Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20746/21.9YIPRT.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO
PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL
PROCEDÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE NOVA ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Nas situações de incumprimento de contrato de crédito bancário a que seja aplicável o regime do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10, o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) constitui um procedimento extrajudicial obrigatório e qualquer ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada depois da sua extinção (art. 18º, nº 1, al. b)).

2.A comunicação de integração no PERSI, bem como a sua extinção constituem uma condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva) e a sua falta consubstancia uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do réu da instância.

3.A instituição bancária que decaiu em ação proposta contra o devedor, por falta de verificação de tal condição de procedibilidade, pode instaurar nova ação contra o mesmo devedor, com base na mesma causa de pedir e formular o mesmo pedido, mas terá de alegar, nessa nova ação, os factos novos, suscetíveis de demonstrar o cumprimento daquela obrigação e consequentemente, a verificação da condição anteriormente não preenchida (cf. art. 621º, nº 1, do Código de processo Civil), sob pena de não o fazendo, ocorrer a tríplice identidade, de sujeitos, do pedido e da causa de pedir (art. 581º, nº 1, CPC), com a anterior ação, e consequentemente, caso julgado, a determinar a absolvição do réu da instância.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


Banco Comercial Português, S.A, com sede na Praça D. João I, 28, Porto, apresentou no Balcão Nacional de Injunções, Requerimento de Injunção contra J… e M…, residentes na Avenida ……., em Algés, requerendo o pagamento da quantia infra mencionada e alegando, para tanto, o seguinte: por contrato celebrado em 13/05/2014, o Banco mutuou aos Réus a quantia de € 13.528,93; o empréstimo deveria ser amortizado em 96 prestações mensais e sucessivas correspondentes a capital e juros, como contratado; a taxa de juro aplicável era de 13%; a Ré não efetuou o pagamento da prestação que se venceu em 13 de junho de 2018, o que determinou o vencimento total da dívida, nos termos dos arts. 781º e 817º do Cód. Civil; à data do incumprimento, o capital em dívida ascendia a € 8.440.74, a que acrescem juros de mora sobre o capital, contados à taxa de 13% ao ano, acrescida da sobretaxa legal de mora de 3%, nos termos estipulados no contrato, até efetivo e integral pagamento, sendo ainda devido, além daquele montante o respetivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre os juros devidos, nos termos do nº 17 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
**

Os Réus apresentaram oposição, após o que o processo foi distribuído e passou a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Lisboa – JL Cível - Juiz 9, transmutando-se em Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 16º e 17º, do Decreto-Lei nº 269/98, de 1/09.
*

Em sede de oposição, os Réus invocaram as seguintes exceções:
a)-Caso julgado: o Autor resolveu o supra indicado contrato em 04/07/2018 e intentou contra os Réus uma injunção que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 9 sob o n.º 78925/18.2YIPRT, no âmbito da qual formulou o mesmo pedido, diferindo o valor ora reclamado apenas quanto aos juros e quanto à invocada data do incumprimento contratual. A injunção n.º 78925/18.2YIPRT foi julgada totalmente improcedente e os Réus absolvidos de todos os pedidos formulados. Ao propor a presente ação o Autor repete a causa, propondo ação idêntica à anterior quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
b)-Exceção inominada: Tendo alegado que a falta de pagamento da prestação em causa provocou o vencimento total da dívida, impunha-se ao Autor, nos termos do DL 227/2012 de 25 de outubro, integrar os Réus no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que é obrigatório e nunca aconteceu, verificando-se, deste modo, uma falta de condição objetiva de procedibilidade, consubstanciada na preterição de dever de comunicação aos devedores, ora Réus, da integração e extinção do PERSI, o que constitui uma exceção dilatória inominada, insanável e do conhecimento oficioso, que conduz à procedência da exceção.
No mais, impugnam o alegado no Requerimento de Injunção, por desconhecerem se o contrato de mútuo em causa corresponde ao que na realidade subscreveram, porquanto nunca lhes foi entregue duplicado do mesmo.
Terminam, pedindo seja julgada procedente, por provada, a exceção do caso julgado, com a consequente absolvição dos Réus da instância; ou, para o caso de assim não se entender, seja a oposição julgada procedente, por provada, por preterição de condição de procedibilidade da ação, com a sua consequente absolvição dos pedidos.
*

O Autor foi notificado para responder, querendo, à matéria das exceções, o que fez. Diz, em síntese, e no que ora importa, o seguinte:
O Autor intentou uma injunção que correu termos sob o nº 78925/18.2YIPRT, no âmbito da qual foi proferida sentença a absolver os Réus do pedido ali formulado, mas o tribunal não apreciou o mérito do pedido, tendo-se limitado a apreciar a questão impeditiva do direito do Banco em intentar a ação, por não ter integrado previamente os Réus no PERSI, condição de procedibilidade, que gera exceção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso, não ocorrendo caso julgado;
O Autor diligenciou junto dos Réus pela cobrança extrajudicial da dívida e em cumprimento com o estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, integrou os Réus no regime do PERSI, facto que é do pleno conhecimento destes.
Termina, pedindo seja a oposição julgada totalmente improcedente com todas as consequências legais.
*

Após, foi proferida a seguinte sentença:
“Os réus vêm arguir a exceção de caso julgado, fundamentando-a no facto de a questão aqui em causa ter já sido apreciada no âmbito do processo nº 78925/18.2YIPRT, por Sentença de 13-05-2019.
A exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa que se verifica depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – cfr. artigo 580.º, nº 1, do Código de Processo Civil.
De acordo com o sobredito preceito, a exceção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
Considera-se que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. E, há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. – cfr. artigo 581º, do Código de Processo Civil.
Considera-se existir identidade dos sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (STJ 24-2-15,915/09, STJ 14-12-16,219/14 e STJ 6-6-00, O0A327). Assim, se a forma como o autor se expressou na petição inicial e o modo como tal se refletiu na sentença são importantes para a aferição da identidade do pedido que foi formulado e apreciado, não deixa de ser importante o que, numa perspetiva substancial, está contido explicitamente e, por vezes, até implicitamente nessas formulações, seguindo sempre um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória. – vide A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I., pp. 661-662.
A identidade de causas de pedir verifica-se quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no ns 4. (…)

No STJ14-12-16, 219/14, entendeu-se que a identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial de cada uma delas, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações, nem pela invocação na primeira – op. cit., pág. 662.
Neste conspecto, e revertendo para o caso dos autos, assiste razão aos réus, tratando-se dos mesmo sujeitos e mesmo pedido e causa de pedir que deram origem à primeira causa, conforme se constata pela análise da sentença proferida naqueles autos.
Por outro lado, não merece acolhimento a argumentação do autor, pelos motivos que se passam a expor.
Compulsada a Sentença proferida a 13-05-2019, verifica-se que o decretamento da absolvição dos réus teve por base a inexistência da condição de procedibilidade, e que no caso era a integração da ré em PERSI.
Dispõe o artigo 621.º, do Código de Processo Civil, que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Ora, em tais circunstâncias, isto é, quando haja decaimento de causa por não estar verificada uma condição, efetivamente a lei permite a instauração de nova ação, não se verificando, nesse caso, exceção de caso julgado.
Não obstante, e sob pena de julgados contraditórios, na segunda ação devem ser dados como adquiridos os pressupostos do direito cuja verificação já tenha sido apreciada na primeira ação.
O que isto significa, e que tem sido amplamente aceite na jurisprudência (vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2016, processo n.º 106/11.0TBCPV.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt), é que, não existindo exceção de caso julgado, se impõe relevar a autoridade de caso julgado da sentença transitada em julgado.
Na verdade, o caso julgado manifesta-se em duas funções distintas: uma função negativa, que consiste na exceção dilatória de caso julgado, e uma função positiva, que se traduz na autoridade de caso julgado.
Conforme referido por Lebre de Freitas, “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” – in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 354.
Assim, a autoridade de caso julgado visa a não contradição da decisão proferida anteriormente, e como tal não haverá que levar a discussão os elementos já assentes na sentença transitada em julgado, que serão atendidos em virtude daquela autoridade de caso julgado.
Ora, conforme oportunamente referido, a sentença proferida a 13-05-2019 determinou a absolvição dos réus, com fundamento na falta de uma condição objetiva de procedibilidade, em consequência da falta da integração da ré no PERSI, na medida em que tal falta consubstancia uma exceção dilatória.
Na sua resposta à oposição dos réus, concretamente à invocação da exceção de caso julgado, o que o autor vem alegar é na primeira ação que não foi conhecido o mérito da causa devido à falta de condição de procedibilidade, o que efetivamente é verdade.
E sendo assim, podia o autor renovar o pedido, em nova ação, de acordo com os fundamentos supra explanados. E para esse efeito, no caso concreto, é essencial que se invoque o cumprimento da sobredita condição, in casu a integração em PERSI, sendo esse o fundamento desta segunda causa.
O que, compulsado o requerimento inicial, constata-se que o autor não fez.
No âmbito dos presentes autos, é a integração em PERSI constitui facto essencial da demanda do autor, na medida em que compulsada a sentença proferida no âmbito do processo n.º 78925/18.2YIPRT se verifica que os factos alegados pelo autor neste requerimento inicial já se encontram ali provados.
Nesse sentido, e como oportunamente explanados, tais factos provados integram a autoridade de caso julgado, os quais se consideram assentes e pelos quais na presente ação já não se poderia produzir prova, sob pena de contradição de julgados.
Pretendendo o autor a renovação do pedido, constitui facto constitutivo do direito do autor a integração em PERSI, o que não foi alegado no requerimento inicial, não podendo ser alegado posteriormente em outros articulados considerando que se trata de facto essencial, não tendo cumprido o ónus de alegação que lhe incumbia – cfr. artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Não tendo alegado a integração em PERSI, terá de se atender ao requerimento inicial e à relação material controvertida tal como ali foi configurada pelo autor.
E compulsado o requerimento inicial e os factos ali alegados verifica-se que coincidem com aqueles que foram dados como provados na sentença proferida no processo n.º 78925/18.2YIPRT, e que constituem autoridade de caso julgado, tratando-se dos mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir que integram aquela primeira ação.
Neste sentido, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos para a verificação da exceção dilatória de caso julgado, o qual constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, e tem como consequência a absolvição do réu da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
Por fim, sempre se diga que não se pode ignorar que, ainda que a relação subjacente emerja de obrigação contratual, atendendo à existência de decisão judicial que dá como provados os factos referente a essa relação obrigacional e a consequente    autoridade de caso julgado, sempre colocaria em crise a admissibilidade do recurso ao procedimento de injunção, atenta a simplicidade da sua tramitação, que a priori não se afigura compatível com a renovação do pedido nos termos pretendidos pelo autor.
“Pelo exposto, julga-se procedente, por provada, a exceção de caso julgado e, em consequência, absolvem-se os réus J…. e M….. da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i), e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do autor – cfr. artigo 527.º, do Código de Processo Civil.
Fixa-se à ação o valor de € 12.159,70 – cfr. artigos 296.º, 297.º e 306.º, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”.
*

O Autor não se conformou com esta decisão, e dela veio recorrer, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I.A douta decisão recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II.O Banco Recorrente instaurou uma injunção para pagamento da quantia de 12.312,70€, por força do incumprimento das prestações de um contrato de crédito pessoal celebrado com os Réus.
III.Os Réus deduziram oposição ao requerimento de injunção, invocando, entre outros, que se encontra verificada a exceção de Caso Julgado.
IV.Ora, tal oposição deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
V.Todavia, o Tribunal “a quo” proferiu sentença, julgando procedente a exceção de caso julgado, absolvendo os Réus da instância.
VI.Ora, afigura-se ao Recorrente que a aliás douta sentença recorrida, ao julgar procedente a exceção de caso julgado, violou o disposto nos artigos 577º, al. i) e 580º do CPC.
VII.O Autor intentou uma injunção que correu termos neste Juízo Local Cível sob o nº 78925/18.2YIPRT, tendo sido proferida sentença a absolver os Réus do pedido ali formulado.
VIII.Contudo não estamos perante a exceção de caso julgado, porquanto naquele processo, o Tribunal não apreciou o mérito do pedido, mas tão só limitou-se a apreciar uma questão impeditiva do direito do Banco.
IX.Naqueles autos, o Tribunal não chegou a conhecer o mérito do pedido, nomeadamente os factos que o suportavam.
X.Isto porque estando em causa obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, como é o caso, e perante a situação de mora do devedor, terá este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do referido diploma, sendo vedado à instituição de crédito o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial.
XI.Com efeito, a instauração de ação executiva ou procedimento injuntivo sem que se mostrem verificadas as referidas condições objetivas de procedência, gera a exceção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso.
XII.Sendo exatamente o que sucedeu no processo 78925/18.2YIPRT, ou seja, o Tribunal naquele processo limitou-se a determinar a extinção do processo, por falta de integração dos devedores em PERSI.
XIII.Consequentemente não se verifica a exceção de caso julgado, sendo certo que, ao contrário do referido pelo Tribunal “a quo”, o Banco não tem que referir, em sede de procedimento injuntivo, que promoveu pela integração dos Réus em PERSI. Terá, sim, que demonstrar a sua integração, caso essa exceção viesse a ser invocada.
XIV.O que efetivamente sucedeu e o Banco, na sua resposta, demonstrou documentalmente que a integração dos Réus em PERSI foi concretizada.
XV.Pelo que, também por esta via, a decisão do Tribunal “a quo”, tinha que ser diferente.
XVI.A força e a autoridade atribuídos à decisão transitada em julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal.
XVII.No caso em apreço, estaríamos então perante a exceção de caso julgado se os Réus tivessem invocado não terem sido integrados em PERSI e o Banco, efetivamente, não os tivesse integrado.
XVIII.Só estaríamos perante a autoridade de caso julgado, se o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas fossem as mesmas, o que não sucedeu.
XIX.Nesta conformidade, dúvidas não restam que mal andou o Tribunal “a quo”, ao julgar verificada a exceção de caso julgado.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a exceção de caso julgado e ordene que o Tribunal “a quo” analise e profira decisão relativamente às questões subsequentes, com todas as consequências legais.”
**

Os Réus responderam ao recurso, e apresentaram as seguintes conclusões:
“A EXTEMPORANEIDADE DO RECURSO.
I–Por sentença proferida a 26/11/2021 e notificada às partes a 30/12/2021, transitada em julgado a 03/02/2022, foi julgada “ … procedente, por provada, a excepção do caso julgado e, em consequência, absolvem-se os réus J… e M…. da instância …”.
II–A 09/02/2022 foram os RR surpreendidos com as alegações de Recurso apresentada pela A.
III–Compulsados os autos constata-se que a 05/01/2022, a secretaria, sem se perceber porquê, com cota lançada na mesma data, notifica, novamente, a Autora, na pessoa do seu mandatário, da sentença.
IV–Ora, salvo o devido respeito, não existem duas notificações às partes. Há uma só notificação.
V–O que se percebe é que existem dois mandatários que representam a Autora cada qual com a plenitude dos seus poderes de representação.
VI–Qualquer dos mandatários pode ser validamente notificada a sentença.
VII–A sentença foi devidamente notificada à autora, na pessoa da sua I. Mandatária Sr. Dr.ª MC... a 30/11/2021.
VIII–A sentença transitou em julgado.
IX–O recurso é extemporâneo.
XI–Quanto às razões de facto e de direito alegadas pela Autora, também nesta parte e salvo o devido respeito por opinião diversa, não assiste razão à recorrente.
XII–Alega, para tanto, que nos autos nº 78925/18.2YIPRT, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa, o tribunal não chegou a conhecer o mérito da causa.
XIII–O que a Autora/ recorrente não diz é que a base decisória no mencionado processo assentou numa longa discussão da matéria de facto e que foi indispensável à produção do caso julgado (formal).
XIV–O que a recorrente também não diz é que houve contraditório, houve produção de prova (documental e testemunhal), houve discussão e houve julgamento, para concluir não ter sido cumprido a condição objectiva de procedibilidade.
XV–E, ao contrário do que alega a recorrente, o tribunal não se limitou a determinar a extinção do processo, por falta de integração dos devedores em PERSI.
XVI–Depois de todo o “iter” percorrido o tribunal decidiu “ … absolvo os Réus J… e M… de todos os pedidos formulados contra si pelo autor Banco Comercial Português. (itálico e sublinhado nosso)
XVII–Ora, pela absolvição do pedido fica o autor impedido, nos termos legais, de propor uma outra acção sobre o mesmo objecto.
XVIII–E, o que é certo é que os RR foram absolvidos do pedido.
XIX–E, se não estivesse de acordo, caberia à Autora recorrer da decisão.
XX–A Autora, devidamente mandatada, nada fez.
XXI–A Autora não reclamou nem recorreu da sentença.
XXII–Conformou-se com a decisão, que absolve os RR de todos os pedidos formulados.
XXIII–Quanto ao mais, o que doutamente vem vertido na sentença, não merece qualquer reparo.”
**

Em 1ª instância, o recurso apresentado pelo Autor foi julgado extemporâneo e consequentemente, não foi admitido.

Apresentada reclamação pelo Autor, e deferida a mesma, foi o recurso admitido nesta Relação.

Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe decidir se ocorre a exceção de caso julgado.

Fundamentação de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do sobredito relatório, relevando ainda o infra descrito e que não foi descrito/individualizado na decisão recorrida e que se revela fundamental à decisão: 
- Em 13 de maio de 2019, no âmbito do processo nº 78925/18.2YPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 9, após realização da audiência de julgamento, foi proferida a seguinte sentença:                   
“I.Relatório
Banco Comercial Português, SA intentou requerimento de injunção contra J… e M…., pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €8.806,32, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €302,70 e acrescida dos juros de mora vincendo até efetivo e integral pagamento e da taxa de justiça no valor de €153,00, fundamentando a sua pretensão no incumprimento de um contrato de mútuo, através do qual emprestou aos réus a quantia de €13.528,93, a qual deveria ter sido reembolsada em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, de capital, juros. Sucede que os réus não pagaram a prestação que se venceu no dia 13/04/2018, o que implicou o vencimento total da dívida, que até à presente data não foi paga à autora, não obstante as diligências efetuadas nesse sentido.
*

Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, na qual admitem ter celebrado um contrato de mútuo com a autora, mas alegam que não podem confirmar se o contrato que celebraram com a autora é o mencionado no requerimento de injunção porque nunca lhes foi entregue cópia do mesmo. Mais alegam que nunca foram informados, integrados ou notificados do instrumento legal que lhes permitia desencadear um processo de regularização extrajudicial do seu incumprimento, nos termos previstos no DL 227/2012 de 25 de outubro.
Assim, concluem que estamos perante a falta de uma condição objetiva de procedibilidade, que consubstancia uma exceção dilatória inominada, insanável, de conhecimento oficioso e que conduz à sua absolvição do pedido.
*

Regularmente notificado, veio a autora pronunciar-se sobre a matéria de facto invocada pelos réus na oposição deduzida, impugnando-a, alegando que os réus foram devida e eficazmente integrados no regime do Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
*

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância de todos os formalismos legais.
*

II.–Saneamento
(…)
III.–Fundamentação

Factos Provados
1.–Por Contrato nº 2691512362, celebrado em 2014/05/13, que se mostra junto aos autos a fls. 31 a 37 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, o Banco Comercial Português, SA disponibilizou e entregou aos réus J… e a M… a quantia de €13.528.93.
2.–Por sua vez, os réus obrigaram-se a reembolsar a autora da quantia referida, através de 96 prestações mensais e sucessivas correspondentes a capital e juros, nos termos constantes do contrato.
3.–Os réus não efetuaram o pagamento da prestação que se venceu em 2018/04/13.
4.–Na sequência desse incumprimento, a autora remeteu ao réu J… as cartas datadas de 30 de abril de 2018 e 28 de maio de 2018, que se mostram juntas aos autos a fls. 42 a 43 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, solicitando a regularização das responsabilidades de crédito em dívida relativamente ao contrato supra identificado.
5.–Posteriormente, a autora remeteu ao réu J…, a carta datada de 11 de junho de 2018, que se mostra junta aos autos a fls. 44 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, na qual comunica a sua integração no PERSI por força do incumprimento das responsabilidades relativamente ao contrato supra identificado.
6.–Por cartas datadas de 28 de julho de 2018 e 21 de setembro de 2018, que se mostram juntas aos autos a fls. 47 e 48 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, a autora comunicou ao réu J… a extinção do PERSI relativamente ao contrato supra identificado.
7.–A autora tentou obter o pagamento do débito junto dos réus através de telefonemas, do envio de cartas para cobrança e do envio de acordos de pagamento.
8.–No entanto, até à presente data, os réus não procederam ao pagamento devido.
9.–A autora entregou aos réus cópia do contrato de crédito supra identificado aquando a sua celebração.
10.–A autora remeteu ao réu J… as cartas datadas de 23/06/2017, 27/06/2017, 29/06/2017 e 27/07/2017, relativamente às responsabilidades em dívida no âmbito de um contrato hipotecário com o n.º 433624933 que se mostram juntas aos autos a fls. 38 a 41 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
11.–A autora remeteu ao réu J…, as cartas datadas de 12 de julho de 2018 e 27 de julho de 2018, que se mostram juntas aos autos a fls. 44 e 46 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, na qual comunica, respetivamente, a extinção do PERSI e a integração no PERSI relativamente a outros contratos.
1.- Após o incumprimento da prestação vencida a 13/04/2018, no âmbito do contrato de crédito supra identificado, a autora expediu carta para à ré M… com vista à sua integração no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
*

Motivação da matéria de facto
(…)
III–Fundamentação de Direito
O Banco Comercial Português, SA pretende através da presente ação que os réus J… e M…, sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €8.806,32, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €302,70 e acrescida dos juros de mora vincendo até efetivo e integral pagamento e da taxa de justiça no valor de €153,00, fundamentando a sua pretensão no incumprimento de um contrato de mútuo, através do qual emprestou aos réus a quantia de €13.528,93, a qual deveria ter sido reembolsada em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, de capital, juros. Sucede que os réus não pagaram a prestação que se venceu no dia 13/04/2018, o que implicou o vencimento total da dívida, que até à presente data não foi paga à autora, não obstante as diligências efetuadas nesse sentido.

Os réus contestaram alegando, em suma, que não foram informados, integrados ou notificados do PERSI, concluindo que estamos perante a falta de condição objetiva de procedibilidade, que consubstancia uma exceção dilatória inominada, insanável, de conhecimento oficioso e que conduz à sua absolvição do pedido.

Atento o quadro factual assente, conclui-se que a autora logrou a prova da celebração com os réus do contrato de concessão de crédito invocado nos autos e que por força do mesmo, disponibilizou aos réus a quantia de €13.528,93, obrigando-se os réus a devolver o montante mutuado, acrescido de juros à taxa legal e contratual sobre o montante em dívida, através do pagamento em 96 prestações mensais iguais e sucessivas.

Acresce que resultou efetivamente demonstrado o incumprimento por parte dos réus, que não procederam ao pagamento da prestação vencida no dia 13/04/2018.

Sucede que os réus vieram alegar que a autora não cumpriu os imperativos legais previstos no decreto-lei 227/2012 de 25 de outubro, porquanto nunca os notificou da sua integração no PERSI.

O decreto-lei 227/2012 de 25 de outubro estabelece um conjunto de medidas que promovem a prevenção do incumprimento dos contratos de crédito bancários e a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas. Com este diploma, o legislador visou promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.

Em concreto, uma das medidas previstas no citado diploma é a adoção de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.

A aplicação deste regime legal ao contrato em apreço nestes autos é pacífica, tendo sido inclusivamente admitida pelo própria autora, que impugnou a factualidade invocada pelos réus, assegurando que os notificou devida e eficazmente da integração no PERSI.

Nos termos do seu artigo 12.º, “As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.”

Assim, concretiza o artigo 13.º que “No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.”

E, “Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.” – artigo 14.º, n.º 1, determinando o n.º 4 deste mesmo preceito que a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de cinco dias. Por suporte duradouro entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” , em conformidade com a definição prevista no artigo 3.º, alínea h) do mesmo diploma.

Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 1, a) e b) proíbe a instituição de crédito de resolver o contrato com fundamento em incumprimento e de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, durante o período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento.

Conforme se extrai da factualidade provada nos autos, no caso concreto, a autora procedeu à notificação integração no PERSI, dentro dos prazos legais, mas apenas quanto ao réu J…. De facto, a autora não logrou a prova de ter cumprido as suas obrigações legais de promover as diligências necessárias à implementação (PERSI) no que respeita à ré M…, porquanto não resultou provado que a autora tivesse informado a ré da sua integração nesse procedimento, nem que promoveu ou desenvolveu as diligências subsequentes, elencadas nos artigos 15.º e ss..

Com efeito, as obrigações legais do referido diploma respeitam a cada devedor individualmente, ainda que no âmbito de um mesmo contrato, independentemente da relação familiar ou conjugal que exista entre eles.

Assim sendo, não resultou provado que a ré tenha beneficiado da proteção legal prevista no decreto-lei 227/2012 de 25 de outubro, sendo certo que competia à autora a alegação e prova de ter cumprido todas as formalidades legais impostas por esse regime.

Ora, a ré não pode ficar impedida de exercer os direitos que lhe são concedidos no âmbito daquele regime legal imperativo.

Em face do exposto forçoso se torna, pois, concluir pela inexistência de integração da ré no PERSI e, consequentemente, pela impossibilidade da autora considerar definitivamente não cumprida a obrigação solidária dos réus e de intentar a presente ação judicial, o que necessariamente aproveita também ao co-réu.

Estamos perante a falta de uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, conduzindo por isso à absolvição do pedido.

Nesta conformidade, terá necessariamente de improceder integralmente a pretensão da autora relativamente a ambos os réus, impondo-se a sua absolvição dos pedidos.

Nos termos previstos no artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue a ação, condena no pagamento das custas processuais a parte que tiver dado causa à ação, entendendo-se como tal a parte que ficar vencida, na respetiva proporção em que o for. Na presente ação, a pretensão do autor obteve decaimento total, razão pela qual será a autora responsável pelo pagamento das custas de parte.
*

IV.–Decisão
Nesta conformidade, de acordo com os fundamentos expostos, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os réus J… e M… de todos os pedidos formulados contra si pelo autor Banco Comercial Português, SA.
Custas a cargo da autora – artigo 527.º do Cód. de Proc. Civil.
Registe e notifique.”.

Fundamentação de Direito
De acordo com o disposto no art. 580º, nº 1, do Código de Processo Civil (Código a que pertencem as disposições legais doravante citadas sem outra indicação expressa), o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de uma primeira ter sido decidida por sentença transitada em julgado.
Trata-se de uma exceção dilatória e que visa evitar que “(…) o tribunal reproduza ou contradiga uma decisão anterior, tutelando, no essencial, o prestígio e a credibilidade da função judicial e os valores da segurança jurídica e da certeza do direito.”[1]
A extensão do caso julgado define-se através de uma tríplice identidade, de sujeitos, do pedido e da causa de pedir (cf. art. 581º, nº 1).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º, nº 2).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art. 583º, nº 3).
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 583º, nº 4).
Deste modo, para aferir da verificação da exceção de caso julgado, importa verificar se existe identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir entre estes autos e ação anteriormente julgada no âmbito do processo nº 78925/18.2YPRT.

E tendo presente a factualidade acima assente, é manifesto que assim sucede:
- As partes são as mesmas e ocupam a mesma posição ativa (o Banco é autor em cada uma das ações) e passiva (os Réus têm a mesma posição em cada uma das ações); todos têm a mesma qualidade jurídica;
- O efeito que o autor pretende obter em cada uma das ações é o mesmo, como se extrai do pedido formulado em cada uma delas: o pagamento de todas as prestações referentes ao contrato de mútuo, acrescidas de juros, sendo que a diferença do montante final peticionado nestes autos, a título de juros, resulta da continuidade do respetivo vencimento após a prolação da decisão proferida naquele outro processo.
- Os factos em que o Banco alicerçou a sua causa de pedir são os mesmos nas duas ações: a resolução do contrato de mútuo celebrado com os Réus.
Verifica-se, assim, a tríplice identidade imposta pelo art. 581º, nº 1, como também decidido em 1ª instância.
A discordância do Autor, quanto ao decidido, prende-se com a circunstancia de esta segunda ação ter sido proposta em consequência de, na primeira, o tribunal não ter proferido decisão de mérito, tendo-se limitado a apreciar e a decidir sobre uma condição objetiva de procedibilidade que então julgou em falta, por não ter sido observado anteriormente à propositura da ação, a obrigação decorrente do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro, pugnando, agora, que na sequência de tal decisão, pode lançar mão de novo procedimento injuntivo, sem ter de referir que promoveu pela integração dos Réus em PERSI, pois só terá de demonstrar a sua integração, caso essa exceção viesse aqui a ser invocada, como sucedeu, tendo inclusivamente já demonstrado que a integração dos Réus em PERSI foi concretizada.

O Decreto-Lei nº 227/2012 de 25/10 estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, e criou a rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações, que segundo as motivações expostas pelo legislador no preâmbulo do dito diploma, emergiram da “(…) degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno”, que “conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias”, visando, assim, por essa via “(…) estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas” entre as quais, o “(….) Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”

Tendo presente o diploma legal em questão, e relativamente a clientes bancários que se encontrem em situação de mora por não cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, a instituição bancária, no prazo máximo de quinze dias depois do vencimento da obrigação não liquidada, deve adotar o seguinte procedimento:
- Informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida;
- Desenvolver diligências no sentido de apurar as razões do incumprimento (art. 14º).
- Caso se mantenha o incumprimento deve integrar o cliente no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação (art. 14º).

Segue-se a fase da avaliação e proposta, a que alude o art. 15º, no âmbito da qual a instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas, ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito, avaliando, ainda, a capacidade financeira do cliente bancário.

Posteriormente, através de comunicação em suporte duradouro e no prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito tem de comunicar ao cliente o resultado da avaliação desenvolvida, informando-o que não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável então a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou apresentar-lhe uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

Este procedimento culmina com uma fase de negociação em que podem ser discutidas as propostas apresentadas pela instituição bancária nos termos previstos no art. 16º (recusada a proposta pelo cliente, a instituição de crédito, considerando existirem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta; o cliente, pode, por seu turno, propor alterações à proposta inicial, devendo a instituição de crédito comunicar a aceitação ou recusa, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, podendo ainda apresentar uma nova proposta nas condições ali expressamente previstas).

A instituição de crédito está ainda obrigada a iniciar o PERSI nas circunstâncias a que alude o nº 2, do art. 14º, ou seja, sempre que:
“(…)
a)- O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, devendo a instituição de crédito assegurar que essa integração ocorre na data em que recebe a referida comunicação;
b)-O cliente bancário que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito entre em mora, devendo a instituição de crédito assegurar que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.”

Nos sobreditos circunstancialismos, o PERSI constitui um procedimento extrajudicial obrigatório e qualquer ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada depois da sua extinção, conforme previsto no artigo 18º, nº 1, al. b), do mesmo diploma.

Segundo entendimento pacífico da jurisprudência, de que constitui exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt), a “(…) comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC)”.

Na ação intentada em primeiro lugar, decidiu-se o seguinte: “Conforme se extrai da factualidade provada nos autos, no caso concreto, a autora procedeu à notificação integração no PERSI, dentro dos prazos legais, mas apenas quanto ao réu J... . De facto, a autora não logrou a prova de ter cumprido as suas obrigações legais de promover as diligências necessárias à implementação (PERSI) no que respeita à ré M..., porquanto não resultou provado que a autora tivesse informado a ré da sua integração nesse procedimento, nem que promoveu ou desenvolveu as diligências subsequentes, elencadas nos artigos 15.º e ss..

Com efeito, as obrigações legais do referido diploma respeitam a cada devedor individualmente, ainda que no âmbito de um mesmo contrato, independentemente da relação familiar ou conjugal que exista entre eles.

Assim sendo, não resultou provado que a ré tenha beneficiado da proteção legal prevista no decreto-lei 227/2012 de 25 de outubro, sendo certo que competia à autora a alegação e prova de ter cumprido todas as formalidades legais impostas por esse regime.

Ora, a ré não pode ficar impedida de exercer os direitos que lhe são concedidos no âmbito daquele regime legal imperativo.

Em face do exposto forçoso se torna, pois, concluir pela inexistência de integração da ré no PERSI e, consequentemente, pela impossibilidade da autora considerar definitivamente não cumprida a obrigação solidária dos réus e de intentar a presente ação judicial, o que necessariamente aproveita também ao co-réu.
Estamos perante a falta de uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, conduzindo por isso à absolvição do pedido.

Nesta conformidade, terá necessariamente de improceder integralmente a pretensão da autora relativamente a ambos os réus, impondo-se a sua absolvição dos pedidos.”

Independentemente desta decisão final de absolvição dos Réus do pedido, com a qual, salvo o devido respeito não concordamos, uma vez que, para nós, a situação analisada constitui uma exceção dilatória atípica ou inominada, traduzida na falta de um pressuposto processual essencial, e insuprível, que afeta a regularidade da instância, obstando ao seu prosseguimento, e importaria, por conseguinte, a absolvição dos Réus da instância (cf. art. 278.º, n.º 1, al. e)), certo é que a dita sentença – independentemente da matéria de facto que julgou provada e relativamente à qual não temos, agora, de nos pronunciar – apreciou, apenas, uma condição objetiva de procedibilidade, por força da qual não chegou a decidir de mérito, tendo-se limitado a apreciar a sobredita matéria de natureza excecional.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa[2] «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressuposto daquela decisão».
Dispõe o art. 621º: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”

Decorre desta disposição legal que a “…restrição de caso julgado material deixa de se verificar perante modificação das circunstâncias objetivas conexas com a verificação de uma condição, o decurso de um prazo ou a prática de um facto que esteve na génese da improcedência da pretensão (…)”[3].

O que significa, neste caso, que o Autor pode instaurar nova ação contra os Réus, com base na mesma causa de pedir e formular o mesmo pedido, desde que verificada a condição que determinou a extinção do processo anterior, o que também significa que nela teria de alegar os factos novos, demonstrativos da verificação da dita condição, consubstanciados no cumprimento dos procedimentos e regras contidos no sobredito Decreto-Lei e que acima deixámos enunciados. É ao Autor que cabe a alegação desses novos factos, que não estão sujeitos a nenhuma preclusão, pois foi a ausência dos mesmos que determinou a prolação da decisão anterior.

“A importância destes factos novos é mais saliente quando a acção anterior tiver terminado com uma decisão desfavorável à parte que os pretende invocar numa nova acção. Por exemplo: (…) (ii) se a parte tiver decaído por não estar verificada uma condição (…), o caso julgado não obsta à propositura de uma nova ação quando a condição se verifique (…); a posição do autor nesta segunda ação encontra-se, aliás, algo facilitada, porque, atendendo ao caso julgado formado na primeira acção, essa parte só tem de alegar e provar a verificação da condição (…)”.[4]sublinhado nosso

Não assiste, pois, razão ao Autor/Apelante, quando alega que recai sobre os  réus o dever de invocarem por via de exceção a falta da condição objetiva de que vimos tratando, pois, constituindo esta uma condição de procedibilidade da ação, recai sobre a instituição de crédito que pretende exercer o direito, o ónus de alegar e demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelo assinalados preceitos do referido Decreto- Lei, em particular, no âmbito dum quadro fáctico-jurídico como o descrito, em que a instauração da nova ação tem como fundo jurídico o regime decorrente do art. 621º e a necessidade da alegação dos factos novos que permitirão a renovação do pedido.

Tendo presente a matéria de facto apurada nestes autos, tem de se concluir pela integral coincidência dos objetos deste processo e do antecedente, pelo que nesta ação, tal como está configurada, não há nada de novo a decidir, face ao decidido na ação precedente, e concluindo-se pela verificação da tríplice identidade imposta pelo art. 581º, nº 1, do Código de Processo Civil, ocorre nos autos a exceção de caso julgado, mantendo-se, deste modo, pelos fundamentos ora aduzidos, a decisão proferida em 1ª instância.

Decisão

Na sequência do que se deixou exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente por não provada a apelação e em manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art. 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.


Lisboa, 9 de fevereiro de 2022


Cristina Lourenço - (Relatora)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira - (1ª Adjunta)
Ana Paula Nunes Duarte Olivença - (2ª Adjunta)



[1]António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “Código Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág, 580.
[2]In, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, págs. 578-579.
[3]António Abrantes Geraldes, e outros, ob. citada, pág. 772.
[4]João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume I, AAFDL Editora, 2022, pág. 651.