Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10033/09.6TCLRS.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
SENTENÇA
EFEITOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O ónus imposto no artigo 640º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ao recorrente que impugne a decisão quanto à matéria de facto, atua-se, sob pena de imediata rejeição do recurso, destacando, na localizada gravação do depoimento, os momentos relevantes, através da indicação do início e termo de tais momentos.
II– A simples propositura da ação de divórcio com fundamento na separação de facto basta para caracterizar o propósito do A. de não restabelecer a vida em comum..
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação:



RELATÓRIO:



I – António intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra Maria, pedindo que fosse aquele decretado entre A. e Ré, com fundamento em rutura do casamento.
Alegando, para tanto, serem A. e Ré casados um com o outro, estando os por um ano consecutivo, havendo da parte do A. a firme intenção de não retomar a vida em comum.
Mais requerendo que os efeitos patrimoniais da sentença a proferir retrotraiam à data, naquela fixanda, em que a coabitação tenha cessado.

Aprazada tentativa de conciliação, para que foi citada a Ré, não se realizou a mesma, na circunstância do verificado óbito do A.

Tendo tido lugar, em apenso, e a requerimento de Isabel, a habilitação desta, enquanto herdeira do falecido, seu pai, para substituir aquele na causa principal.

Na qual contestou a Ré, por impugnação, mais sustentando a impossibilidade de retroação dos efeitos da sentença à data da cessação da coabitação, por a data desta não estar devidamente concretizada na petição inicial.

Remata com a improcedência da ação, por não provada e a sua absolvição do pedido.

Replicou a sucessora habilitada do A., sustentando a improcedência da exceção que refere constituir a sobredita impossibilidade de retroação dos efeitos da sentença.

O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Por todo o exposto e sem necessidade de mais considerações julga-se a presente acção declarativa constitutiva de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com processo especial, que António moveu contra a sua mulher Maria, parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que, em consequência e ao abrigo do disposto nos artigos 1781 º , nº 1 , a ) , 1782º , nº 1 e 1788 º , todos do Código Civil , decido:
A ) Decretar o divórcio entre o Autor e a Ré com a consequente dissolução do vínculo matrimonial que os unia e a cessação de todos os deveres conjugais;
B ) Indeferir a requerida fixação da data de início da separação entre Autor e Ré;”.

Inconformada, recorreu a Ré.

Tendo esta Relação, por Acórdão de 2014-12-04, a folhas 271-276, confirmado o despacho do relator de folhas 231-235, que, considerando não ter a Recorrente apresentado efetivas conclusões, sequer passíveis de despacho de aperfeiçoamento, julgou findo o recurso pelo não conhecimento do seu objeto.

Uma vez mais inconformada, recorreu a Ré de revista.

Vindo o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 2015-05-05, a folhas 317-335, concedendo a revista, a revogar o predito Acórdão desta Relação, “determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, a fim de que o Ex.º Relator, fazendo uso dos poderes-deveres contidos no artigo 639º, n.º 3, do NCPC, possa vir a conhecer do objecto da apelação.”.

Na sequência do que foi proferido, pelo relator nesta Relação, o despacho de folhas 344, convidando a Ré “a, em cinco dias, apresentar novas conclusões, onde proceda à efetiva síntese dos fundamentos alinhados no corpo das alegações, e sob pena de se não conhecer do recurso.”.

Vindo a ser apresentadas pela Recorrente as seguintes conclusões:

“1) Na presente Acção de Divórcio sem Consentimento do Outro Cônjuge foi realizada audiência de julgamento tendo o Tribunal decidido responder à matéria constante dos quesitos 1° a 3° da seguinte forma: "Provado apenas que em data não concretamente apurada, no mês de Setembro ou de Outubro de 2007, a Ré e o Autor deixaram de viver na mesma casa e de fazerem vida em comum", tal como consta do ponto quatro dos factos provados.
2) Mas não foi dada qualquer resposta ao quesito primeiro da Base Instrutória, não constando da matéria de facto provada que existisse pelo menos da parte do Autor ou da Ré, ora Apelante o propósito de não restabelecer a vida em comum.
3) O Art°. 1782°, n°. 1 do Código Civil exige que seja dado como provado que existe da parte de ambos os cônjuges ou de um deles o propósito de não restabelecer a vida em comum para que possa ser decretado o divórcio, devendo deste modo tal propósito da parte ambos os cônjuges ou de um deles constar da matéria fáctica provada, existindo deste modo falta de prova dos elementos constitutivos do direito do Autor da acção de divórcio.
4) A Recorrente apenas vem interpor Recurso de Apelação da parte da Sentença que decretou o divórcio entre o A. e a Ré com a consequente dissolução do vínculo matrimonial que os unia e a cessação dos deveres conjugais, pois que concorda com a segunda parte da Sentença que indeferiu a fixação da data de início da separação entre A. e Ré.
5) A ora Apelante considera o ponto quatro da matéria de facto provada incorrectamente julgado, razão pela qual vem impugnar tal ponto quatro da matéria de facto provada, pois que o depoimento conjugado da maioria das testemunhas em sede de julgamento impunha uma decisão sobre este ponto quatro da matéria de facto impugnada diversa da ora recorrida.
6) A primeira testemunha arrolada pela Ré, João quando lhe foi perguntado pela Advogada da Ré o seguinte: "O Sr. recorda-se se em 2007,a Ré que é a D. (…) abandonou a casa onde vivia com o Sr. (…)?", tendo a testemunha retorquido: "Em 2007?", ao que a Advogada da Ré perguntou de novo "Em 2007?", tendo esta testemunha respondido: "Não, que eu tenha conhecimento".
7) A segunda testemunha arrolada pela Ré, Alberto, testemunha que reside na Rua (…), ou seja no mesmo prédio onde viviam o A. e a Ré, descreveu situações que revelam que pelo menos até ao final do ano de 2007, a Ré vivia com o A. e como tal a Ré deveria ter sido absolvida do pedido formulado pelo A. por se provar que a Ré em 2007 não saiu da casa onde vivia com o marido.
8) Foram violados os Art°s. 1781°, als. a) e 1782° do Código Civil, o Art°. 20°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa e o Artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”.

Remata com a “parcial revogação” da Sentença recorrida.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Sendo, preliminarmente, de assinalar que, diversamente do pretendido pela Recorrente – em percurso lógico que, deveras, não logramos acompanhar – quando seja caso de revogar a sentença recorrida, “na parte” em que decretou o divórcio entre o A. e a Ré, com fundamento em separação de facto por um ano consecutivo…necessariamente ficará prejudicada a questão da fixação da data do início da separação entre A. e Ré.
E por isso que deferimento/indeferimento daquela pressupõe…o decretamento do divórcio.

Isto posto:

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – mas também considerada a arguição feita no corpo das alegações, são questões propostas à resolução deste Tribunal:

-se se verifica a nulidade assacada à sentença recorrida;
-se é caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Recorrente;
-se, em qualquer caso, não se verifica o fundamento de divórcio considerado na sentença recorrida;
-se se mostram violadas as referenciadas disposições da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 

***

Julgou-se provada, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

 “1- Autor e Ré celebraram casamento a 23 de Março de 2007;
2- Isabel nasceu a 3 de Maio de 1986 e é filha do Autor e de Maria;
3- O Autor faleceu em 15 de Março de 2010;
4- Em data não concretamente apurada , no mês de Setembro ou de Outubro de 2007 , a Ré e o Autor deixaram de viver na mesma casa e de fazerem vida em comum;
5- Logo após o falecimento do Autor a fechadura da casa sita na Rua António Nobre, em Odivelas, foi mudada;
6- A Ré não teve conhecimento prévio da mudança da fechadura;
7- A Ré ficou impedida de entrar no interior da casa;
8- A Ré ficou abalada com a morte do Autor;
9- Entre o dia 27/07/2010 e o dia 06/09/2010 a Ré esteve doente com uma " Depressão Reactiva ", que a incapacitou de trabalhar.”.

***

Vejamos.

II – 1 – Da arguida nulidade de sentença.

Aquela verificar-se-ia, segundo a Recorrente – e tanto quanto conseguimos alcançar – por isso que a “sentença não faz referência ao pelo menos de uma forma especificada aos fundamentos de facto e de direito que permitiriam proferir esta decisão”, incorrendo portanto na previsão do convocado artigo 668º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil…

Ora, desde logo, trata-se aquela de afirmação estranha por parte de quem, imediatamente antes havia referido que “A sentença recorrida consta a fls 135, 136 e 137 dos presentes autos dela constando o Relatório, os factos provados e a aplicação do Direito aos factos.” (SIC, cfr. folhas 354, ressalvando-se o grifado, que é nosso).

Nessa circunstância cabendo apenas confirmar que a fundamentação de facto – e como resulta do consignado supra, em sede de factos julgados provados na 1ª instância – consta do ponto III da sentença recorrida, onde se discriminaram aqueles em nove números.
Correspondendo à fundamentação de direito, o ponto IV da mesma sentença.

E quando porventura – o que não se concede como resultando das alegações da Recorrente – estivesse afinal em causa a motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, ponto seria mostrar-se também aquela devidamente fundamentada, como de folhas 131, 132 resulta.

Por último, o que assim apenas marginalmente se assinala, como anotam José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto,[1] só há nulidade – para efeitos do disposto no artigo 668º, n.º 1, alínea b), do anterior Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 615º, n.º 1, alínea b), do novo Código de Processo Civil – “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão” – que de todo não ocorre – não a constituindo “a mera deficiência de fundamentação”, que de resto não vem apontada.

Diga-se ainda – e conquanto não haja a Recorrente reconduzido tal pretensa circunstância aos quadros das nulidades de sentença, mas pela óbvia afinidade do assim apontado com essa matéria – que “tendo o Tribunal decidido responder à matéria constante dos quesitos 1º a 3º”, nos termos carreados para o n.º 4 dos factos provados, como a própria refere na conclusão 2, não se compreende como, logo de seguida, na conclusão 3, já afirma que “Mas não foi dada qualquer resposta ao quesito primeiro da base Instrutória (…)”.

O que, de resto, não corresponde à verdade, sendo que no pretérito regime processual civil nada obstava a que se “respondesse” agrupadamente a vários “quesitos”, o que até seria aconselhável no caso de serem os mesmos os meios concretos de prova. Cfr. neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, de 17-07-1974, in BMJ 239.º, 263.

*

Improcedendo pois, e nesta parte, as conclusões da Recorrente.

II – 2 - Da alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto. 

Insurge-se a Recorrente contra o provado de que “Em data não concretamente apurada , no mês de Setembro ou de Outubro de 2007 , a Ré e o Autor deixaram de viver na mesma casa e de fazerem vida em comum.”.

Fundamentando o pretendido erro na apreciação das provas, nos depoimentos das testemunhas da Ré, João e Alberto, com desvalorização os depoimentos das testemunhas do A., Isabel, Maria, Marília, João e Antero.

Tendo a 1ª instância fundamentado o assim decidido, “nos depoimentos devidamente concertados entre si, das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, Isabel, Maria, Marília, João (do A.), Antero, Armando, João (da Ré) e Alberto”, que “revelaram razão de ciência nas respostas que deram decorrente das relações de convivência próxima e amizade que tiveram durante muito tempo com as Partes, especialmente com o Autor até ao seu falecimento, salientando-se, ainda, que a testemunha Isabel foi namorada do Autor, a testemunha Marília era sua sobrinha e afilhada e a testemunha João (do A.) seu irmão.”.

Ora, e no que respeita aos depoimentos das sobreditas testemunhas indicadas pela Recorrente, temos que incumbia àquela, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”, cfr. art.º 640º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, sendo nosso o sublinhado.

Retirando Abrantes Geraldes,[2] de tal normativo, que “c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;”.

E “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art. 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento.”.[3]

Também Fernando Amâncio Ferreira[4] – no domínio do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08, mas assim com plena atualidade – referindo que “Impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso.”, e, entre eles, o de “c) Indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”.

E “A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso, como expressamente se refere no art. 685.º-B. n.º 1, proémio, e 2. Não há assim lugar a convite prévio, em vista a suprir qualquer omissão do recorrente. (erradamente se decidiu no Acórdão do STJ de 1.10.98 (BMJ, 480. p. 348).”.

Tendo-se pois que não sendo uma tal omissão suprível em via de despacho de aperfeiçoamento, também o não é pela facultativa transcrição – mais ou menos pontual, mais ou menos descontextualizada – dos invocados depoimentos.
                                        
Havendo o Supremo Tribunal de Justiça julgado, em Acórdão de 29-01-2014,[5] que “Importa imediata rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, a inobservância do vertido no nº 2 do art.º 685º-B do CPC (redacção vigente até 31-08-2013), mesmo que aquela também tenha sido ancorada em documentos, não se estando ante hipótese contemplada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 712º do Código de Processo Civil (redacção até à data supracitada).”.

Sendo que o referido art.º 685º-B, n.º 2, assim lugar paralelo do art.º 640º, n.º 2, alínea a), do atual Código de Processo Civil, dispunha, e no que agora interessa, em termos no essencial idênticos.

E ao art.º 712º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil de 1961, corresponde agora o art.º 662º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil.

Como se constata, omitiu a Recorrente por completo a indicação das passagens da gravação dos depoimentos em que fundaria o seu recurso.

Indicação que, com exatidão, deverá referenciar, delimitando temporalmente, os segmentos da gravação do depoimento respetivo que evidenciariam o erro na apreciação da prova testemunhal.

Destacando pois, na localizada gravação do depoimento – com início às (…) e termo às (…) – os momentos relevantes, através da indicação do início e termo de tais momentos - v.g., “ao minuto 15 e 31 segundos e termo ao minuto 15 e 47 segundos”.

Só dessa forma se efetivando a colaboração com o Tribunal, em ordem à localização, na gravação respetiva, dos excertos relevantes do depoimento.

Como mais assinala Abrantes Geraldes,[6]as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.”.

Sendo pois de, sem mais, rejeitar a impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, deduzida pela Recorrente.

II – 3 – Dos requisitos do divórcio.

Considerou-se na sentença recorrida estar verificado o fundamento de divórcio previsto na conjugação do disposto nos artigos 1781º, n.º 1, alínea a) e 1782º, n.º 2, ambos do Código Civil.

Nos termos do primeiro dos citados normativos é fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, “A separação de facto por um ano consecutivo;” Sendo que de acordo com o segundo, “Entende-se que há separação de facto quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.”.

Tendo-se assim que o direito potestativo ao divórcio, com o considerado fundamento, pressupõe factos de que, por um lado, resulte a inexistência da comunhão de vida conjugal, ao longo de todo um período de um ano, e que, por outro, revelem o propósito, da parte de pelo menos um dos cônjuges, de não restabelecer tal comunhão.

Ora, revertendo ao caso dos autos, tendo presente o provado de que “Em data não concretamente apurada, no mês de Setembro ou de Outubro de 2007 , a Ré e o Autor deixaram de viver na mesma casa e de fazerem vida em comum”, e vista a data da propositura da ação, em 18-12-2009, dúvidas não ficam quanto a estar verificado aquele primeiro requisito (objetivo) do fundamento de divórcio em causa.

Já no que concerne ao segundo requisito (subjetivo), temos que nada na factualidade apurada se reporta diretamente à verificação daquele.

Sendo mesmo que perguntando-se no artigo 1º da Base Instrutória se “Em 2007, a ré saiu da casa onde vivia com o autor, com o propósito de não mais voltar?”, foi, como visto já, dada resposta conjunta aos artigos 1º a 3º daquela Base, que, restritiva, se mostra expurgada de qualquer referência a um tal “propósito”.

Ainda assim – partindo da posição que anteriormente sustentámos,[7] para uma abordagem interpretativa mais consentânea com o atual quadro jurídico do divórcio e com a rápida evolução das conceções sociais dominantes, nesta matéria – propende-se a dar por verificado aquele último requisito.

E, deste modo, enfileirando com o já decidido – ainda no âmbito da redação anterior à introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, mas com plena atualidade, no que ao ponto em questão respeita – pelo Supremo Tribunal de Justiça, v.g., nos seus Acórdãos de 5 de Julho de 2001[8] e de 11 de Julho de 2006.[9]

No último dos quais ler-se pode que o requisito subjetivo “deve ser afirmado, ou exteriorizado, por forma expressa ou tácita, sendo que, e como julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Junho de 2004 – 04B 1564 – o simples intentar da acção de divórcio com fundamento na separação de facto basta para caracterizar o propósito de pôr fim à sociedade conjugal (…)”.

Podendo ainda ver-se, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 18-04-2013:[10] “O período da separação e o facto de o autor ter pedido o divórcio servem para aferir da verificação do elemento subjectivo da separação de facto.”.

Assim, por via da propositura da presente ação de divórcio, exteriorizou-se o propósito do A. de pôr fim à sociedade conjugal.
Propósito que aquele logo alegara no artigo 3º (“nunca mais coabitaram (…) nem pretendem fazê-lo”) e no artigo 4º (“a firme intenção do A. em não retomar a vida em comum”) da sua petição inicial.

Verificado estando pois o fundamento de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, considerado na sentença recorrida.

Com improcedência, também aqui, das conclusões da Recorrente.

II – 4 – Da acusada violação dos artigos 20°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
De acordo com o citado inciso constitucional, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”.

Também do “Direito a um processo equitativo” tratando o convocado normativo da referida Convenção, que, no seu n.º 1, dispõe:

1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser
público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”
.

Ora, sendo certo que o princípio da equidade “postula, por um lado, a igualdade das partes (princípio do contraditório e princípio da igualdade de armas) e, por outro, os direitos à comparência pessoal das partes em certos casos ou circunstâncias, à licitude da prova (do meio de prova em si e do modo de o obter) e à fundamentação da decisão.”, não vemos minimamente concretizada – e para lá do que foi já apreciado supra, quanto à arguida nulidade de sentença – seja no corpo das alegações, seja nas conclusões, a violação, na 1ª instância, e maxime, na sentença recorrida, do direito da Ré/recorrente a um processo equitativo.

Improcedendo, também nesta vertente, as conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

***

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I - “O ónus imposto no artigo 640º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ao recorrente que impugne a decisão quanto à matéria de facto, atua-se,  sob pena de imediata rejeição do recurso, destacando, na localizada gravação do depoimento, os momentos relevantes, através da indicação do início e termo de tais momentos.”.
II – A simples propositura da ação de divórcio com fundamento na separação de facto basta para caracterizar o propósito do A. de não restabelecer a vida em comum.”.


*


Lisboa, 2015-11-12


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)



[1]In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669.
[2]In “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, págs. 126, 127.
[3]Idem, págs. 127, 128.
[4]In “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª Ed., Almedina, 2008, pág. 170 e nota 331.
[5]Proc. 813/08.5TBFLG.G1.S1, 2ª SECÇÃO, Relator: PEREIRA DA SILVA, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. pt.
[6]In op. cit., pág. 129.
[7]Vd. Acórdão desta Relação, de 10-02-2011, proc. 568/09.6TBMFR.L1-2, Relator: EZAGÜY MARTINS, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.       
[8]Relator: ARAÚJO DE BARROS, in CJAcSTJ, Ano IX, tomo 2, págs. 164-166.
[9]Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, in CJAcSTJ, Ano XIV, tomo 2, págs.157-158.
[10]Proc. 3003/10.3TBVNG.P2, Relator: DEOLINDA VARÃO, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.