Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1869/14.7TTLSB-C.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO COLECTIVO
COLIGAÇÃO PASSIVA
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: No processo de impugnação de despedimento colectivo a coligação passiva é ilegal no caso da causa de pedir que fundamente as pretensões deduzidas contra a pluralidade dos réus for diferente da que se consubstancia apenas na relação jurídica de trabalho e na ilicitude do despedimento a esse título.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA intentou acção especial emergente de despedimento coletivo contra BB, CRL, CC, Lda, DD, Lda, EE, S.A., FF, Lda, GG, Lda, HH, Lda, II, Lda, JJ, S.A., LL, Lda, MM, S.A., NN, Lda, OO, S.A., PP, Lda, QQ, Lda, RR, Lda, SS, S.A., TT, UU, VV e XX.

Pediu que se declarasse, em súmula: entre os RR existem relações societárias de participações recíprocas, de domínio e/ou de grupo, geradoras de responsabilidade solidária; por força do contrato verbal celebrado em 04.02.2002 com a 1ª R o trabalho sob as ordens e ao serviço da mesma e de uma pluralidade de empregadores constituída com demais RR, o contrato se tornou definitivo; o contrato escrito datado de 01.10.2003 com a ZZ, dito “a termo”, bem assim o contrato escrito com a 1ªR datado de 01.11.2004, são nulos; que a antiguidade manteve-se sem solução de continuidade desde 04.02.2002 até ao despedimento colectivo; a retribuição-base anual inicialmente acordada era no valor de 11.320,36€; as RR não podiam retirar ou reduzir unilateralmente as retribuições pagas; o despedimento é formal e substancialmente ilícito; as RR solidariamente condenadas a pagar diversos créditos salariais; as RR. solidariamente condenadas à reintegração no respetivo posto de trabalho como trabalhador efectivo, na categoria profissional de Assistente Administrativo; em alternativa à escolha, as RR. solidariamente condenadas a pagar indemnização por antiguidade; perante relação com pluralidade de empregadores, a opção até à sentença final, pelo(s) empregador(es) relativamente a(os) qual(is) se ficará vinculado; na falta de opção, as RR responderem solidariamente pelos créditos laborais, regalias e danos morais; as RR condenadas, solidariamente, a efectuar todos os descontos para a SS em falta; as RR condenadas solidariamente juros de mora; e, no caso de incumprimento da sentença, as RR condenadas solidariamente a pagar sanção pecuniária; e os RR pessoas físicas condenados solidariamente com as RR a título principal ou, subsidiariamente, a título acessório.

Fundaram-se tais pretensões, em síntese: quem formaliza e sustenta o despedimento colectivo é a 1ª R, por carta de 18.12.2013;a responsabilidade das restantes RR é por existirem entre elas, designadamente, as citadas relações societárias de participações recíprocas, de domínio e/ou de grupo e ter trabalhado para as mesmas numa situação de pluralidade de empregadoras;serem tais situações geradoras de responsabilidade solidária, que decorre também da desconsideração da pessoa coletiva;e por seu turno a actuação dos dirigentes dessa R também os responsabiliza.

AAA e BBB deduziram articulado próprio nos termos conjugados dos artºs 316º a 319º do CPC e 156º, nº 3, do CPT.

As suas pretensões são deduzidas, com particularidades próprias quanto a créditos salariais, no entanto, no mais, semelhantes às do AA, de resto invocando o articulado do mesmo para esse efeito, designadamente quanto às relações societárias entre a 1ª R e as demais RR de participações recíprocas, bem como de domínio e/ou de grupo, ao despedimento colectivo e à forma de responsabilização.

Por isso existe paridade no alegado para fundar essas pretensões, sem prejuízo das vicissitudes contratuais de cada uma.

A 1ª R respondeu a ambas intervenientes, referindo, em síntese e no que interessa para este recurso, haver coligação ilegal de pedidos relativamente aos 21 demandados, dando nessa parte por reproduzidos todos os fundamentos de defesa já por si aduzidos.

Assim concluiu que fossem julgadas procedentes “as excepções dilatórias e a R., em consequência e nos termos previstos nos artigos 493.º, n.º 2 e 278.º n.º 1 alínea d), ambos do novo código de processo civil, ser absolvida da presente instância; ii) ser declarada a licitude do despedimento coletivo e, em consequência, e a final, ser a presente acção julgada improcedente de facto e de direito, por não provada, absolvendo-se integralmente a R., enquanto empregadora, na presente ação e relativamente a todos os pedidos dos AA.”.

Foi então proferida a seguinte decisão:
(…)

As requerentes recorreram.

Concluíram:
(…)

Terminam pedindo:

“1.-Seja julgada procedente a nulidade.
Seja admitido o recurso com efeito suspensivo - sob pena da sua utilidade ficar absolutamente prejudicada - e com subida imediata nos próprios autos, sendo o mesmo julgado procedente.
Em consequência, o despacho/sentença recorrido será declarado revogado, sendo liminarmente admitida a coligação passiva”.

A 1ª R contra-alegou e concluiu:
(…)

Termina pretendendo que o recurso seja julgado improcedente.
Na admissão do recurso, o tribunal a quo conheceu da nulidade arguida nos seguintes termos:
(…)

O processo foi com vista ao MP que proferiu parecer no sentido da procedência do recurso ao que a 1ª R respondeu.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão a saber é sobre a nulidade e se a coligação passiva é legal.

Os factos a considerar são os que objetivamente resultam deste relatório.

Obviamente que o recurso tem como objecto a decisão e esta apenas analisou a questão da coligação entre RR concluindo pela ilegalidade da coligação relativamente ao 2º a 21º RR, absolvendo-os da instância.

Do seu conhecimento estão assim de fora quaisquer outras questões, nomeadamente relacionadas com a alegada incompetência material do tribunal para conhecer das matérias atinentes designadamente com as relações societárias de participações recíprocas ou o abuso e da desconsideração da personalidade coletiva da Cooperativa como se pode inferir das contra-alegações, muito embora a recorrida tenha invocado essa matéria nas respostas aos requerimentos das recorrentes.

Ou ainda questões de litisconsórcio bem como outras que mais têm a ver com a imediata decisão de mérito da acção.

Dito isto.

A recorrente invoca a nulidade prevista na primeira parte da alª d) do nº 1 do artº 615º do CPC: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 

Esta nulidade é para ser invocada não por inconformismo com a solução de direito que incidiu sobre a questão mas porque efectivamente incumpriu-se o poder/dever prescrito no nº 2 do artº 608º do CPC, ou seja, o de resolver todas as questões submetidas à apreciação do tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Para além disto, como escreveu Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 143, a este propósito, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão jurídica produzida pela parte”, “o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”.

Segundo M. Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”.

Nesta sede, a recorrente esgrime argumento para concluir que “é manifestamente errónea a conclusão enunciada pelo despacho recorrido, segundo a qual, … « ... com excepção da 1º Ré, que detém a qualidade de entidade patronal e relativamente à qual os chamados invocam a causa de pedir típica objecto da acção especial de despedimento colectivo, os demais Réus são demandados com base em causas de pedir diversas da relação laboral e da sua cessação por via do despedimento colectivo». Concomitantemente, porque “o despacho recorrido ignora em absoluto que as RR. foram demandadas como uma "pluralidade de empregadoras". Tanto ignora que não faz qualquer referência a essa forma peculiar de vinculação laboral”.

Mas na verdade, concorde-se ou não com a decisão, obviamente que a recorrente não pode negar que a sua nomeação de pluralidade de empregadores tem como pressuposto o reconhecimento daquilo que no despacho se refere como causa de pedir autónoma alheia aquela que deve ser a da acção especial de impugnação do despedimento coletivo (artºs 156º a 161º do CPT), como “relações de grupo, desconsideração da pessoa colectiva”.

Assim sendo logo se alcança que na óptica do juiz a quo essa questão ficou prejudicada pela forma como entendeu a consubstanciação dos pedidos deduzidos contra os 2º a 21º RR dando azo à conclusão de haver no caso coligação ilegal.

E uma coisa é certa: enquanto o despedimento colectivo é promovido pela 1ª R e assim reconhecido pelas recorrentes, estas necessariamente não deixam de a ter como empregadora; já relativamente às restantes RR necessitam de avançar argumentos que já aludimos para fundar a sua responsabilidade solidária, subsidiária ou acessória face aos seus respectivos alegados créditos laborais.

É por isso correta a abordagem do tribunal da 1ª instância quando conheceu também dessa nulidade afirmando: “A fundamentação exposta é extensível a todas as causas de pedir invocadas pelas chamadas que extravasem a apreciação da regularidade e licitude do despedimento que conduziu à extinção da relação jurídica de trabalho. O facto de se ter referido, a título exemplificativo (relações de grupo, desconsideração da pessoa colectiva) não determina omissão de pronúncia relativamente à invocação de pluralidade de empregadores. A fundamentação jurídica invocada é igualmente extensível a essa causa de pedir.”

Assim sendo, inexiste qualquer nulidade fundada no disposto no artº 615º do CPC.

Vejamos a questão de fundo.

O despacho sob censura esgrimiu a especialidade do processo.

Diremos que nele deve estar como réu a entidade patronal que decretou o despedimento coletivo com as formalidades e fundamentos devidos (artºs 359º a 363º do CT).

A causa de pedir que deve ser alegada é denunciada pela própria estrutura do processo com os seus trâmites: a relação jurídica de trabalho e a ilicitude do despedimento a esse título.

Temos assim para nós, como bem se afirma no despacho, que essa acção pressupõe “a certeza da existência de uma relação jurídica de trabalho e dos sujeitos da mesma.”.

E para nós é também fácil deduzir isso, além do mais face ao disposto no artº 160º do CPT pelo qual não pode ser relegado para momento posterior ao despacho saneador a decisão sobre as questões que têm com o cumprimento das formalidades legais do despedimento colectivo e a procedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo, bem como quaisquer excepções que obstem ao respetivo conhecimento, tendo para todos os efeitos, o valor de sentença (nºs 2 a 4).

O que acontece no caso é que as recorrentes vão muito mais que além disso. Estendem o estatuto de empregadores às demais RR que não a 1ª R e para o efeito sem dúvida configurando um conjunto de circunstâncias relacionadas com elas que necessariamente apelam a outra causa de pedir, para já não se falar das pessoas físicas também réus.

Portanto a questão não se resume em não impedir que “o processo especial de despedimento colectivo sirva para dirimir um despedimento no âmbito de uma relação complexa … estando alegada uma contitularidade de empregadores … ou para exigir responsabilidade acessória aos administradores”.

Dispõe o artº 36 do CPC que:

“1.-É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência.
2.-É igualmente lícita a coligação quando, embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3.-(…)”

E chama-se a atenção para o advérbio “essencialmente” do nº 2, já de si pronuncio dos obstáculos colocados à coligação nos termos do citado artº 37º. 

Ora o sobredito conflitua de forma direta com o disposto no artº 36º, nºs 1 e 2, do CPC: inexiste a mesma causa de pedir para todos os RR e nem os pedidos estão numa relação de prejudicialidade ou de dependência. E igualmente as causas de pedir relativa à procedência do pedido de ilicitude do despedimento não depende da apreciação dos factos ou da interpretação das regras de direito que chamados à colação para os pedidos que visão os RR que não a 1ª.

Sendo inadmissível a coligação não há que averiguar se nos termos do artº 37º do CPC não existem obstáculos à mesma.

Com efeito, como antevisto, pelo contrario trata-se antes de norma tendente ao seu afastamento, pelo que se revela inútil o essencial do alegado com base nesse preceito.

Isto é quanto bastará para julgar improcedente o recurso.

Sendo anódina para o efeito, face a lei expressa outra argumentação das recorrentes como a possibilidade “do Tribunal poder analisar a causa de pedir de forma global e integrada e criteriosa” sob pena, “de outra forma, a separação das acções que resultará do despacho recorrido implicará, inevitavelmente, uma cisão irremediável na apreciação judicial do contrato plural, inviabilizando logo à partida a apreciação conjunta e integrada da causa de pedir”.

E não vemos como a decisão impugnada pode implicar “uma clara perversão da lógica jurídica, para além duma discriminação materialmente inconstitucional - nomeadamente por violação do direito de acesso ao direito conjugado com o princípio da igualdade”.

Não bastará invocar é necessário demonstrá-lo.

Quanto à alegada violação do princípio da igualdade (artº 13º da CRP) se estamos perante situações substancialmente diversas entre os sujeitos passivos contra quem foi proposta a acção, naturalmente haverá exigências de tratamento desiguais à luz dos valores que são subjacentes a esse princípio e a que não é alheio o modo como foi consagrada na legislação processual de trabalho o tipo de acção especial em causa.

Daí que não haja aqui que proibir qualquer discriminação, sendo certo que se tiverem arrimo legal as pretensões das recorrentes contra os demais RR não deixarão de conseguir a devida tutela judicial por outra forma processual, assim também se observando o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (20º da CRP).

É pelo exposto improcedente o recurso, devendo-se manter na íntegra o despacho impugnado.

Decisão:

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.
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O acórdão compõe-se de 22 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa,01.06.2016


    
Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos


Decisão Texto Integral: