afirma-se arrependido, dizendo ter ficado constrangido em relação à sua família e "à comunidade judaica"; não revela empalia para com as vítimas, centrando as consequências e os danos decorrentes da sua conduta criminal na sua esfera pessoal, e familiar e da comunidade religiosa que alega integrar; denota reduzida consciência autocrítica.
i)- Até à data não se inscreveu para frequentar programas específicos e ou outras actividades;
j)-Também não beneficiou, até à data de qualquer medida de flexibilização da pena;
k)- Relativamente à rede exterior: no decurso da reclusão casou com uma cidadã sérvia; recebe visitas do pai e da actual mulher, beneficiando com esta de visitas íntimas, é esporadicamente visitado por outros familiares; refere que em liberdade projeta adquirir casa própria para viver com a sua mulher - que virá da Sérvia - e a sua filha e que, até que tal projecto se concretize, irá integrar o agregado dos progenitores;
l)- Perante a reinserção social apresentou diversos projectos profissionais para o seu retorno ao meio livre, de forma vaga, e de ramos diferenciados, mormente a possibilidade de abrir uma pequena academia para trabalhar com adolescentes problemáticos e/ou uma clinica médica, o recluso referiu ainda ter um convite de trabalho no ramo da ciber segurança, nos Estados Unidos, por ser oficial senior, acreditado pelos serviços de segurança israelitas, refere que não obstante ter junto contrato de promessa de trabalho (datado de 20/09/2016,a fls. 894), e novamente em contrato de promessa trabalho (datado de 24/04/2018, a fls. 1061 verso), considerou o Tribunal após o contacto da pessoa responsável pela empresa emissora do contrato de promessa de trabalho a "DD", fornecido pelo recluso, que a pessoa estará ligada com entidade que se dirige ao processo de liberdade condicional a interceder pelo recluso ("FF"), estando junto aos autos documento dando conta de que terá sido constituída em 2014, e que o recluso durante a reclusão (em 2015), terá sido eleito presidente do respectivo conselho fiscal;
m)- Que os pais do recluso são reformados e que o pai do recluso adopta uma atitude desculpabilizante para com a conduta criminal deste.
n)- Que a mulher do recluso endereçou várias instâncias, incluindo à DGRSP, escritos apelando a que se actuasse contra a técnica de educação do recluso no estabelecimento prisional, referindo a existência de um pensamento oculto antissemita e insinuando que o recluso é prejudicado "pelo seu pensamento e estilo de vida judaico".
2.Concluindo, assim, pela não concessão de liberdade condicional ao condenado, ora Recorrente.
3.Não concorda o Recorrente com tal fundamentação apresentada pelo Tribunal "a quo", nem pode concordar, conforma infra se irá demonstrar.
4.O Recorrente encontra-se, desde 19/08/2011, no Estabelecimento Prisional da Carregueira, a cumprir, actualmente, uma pena de 12 anos e 2 meses de prisão, designadamente pelos crimes de desobediência, falsificações, burlas qualificadas, insolvência dolosa, branqueamento, manipulação de mercado, e usurpação de funções.
5.Tendo já cumprido 11 dias de privação de liberdade no processo n.º 120/02.7TASCD.
6.Como resulta também que o ora Recorrente esteve preso, ininterruptamente, desde 19/08/2011, ou seja, perfazendo na presente data, 8 anos e 4 meses (contagem até 19/12/2019).

7.Ora, vejamos a liquidação da pena que consta da Sentença em crise:

-Início da pena: em 19/08/2011;

-1/2 da pena seria atingido em 18/09/2017;

-2/3 da pena seriam atingidos em 18/09/2019 (já ultrapassado);

-5/6 da pena seriam atingidos em 28/09/2021;

-Termo da pena seria atingido em 08/10/2023.


8.Efectivamente, conforme liquidação da pena, atingiu os dois terços da pena em 18 de Setembro de 2019, completando os 5/6 em 28 de Setembro de 2021.
9.A nível académico, o recorrente, encontra-se desenvolver o projecto académico de Mestrado, na área de Direito das Migrações da Segurança Europeia, para ser apresentado na Universidade de Madrid.
10.O recluso pretende, em liberdade, ir viver com a mulher e a filha e trabalhar na empresa "DD" (com a qual celebrou um contrato de promessa de trabalho, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls. ...), desempenhando funções de consultor na área de "cyber Inteligente", onde poderá a partir de casa exercer funções, irá desenvolver simultaneamente um projecto para implementação de uma academia de prática de arte marcial Israelita (cujo certificado de habilitação também se encontra junto aos autos a fls....), irá também auxiliar no projecto da clínica médica da esposa, na área da psiquiatria.
11.O Recorrente não tem processos judiciais (penais) pendentes.
12.O Douto Tribunal considera que o recluso nas declarações por si prestadas perante o Tribunal, tem uma postura tradutora da imagem grandiosa que possui de si próprio, procurando, porém, ajustar, o seu discurso à desejabilidade social.
13.Ora, em N/entendimento o Recluso apresentou uma postura bastante correcta e assertiva perante o Tribunal, tendo uma postura educada e cuidada e de acordo com as regras sociais, pelo que, em nada se concorda com o referido.
14.Considera ainda o Douto Tribunal "a quo" que a reduzida consciência autocrítica do recluso ressalta quer da descrição que faz da sua actuação criminal (muito pouco ou nada centrada na autorresponsabilização: refere ter entrado "no jogo" e atribui a prática criminal a aspectos positivos como o empreendedorismo e a ambição), quer do modo como se posiciona face às vítimas (que nitidamente subalterniza face à sua família e à comunidade religiosa que alega integrar).
15.O supra referido não corresponde à realidade, uma vez que o Recluso tem uma consciência bastante autocrítica do sucedido e das consequências que causou com a sua conduta para com as vítimas e para com a sociedade, pelo que referiu estar arrependido do que fez, o que referiu no dia da sua audição pelo Tribunal e tem referido ao longo da sua postura, durante o período de reclusão.
16.O recluso referiu ainda que a reclusão lhe permitiu a aproximação de Deus, mais referindo que já em criança era religioso, tendo-se aproximado mais da sua família.
17.No entanto, cumpre sublinhar que nesta fase da pena, decorridos os dois terços de cumprimento da pena, o art.º 61º, n.º 3, do Código Penal, apenas impõe como requisitos formais o da al. a) do n.º 2 do referido artigo, concretamente a imposição do não cometimento de actividades ilícitas quando em liberdade.
18.Considera também o Douto Tribunal, que a estreita ligação entre o recluso e as várias entidades que no processo intercedem a seu favor resultam também da segunda versão do contrato de promessa da "DD" versão esta alterada no que tange às funções, que deixam de ter referência à vertente económica, e quanto à remuneração que duplica - ser junta aos autos via mail subscrito pela "associação de defesa de direitos humanos" designada "FF". Esta, por sua vez, auto descreve-se como "pequena associação dedicada a acompanhar reclusos" apoiando-os e promovendo a sua reinserção social, e relata, designadamente, que o recluso AA regista "uma evolução da sua forma de estar perante os seus parceiros, e muito globalmente com a sociedade em geral", salientando "a sua atitude de arrependimento" e "inequívoca vontade de não repetir nada de semelhante no futuro", sendo que muito anteriormente em 2015, fora junta ao processo, uma declaração por parte da mesma "FF", dando conta que o recluso é seu sócio fundador, assim como membro dos seus órgãos sociais.
19.Mais tem ainda em linha de conta o Douto Tribunal que o representante da referida associação, BB, é também que subscreve uma carta em nome de uma outra empresa ("XX"), que afirma ter feito um acordo de assessoria com a mulher do recluso.
20.Não obstante o Recluso, ter sido um dos sócios fundadores da associação "FF", o que ocorreu em finais de 2014, cfr. print do sitewww.publicacoes.mi.pt, e junto aos autos como Doc. 1, para melhor entendimento, este este não já é membro dos seus órgãos socias, uma vez que, apresentou a demissão das suas funções em 30/09/2015, aliás conforme Acta n.º 5, junto aos autos como Doc. 2.
21.O que revela que inexiste "estreita ligação entre o recluso e as várias entidades que no processo intercedem a seu favor", por outro lado, o recluso não está impedido dos seus direitos, como o de ser sócio fundador de qualquer entidade que entenda, pelo que em nosso entendimento, o facto de ter sido sócio fundador, em nada influencia o entendimento e o trabalho que a associação tem desempenhado/desempenha relativamente ao Recluso.
22.Relativamente aos fundamentos de direito, o Douto Tribunal considera e fundamenta a sua decisão, de não concessão da liberdade condicional ao recluso, na gravidade, extensão temporal e número de vítimas dos crimes pelos quais o recluso cumpre pena, associados ao historial de vida pouco claro e atribulado do recluso (com percurso académico assente essencialmente em declarações próprias inconsistentes e a manutenção de diversos relacionamentos afectivos, inclusivamente com uma coarguida) e às características que lhe são atribuídas em sede condenatória (sobrevalorização do aspecto material, reduzida capacidade crítica e vitimização), apontam para que não obstante a ausência de antecedentes criminais sejam significativas asexigências de prevenção especial do caso em apreço.
23.Atende e revela que o recluso, muito embora afirme estar arrependido, o certo é que não se denota em AA significativa autocrítica nem valorização das consequências da prática dos crimes para as vítimas, relativamente às quais, aliá, não denota empatia. Considerando que a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Afirmando que quem não se debate criticamente com o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta.
24.Mais considera o Douto Tribunal que o recluso apresenta uma persistência das características descritas em sede condenatória: o recluso adopta um discurso centrado no enaltecimento das suas competências e, ao longo da reclusão, vem procurando criar a imagem de que entidades terceiras pugnam a seu favor e reconhecem a sua evolução, vindo a verificar-se que tais entidades ou bem que foram criadas nomeadamente por si ou que estão a si ligadas. Classificando tal facto como um cenário que aporta reminiscências das actividades criminais transactas, consubstanciadas, designadamente, na criação de imagens de empresas verdadeiramente inexistentes, na criação de uma ilusão de grandeza do renome, mormente por via da atribuição de designações estrangeiras, e na criação de uma credibilidade que não encontrava correspondência na realidade.
25.Aponta ainda o Douto Tribunal, o facto do pai do recluso, desculpabilizar a conduta criminal do seu filho e a mulher perpetuar, pelo teor dos seus escritos endereçados ao Tribunal, a vitimização associada à religião, já descrita em sede condenatória. Concluindo que não será de esperar que o apoio do recluso em meio livre tenha um qualquer efeito dissuasor quanto a futuras práticas criminais.
26.Considera o Tribunal que o percurso do recluso em meio prisional - sem inscrição e frequência em qualquer programa de incremento das competências pessoais e sociais, de modo a munir-se de ferramentas que o ajudassem a não reincidir, e sem o exercício de actividade laboral - sublinha a sua fraca ou inexistente vontade de mudança. Aliás a invocação - não demonstrada - de "desenvolvimento de um projecto de mestrado" numa universidade estrangeira faz lembrar variadas declarações sobre o percurso académico quando em meio livre.
27.Referindo que a inconsistência dos projectos do recluso para quando em meio livre não deixa de suscitar sérias reservas quanto ao sucesso da reintegração adequada. Especificando que ainda que se julgasse credível a empresa "DD" e a associação "FF", bem como o que porestas vem sendo declarado aos dos autos, o cenário seria o de que o recluso fundara uma associação não governamental de ajuda a reclusos, da qual, durante a reclusão, fora eleito presidente do concelho fiscal, associação essa ligada a uma empresa ("DD") que primeiro ir empregar o recluso em funções da área económica (área dos crimes cometidos pelo recluso), mas depois altera essas funções para as de "cyber inteligence" e ligada igualmente a uma outra empresa (XX) que alega ter celebrado um acordo de assessoria com a mulher do recluso.
28.Ora o recluso, conforme já se demonstrou, apesar de ter fundado a associação (não obstante, não ter sido condenado em qualquer inibição de capacidade jurídica, nomeadamente para constituir pessoas jurídicas) actualmente não desempenha na "FF", qualquer tipo de função, como aliás já fora demonstrado.
29.No que concerne a empresa com a qual celebrou um contrato de promessa de trabalho a função que irá desempenhar em nada tem a ver como os crimes pelos quais o recluso fora condenado, o que o recluso explicou aquando da sua audição junto do Tribunal a quo, que consta aliás do auto de declarações de recluso, referindo que "a actividade que agora pretende levar a cabo é diferente daquela a que se dedicava do praticou os crimes. Antes geria activos, realizando actividade parabancária. Agora irá dedicar-se à segurançainformática, na qual não tem acesso a operações financeiras." (sublinhados nossos), cfr. Auto de Audição do Recluso a fls
30.Concluindo pelo enunciado que não se verifica que estes permitam elaborar um juízo de prognose favorável ínsito à concessão da liberdade condicional a partir dos 2/3 da pena, invocando razões de prevenção especial, nessa decisão.
31.Ora a referida decisão não tem em linha de conta, desvalorizando absolutamente todo o percurso do Recluso, nomeadamente os seus projectos laborais, que tem apresentado ao longo do cumprimento da sua reclusão, mormente, o desenvolvimento do seu projecto de mestrado, pretende, uma vez que a esposa é médica, cfr. Licença da Câmara Médica da Sérvia, junto aos autos como Doc.3 Consta do relatório integrado dos serviços prisionais e reinserção social para a concessão da liberdade condicional, nos termos das al. a) e b) do n.º 1, do art.º 1732, da Lei n.º 115/2009, que o recluso "no decorrer das entrevistas de acompanhamento tem apresentado uma postura assertiva e utiliza de uma forma correcta e apropriada da linguagem verbal e não verbal", e que "os seus valorese e atitudes, comprovam que é um individuo com capacidade para assunção dos seus actos, denotando um Jacus de controlo interno, onde se responsabiliza a si próprio pelo seu comportamento criminal"
32.O recluso "mantém uma postura correcta e uma imagem cuidada.Mantém umas boas relações interpessoais quer com os funcionários prisionais, quer com os seus pares".
33."Durante o cumprimento da sua pena, recebeu visitas dos seus pais até janeiro de 2017 e a partir dessa data passou a receber só do progenitor, porque a sua mãe adoeceu", "É visitado ainda pelo irmão, cunhada, tios e esposa", "refere que os filhos não o visitam porque residem fora de Portugal".
34.Que "pretende adquirir uma clinica em Portugal, auxilia-Ia no desenvolvimento do marketing informático, cfr. Auto de declarações do Recluso, a fls. ..., bem como o que já havia referido anteriormente (em 15/06/2018, aquando da sua audição) ao Douto Tribunal "a quo", nas suas intenções de implementação de uma academia de artes de defesa israelita, na qual tem formação, o que consta dos autos a fls....
35.Quanto à atitude face ao crime cometido: "o recluso assume a sua conduta ilícita e revela arrependimento", "evidencia alguma consciência crítica face ao seu comportamento criminógeno", mais citando o recluso nas suas declarações "Sempre assumi os meus crimes. Estou muito arrependido foi uma vergonha perante minha família e perante a comunidade judaica. Não tinha necessidade, porque toda a vida os meus pais me proporcionaram educação e condições de vida. Sempre trabalhei, sempre paguei os meus impostos. Sempre tive uma vida economicamente estável. Fiz isto pela ambição dos prémios."
36.
37.Do relatório social para a concessão da liberdade condicional consta que a casa onde irá residir caso seja concedida a liberdade condicional tem condições de habitabilidade, sendo que não se prevê que o retorno do condenado à comunidade cause perturbação no meio envolvente, sendo que aí (Amadora) nunca desenvolveu relações significativas de amizade ou convivência, para além dos progenitores.
38.Mais refere que o condenado verbaliza o seu arrependimento relativamente à sua anterior conduta, dizendo ter ficado constrangido em relação à família e a comunidade judaica.
39.O Douto Tribunal "a quo" decidiu pela não concessão da liberdade condicional ao recluso, não obstante não podemos deixar de discordar com este entendimento, uma vez que quando em liberdade o Recluso possui um projecto de vida sólido, assente na reintegração do agregado familiar, onde irá viver com a sua família, pai, mãe, esposa e filho, na integração do mundo laborai, cujo contrato de promessa de trabalho consta já dos autos,
40.No meio familiar o Recorrente, conta com o apoio incondicional da família, onde é aceite.
41.Resultando também do discurso do Recorrente, como aliás já foi referido, o arrependimento e assunção de culpa perante os ilícitos cometidos parece-nos que tem incutido em si mesmo que actuou erradamente e no passado e que não vai voltar a enveredar por esse caminho.
42.Parece-nos, suficientemente para afastar o cometimento de quaisquer ilícitos criminais.
43.Assim se entende que sem descurar a gravidade comprovada na condenação sofrida, é de formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado conduzirá, doravante a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
44.É evidente que ninguém pode ter a certeza que uma vez em liberdade o condenado não voltar a cometer crimes, mas essa certeza nem se verificaria se este tivesse cumprido a pena até ao final.
45.O que se pede e equaciona, é que, seja tido em linha de conta que num juízo de prognose favorável, se prevê que o condenado, quando em liberdade, não volte a cometer crimes, e é o que se prevê que ocorra.
46.Que o tempo em que se encontrou privado da sua liberdade seja um motivo dissuasor da prática de ilícitos criminais.
47.E parece-nos que o condenado, no seu tempo de reclusão incutiu em si próprio o desvalor da sua conduta e que de futuro não irá voltar a repetir.
48.É que o recluso necessita que lhe seja concedida uma oportunidade para demonstrar que uma vez em liberdade, não irá voltar a dedicar-se ao mundo do crime.
49.Pelo que, mal andou o Tribunal em não conceder o benefício da liberdade condicional a que de facto tem direito o Condenado.
50.A necessidade de prevenção especial não pode ultrapassar a medida da pena, tal como não pode servir para castigar o condenado, sem ter em atenção a sua necessidade e o seu percurso evolutivo. A prevenção geral é efectivamente importante. No entanto, in casu, não pode afectar a dignidade humana, nem ser utilizada com o único objectivo de uma "melhor justiça".
51.O instituto da liberdade condicional tem em vista evitar uma transição brusca entre a reclusão e a liberdade. Assim, verificam-se todos os pressupostos estatuídos no n.º 3 do art.º 61º do Código Penal, que remete para o n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do citado artigo, e o Tribunal tem o poder-dever de colocar o condenado em situação de liberdade condicional.
52.O Recorrente considera-se merecedor de uma avaliação por este egrégio Tribunal.
53.E, efectivamente, o arguido referiu, estar arrependido, (requisito, que cumpridos os dois terços pena - já não é sequer exigível) e que o cometimento dos crimes supra fora vergonhoso para si, para a sua família e para a comunidade judaica em que se insere, conforme consta do próprio auto de audição do recluso, assinado pelo mesmo, assim assumindo ter consciência da gravidade da sua conduta.
54.O recluso ainda referiu que não irá voltar a cometer crimes, pelo que deverá ser tido em consideração um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em situação de liberdade condicional.
55.E, aliás, como pode o Tribunal "a quo", entender que o arguido não reúne as condições que permitam elaborar um juízo de prognose favorável ínsito à concessão da liberdade condicional?
56.E o parecer da Digníssima Magistrada do Ministério Público, entender que embora estejam verificados os requisitos formais, concluir não ser possível formular um juízo de prognose indiciador de que o condenado, se colocado em liberdade, optará por uma vida normativa sem cometer crimes, emitindo um parece desfavorável à concessão da liberdade condicional?
57.Parece-nos que o Recluso manifesta um profundo arrependimento pelos ilícitos praticados, bem como com um acentuado sentimento de vergonha pelo que provocou para si, para a sua família e para a comunidade judaica onde se insere.
58.E que face às vítimas, o condenado revela nas suas atitudes face ao crime praticado e às suas consequências, referindo que corre termos uma acção cível onde se apuram responsabilidades a nível do ressarcimento dos lesados.
59.E, salvo o devido respeito, andou mal a Digníssima Magistrada do Ministério Público ao afirmar, no seu douto parecer, referir "embora estejam verificados os requisitos formais, conclui-se não ser possível formular um juízo de prognose indiciador de que o condenado, se colocado em liberdade, optará por uma vida normativa sem cometer crimes", emitido assim um parecer desfavorável relativamente à concessão da liberdade condicional.
60.Ora, e mais uma vez salvo o devido respeito, não há como perfilhar o entendimento da Digníssima Magistrada do Ministério Público, não podemos concordar com o supra referido uma vez que o recluso já interiorizou o desvalor da sua conduta e bem como a necessidade de ressarcimento dos lesados, que está a ser aferida nos autos cíveis, sendo que refere que nunca mais irá praticar actos criminais, apresentou diversos projectos de trabalho, incluindo o contrato de promessa de trabalho, pelos vistos tudo insuficiente para convencer o Douto Tribunal, que está seriamente empenhado em levar a sua vida de modo sério e responsável daqui em diante.
61.E diga-se ainda que dos anteriores relatórios consta que "as relações familiares entre AA e os seus progenitores são salientadas por ambos com um espírito de entreajuda, os quais no momento se disponibilizam para o continuar a apoiar".
62.Sendo que posteriormente em sede de reunião do conselho técnico é referido em acta que a reinserção social informa que o pai do recluso adopta uma atitude desculpabilizante para com a conduta criminal deste, informação que não consta dos relatórios sociais juntos aos autos, informação que não se coaduna com o que consta do relatório social onde se refere que "a família detém uma dinâmica de relacionamento coesa e de interajuda, e que se disponibiliza para apoiar o condenado em liberdade, constituindo-se como elemento favorecedor do seu processo de reinserção social", cfr. Relatório Social, junto aos autos a fls
63.Acontece que todas a suas expectativas saíram defraudadas, com enorme espanto e surpresa do recluso, quando recebeu a notificação da decisão proferida de não concessão da liberdade condicional pelo Tribunal "a quo".
64.Ora, onde ficam as orientações da Execução da Pena de Prisão, conforme o n.º 1, do art.º 42.º do C.P., relativas à reintegração social do recluso?
65.Pelo teor da Douta Decisão proferida "a quo" foi totalmente olvidado o seu enquadramento familiar e profissional, a sua capacidade e vontade de se readaptar à vida social, bem como outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional, como é o facto de o arguido.
66.E, mais grave ainda, in casu, olvidou-se que já houve uma boa parte da reparação do mal do crime com a já cumprida pena de prisão de 8 anos e 4 meses, e onde foi sentida toda a censura pelos actos praticados - já terá servido certamente para inibir o recluso de praticar crimes.
67.Pensamos que, verificando com atenção todas as circunstâncias que envolveram o processo gracioso de concessão de liberdade condicional do arguido, está explícito de que estariam reunidas as condições objectivas e subjectivas para que lhe pudesse ser concedida a liberdade condicional, não se vislumbrando que, em reunião, o Conselho Técnico emita parecer desfavorável acompanhando o digníssimo Magistrado do Ministério Publico tal parecer.
68.Foi completamente esquecido o modo como o arguido interiorizou o crime e se preparou para levar uma vida rectílinea conforme declarações prestadas pelo arguido (tendo em conta a preparação do mestrado, do recluso, bem como a promessa de trabalho e as relações familiares).
69.Vossas Excelências, Exmos. Senhores Venerandos, sabem, com a necessária segurança que o exercício do cargo que exercem lhes dá, quanto o ambiente prisional gera tensões gravíssimas, entre seres confinados em casulos, que se traduzem em agressões, homicídios, trágicos suicídios de seres oprimidos, necessariamente, e mutilados na sua liberdade. É sabido que o clima prisional tem em si mesmo factores que levam os presos a caírem, com maior ou menor consciência, na violência, como actos de revolta contra as condições do sistema e muitas das vezes decorrentes das condições em que cumprem a pena aplicada.
70.É preciso não esquecer que o recluso é um sujeito de direitos e deve ser tratado como tal(cfr. art.º 6.º e art.º7.º doC.E.P.M.P.L.).
71.Somos de afirmar que o Tribunal "a quo" nega a liberdade condicional ao Recorrente com base em suposições, cenários hipotéticos e numa convicção que parece formada "a priori" que se mostra sempre desfavorável ao arguido/recluso.
72.O Recorrente entende - e só pode entender deste modo - que, pelo Tribunal "a quo" são valorados exageradamente os aspectos em desfavor do Arguido, e é dada pouca ou nenhuma importância a aspectos que valorizam a pessoa do aqui Recorrente, como os já supra mencionados.
73.Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que foi claramente violado o art.º 61.º do C.P. na decisão recorrida.
74.Vejamos os pressupostos da concessão da liberdade condicional:
75.A liberdade condicional deve ser concedida, se, cumpridos dois terços da pena de prisão e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número 2 do art.º 61.º do Código Penal, ou seja, se for possível formular um juízo de prognose favorável, face à personalidade do recluso, reportada ao facto criminoso que deu origem à sua condenação e ao evoluir da personalidade daquele no decurso do cumprimento da pena, e, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes, o que nesta motivação ficou inequivocamente demonstrado.
76.E na óptica do Recorrente, face ao supra exposto, esse juízo só poderá ser favorável.
77.Com efeito desde 2007, (com a Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, 22.ª alteração ao Código Penal), e que instituiu a possibilidade de antecipação da liberdade condicional, pelo período máximo de um ano, com sujeição ao regime de permanência na habitação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do art.º 62º do C.P.
78.O Recorrente entende, salvo melhor opinião, não existirem "in casu" obstáculos, de facto e/ou de direito, à sua libertação condicionada, nos termos do n.º 2, do art.º 61.º, artigos 52.º a 54.º, "ex vi" art.º 64.º, todos do Código Penal.
79.Acrescendo ainda o facto de a libertação estar plenamente assente no juízo de prognose favorável, atentas as circunstancias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, no sentido do condenado quando em liberdade irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, o que está amplamente demonstrado, quer pelos (diversos) projectos que o recluso apresenta para futuro, quer pelo facto de ser socialmente querido, e de ter um meio familiar estável e suficientemente detentor e dissuasor da prática de quaisquer tipos de crimes.
80.Parece-nos, com total franqueza, que, "in casu", estão preenchidos os pressupostos para que ao ora Recorrente lhe tivesse sido concedida a liberdade condicional, ainda que o mesmo pudesse ficar sujeito a regras de conduta, pelo tempo de duração da liberdade condicional, impostas e destinadas a facilitar a sua reintegração na sociedade, conforme decorre do disposto no supra referido art.º 52.º do C.P., aplicável "ex vi" do art.º 64.º do mesmo Código.
81.Ou até, de igual modo, o Tribunal poderia ter determinado, se o considerasse conveniente e adequado, e facilitasse a reintegração do condenado na sociedade, que a liberdade condicional fosse acompanhada de regime de prova, ou seja, de um plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da liberdade condicional, dos serviços de reinserção social.
82.Outrossim, a decisão "a quo" viola o espírito a alínea a) do n.º 2, do art.º 61.º, omitindo, ainda, a aplicação do art.º 62.º, ambos do Código Penal, e, bem assim, ignora a filosofia dos entendimentos vigentes sobre os critérios da liberdade condicional.
83.Numa visão actual das finalidades do instituto da liberdade condicional, sobressaem os objectivos de ressocialização com o consentimento e a participação do agente.
84.A questão é apenas de aplicação prudencial dos pressupostos materiais que a lei coloca na razoabilidade da ponderação pelo juiz dos critérios de julgamento e decisão.
85.Ora, o relatório da D.G.R.S., muito embora não vinculativo e sujeito a livre apreciação para efeitos de concessão da liberdade condicional, demonstram, em termos objectivos, que "o recluso, assume a sua conduta ilícita e revela arrependimento. Nesta fase da execução da pena, o recluso já evidencia alguma consciência crítica face ao sem comportamento criminógeno: "Sempre assumi os meus crimes. Estou muito arrependido foi uma vergonha perante a minha família e perante a comunidade judaica. Não tinha necessidade, porque toda a vida os meus pais me proporcionaram educação e condições de vida. Sempre trabalhei, sempre paguei os meus impostos. Sempre tive uma vida económica estável. Fiz isto pela ambição dos prémios.".
86.A Exma. Senhora Doutora Juiz do T.E.P. de Lisboa, Juiz 5, concluiu, como vimos, por um juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, o que é, salvo melhor entendimento, totalmente descabido dado o percurso do arguido.
87.Assim terá de se atender aos índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à sua condenação, bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da respectiva pena de prisão e, muito importante, a sua idade de 49 anos, reveladora, também ela, quer da maturidade do mesmo, quer, certamente, que o recluso não pretenderá voltar a cometer crimes e ver-se numa situação de clausura.
88.Como não deixa de ser verdade que tal facto não pode continuar a justificar pelo Tribunal "a quo" as decisões desfavoráveis ao arguido/recluso, sob pena do mesmo incorrer, uma vez mais, em violação do princípio "ne bis in idem".
89.Em suma, não se encontra nada na decisão proferida pelo tribunal "a quo" que espelhe e ateste o seu esforço notável. Pelo que, somos obrigados a lembrar que, nesta fase, está em causa a execução da pena de prisão e já não o julgamento do arguido/recluso, pelo que, valorar quase exclusivamente os antecedentes criminais do Recorrente é, em nosso entender, praticamente uma violação do princípio constitucionalmente consagrado do "ne bis in idem".
90.A esse propósito, lembremos também as finalidades da execução: a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade (cfr. art.º 2.º do C.E.P.M.P.1.), ou seja, visa oferecer ao recluso as condições objectivas necessárias, não à sua emenda ou reforma moral, mas à prevenção da reincidência e integração na vida comunitária de forma socialmente responsável.
91.E, efectivamente, os fins de expiação da pena não são incompatíveis com a ressocialização do recluso, antes pelo contrário. O fim das penas de prisão e a finalidade da sua execução estão intrinsecamente unidos, evidenciando as opções do legislador, consagradas no art.º 40.º do Código Penal, pelo que a sua fundamentação assenta numa ideia de prevenção geral e daí que se justifique na necessidade de protecção dos valores jurídico-penais, assente no princípio consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
92.Veja-se a propósito da concessão da liberdade condicional, decorridos dois terços da pena o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 317/12.1TXCBR-F.PI, de 06/11/2013, Relator Pedro Vaz Pato, que refere que "o regime do Código Penal satisfaz-se, para a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, com um prognóstico favorável quanto à prática de futuros crimes pelo condenado, não exige alguma especial e benévola característica da personalidade, ou alguma adesão moral e interior do recluso à pauta de valores que está na base do ordenamento jurídico", in www.dgsi.pt.
93.Mais referindo o supra citado Acórdão que "não se afigura que no caso vertente, seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado desvalorize a gravidade do crime ou considere a pena excessiva, se dessa sua postura não resulta que há perigo de ele vir a cometer novos crimes".
94.O citado Acórdão refere que "não são, nesta fase, relevantes a gravidade do crime (...) (por cuja prática cumpre pena o recorrente) e as particulares exigências de prevenção geral positiva (decorrentes da repulsa que causa na comunidade) associadas à prática desse crime.",
95.Que "a gravidade do crime pelo arguido cometido não releva enquanto tal nesta sede".
96.E ainda a referência que "não se afigura que no caso vertente seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado desvalorize a gravidade do crime (sendo certo que ele não deixou de manifestar arrependimento)."
97."Tal como não é relevante que ele revele uma personalidade "infantil" e "imatura" conceitos demasiado vagos e imprecisos para concluir que há perigo para a prática de futuros crimes".
98.Ainda no referido Acórdão "a circunstância do recorrente não ter pago a indemnização a que foi condenado como condição de suspensão de execução da pena, apesar das sucessivas prorrogações prazo a tal destinado, pode ser reveladora de irresponsabilidade, mas não necessariamente do perigo para a prática de futuros crimes."
99."Na perspectiva que agora releva, relativa ao prognóstico da prática de futuros crimes, há que considerar que o recorrente não tem outras condenações", (...) "Não deixa de ser, também, relevante o apoio familiar de que o recorrente beneficia", cfr. Acórdão supra identificado.
100.Não existem, no caso vertente, quaisquer fundamentos para que se possa pôr em crise a concessão da liberdade condicional, baseados na necessidade de prevenção, quer geral, quer especial.
101.Salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, ter-se-á de concluir que existe a necessária compatibilidade entre a libertação do condenado e a defesa da ordem e da paz social, com o juízo de prognose favorável, relativamente à futura conduta do recluso.
102.Assim, a Douta Decisão, ora em recurso, viola os direitos humanos de qualquer recluso, uma vez que este continua a ser um ser humano, independentemente da prática dos crimes, não deixando de ser sujeito de direitos e deveres (vide art.º 30.º e art.° 32.º da Constituição da República Portuguesa).
103.Alertamos ainda para o disposto nos números 2 e 3, do art.º 410.º do Código de Processo Penal (C.P.P.), que se reportam aos vícios da sentença e/ou acórdão (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; o erro notório na apreciação da prova e a falta de requisito cominada com nulidade).
104.E, efectivamente, recorrendo ao conceito sufragado na al. c), do n.° 2, do art.º 410.º do C.P.P., facilmente se conclui que estamos nas baías do erro notório na apreciação da prova - vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, fulminando, efectivamente, toda a garantia da decisão.
105.A concessão ou não da liberdade, que implica uma ponderação aprofundada de cada caso, que não se compadece com uma qualquer fundamentação (exigida pelo n.º 5, do art.º 97.º, do C.P.P.) que fique aquém do que exige o disposto no n.º 2, do art.º 374.º, também do C.P.P.. Além disso, só este tipo de fundamentação permite que a decisão seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.
106.O princípio da fundamentação das decisões assume um papel fundamental, permitindo que as partes exercitem o seu direito de recorrer, partindo do conhecimento das razões do julgador e ainda facilitando o controlo das decisões e a uniformização da jurisprudência pelos tribunais superiores.
107.Cremos que no caso presente não se descortina em que elementos fácticos ou probatórios se baseou o Tribunal "a quo" para concluir num parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
108.Salvo devido respeito, entendemos também que o Despacho em crise não expõe fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção, antes baseando-se e fundamentando-se em meras suposições.
109.Lembre-se, a este propósito, íntima conexão existente entre o princípio da livre apreciação da prova, o princípio da presunção de inocência, o dever de fundamentação das sentenças, o direito ao recurso, e o direito à tutela efectiva.
110.Assim, a expressão livre apreciação da prova terá de ser a antítese da ideia precedente e intuitiva que se tem quando se fala em íntima convicção. A única forma de se garantir este requisito é a exigência de uma motivação clara, suficiente, objectiva e comunicacional.
111.Preferiu, no entanto, o douto Tribunal "a quo" negar a concessão de liberdade condicional ao ora Recorrente, numa clara violação do disposto no n.º 1, do art.º 42.º, nos artigos 61.º e 62.ºdo C.P., bem como no art.º 484.º do C.P.P. e art.º 410.º deste preceito legal e do estatuído nos artigos 30.º e 32.º da C.R.P., e bem assim do estatuído nos artigos 2.º do C.E.P.M.P.L., tal como em manifesta violação do principio do "ne bis in idem".
112.Pelo exposto, o Recorrente mostrou inequivocamente que se encontram reunidas todas as condições exigidas por lei para que o mesmo possa gozar de um período de readaptação à sua plena liberdade”.
Termina por deverser reformulada a douta decisão recorridanos termos pretendidos.

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Respondeu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1.A decisão de 04-12-2019 não concedeu a liberdade condicional a AA, por referência aos dois terços da pena de 12 anos e 2 meses de prisão, atingido em 18-09-2019, os cinco sextos ocorrem em 28-09­2021 e o termo prevê-se para 08-10-2023.
2.A discordância do recorrente prende-se, exclusivamente, com a sua diferente apreciação dos elementos probatórios, especialmente a valoração das suas declarações e projeto de vida apresentados, que não pode ser confundido com errada apreciação dos mesmos por parte do tribunal, como pretende fazer valer.
3.Atentos os factos provados, é inegável que o recluso precisa de fortalecer competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, para que não reincida na prática criminosa.
4.O teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-01-2019, versando também sobre a situação deste recluso, mantém atualidade, pois tudo o que o recluso refere “como fundamento da sua pretensão reporta-se a factos normais, expectáveis, do decurso do cumprimento de uma pena e a meras expectativa, sem garantias de exequibilidade”.
5.O art. 61.º n.º 3, com referência ao n.º 2 al. a) do Código Penal, exige que, para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro, se tenha em atenção as circunstâncias do caso, a vida anterior a personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, e também a sua relação com o crime cometido, como decorre também do art. 173.º n.º 1 al. a) do CEPMPL.
6.O recorrente está a cumprir pena pela prática de crimes de burla qualificada, burla simples, usurpação de funções, desobediência, falsificação de documentos, insolvência dolosa, branqueamento e manipulação de mercado, envolvendo prejuízos patrimoniais avultados, tem ainda uma atitude deficiente face aos seus ilícitos, sendo pouco sensível às suas consequências para terceiros, centra os efeitos negativos da reclusão na sua esfera pessoal, ainda não foi testado em meio livre através de outras medidas de flexibilização da pena, tem sanções disciplinares.
7.O recorrente ainda não denota consciência reflexiva sobre os seus comportamentos desviantes capaz de afastar a probabilidade séria de reiteração, o mesmo sucedendo com o projeto de futuro que enuncia;
8.O primeiro passo para que se possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de futuro comportamento socialmente responsável e sem cometer crimes é, indubitavelmente, o reconhecimento sincero das consequências do crime e a manifestação de profundo arrependimento, garantindo uma aptidão séria para a mudança, o que o recluso ainda necessita de desenvolver.
9.O adequado comportamento institucional (que no caso não se aplica face ao averbamento de várias punições disciplinares) e tempo de pena cumprido não garantem comportamento normativo fora de meio vigiado e, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, ainda mais numa situação em que a consciência crítica ainda é deficitária e potencia um evidente perigo de reincidência.
10.A decisão proferida contém fundamentação suficiente de modo a permitir compreender o seu teor e o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte, não padece de qualquer vício, não violou nenhuma disposição legal, fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61.º n.º 3 e n.º 2 al a) do Código Penal, baseando-se nos elementos instrutórios todos desfavoráveis à liberdade condicional, pelo que deve ser mantida.
11.Porque os argumentos são repetidos relativamente ao recurso interposto da anterior decisão não concessiva da liberdade condicional e porque a situação do recorrente não se alterou, não se registando evolução relevante, note-se que no nosso sentido e da decisão recorrida, numa análise muito pormenorizada, já decidiu o tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 23-01-2019 - Processo n.º 165/14.4TXLSB -K.L1”.

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Neste Tribunal, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, concluindo o parecer dado por devero recurso improceder e assim ser mantida “integralmente a decisão sob sindicância”, com os seguintes considerandos:
O arguido ora recorrente AA, através de douta peça subscrita pela sua Exma. Advogada (fls. 460/480v.), nela se insurgindo contra o despacho que não concedeu a pretendida liberdade condicional, está em tempo, tem legitimidade e não obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
A Exma. Magistrada do Ministério Público na sua douta e bem elaborada peça de resposta ( fls. 490/496v.) de forma douta e com evidente competência sustenta o decidido, para tanto aduzindo bons argumentos, com referência aos múltiplos aspectos in concreto da vida do recorrente em cumprimento de pena, aqui avultando várias punições disciplinares - argumentos que aqui secundamos, tudo redundando na conclusão de que não está preenchida o pressuposto substantivo essencial da concessão da liberdade condicional, ou seja o necessário juízo de prognose positivo”.

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Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi, após as vicissitudes que se observam nos autos, proferido despacho preliminar e colhidos os necessários vistos, tendo, de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

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I.FUNDAMENTAÇÃO:


1Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Mediante o presente recurso, o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior, uma vez mais, a questão de se saber se estão, ou não, reunidos os pressupostos necessários à concessão da liberdade condicional.

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2.Passemos, pois, ao conhecimento da questão alegada. Para tanto, vejamos o conteúdo da decisão recorrida (transcrição):

I.-RELATÓRIO

Identificação do recluso: AA
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º e ss., todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena - uma vez que desde o último conhecimento da liberdade condicional o recluso procedeu ao pagamento da multa - convertida em 133 dias de prisão subsidiária - aplicada no processo n.º 3825/09.8TACBR, o marco dos dois terços da pena, que ocorreria em 29/01/2020, foi antecipado.

Foram elaborados relatórios pela reinserção social e pelos serviços prisionais (art. 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL).

O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL).

Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL).

O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).

II.FUNDAMENTAÇÃO

A)- De facto)

Factos mais relevantes:


1.Circunstâncias do caso: o recluso encontra-se, agora, em cumprimento da pena de 12 anos e 2 meses de prisão, aplicada no processo n.º 3825/09.8TACBR do juiz 11 do juízo central criminal do Porto, que, para além das próprias, cumulou as penas aplicadas ao arguido nos processos n.º 574/02.1TACTX, n.º 1411/09.ITDLSB, n.º 120/02.7TASCD, n.º 239/07.8PGAMD e n.º 820/99.7JAFAR, pela prática, entre 1998 e 2011, de três crimes de burla qualificada, um crime de burla simples, um crime de usurpação de funções, um crime de desobediência, três crimes de falsificação de documento, dois crimes de burla qualificada na forma tentada, um crime de insolvência dolosa, um crime de branqueamento e um crime de manipulação de mercado.
2.Cumprimento da pena: início em 19/08/2011 (assinalando-se, ainda, 11 dias de desconto), meio da pena em 08/09/2017, dois terços em 18/09/2019, cinco sextos em 28/09/2021 e termo em 08/10/2023.
3.Vida anterior do recluso: tem 48 anos de idade; nasceu em Angola, tendo-se a família mudado para Portugal, tinha o condenado dois anos de idade; concluiu o 12.º ano de escolaridade em Portugal; no âmbito do processo n.º 1411/09.1TDLSB referiu ter feito no Brasil (universidade de São Paulo) a licenciatura em ciências jurídico-económicas (o que sustenta também atualmente perante a reinserção social); bem como referiu ter feito o doutoramento em teologia pela universidade americana de Assembly; perante o tribunal de execução das penas declarou, em 2016, ser bacharel em direito pela faculdade de direito de São Paulo e atualmente declara ter efetuado, na universidade clássica de Lisboa, o bacharelato em direito e uma pós-graduação em direito dos valores mobiliários e imobiliários e ter efetuado em São Paulo um curso de direito internacional; refere ter-se fixado definitivamente em Portugal nos anos noventa; refere ter feito o seu percurso em atividades diversas, mas sempre na área da gestão financeira, ultimamente como presidente executivo de um grupo financeiro; tem quatro filhos de três relacionamentos afetivos distintos e que se encontram ao cuidado das respetivas progenitoras; à data dos factos descritos no processo n.º 1411/09.1TDLSB e antes da privação da liberdade, vivia no Seixal com uma coarguida e o filho de ambos; tem formação em artes de defesa pessoal, mormente Krav Maga; na decisão condenatória proferida no processo n.º 1411/09.1TDLSB é descrito como apresentando um discurso elaborado, contraditório, evasivo, esforçando-se por apresentar uma imagem de si equilibrada e ajustada aos valores da sociedade que integra, sendo nota marcante, como característica pessoal, a ambição, valorizando a autonomia económica e os bens materiais, bem como vem descrito como detendo capacidade crítica diminuta, assumindo um discurso vitimizante, mormente afirmando ser vítima de perseguição religiosa.
4.Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime/personalidade - autodefine-se como uma pessoa empreendedora e ambiciosa, características que em seu entender o levaram à prática dos crimes; adota um discurso elaborado, mas evasivo e cauteloso nas informações veiculadas, procurando transmitir uma imagem de acordo com a desejabilidade social; enaltece as suas competências e da sua mulher; afirma-se arrependido, dizendo ter ficado constrangido em relação à sua família e "à comunidade judaica"; não revela empatia para com as vítimas, centrando as consequências e os danos decorrentes da sua conduta criminal na sua esfera pessoal e familiar e da comunidade religiosa que alega integrar; denota reduzida consciência autocrítica; comportamento - averba cinco medidas disciplinares, sendo a última por factos de 08/05/2019; atividade ocupacional/ensino/formação profissional - refere estar a desenvolver um projeto de mestrado numa faculdade madrilena; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - até à data não se inscreveu para frequentar qualquer programa; não integra ou frequenta atividades socioculturais; medidas de flexibilização da pena - não beneficiou, até à data, de medidas de flexibilização da pena.
5.Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros - a relação afetiva que mantinha com a coarguida terminou entretanto; no decurso da reclusão casou com uma cidadã sérvia; recebe visitas do pai e da atual mulher, beneficiando com esta de visitas íntimas; é esporadicamente visitado por outros familiares; refere que em liberdade projeta adquirir casa própria para viver com a sua mulher - que virá da Sérvia - e a sua filha e que, até que tal projeto se concretize, irá integrar o agregado dos progenitores; este agregado refere ter uma dinâmica de relacionamento coesa e de interajuda e que se disponibiliza para apoiar o condenado, avaliando a reinserção social este discurso como adaptado à desejabilidade social; perante a reinserção social o recluso apresentou vários projetos profissionais para o seu retomo ao meio livre, de forma vaga e de ramos diferenciados, mormente a possibilidade de abrir uma pequena academia para trabalhar com adolescentes problemáticos e/ou uma clínica médica; o recluso referiu ainda à reinserção social ter um convite de trabalho no ramo da cibersegurança, nos Estados Unidos, por ser oficial sénior, acreditado pelos serviços de segurança israelitas; uma vez que reiterou a possibilidade desta colocação laboral aquando da audição pelo tribunal de execução das penas, e a mesma não fora passível de confirmação pela reinserção social, pese embora as declarações juntas a fls. 894 (documento intitulado "contrato promessa de trabalho", datado de 20 de setembro de 2016, em que a empresa denominada "DD" declara que, assim que se encontre em condição de liberdade, o condenado exercerá funções de consultor associado para o mercado europeu, no âmbito das funções de "Economics Intelligence", com a remuneração anual de €14.400) e a fls. 1061 verso (documento intitulado "contrato promessa de trabalho", datado de 24 de abril de 2018, em que a empresa denominada "DD" declara que, assim que se encontre em condição de liberdade, o condenado exercerá funções de consultor associado para o mercado europeu, no âmbito das funções de "Cyber Intelligence", com a remuneração anual de €28.800), o recluso foi admitido a enunciar de que modo poderia ser confirmada a sua colocação laboral, ao que indicou pessoa a contactar para o efeito; efetuadas diligências pela reinserção social, o contacto indicado pelo recluso revelou estar ligado a uma entidade que amiúde se dirige ao processo de liberdade condicional a interceder pelo recluso ("FF"), estando junto aos autos documento dando conta de que terá sido constituída em 2014 e que o recluso durante a reclusão (em 2015), terá sido eleito presidente do respetivo conselho fiscal; os pais do recluso são reformados; o pai do recluso adota uma atitude desculpabilizante para com a conduta criminal deste; a mulher do recluso endereçou a várias instâncias, incluindo à DGRSP, escritos apelando a que se atuasse contra a técnica de educação do recluso no estabelecimento prisional, referindo a existência de um pensamento oculto antisemtia e insinuando que o recluso é prejudicado "peloseu pensamento e estilo de vida judaico".

ii)- Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou das decisões condenatórias juntas aos autos (quanto à vida anterior do recluso particularmente o acórdão de fls. 3 e ss., mais concretamente fls. 167 verso e s.), da ficha biográfica de fls. 1210 e ss., do certificado de registo criminal de fls. 1196 e ss., dos relatórios juntos aos autos elaborados pela reinserção social (fls. 1191 e ss.) e pelos serviços prisionais (fls. 1222 e ss.), da informação adicional de fls. 1231, dos escritos e documentos juntos a fls. 890 a 894, 1059 a 1064 verso, 1182 a 1188, 1215 a 1218 e 1234 verso a 1239 verso, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico, vertidos na ata de fls. 1214, e das declarações do recluso, designadamente aquelas prestadas perante o tribunal, em que adotou uma postura tradutora da imagem grandiosa que possui de si próprio, procurando, porém, ajustar o seu discurso à desejabilidade social. A reduzida consciência autocrítica do recluso ressalta quer da descrição que faz da sua atuação criminal (muito pouco ou nada centrada na autorresponsabilização: refere ter entrado "no jogo" e atribui a prática criminal a aspetos positivos como o empreendedorismo e a ambição), quer do modo como se posiciona face às vítimas (que nitidamente subalterniza face à sua família e à comunidade religiosa que alega integrar).A estreita ligação entre o recluso e as várias entidades que no processo intercedem a seu favor resultam também de a segunda versão do contrato de promessa da "DD" (cfr. fls. 894 1061 verso) - versão esta alterada no que tange às funções, que deixam de ter referência à vertente económica, e quanto à remuneração, que duplica - ser junta aos autos via mail subscrito pela "associação de defesa dos direitos humanos" designada "FF". Esta, por sua vez, autodescreve-se a fls. 1060 verso como "pequena associação dedicada a acompanhar reclusos" apoiando-os e promovendo a sua reinserção social e relata, designadamente, que o recluso AA regista "uma evolução da sua forma de estar perante os seus parceiros, e muito globalmente com a sociedade em geral", salientando "a sua atitude de arrependimento" e "inequívoca vontade de não repetir nada de semelhante no futuro", sendo que, muito anteriormente (mais concretamente em 2015), fora junta, a fls. 15 e ss. do apenso de homologação, uma declaração por parte da mesma "FF", dando conta de que o recluso AA é seu "sócio fundador, assim como Membro dos seus Órgãos Sociais", juntando um documento, que traduziria uma ata de assembleia geral extraordinária da mesma associação, datada de 28/02/2015, donde consta ter o recluso sido, então, eleito presidente do respetivo conselho fiscal. O representante da associação "FF" (AA) é também quem subscreve uma carta em nome de uma outra empresa ("XX"), que afirma ter feito um acordo de assessoria com a mulher do recluso (cfr. fls. 1060 verso e s. e 1064 verso).

B)De direito
"A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade" (Anabela Rodrigues, in "A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português", BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa).
Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de formular um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
A gravidade, extensão temporal e número de vítimas dos crimes pelos quais AA cumpre pena, associados ao historial de vida pouco claro e atribulado do recluso (com percurso académico assente essencialmente em declarações próprias inconsistentes e a manutenção de diversos relacionamentos afetivos, inclusivamente com urna coarguida) e às características que lhe são atribuídas em sede condenatória (sobrevalorização do aspeto material, reduzida capacidade crítica e vitimização), apontam para que, não obstante a ausência de antecedentes criminais (fruto da conversão do seu percurso criminal de cerca de 13 anos numa única pena) sejam significativas as exigências de prevenção especial do caso em apreço.

Tais exigências, adiante-se já, não se mostram, à data, debeladas.Assim, desde logo, quando vista a atitude de AA relativamente aos crimes que cometeu e à qual tem de atender-se mormente em face do disposto no art. 173.º n.º 1 al. a), parte final, do CEPMPL.


Efetivamente, muito embora o recluso afirme estar arrependido, o certo é que não se denota em AA significativa autocrítica nem valorização das consequências da prática dos crimes para as vítimas, relativamente às quais, aliás, não denota empatia. Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não se debate criticamente com o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in "Reclusão e Mudança" - "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos.

Acresce denotar-se em AA uma persistência das características descritas em sede condenatória: o recluso adota um discurso centrado no enaltecimento das suas competências e, ao longo da reclusão, vem procurando criar a imagem de que entidades terceiras pugnam a seu favor e reconhecem a sua evolução, vindo a verificar-se que tais entidades ou bem que foram criadasnomeadamente por si ou que estão a si ligadas. Um cenário que aporta reminiscências das atividades criminais transatas, consubstanciadas, designadamente, na criação de imagens de empresas verdadeiramente inexistentes, na criação de uma ilusão de grandeza do renome, mormente por via da atribuição de designações estrangeiras, e na criação de uma credibilidade que não encontrava correspondência na realidade (cfr. fls. 37 e ss. - factos 315 e ss. - e fls. 169).

Por outro lado, fruto também do comportamento prisional irregular de AA - com última condenação disciplinar por factos de há menos de sete meses -ainda não foi possível testá-lo no contacto com o meio livre, sendo que as saídas relevam não só enquanto mecanismo de preparação para o reingresso na sociedade, considerando os efeitos da reclusão ao nível da sociabilidade, mas também para que o tribunal logre perceber se o recluso está capaz de, em meio menos contentor, manter uma conduta normativa e observar as injunções e proibições inerentes a uma futura liberdade condicional.

Esta testagem seria, in casu, tanto mais relevante quando vista a natureza pouco contentora do enquadramento de AA no exterior. Efetivamente, o pai do recluso desculpabiliza a conduta criminal do seu filho e a mulher do recluso perpetua - como decorre à saciedade do teor dos escritos que endereçou - a vitimização associada à religião, já descrita em sede condenatória. Não é,pois, de esperar que o apoio do recluso em meio livre tenha um qualquer feito dissuasor quanto a futuras práticas criminais.

Ademais, o percurso do recluso em meio prisional - sem inscrição e frequência em qualquer programa de incremento das competências pessoais e sociais, de modo a munir-se de ferramentas que o ajudassem a não reincidir, e sem exercício de atividade laboral - sublinha a sua fraca ou inexistente vontade de mudança. Aliás, a invocação - não demonstrada - de "desenvolvimento de um projeto de mestrado" numa universidade estrangeira, faz lembrar as variadas declarações sobre o percurso académico quando em meio livre.

Por outro lado, a inconsistência dos projetos do recluso para quando em meio livre não deixa de suscitar sérias reservas quando ao sucesso da reintegração adequada de AA. Na verdade, ainda que se julgasse credíveis a empresa "DD" e a associação "FF", bem como o que por estas vem sendo declarado ao longos dos autos, o cenário seria o de que o recluso fundara uma associação não governamental de ajuda a reclusos, da qual, durante a reclusão, fora eleito presidente do conselho fiscal, associação essa ligada a uma empresa ("DD") que afirma primeiro ir empregar o recluso em funções da área económica (área dos crimes cometidos pelo recluso), mas depois altera tais funções para as de "cyber intelligence" e ligada igualmente a uma outra empresa (yinveste) que alega ter celebrado um acordo de assessoria com a mulher do recluso.

Em suma, escalpelizados todos os aspetos, não se verifica que estes permitam elaborar o juízo de prognose favorável ínsito à concessão da liberdade condicional a partir dos 2/3 da pena. Razões de prevenção especial determinam, portanto, que se acompanhe o parecer unânime dos membros do conselho técnico e do Ministério Público.

III.DECISÃO
Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a AA.
A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada em renovação da instância, isto é, em 22 de novembro de 2020.
Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, dos relatórios previstos no art. 173.º do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso.
Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.º n.º 3 do CEPMPL.

***

3.Apreciação dos fundamentos do recurso:

3.1.Como se nota, o decidido pelo Tribunal a quo,com fundamento noselementos probatórios constantes dos autos, todos indicadores de não se mostrarem verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da medida, pois que, atendendo às circunstâncias do caso, não estão debeladas as exigências de prevenção especial negativa, face à reduzida consciência critica ainda revelada pelo condenado, o que, associado às características da sua personalidade e projeto de futuro pouco estruturado, indicia o risco de reincidência que importa acautelar”, não estrutura formatação que esteja inquinada de insuficiência para a decisão, nem de qualquer nulidade, maxime por eventual inexistência dos elementos a que manda atender o artigo 61.º, do Código Penal, sem lacuna no apuramento da matéria necessária para o efeito, a qual se mostra, pois, suficiente para a decisão de direito proferida, não ficando os factos recolhidos pela investigação do tribunal aquém do necessário para concluir pela improcedência do peticionado, in casu a liberdade condicional do recorrente.


O processo mostra-se devidamente instruído, com junção, desde logo, dosrelatórios exigidos pelo artigo 173.º, n.º 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”, com o Ministério Público a “lavrar” parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional, e o Conselho Técnico a prestar os necessários esclarecimentos” e a emitir, “por unanimidade, parecer desfavorável à mesma.

Sendo objectivo da liberdade condicional criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão, note-se o que, bem, se sublinha na resposta ao recurso:
A questão que se coloca reporta-se à verificação dos requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional ao ora recorrente, com referência aos dois terços da pena única de 12 anos e 2 meses de prisão que cumpre, à ordem do processo nº 3825/09.8TACBR, que efetuou cúmulo jurídico englobando, além das próprias, as penas aplicadas nos processos nº 574/02.1TACTX, nº 1411/09.1TDLSB, nº 120/02.7TASCD, nº 239/07.8PGAMD e nº 820/99.7JAFAR, pela prática de crimes de desobediência, falsificações, burlas qualificadas, insolvência dolosa, branqueamento, manipulação de mercado, usurpação de funções.

O cumprimento de metade da pena foi atingido em 08-09-2017, os dois terços em 18-09-2019, os cinco sextos ocorrerão em 28-09-2021 e o termo prevê-se para 08-10-2023.

A-Da alegada falta de fundamentação da decisão
O recorrente alega a falta de fundamentação da decisão e consequente violação dos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

Afigura-se-nos que não tem razão. Vejamos.

No artigo 146.º, n.º 1 do CEPMPL pode-se ler que “Os atos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.


Tal redação é idêntica à do art. 97.º, n.º 5 Código de Processo Penal, segundo o qual “Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

O que se pretende com tais preceitos legais é que, ao proferir-se uma decisão judicial, se possa conhecer e perceber o juízo decisório em que se alicerçou o decisor, designadamente os factos que foram acolhidos e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Pelo que, não cumprirão estes requisitos os atos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.

Ora, tendo por assente que o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146.º nº 1, do CEPMPL, após uma leitura atenta da decisão ora posta em crise, não restam quaisquer dúvidas de que a mesma se encontra devida e suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito.

Com efeito, dela constam as razões de facto e de direito em que se baseou, fazendo expressa referência aos crimes objeto da condenaçãotransitada em julgado, à pena aplicada, às datas atinentes aos marcos do seu cumprimento, quanto ao meio, aos dois terços e ao termo, aos antecedentes criminais, aos pareceres do conselho técnico e do Ministério Público, bem como ao percurso no estabelecimento prisional, especialmente no que respeita à atitude face ao crime, aos projetos de vida do recluso, elementos obtidos através dos relatórios instrutórios e da própria audição e documentação junta pelo recluso, tendo o conjunto de tais elementos probatórios sido avaliados à luz das razões de prevenção especial estabelecidas e consagradas no art. 61.º do Código Penal.

Parece-nos evidente que a decisão em causa não padece de falta de fundamentação. Aliás, da leitura da motivação de recurso constata-se que aquele percebeu precisamente quais os factos que foram tidos em consideração pela Meritíssima Juiz, qual a interpretação que aquela fez dos mesmos e que a levou a concluir pela não concessão da condicional aos dois terços da pena.

Decorre da motivação de recurso que a discordância do recorrente se prende, única e exclusivamente, com a sua divergência quanto à apreciação dos elementos probatórios, o que não pode ser confundido com errada apreciação dos mesmos por parte do tribunal.

Deste modo, forçoso será concluir pela não existência de qualquer vicio da decisão, mormente por falta de fundamentação da decisão em causa.

- Da liberdade condicional

Atento o disposto no art. 61.º, n.º 3 do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses se for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Tendo o recorrente atingido os dois terços da pena, a sua libertação condicional pode ter lugar se se revelar adequada às necessidades de prevenção especial.

Aqui, a concessão da liberdade condicional está dependente de um requisito em que se acentuam essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social. Para aferir da verificação desse requisito, há que ter em atenção as repercussões do cumprimento da pena na personalidade do arguido e que pode vir a ter na sua vida futura, bem como a sua relação com o crime. Destarte, para além da vontade subjetiva do condenado é, inquestionavelmente, relevante a capacidade objectiva de readaptação demonstrada pelo recluso, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aosriscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da liberdade, o que só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, adopte um comportamento socialmente responsável, sem cometer crimes. São relevantes os índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a conduta anterior e posterior à condenação, e com a personalidade, especialmente a sua evolução ao longo do cumprimento da pena de prisão.

Concordamos na íntegra com a douta decisão proferida que, como antes referimos, se mostra corretamente fundamentada e adequada à situação concreta do recluso.

O tribunal decidiu após prévia instrução e junção aos autos dos relatórios elaborados pela equipa técnica de tratamento prisional e pela reinserção social, nos termos do art. 173.º n.º 1 al. a) e b) do CEPMPL; da realização de conselho técnico, nos termos do art. 175.º do CEPMPL, que emitiu parecer, por unanimidade, desfavorável; audição do recluso, nos termos do art. 176.º do CEPMPL; posição do Ministério Público que, nos termos do art. 177.º n.º1 do CEPMPL, emitiu parecer desfavorável à liberdade condicional.

Na base desses elementos e do teor da decisão condenatória, tendo em conta a quantidade e gravidade dos crimes cometidos, o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, de acordo com um inultrapassável juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, nos termos do art. 61.º n.º 2 als. a) do Código Penal.

Fê-lo alicerçando-se nos factos dados como provados, donde resulta que o recluso apresenta um discurso onde se perceciona deficiente consciência reflexiva sobre os seus comportamentos desviantes, justificando a prática dos crimes com a ambição pessoal, não valorizando os danos que causou a terceiros, centrando o efeito negativo da reclusão na sua esfera pessoal, pelo que carece de investir na aquisição de competências que previnam o risco de reincidência e de ser gradualmente testado em meio livre antes de beneficiar da liberdade.

O adequado comportamento institucional (que no caso do recorrente nem sequer é imaculado) e o tempo de pena já cumprido, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, ainda mais numa situação em que o recluso ainda não denota consciência crítica, demandando uma profunda interiorização do desvalor das suas actuações ilícitas. Com efeito, um comportamento prisional normativo não é garantia de comportamento conforme o direito fora de meio vigiado, mormente quando osentido crítico ainda é insuficiente e que, associado ao projeto de vida delineado, potencia um evidente perigo de reincidência.

O primeiro passo para que se possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de futuro comportamento socialmente responsável e sem cometer crimes é, indubitavelmente, o reconhecimento sincero das consequências do crime e a manifestação de profundo arrependimento. Só isso garantirá, com um mínimo de segurança, uma aptidão séria para a mudança, o que o recluso ainda necessita de trabalhar.

A liberdade condicional constitui uma medida de exceção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta. A sua aplicação pressupõe que sejam alcançadas as finalidades da punição na perspetiva da defesa social, com o mínimo de garantia da segurança dos cidadãos, fundada na expetativa da recuperação do delinquente. Tal implica a verificação simultânea de vários circunstancialismos, que correspondem ao alcance da finalidade da execução da própria pena, no sentido de que a execução, por si própria, revelou a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes. É nesse sentido que aponta o art. 42.º do Código Penal, ao definir que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, deve, simultaneamente, orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”

Para a prossecução dessas finalidades, importa ter em conta vários aspetos que levem a concluir que a pena já sofrida desempenhou o seu efeito inibidor da prática de novos crimes, nomeadamente as possibilidades de reintegração no meio social, a possibilidade de a libertação acentuar um arrependimento, já potencializado numa interiorização evidente das finalidades da execução da pena. Isto com vista a satisfazer a dupla finalidade de defesa da coletividade e da reintegração social dos delinquentes. Por isso o Estado não pode renunciar ao seu dever de prosseguir com o tratamento penitenciário enquanto for possível tentar alcançar a verificação de todos aqueles fatores.

Segundo o Professor Figueiredo Dias, a “finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre - e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal - visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele” - Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 529-30, 553-4).

A vontade de mudança do condenado é fundamental na avaliação do risco, pelo que concordamos na íntegra com a douta decisão proferida a esse respeito. A lei, concretamente o art. 61.º nº 3, com referência ao n.º 2 al. a) do código Penal, exige que, para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro, se tenham em atenção as circunstâncias do caso, a vida anterior a personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, e também a sua relação com o crime cometido, como decorre do artº 173º nº 1 al. a) do CEPMPL.

O arrependimento, a alegada interiorização da gravidade dos factos cometidos e a postura crítica sobre as consequências das ações por ele praticadas, que o recorrente repete inúmeras vezes, como devendo ser um dado adquirido, não pode ser dado como assente apenas pelo facto de serem verbalizados. As palavras não chegam. São necessários comportamentos e atitudes correspondentes a tal arrependimento e a tal interiorização, e dos relatórios constantes dos autos bem como da sua própria audição, parece evidente que tal não ocorreu ainda.

Continua atual, face à não evolução do recluso e à repetição de argumentos, a apreciação do seu caso feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 23-01-2019, processo n.º 165/14.4TXLSB-K.L1.

É acertado, adequado e justo o juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional proferido, tendo o tribunal efectuado uma correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61.º n.º 2 al. a) do Código Penal. A decisão mostra-se devidamente fundamentada, baseou-se nos elementos instrutórios todos desfavoráveis à liberdade condicional.

Em rigor, e para lá do que acima se sublinha com adequação, na decisão recorrida, supra transcrita, não se surpreende erro notório na apreciação dos factos, dado que do texto da decisão recorrida, por si, não resulta conclusão contrária à que chegou o tribunal, não bastando para tanto, como faz o recorrente, ignorar tudo o que foi ali analisado.

Não se surpreende, também, na decisão recorrida qualquer contradição, em nenhuma das previstas modalidades, estando os seus fundamentos em perfeita consonância e sintonia com o supra transcrito sentido da mesma.

Os autos evidenciam, por outro lado, que o decidido pelo Tribunal a quo não é omisso quanto a qualquer dos necessários aspectos a considerar, consubstanciando suficiente análise crítica dos mesmos.

O recorrente, de resto, nem, sequer, faz alusão, muito menos contrariou, ao teor dos relatórios/pareceres unanimemente desfavoráveis à pugnada liberdade condicional, apesar dos factos relevantes ali vertidos terem sido ponderados na decisão.

Ora, o artigo 61.º, do Código Penal, estipula, em sede de liberdade condicional, para lá do consentimento do condenado e de se encontrar cumprida metade da pena e, no mínimo, seis meses da mesma, que o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando:

a)- For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b)- A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”

Deste modo, na perspectiva do legal normativo e da possibilidade de eventual excepção que poderia derivar de uma, mas in casu não ocorrida, apreciação arbitrária constante do processo e/ou ofensiva das regras da experiência comum, não resulta do texto da decisão recorrida que o tribunal tenha optado por decidir contra legem, antes que apreciou, de forma global, a factualidade e o subjacente suporte jurídico em referência, na ponderação das regras gerais da experiência, sem vislumbre, em tal análise, de ofensa ou violação de princípio ou regra de direito.

Aliás, no âmbito e motivos da sua dissidência em relação ao decidido pelo Tribunal a quo, o recorrente limita-se a fazer consideração abstracta, invocando uma discordância meramente generalizada e descontextualizada acerca da decisão proferida, bem como uma sem sentido, no contexto e alcance do decidido, violação ne bis in idem, estruturando o seu discurso à margem da fundamentação elaborada pelo tribunal recorrido, e não demonstrando, rigorosamente, a razão, de facto, pela qual se impunha, para lá da sua, parcial, opinião, uma outra decisão.

Os normativos legais in judice mostram-se correctamente interpretados, não configurando qualquer inconstitucionalidade per si ou na interpretação que lhes foi dada e/ou com que foram aplicados, sem que, rigorosamente, se suscite qualquer questão de constitucionalidade normativa, estando a decisão recorrida conforme à lei e à Constituição da República Portuguesa.

Evidenciando-se estar devidamente fundamentada a sentença recorrida, com adequação e exame crítico, a mesma deve ser confirmada, como, neste Tribunal da Relação, foi, igualmente, parecer do Ex.º Procurador-Geral Adjunto, sem necessidade de outras considerações.

***

II.DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, confirmando-se, integralmente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de quatro (4) UC’s.

Notifique.

Lisboa, 2021.02.11.

(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator e pelo Ex.º Juiz Desembargador Adjunto).


Guilherme Castanheira
Calheiros da Gama