Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2254/10.5TBABF.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: IMPULSO PROCESSUAL
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
AUDIÊNCIA DE PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da relatora).

1.  No novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, além de se ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses.

2. A deserção da instância, enquanto causa de extinção da instância, deixou de ser automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial.

3.         No despacho de julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.    RELATÓRIO

                  

                        MANUEL ….., residente na Praceta ……., intentou, em 10.10.2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira contra PROMOÇÕES IMOBILIÁRIAS ……, com sede na Rua -------, acção declarativa com processo ordinário, através da qual pede:

a) Se declare o Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre Autor e Ré definitivamente incumprido por causa imputável, única e exclusivamente, a esta última.

b) Se condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 201.115,32, acrescidos dos juros desde a citação até integral pagamento.

                        Alegou, para tanto, que:


1. A Ré intitulou-se proprietária e legítima possuidora de um lote de terreno destinado a Construção, sito em Areias ……..
2. Em 16 de Agosto de 1985, a Ré prometeu vender ao A. as fracções que na planta do edifício a construir correspondiam aos números 10 e 20, edifício esse a construir no referido lote de terreno;
3. Para tanto A. e R. celebraram os respectivos Contratos Promessa de Compra e Venda, sendo o valor acordado para a venda da fracção com o n°10, de 9.360.000$00 e da fracção com o número 20, de 10.800.000$00;
4. O A, entretanto pagou as quantias acordadas até finais de 1987;
5. A Escritura de Compra e Venda seria celebrada logo que as fracções estivessem registadas na Conservatória do Registo Predial e regularizadas nas finanças;
6. Em Maio de 1997, procedeu a Ré ao Registo das fracções e a partir daí o A. tudo fez para celebrar as respectivas escrituras de compra e venda, só que a R. sempre se recusou;
7. Em 2002 o A. chegou a marcar escritura de compra e venda no Cartório Notarial de Alverca do Ribatejo e a R. não compareceu;
8. A ré sempre foi alegando que faltavam acertar as contas, mas nunca se dispôs a tal.
9. Em face dessa situação, o A. perdeu qualquer interesse na concretização do negócio, pelo que pretende a resolução do Contrato Promessa, cujo incumprimento se verifica por única e exclusiva responsabilidade da Ré.
10. Deixando o Promitente Vendedor de cumprir as obrigações a que se vinculou, tem o contraente não faltoso o direito de receber o dobro das quantias entregues a titulo de sinal e pagamento do preço, ou seja, em €201.115,32 (€100.557,66 x2 ( 20.160.000$00 x 2).

                        Citada, a ré apresentou contestação, excepcionando a nulidade de citação, a incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, onde foi apresentada a acção e a prescrição do peticionado direito de indemni­zação pelo alegado incumprimento do contrato-promessa.

                        Impugnou ainda, a ré, os factos alegados pelo autor na petição inicial, invocando, designadamente:

1. O A. apenas pagou à R. as quantias identificadas como sinal nos contra­tos-promessa, a saber, Esc. 1.500.000$00 relativamente à fracção 10 e Esc. 1.500.000$00 relativamente à fracção 20, na data de celebração dos contratos-promessa, tendo a R. dado a correspondente quitação nos próprios contratos;
2. O A. nunca pagou nenhum dos reforços de sinal nem o remanescente dos pre­ços previstos nas cláusulas 2 de cada contrato;
3. As fracções prometidas vender encontram-se registadas na Conservatória do Registo Predial desde 15.10.1986 e inscritas na matriz desde 1987;  
4. A R. celebrou várias escrituras de compra e venda de lojas no mesmo prédio onde se situam as lojas sub judice, ainda em 1986 e em 1987;
5. Desde meados de Outubro de 1986, que se poderiam ter celebrado as escrituras de compra e venda das fracções sub judice, caso estivessem reunidos   os restantes   requisitos  previstos   nos   contratos-promessa,
designadamente, caso o A. tivesse procedido ao pagamento dos reforços de sinal previstos, o que não sucedeu;
6. A R. por diversas vezes tentou contactar o A., a partir do momento em que este não procedeu ao pagamento dos reforços de sinal - o primei­ro reforço vencia-se dia 30 de Outubro de 1985 - não o tendo nunca encontrado nem por qualquer modo conseguido contactar;
7. A única vez em que o A. contactou a R. foi através da carta datada de 23 de Setembro de 2002, em que aquele comunicava ter marcado a celebração de escritura para o dia 7 de Outubro seguinte;

8. É falso que a R. se tenha recusado a celebrar as escrituras prometidas apesar de o poder fazer, por estarem reunidos os requisitos contratuais de que dependia a celebração;
9. A R. não celebrou os contratos definitivos de compra e venda, nem compareceu no Cartório Notarial de Alverca no dia 7 de Outubro de 2002, porque era o A. quem se encontrava em incumprimen­to, ou, pelo menos, em mora;
10. Como se deixou dito, o A nunca pagou qualquer reforço de sinal nem o remanes­cente dos preços acordados, nem nunca se disponibilizou para o fazer;
11. Tratando-se de contratos bilaterais, a R. não tinha de cumprir a sua obrigação, enquanto o A. igualmente não cumprisse a sua;
12. Foi o A. quem não cumpriu a sua parte, pelo que igualmente lhe está vedado invocar a perda de interesse e requerer a resolução do contrato, como não tem direito a haver o dobro do sinal prestado, ao abrigo do precei­tuado no art. 442.°, n.° 2, do CCv.;
13. E seguramente nunca teria direito a receber o dobro de quantias que nunca pagou;
14. O A. apenas marcou e interpelou a R. para a celebração da escritura de compra e venda das fracções ….. do Centro Comercial ……….  sito em ……, sendo que os contratos-promessa sub judice tinham por objecto a compra e venda das lojas n.°s 10 e 20, e estas deram origem às fracções autónomas designadas, res­pectivamente, pelas letras "AH" e "AS1";
15. Tal significa, por um lado, que o A. interpelou a R. para celebrar uma escritura de compra e venda de uma fracção autónoma que não tinha prometido comprar, nem aquela lhe tinha prometido vender - a fracção AS2, correspondente à loja 21, nunca tendo o A. interpelado a R. para proceder à celebração da escritura de compra e venda da fracção correspondente à loja n.° 10, designada pelas letras "AH";
16. O invocado direito do A. a receber uma indemni­zação da R. pelo alegado incumprimento do contrato-promessa relativo à loja n.° 10 (o que apenas por dever de patrocínio se refere, sem admitir), há muito se encontra prescrito, nos termos do art. 309.° do CCv.
A ré deduziu ainda reconvenção, na qual invocou que o A., ao declarar a perda de interesse na celebração dos contratos-promessa e ao pedir a resolução dos mesmos se colocou em situação de incumprimento definitivo, constituindo-se a ré no direito de fazer suas as quantias recebidas a título de sinal.

Pediu, por isso, a ré, que seja declarado o incumprimento definitivo dos mencionados contratos-promessa pelo autor, reconhecendo-se o direito da ré a fazer suas as quantias entregues pelo autor, a título de sinal, ao abrigo de ambos os contratos.

Notificado, o autor apresentou articulado de réplica, juntou nova cópia integral do documento nº 1 e respondeu ao invocado na contestação e na reconvenção, reafirmando ter pago a totalidade do preço, salientando ter a ré, em 17 de Março de 1993, enviado um fax ao autor para pagar as Sisas, o que o autor, tendo sido induzido em erro pela própria ré quando lhe manda pagar as sisas relativas às fracções que identificou como "AH" "ASI» e "AS2", mas a ré sabe bem, tratar-se das lojas 10 e 20.

Mais invocou, que o pedido reconvencional carece de qualquer fundamento, pois a ré recebeu a totalidade do preço, e desde pelo menos 1993, data do pagamento das sisas, que está em incumprimento pela não celebração das Escrituras de Compra e Venda, sendo o autor que está desembolsado de milhares de euros, há cerca de 25 anos, como não pode usufruir daquilo que comprou seja para utilizar, seja para revender, tudo por culpa única e exclusiva da ré que recebeu o preço e nada faz para cumprir com as suas obrigações.

Termina, o autor, pedindo que as excepções deduzidas sejam julgadas improcedentes, bem como o pedido reconvencional, mantendo-se o seu pedido inicial.

Por despacho de 07.04.2011, o Tribunal Judicial de Albufeira julgou o tribunal territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e ordenou a notificação do autor para, no prazo de 10 dias, vir aos autos escolher em qual dos Tribunais (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ou no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira) pretendia fazer correr a presente acção.

Por requerimento de 11.04.2011, o autor veio requerer que os autos fossem enviados para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o que foi determinado por despacho de 05.05.2011.

                        Distribuído o Processo pelas Varas Cíveis de Lisboa foi, em 24.06.2011, proferido o seguinte despacho:

(…)

2- Arguição de nulidade.

A ré reconvinte, no início da sua contestação invoca a nulidade de falta de citação, por alegadamente não lhe ter sido remetido completo o documento nº1, junto com a contestação.

O artº 201º nº 1 do CPC fere com nulidade as situações em que se verifica a prática de acto que a lei não admita o ocorre a omissão de acto previsto na lei, desde que a irregularidade cometida possa influir no exame e decisão da causa.

O envio de apenas de parte de um documento, não consubstancia a nulidade de falta de citação, mas uma mera irregularidade. E o tribunal entende que tal irregularidade, mesmo a ter-se verificado o alegado não envio do documento nº1 completo, está sanada, na medida em que a ré identificou perfeitamente de que documento se trata e, aliás, juntou cópia integral desse mesmo documento, não tendo por isso sido minimamente prejudicada na sua defesa.

Em face do exposto, indefere-se a pretendida nulidade da citação.

Nestes autos terminou a fase dos articulados.

Há lugar a uma audiência preliminar.

Para o efeito, sugiro o dia 23/11/11, pelas 15.30 horas (não antes por

impossibilidade de agenda).

Notifique para efeitos do disposto no artº 155º do CPC; nada sendo oposto, fixa-se aquela data.

A audiência preliminar destinar-se-á a :

a)-Tentar a conciliação das partes;

b)-Sanear e condensar o processo;

c)-Designar dia para julgamento e oferecimento dos meios de prova.

Por despacho de 03.09.2011, foi proferido o seguinte despacho:

Invocação de nulidade por, alegadamente o autor não ter notificado a réplica à ré.

No acto de envio da réplica, por meios electrónicos a tribunal, o autor fez constar "Notificarei na data de 17/03/2011 por Correio Electrónico".

Face à arguida falta de notificação da réplica, deverá o autor vir aos autos demonstrar que procedeu à efectiva notificação da réplica à ré.

Quanto à aclaração do despacho que decidiu não se verificar a pretendida nulidade de citação, por um dos documentos não estar completo.

Mantém-se, como decidido, que essa circunstância não consubstancia uma nulidade mas mera irregularidade.

O documento completo não foi junto pela ré, como se afirmou no despacho, mas pelo autor na réplica.

Com a notificação da réplica - já o tendo sido, ou vindo a ser - a irregularidade fica sanada.

Notifique.

Notificado o autor, veio este, em 28.09.2011, juntar documento comprovativo da notificação da réplica.

                        Em 28.10.2011 foi proferido o seguinte despacho:

Mantem-se a data de realização da audiência preliminar, na qual serão decididas as questões suscitadas, incluindo a pretendida devolução da "multa".

Em 23.11.2011 foi iniciada a audiência preliminar, tendo os mandatários das partes formulado o seguinte requerimento:

Entendem ser oportuno juntar aos autos os originais dos contratos-promessa e dos instrumentos de alegados pagamentos dos sinais, carecendo para o feito a autora de 10 dias; comprometendo-se a ré a vir aos autos solicitar a confiança respectiva, a fim de analisar os documentos e obter cópias legíveis dos mesmos, pelo prazo de 5 dias, seguidos de mais 10 dias para pronúncia sobre esses documentos.

                        Foi então proferido o seguinte Despacho:

Defere-se a requerida concessão do prazo de 10 dias para junção de documentos por parte da Autora.

Findo esse prazo, vai desde já concedida a confiança do processo à ré por 5 dias bem como deferido o prazo de 10 dias para pronúncia sobre documentos.

Por acordo, designa-se o dia 18 de Janeiro de 2012, pelas 15:30 horas para a    realização da audiência preliminar.

Deverão as partes informar o tribunal até ao dia 13 de Janeiro de 2012 sobre se chegaram ou não a acordo no litígio que os opõe nos autos.

Notifique.

Em 13.01.2013, o autor veio apresentar requerimento, no qual informa que:

(…)

procura junto da Ré a obtenção de um acordo para pôr termo ao presente litígio. No entanto, devido a questões formais ainda não foi possível chegar a esse acordo, afigurando-se o mesmo provável, pelo que e de acordo com a

Ré vem nos termos do nº1 al.b) do artº 276º e nº4 do artº 279º ambos do C.P.Civil, requerer a suspensão da instância pelo prazo de 30 dias”.

                        Em 17.01.2012, foi proferido o seguinte Despacho:

Nos termos do artº 279º nº 4 do CPC, suspendo a instância por 30 dias, findos os quais as partes virão aos autos comunicar o acordo a que cheguem ou requerer o que tiverem por conveniente.

Face à suspensão da instância, fica sem efeito a audiência preliminar para amanhã designada.

Notifique.

                        Em 07.05.12, foi proferido o seguinte Despacho:

Notifique as partes para virem aos autos informarem se chegaram a acordo, como se propunham, ou para requererem o que tiverem por conveniente.

   Em 22.05.2012, o autor veio informar que as partes já chegaram a um princípio de acordo, faltando apenas ultimar questões formais, e requereu a suspensão da instância por mais 15 dias para que se efectue transacção.

                        Em 23.05.2012, foi proferido o seguinte Despacho:

Prorroga-se o prazo de suspensão da instância por mais 15 dias, findos os quais as partes virão aos autos informarem o acordo a que chegaram ou comunicar a respectiva frustração.

Notifique.

                        Em 25.06.2013, foi proferido o seguinte despacho:

Informarão as partes se chegaram a acordo, como se propunham, ou requererão o que tiverem por conveniente.

                        Em 04 de Julho de 2013, o autor veio informar que:

o autor espera formalizar o acordo com a ré dentro de dias. Assim a menos que haja oposição da ré, veio requerer mais 30 dias para proceder à transacção”.

                        Em 05.07.2013, foi proferido o seguinte Despacho:

Prorrogo a suspensão da instância por mais 15 dias.

Não sendo junto o acordo nesse prazo nem promovido o andamento dos autos, aguardar-se-á pelo decurso do prazo de interrupção da instância.

Notifique.

Em 24.10.2014, foi proferido Despacho, nos seguintes termos:

Ao abrigo do disposto no art. 281, n.ºs 1 e 4, do CPC, e considerando a falta de impulso processual das partes por mais de seis meses após o despacho de 5 de julho de 2013, julgo extinta a instância por deserção (art. 277, al. c), do CPC).

RN.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs

recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

                        São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:


i. Na sequência da Acção intentada pelo Autor contra a Ré verificaram a existência de possibilidade de Acordo.

ii. O Acordo passaria pela entrega de uma ou duas fracções ao A. de valor equivalente ao preço pago na aquisição objecto do Contrato Promessa de Compra e Venda que deu origem aos presentes autos.



iii. Isto porque uma das fracções que a R. pretendia entregar ao A. e que faziam parte do Contrato Promessa de Compra Venda já estava ocupada por um terceiro.

iv. Entretanto, face às dificuldades na obtenção do Acordo o A. requereu em Julho de 2013 a suspensão da instância por mais 30 dias, tendo-lhe sido concedido 15 dias.

v. Do douto despacho que concedia os 15 dias de suspensão constava a ainda que caso naquele prazo não fosse junto aos autos o Acordo nem promovido o andamento dos autos, aguardar-se-ia pelo decurso do prazo de interrupção da instância.

vi. O prazo de interrupção da instancia nos termos do artº 291º nº 1 do Código Civil é de 2 (dois) anos, ou seja, a instância só seria considerada deserta a partir de 5 de Julho de 2015.

 vii. Veio entretanto o Tribunal "a quo" considerar a instância extinta por deserção nos termos do art° 281º nº 1 e 4 do C.P.Civil.

viii. Ora não havendo negligência das partes, pois o A. pretendia, pelo menos, a entrega das fracções e não tendo decorrido os dois anos de interrupção da instância, a mesma não deveria ter sido considerada extinta por deserção.

                        Pede, por isso, o apelante, que seja dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a sentença proferida em 1ª Instância.

A ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:


i. Ao pretender aplicar aos autos o art. 291.º, n.º 1, do CPCv de 1961, o recte. incorre em erro, na medida em que, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo CPCv, este último é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, e, por conseguinte, é imedia­tamente aplicável ao caso dos autos, até porque, quando o referido código entrou em vigor, já estava terminada a fase dos articulados.

ii. O novo CPCv deixou de prever o instituto da interrupção da instância, como encurtou consideravelmente o prazo da deserção da instância, que passou a ser de 6 meses, tal como se dispõe no art. 281.º, n.º1, e a sentença a quo aplicou, e bem.

iii. Para além de pretender aplicar norma revogada, o recte. também identifica erroneamente a norma a aplicar, porquanto a interrupção da instância não vinha prevista no art. 291.º do antigo CPCv, mas sim no art. 285.º, que determinava que a interrupção ocorreria quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por negligência das partes e não por mais de dois anos, o que significa que a interrupção da instância, mesmo à luz do código revogado, já teria ocorrido, em 3 de Julho de 2014.

 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

   Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da  alegação  do  recorrente  que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise:

Û DOS PRESSUPOSTOS DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR DESERÇÃO E A APLICAÇÃO DO REGIME DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

***

III . FUNDAMENTAÇÃO


A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido

***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se o recorrente contra o despacho proferido pelo Tribunal a quo, julgando extinta a instância por deserção considerando a falta de impulso processual das partes, por aplicação do artigo 281º, nºs 1 e 4 do nCPC.

Com efeito, no anterior Código de Processo Civil, a instância podia ser suspensa, de harmonia com o disposto no artigo 279º, por pendência de causa prejudicial (nºs 1 a 3) ou por acordo das partes (nº 4), neste caso, por prazo não superior a 6 meses.

Decorrido o prazo de suspensão, prosseguiam os autos, sem necessidade de qualquer impulso processual das partes.

  No caso vertente, o tribunal recorrido anuiu quanto à pretendida suspensão da instância, permanecendo o processo parado desde 17.01.2012, tendo sido determinada a última suspensão da instância, em 05.07.2013, por um novo período de 15 dias, findo o qual, os autos ficassem a aguardar o impulso processual das partes, ou seja, a comunicação do resultado das negociações que informaram estar a fazer, estipulando que assim seria, sem prejuízo do decurso do prazo de interrupção da instância, previsto no artigo 285º do aCPC.

Dispunha o artigo 285º do aCPC que a instância se interrompia quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, só cessando tal interrupção, de harmonia com o disposto no artigo 286º do aCPC, se o autor requeresse algum acto do processo de que dependesse o andamento do mesmo.

 A interrupção da instância era, portanto, a consequência do incumprimento do ónus de impulso subsequente das partes previsto no artigo 265º, nº 1 do aCPC.

Previa, e prevê, a lei, mecanismos para obstar à eternização dos processos em tribunal, constatando-se o desinteresse da parte ou a actuação negligente desta, não promovendo o processo quando lhes incumbia fazê-lo.

Nada sendo requerido pela parte, dispunha o artigo 291º, nº 1 do aCPC, que a instância se considerava deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante 2 anos, constituindo a deserção uma das causas de extinção da instância, conforme estabelecia a alínea c) do artigo 287º do aludido diploma.

Já ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, 432 e ss., justificava a deserção da instância “para a boa ordem dos serviços”, mediante a necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais processos em relação aos quais as próprias partes deles se haviam desinteressado.

A interrupção verificava-se quando o processo estivesse parado durante mais de um ano. E, verificada a interrupção da instância, declarada por despacho judicial, o decurso subsequente do prazo de 2 anos conduzia inevitavelmente à extinção da instância por deserção, que operava ope legis, e não ope judicis.

Ao contrário do que se passava com a deserção da instância, a interrupção da instância, carecia, pois, da prolação de um despacho a verificar os requisitos da interrupção - paralisação do processo, por mais de um ano, por inércia das partes - divergindo então a jurisprudência sobre a  natureza declarativa ou constitutiva desse despacho.

Tal despacho destinava-se, por conseguinte, a reconhecer no processo a verificação dos referidos requisitos através da formulação de um juízo sobre a diligência das partes na implementação do andamento normal do processo, para que a sua mera paragem objectiva não se transformasse automaticamente em interrupção da instância e não se extinguissem os direitos que, pelo processo, se pretendiam fazer valer, destinando-se ainda a alertar as partes para os efeitos da interrupção da instância no prazo de caducidade, em conformidade com o preceituado no artigo 332º do Código Civil.

 O Novo Código de Processo Civil, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013, conforme resulta do disposto no artigo 8.º da Lei 41/2013, de 26.06.

E, prevê-se no artigo 5.º, nº 1 das normas transitórias da aludida Lei 41/2013 de 26/06, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, sendo aplicável ao presente processo, tanto mais que, in casu, ultrapassada se mostra a fase dos articulados.

Estatui agora o artigo 281.º, nº 1 do nCPC, sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos” que: Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

No regime do nCPC, além de se ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses.

 Tal implicou a consagração de um regime mais rigoroso, reduzindo o prazo de suspensão da instância por acordo das partes, para  três meses e sancionando a negligência das partes em promover o andamento do processo, culminando a falta de impulso processual, por mais de seis meses, de acordo com o preceituado na alínea c) do artigo 277º e artigo 281º, ambos do nCPC, com a consequente extinção da instância por deserção.

                        No regime actual, a deserção da instância deixou de ser automática carecendo, portanto, de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual, como acima ficou dito, a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial.

Perante a natureza das alterações que se verificaram com a entrada em vigor do nCPC, e o curto prazo de vacatio legis, impôs o legislador ao julgador uma função correctiva, quer quanto à aplicação das normas transitórias, quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável e que resultassem evidentes da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais.

                        Estatui o artigo 3º da Lei 41/2013, sob a epígrafe “intervenção oficiosa do juiz”:

No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei:

a) O juiz corrige ou convida a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei;

b) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.

No caso vertente, muito embora as partes estejam devidamente representadas no processo por advogados, conhecedores do regime actualmente em vigor, os quais não poderiam olvidar o que consta do despacho proferido pelo Exmo. Juiz do Tribunal a quo, para que, cessando o prazo de suspensão concedido às partes para obterem um acordo extra-judicial – o que sucedeu em 11.09.2013 - e a instância não fosse impulsionada, por acto que lhes fosse imputável, daria lugar à interrupção da instância, sendo certo que esta figura deixou de existir no nCPC, que entrou em vigor em 01.09.2013, determinando-se agora, desde logo, a deserção da instância.

Sucede, porém, que no despacho de julga deserta a instância o julgador terá de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que lhe incumbe efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas.

Considera-se, assim, na esteira do entendimento consagrado nos Acs. R.L. de 09.09.2014 (Pº 211/09.3TBLNH-J.L1-7) e R.G. de 02.02.2015 (Pº 4178/12.1TBGDM.P1), que o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.

Ademais, o princípio da cooperação, reforçado no nCPC, justifica que as partes sejam alertadas para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto.

Por maioria de razão tal deveria suceder no caso vertente, no qual sempre o Tribunal manteve uma atitude permissiva face às sucessivas suspensões da instância, admitindo a paragem do processo desde 17.01.2012, sem que as partes, por força de lei, estivessem verdadeiramente obrigadas a qualquer impulso processual, visto que a tramitação a seguir, decorrido o prazo de suspensão da instância, por acordo das partes, seria a designação de nova data para a audiência preliminar (agora audiência prévia), por forma a dar prossecução aos legais trâmites processuais.

Nesta conformidade, entende-se que o despacho recorrido deverá ser revogado.

Contudo, uma vez que o Tribunal a quo considerou, conforme se infere da parte final do despacho de 05.07.2013, que o andamento do processo dependia do impulso processual das partes, despacho esse transitado em julgado, por não ter sido impugnado, impossibilitada se mostra a designação, desde já, de nova data para a realização da audiência prévia, razão pela qual, deverão as partes ser notificadas para que, ultrapassado que está o prazo de seis meses, previsto no artigo 281º, nº 1 do nCPC, se pronunciem sobre a falta de impulso processual, fixando-lhes um prazo de 15 dias para darem andamento aos autos ou requererem o que tiverem por conveniente sob pena de, só então, se julgar extinta a instância por deserção.

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 A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que sejam as partes notificadas para se pronunciarem sobre a falta de impulso processual, fixando-lhes um prazo de 15 dias para darem andamento aos autos ou requererem o que tiverem por conveniente sob pena de, só então, se julgar extinta a instância por deserção.

Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Ondina Carmo Alves - Relatora

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes