Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8671/14.4T8LSB.L2-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: REVISTA PER SALTUM
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PRAZO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Tendo a apelante interposto recurso de revista per saltum da decisão proferida em primeira instância, e pretendendo a apelada ampliar o objeto do recurso com impugnação de determinados pontos da matéria de facto, a apelada não beneficia do prazo adicional de dez dias previsto no Artigo 638º, nº7, do Código de Processo Civil, para apresentação das suas contra-alegações.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 27.10.2022, o Relator proferiu despacho de que se extrata os seguintes segmentos:
«A sentença foi proferida pelo tribunal a quo em 15.3.2022 (fls. 1011), sendo notificada às partes em 17.3.2022.
Assim, o prazo geral de interposição de recurso de apelação de 30 dias esgotou-se no dia 29.4.2022 (cf. Artigos 138º, nº 1, 248º, nº 1, 638º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A Autora apresentou recurso de apelação em 27.4.2022, de forma tempestiva, sendo notificado à contraparte 1ª Ré nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 221º e 255º. Nesta sequência, o prazo para a apresentação das contra-alegações (que é idêntico ao prazo de interposição – cf. Artigo 638º, nº5, do Código de Processo Civil) findou em 1.6.2022 (trigésimo dia).
Todavia, a 1ª ré apresentou as suas contra-alegações apenas no dia 17.6.2022, ou seja, no 42º dia após ser notificada das alegações. Entendeu a 1ª Ré, e tal entendimento foi sancionado de forma implícita pelo tribunal a quo, que beneficia do prazo adicional de dez dias, nos termos do nº 7 do Artigo 638º, pagando a 1º Ré multa por apresentar as contra-alegações no dia útil após o termo do prazo das contra-alegações (que assumiu ser de quarenta dias; cf. Artigo 139º, nº 5, al. b), do Código de Processo Civil e multa junta a fls. 1057).
Notificada a autora das contra-alegações com ampliação do objeto do recurso (Artigos 221º e 255º do Código de Processo Civil), veio a mesma responder no dia 5.7.2022, ou seja, no 15º dia após a notificação sendo, por isso, a resposta à matéria da ampliação tempestiva nos termos do Artigo 638º, nº 8, do Código de Processo Civil.
Na resposta à ampliação do objeto do recurso, a Autora argui que a ampliação do objeto do recurso requerida pela 1ª Ré não deve ser admitida porquanto: a impugnação que a 1ª ré faz do facto provado sob 104 não se reporta a prova gravada, não podendo a 1ª Ré beneficiar do prazo adicional de dez dias; os dois factos que a 1ª ré pretende que sejam aditados não podem integrar o acervo dos factos provados porquanto não foram oportunamente alegados pela recorrida nem esta se aproveitou tempestivamente dos mesmos nos termos do Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil. Mais sustenta que o aproveitamento do prazo adicional de dez dias (Artigo 638º, nº7 ) está subordinado ao cumprimento dos ónus do Artigo 640º, nºs 1 e 2, não sendo esse o caso na medida em que a 1º Ré não faz referência à prova gravada. Nesta senda, conclui a autora/apelante que as contra-alegações não devem ser admitidas por serem intempestivas.
E, de facto, as contra-alegações são intempestivas mas não pela via sustentada pela apelante.
O que ocorre é que a ampliação do objeto do recurso, em sede de contra-alegações, e num contexto em que o apelante não impugna a decisão de facto, não dá azo a que a apelada beneficie do prazo suplementar de dez dias previsto no Artigo 638º, nº 7, do Código de Processo Civil.
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., 2022, p. 177:
«A extensão do prazo por mais 10 dias (de que também beneficiará o recorrido nas contra-alegações, nos termos do nº 5) apenas está prevista para os casos em que o recorrente introduz nas alegações a impugnação da decisão da matéria de facto a partir da reapreciação de meios de prova que tenham sido gravados (nº 7). Não abarca os casos em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja suscitada, a título subsidiário, pelo recorrido, nos termos do art.º 636º, nº 2, ou seja, a título de mera ampliação do objeto do recurso interposto pela parte contrária.
Por conseguinte, pretendendo ampliar o objeto do recurso nesses termos, o recorrido deve fazê-lo nas contra-alegações que serão apresentadas em prazo idêntico que vigorou para o recorrente. Notificado este das contra-alegações em que seja ampliado o objeto da apelação, o recorrente responderá no prazo de 15 dias, sem qualquer adicional.»
Em suma, cabia à apelada/1ª Ré, querendo, ampliar o objeto do recurso com impugnação da matéria de facto (o que fez) mas no prazo estrito das suas contra-alegações que era de 30 dias. Tendo apresentado as contra-alegações no segundo dia útil após o 40º dia da sua notificação das alegações, as contra-alegações são manifestamente intempestivas, o que determina a sua rejeição, que se ordena
*
Notificada de tal decisão liminar, veio a apelada apresentar reclamação para a conferência nos seguintes termos:
«(…)
8. Diga-se, desde já, que o Recorrido que obtenha vencimento na acção apenas poderá ponderar o recurso ao mecanismo legal em causa quando confrontado com as alegações de recurso do Recorrente, pois apenas nesse momento tomará conhecimento da tese ensaiada por este em sede de Recurso e poderá efectuar uma ponderação dos argumentos a utilizar em sede de contra-alegações (com a eventual ampliação).
9.A propósito do n.º 2 do presente preceito, refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 8512/17.0T8VNG.P1 “a previsão do n.º 2 do mesmo artigo contempla duas sub-hipóteses distintas.
A primeira respeita (1ª parte do citado n.º 2) à faculdade concedida ao recorrido, parte vencedora na decisão proferida, de, na respectiva alegação e a título subsidiário (ou seja, se o recurso do recorrente colher provimento), arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e solicitar, na procedência de tal vício, ao Tribunal ad quem a apreciação da questão ou questões por si suscitadas e que, não tendo sido conhecidas na sentença, podem, na sua perspectiva, face à revogação da sentença, vir a assumir-se como decisivas, ainda assim, à procedência da sua pretensão.
Esta hipótese, no caso, também não colhe qualquer aplicação, na estrita medida em que nenhuma nulidade da sentença se mostra invocada pela Autora/Apelada e, ademais, não está em causa a apreciação de qualquer questão por si suscitada e que não tenha sido conhecida pelo Tribunal de 18 instância.
A segunda mostra-se prevista no mesmo n.º 2, 2ª parte, e traduz-se na possibilidade dada ao recorrido, parte vencedora na decisão de 1ª instância, de, na respectiva alegação e a título subsidiário (em caso de procedência do recurso interposto pelo recorrente), impugnar a decisão proferida sobre pontos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a eventualidade de triunfar a questão suscitada por este último (disponível em www.dgsi.pt).
10. Temos, pois, que, no tocante à impugnação da matéria de facto, a ampliação do objecto do Recurso é o meio idóneo para o Recorrido que não ficou vencido, ver apreciado aquilo que entenda serem vícios da matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo.
11. Atestando o Aresto Reclamado que a Recorrente não tem razão no que afirma nas suas alegações a este propósito, ainda assim considera as contra-alegações da Recorrida extemporâneas por entender ser inaplicável à ampliação do objecto do Recurso o vertido no n." 7 do artigo 638." do Código de Processo Civil.
12. Sucede que, ressalvado o devido respeito, que é muito, não lhe assiste razão.
13. Conforme afirma o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 26/05/2015, proferido no âmbito do processo n." 2689/08.3TBLRA.C1.S1 “nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do mesmo Código, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelos recorrentes, os recorridos podem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como assente. Neste caso, à impugnação da matéria de facto é-lhe aplicável as regras atinentes à impugnação da matéria pelo recorrente” (disponível em www.dgsi.pt).
14. Compreende-se o afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto, estando vedada ao Recorrido que não decaiu na sua pretensão de defesa a hipótese de Recurso, então o seu único meio de reacção a eventuais vícios que entenda serem assacáveis à Decisão é a ampliação do objecto do Recurso.
15. Pelo exposto, faz sentido a equiparação dos regimes e a exigência ao Recorrido que pretenda a ampliação do objecto do Recurso para efeitos da impugnação da matéria de facto de que cumpra os mesmos ónus a que o Recorrente está adstrito.
16. Conforme bem nota o Tribunal da Relação de Évora de 26/10/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1891/15.6T8FAR.E1, “I – A ampliação do âmbito do recurso permite ao recorrido introduzir no recurso matérias não trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente.
II – Caso o recorrido pretenda ampliar o âmbito do recurso, impugnando a matéria de facto e suscitando a reapreciação da prova gravada, tem o ónus de especificar os meios de prova cuja reapreciação possa determinar a modificação da decisão da matéria de facto.
III – Justificando esse labor acrescido a extensão em 10 dias do prazo de alegação, o recorrido que pretenda ampliar o âmbito do recurso e suscitar a reapreciação da matéria de facto, tem igualmente direito à ampliação do prazo da sua resposta, independentemente do modo como o recorrente fundamentou o seu recurso” (disponível em www.dgsi-pt – destaques da Reclamante).
17. Ora, é pois, manifesto que ao Recorrido que amplia o objecto do Recurso impugnando a matéria de facto e suscitando a reapreciação da prova gravada se deve aplicar o referido prazo de 10 (dez) dias previsto no n.º 7 do artigo 638.º do Código de Processo Civil.
18. Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
19. Tal preceito constitucional encontra-se vertido no artigo 4.º do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
20. Ora, a interpretação propugnada no Despacho Reclamado, salvo o devido respeito, viola o sobredito princípio da igualdade, ao conceder as partes um tratamento diferente sem razão substancial para tal.
21. Motivo pelo qual se mostra procedente a Reclamação apresentada devendo ser o Aresto Recorrido revogado e substituído por Despacho que reconheça a competência do Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer o Recurso Interposto e, caso necessário, pelo conhecimento da ampliação do objecto do Recurso efectuada pela aqui Reclamante.
Nestes termos e nos mais de Direito deve a presente ser o Aresto Recorrido revogado e substituído por Despacho que reconheça a competência do Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer o Recurso Interposto e, caso necessário, pelo conhecimento da ampliação do objecto do Recurso efectuada pela aqui Reclamante.
Mais deverá ser declarada inconstitucional e ilegal a interpretação normativa dos artigos 636.º n.º 2 e artigo 638.º n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, por violadores do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 4.º do Código de Processo Civil.
Com o que farão V. Exas. Justiça.»
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são:
i. A tempestividade das contra-alegações apresentadas pela apelada;
ii. Arguição da inconstitucionalidade.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A tempestividade das contra-alegações apresentadas pela apelada.
A Autora/recorrente apresentou o seu recurso no prazo legal de 30 dias (Artigo 638º, nº 1, do Código de Processo Civil), cabendo à Ré/recorrida apresentar contra-alegações no mesmo prazo (Artigo 638º, nº 5, do Código de Processo Civil).
Todavia, a Ré/recorrida apresentou contra-alegações em quarenta dias, entendendo que lhe assiste tal prazo porquanto ampliou o objeto do recurso com a impugnação de três factos (cf. Artigo 636º, nº 2).
A discussão centra-se, pois, em saber se se aplica o disposto no Artigo  638º, nº7, no caso do apelado pretender ampliar o objeto do recurso na vertente de impugnação da matéria de facto, num contexto em que o recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, como aconteceu nos autos.  
A Ré/reclamante invoca em abono da sua posição dois arestos.
O primeiro dos referidos arestos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.5.2015, Garcia Calejo, 2689/08) não analisou expressamente a questão em causa, afirmando apenas que:
«Nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do mesmo Código, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelos recorrentes, os recorridos podem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como assente. Neste caso, à impugnação da matéria de facto é-lhe aplicável as regras atinentes à impugnação da matéria pelo recorrente, donde resulta que a matéria de facto impugnada pelos recorridos, só poderá ser apreciada pela Relação se os mesmos cumprirem as determinações ínsitas no art.º 640.º, n.º 1.»
Ora, estas asserções nada de novo trazem face ao teor expresso dos Artigos 636º, nº 2 e 640º, nº 3, nos termos do qual: «O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável no caso do recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º
Já no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.10.2017, Mário Coelho, 1891/15, a questão foi expressamente analisada nestes termos:
«Com efeito, quer se partilhe da tese da ampliação do âmbito do recurso não constituir um autêntico recurso, quer se entenda tratar de um recurso subsidiário, está sempre em causa o direito do recorrido a introduzir na instância recursiva questões não apresentadas pelo recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente.
Uma vez que a ampliação do prazo de recurso e de resposta, em caso de reapreciação da prova gravada, se justifica pelo facto do impugnante ter o ónus, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, de indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, podendo proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes[4], incumbindo à parte contrária proceder do mesmo modo, designando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente – art.º 640.º n.º 2, al.s a) e b) do Código de Processo Civil – as razões que justificam a ampliação do prazo de recurso são as mesmas que justificam tal ampliação no caso de resposta.
E assim, tendo a parte o dever de indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, podendo proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, justificando esse labor acrescido a concessão de maior prazo, o recorrido que pretenda ampliar o âmbito do recurso e suscitar a reapreciação da matéria de facto, sendo sujeito a tal ónus, tem igualmente direito à ampliação do prazo da sua resposta, independentemente do modo como o recorrente fundamentou o seu recurso.»
A posição deste aresto é acolhida por Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, p. 312.
Em sentido oposto, invocou-se no anterior despacho a posição de Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., 2022, p. 177:
«A extensão do prazo por mais 10 dias (de que também beneficiará o recorrido nas contra-alegações, nos termos do nº 5) apenas está prevista para os casos em que o recorrente introduz nas alegações a impugnação da decisão da matéria de facto a partir da reapreciação de meios de prova que tenham sido gravados (nº 7). Não abarca os casos em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja suscitada, a título subsidiário, pelo recorrido, nos termos do art.º 636º, nº 2, ou seja, a título de mera ampliação do objeto do recurso interposto pela parte contrária.
Por conseguinte, pretendendo ampliar o objeto do recurso nesses termos, o recorrido deve fazê-lo nas contra-alegações que serão apresentadas em prazo idêntico que vigorou para o recorrente. Notificado este das contra-alegações em que seja ampliado o objeto da apelação, o recorrente responderá no prazo de 15 dias, sem qualquer adicional.»
Sendo certo que a questão comporta margem de discussão, entendemos que esta última é a posição correta.
Em primeiro lugar, dispõe o nº 7 do Artigo 638º que «Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias».
Ora, no caso, a Ré não assume genuinamente as vestes de recorrente porquanto foi totalmente absolvida do pedido em primeira instância, sucumbindo-lhe legitimidade para recorrer (Artigo 631º, nº1). Ou seja, a Ré não interpôs nem podia interpor recurso da decisão proferida na primeira instância. Não sendo recorrente e não tendo o recorrente impugnado a decisão da matéria de facto, a Ré não beneficia do prazo de 10 dias do nº7, do Artigo 638º.
Note-se que a doutrina chega a afirmar que o recorrido, que requer a ampliação do objeto do recurso, não tem o estatuto de recorrente. Neste sentido, José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª ed., 2022, p. 73:
«Mas o vencedor que se prevaleça desta faculdade não tem o estatuto de recorrente (Amâncio Ferreira, Manual cit., p. 162), dado que o objeto do recurso (a decisão final proferida) permanece idêntica (ver, porém, Ribeiro Mendes, Recursos 2007, p. 85, admitindo tratar-se de uma espécie de recurso subsidiário, ainda que o recorrente não haja sido vencido). À semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633-3), a ampliação requerida só será apreciada se houver pronúncia sobre o mérito do recurso, mas as questões suscitadas pelo recorrido só serão apreciadas se, em consequência do recurso interposto, for modificada a decisão recorrida (…)».
Também Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., 2022, p. 149, afirma que:
«Na configuração legal, não estamos perante um verdadeiro recurso. Afinal sempre falta ao recorrido a qualidade de parte vencida relativamente ao resultado do processo que serve de critério aferidor da legitimidade, através do segmento decisório, nos termos dos arts. 631º, nº1, e 633º, nº1. Como reflexo, o vencedor que se prevalecer desta faculdade não terá o estatuto próprio de recorrente.»
Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, p. 309, afirma que:
«Trata-se, assim, de uma previsão excecional de recurso dos fundamentos. Um recurso condicional ou subsidiário em sentido impróprio já que a parte passiva do recurso pretende obter um efeito revogatório que afaste um eventual provimento do mesmo, em ordem a manter o dispositivo que lhe foi favorável.»
Nesta senda, o regime do Artigo 636º, nº2 - ao permitir ao vencedor na ação que, a título subsidiário, impugne a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto - integra uma norma excecional porquanto define um regime jurídico contrário ao que consta da regra geral (cf. Artigo 11º do Código Civil; Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 226). Dito de outra forma, ao atribuir à parte vencedora uma legitimidade subordinada (cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, p. 140) para impugnar, num recurso interposto pela parte contrária, a matéria de facto, o nº 2 do Artigo  636º integra uma norma excecional face ao Artigo  631º e ao regime geral recursório em que se inclui o Artigo  638º que rege sobre os prazos.
Tratando-se de um regime excecional, o legislador estava atento ao mesmo e às suas implicações. Assim, o legislador sinalizou no nº 3 do Artigo  640º que: «O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.» Tendo presente que, no âmbito da ampliação do objeto do recurso, o apelado poderia querer impugnar determinados pontos da matéria de facto, o legislador – atentamente – sinalizou que, nessa eventualidade, o recorrido está também vinculado aos ónus processuais impostos pelo Artigo  640º. Estando atento e pretendendo articular expressamente o regime da ampliação do objeto do recurso com o regime geral da impugnação da decisão de facto, o legislador – caso entendesse que se justificava nessa eventualidade a concessão do prazo adicional de dez dias – tê-lo-ia dito de forma explícita, o que não fez. Esta omissão compagina-se com a circunstância de a ampliação do objeto do recurso configurar, no melhor dos cenários, um recurso condicional ou subsidiário (cf. supra).
Releva aqui o elemento sistemático da interpretação da lei. Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360:
«O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional.. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).
Note-se ainda no teor dos nºs 7 e 8 do Artigo 638º:
7- Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
8- Sendo requerida pelo recorrido a ampliação do objeto do recurso, nos termos do Artigo 636º, pode o recorrente responder à matéria da ampliação, nos 15 dias posteriores à notificação do requerimento.
A sistemática adotada no preceito não é despicienda. Na verdade, se o legislador – com o mesmo cuidado que teve na redação do nº 3 do Artigo  640º - pretendesse atribuir ao recorrido o prazo adicional de dez dias para ampliar o objeto do recurso com impugnação da matéria de facto, teria adotado preferencialmente uma de duas opções: ou trocaria a ordem dos números (passando o conteúdo do nº 8 a constar como nº 7 isto porquanto a redação do artigo 638º parte dos regimes mais gerais para os regimes  mais especiais) ou inseriria uma ressalva no nº 8 de teor equivalente a: “aplicando-se o disposto no nº 7”.
Invoca a reclamante que, a não se acolher a sua tese, ocorre uma violação do princípio da igualdade processual.
O princípio da igualdade processual encontra-se consagrado no Artigo 4º do Código de Processo Civil, nos termos do qual: «O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais
«(…) o princípio da igualdade das partes traduz-se numa igualmente de chances e de riscos: ambas as partes devem ter as mesmas chances de obter uma decisão favorável e sobre ambas as partes deve recair o mesmo risco de o tribunal vir a proferir uma decisão desfavorável. Durante o desenrolar do processo, ambas as partes devem ter as mesmas oportunidades de influenciar o seu resultado: é o que, por vezes, acentuando uma conceção “duelística” do processo se designa por igualdade de armas. (…) O princípio da igualdade impõe ao tribunal o dever de tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual» (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, pp. 99-100).
Por sua vez, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, À Luz do Código Revisto, pp. 105-106, afirma a este propósito que o princípio da igualdade de armas «(…) impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objetiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis a outra.»
Releva também neste circunspecto a jurisprudência do Tribunal Constitucional, de que se colhe a lição expressa no Acórdão n.º 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante».
 O princípio da igualdade não pode conduzir à postergação de normas processuais que se apresentam com um conteúdo inflexível, como são os casos das normas processuais que fixam prazos perentórios (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 24). Perante normas processuais cogentes como são as atinentes a prazos perentórios, o juiz só tem que fazer acatá-las em relação a ambas as partes, sendo – deste modo – assegurado o princípio da igualdade. Assim, a aplicação no caso do disposto no Artigo 638º, nºs 1 e 5, a ambas as partes não colide com o princípio da igualdade, pelo contrário, observa-o.
Note-se que a situação da ré/reclamante não é materialmente equiparável à situação de um apelante que, ab initio, pretenda impugnar a decisão da matéria de facto. Enquanto aqui o apelante pretende socorrer-se de um meio de defesa da sua posição a título principal  e que será necessariamente apreciado, diversamente na situação da reclamante (impugnação da matéria de facto em sede de ampliação do recurso, num contexto em que não houve impugnação da matéria de facto pela parte vencida) a mesma socorre-se de um meio de defesa subsidiário, condicional, que pode nem sequer ser objeto de apreciação em sede do recurso. A centralidade e operacionalidade da impugnação da matéria de facto não são equiparáveis nas duas situações e, não sendo equiparáveis, não justificam a aplicação idêntica do regime do nº7 do Artigo 638º.
Assim, conforme enfatiza a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o estabelecimento das distinções aqui preconizadas não fere o princípio da igualdade porquanto as mesmas radicam em situações substancialmente diferentes e não equiparáveis.
A atender-se a tese da reclamante, a mesma conduziria mesmo a resultados insólitos. Assim, num contexto em que a parte vencida, ab initio, impugnasse a decisão da matéria de facto beneficiando de um prazo de recurso de 40 dias, a parte vencedora/apelada beneficiaria do mesmo prazo para contra-alegações (Artigo 638º, nº7). Mas, se a apelada também pretendesse impugnar um facto em sede de ampliação do objeto do recurso, então passaria a beneficiar de um prazo de contra-alegações de 50 dias!
Finalmente, argui a reclamante que deverá ser declarada inconstitucional e ilegal a interpretação normativa dos artigos 636.º n.º 2 e artigo 638.º n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, por violadores do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 4.º do Código de Processo Civil.
Todavia, esta alegação genérica de inconstitucionalidade não está concretizada nem especificamente fundamentada.
Com efeito, a questão da inconstitucionalidade tem de ser colocada de forma atempada, clara e percetível para que o tribunal saiba que questão tem para resolver – cf. Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, 2ª ed., p. 47.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 242/2007:
«Para além de não se apontar aqui para a violação de qualquer norma ou princípio constitucional, não se especifica uma determinada interpretação normativa em termos de o Tribunal a poder vir a enunciar numa decisão. Ora, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, não publicado).»
A reclamante limita-se a arguir genericamente a inconstitucionalidade sem propor um concreto enunciado interpretativo que, a ser acolhido, possa integrar um dispositivo de declaração de inconstitucionalidade.
Assim sendo, não se aprecia a arguida inconstitucionalidade porquanto a mesma não foi suscitada com observância dos requisitos exigidos pelo Artigo 70º, nº 1, al. b), da Lei nº 28/82, de 15.11.
Mesmo que assim não fosse, consoante analisado supra, não ocorre uma violação do princípio da igualdade processual.
A reclamação da decisão proferida pelo relator para a conferência com o propósito de que sobre aquele despacho recaia um acórdão integra o conceito amplo de incidente contido no art. 7º, nº 4, do RCP, estando, como tal, sujeito ao pagamento da correspondente taxa de justiça (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2014, João Trindade, 16354/12, Sumários). Tal taxa de justiça foi paga enquanto impulso processual (cf. fls. 1076).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação, confirmando-se o despacho proferido pelo relator que não admitiu as contra-alegações da apelada por serem intempestivas.
Custas pela reclamante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 20.12.2022
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira (com Voto de Vencido que segue)
                                              
VOTO DE VENCIDO
«Defendo que as razões que justificam o estabelecimento do prazo
adicional de 10 dias, previsto no n.º 7 do Art.º 638.º do C.P.C. para o recurso interposto pelo Recorrente, se aplicam igualmente ao caso do Recorrido que, em contra-alegações, amplia o objeto do recurso, impugnando então, à cautela e subordinadamente, a decisão recorrida sobre a matéria de facto. Por esse motivo, não compreendemos que o Recorrido não goze do prazo de 40 dias para contra-alegar nessas circunstâncias.

Não só essa interpretação se nos afigura ser a mais justa e adequada, como a letra da lei, objetivamente considerada, não implicanecessariamente a solução contrária.
Também não concordamos com o argumento segundo o qual a interpretação por nós pugnada determinaria que ao Recorrente, no exercício do direito de resposta às contra-alegações, passaria a gozar do prazo de 50 dias. Nada na lei nos poderia levar a uma conclusão semelhante, nem o princípio da igualdade imporia tal solução.
Para nós o que é claro é que, se a ampliação do recurso pode ter por objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, então deve ser reconhecida ao Recorrido a possibilidade de exercer esse direito nas mesmas condições, como se fosse o Recorrente, mesmo que não se reconheça aquele como tal.
Em suma, a solução pugnada no acórdão não pode por nós ser subscrita, por constituir uma penalização injustificada e cerceadora do direito de defesa em condições de igualdade»
Carlos Oliveira

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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).