Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
255/12.8TVLSB-A.L1-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, a que alude o no art.º 396.º/1 do C. P. Civil, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou a deliberação; que essa deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; e que a sua execução possa causal dano apreciável.
2. Só o sócio detentor de legitimidade substantiva para instaurar a ação principal de anulação da deliberação social terá a mesma legitimidade para pedir a suspensão da execução dessa deliberação.
3. O art.º 178.º, n.º1, do C. Civil, confere o direito de arguição da anulabilidade da deliberação ao sócio que expressou o seu sentido de voto contrário a essa deliberação, ou seja, só o sócio que votou favoravelmente fica impedido de exercer tal direito.
(TAR)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório.
Mário, residente na (…) Azeitão, veio deduzir o presente procedimento cautelar para suspensão de deliberação social, nos termos do art.º 396.º do C. P. Civil, contra “Associação”, com sede (…) Lisboa, F J e F A, ambos residentes (…) em Alpiarça, pedindo a suspensão das deliberações tomadas em Assembleia-geral de associados da 1ª Requerida, realizada em 23 de dezembro de 2011, alegando, em síntese:
- É associado fundador e Presidente da Direção da 1ª requerida, associação sem fins lucrativos e tendo por objeto apoio educativo a crianças e jovens, apoio à família, educação e formação profissional dos cidadãos e proteção dos cidadãos na velhice e invalidez;
- O 2º Requerido, invocando a qualidade de presidente da Assembleia-geral da 1ª Requerida, convocou ilegalmente, a pedido do 3º Requerido, seu filho, uma assembleia-geral para 23/12/2011 com o intuito de nomear nova direção, admitir novos associados e revogar as deliberações tomadas na Assembleia-geral de 01/09/2010, na qual, aliás, foi designado presidente da Assembleia-geral;
- A convocação da Assembleia-geral de 23/12/2011 é nula ou inexistente porque é à Direção que cabe convocar assembleias-gerais, e essa Assembleia-geral foi convocada com o intuito de os 2º e 3º Requeridos obterem para si e para a sua família uma vantagem que é ilícita, designadamente obter o comando da 1ª Requerida para a exaurirem financeiramente;
- O Requerente, juntamente com o secretário da mesa da assembleia-geral, compareceu no local para ambos participarem na assembleia-geral ilicitamente convocada, tendo os Requeridos impedido o secretário da mesa de participar na Assembleia – facto que gera a nulidade da mesma – a qual se realizou apenas com a presença dos 2º e 3º Requeridos e do Requerente, sendo que o 2º Requerido participou na votação invocando a qualidade de associado, que não detém;
- Com o intuito de se apoderarem do controlo da direção, os 2.º e 3.º requeridos deliberaram o seguinte:
1. Revogar as deliberações tomadas na Assembleia-geral de 01.10.2010, por serem ilegais, face às disposições imperativas do CC sobre associações, sem fundamentarem;
2. Aprovar do regulamento interno de admissão e exclusão;
3. Aprovar da admissão de novos associados;
4. Aprovar dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2011/2014, que já estavam designados desde o dia 1 de setembro de 2010 e que nunca foi a respetiva deliberação impugnada.
- Sendo que o 2º requerido, não sendo associado, não poderia participar e votar as deliberações, em flagrante contradição com o que o próprio defendeu no procedimento cautelar por si instaurado.
- Por não corresponder à verdade o que constava da ata a respeito do que havia sido declarado pelo Requerente, foi chamada a intervir a força policial e vieram a ser feitas alterações à ata quanto às declarações do Requerente e, por fim, o 2º Requerido expulsou o Requerente das instalações.
- O objetivo dos 2.º e 3.º requeridos, com a realização da assembleia geral, foi designar uma nova direção, removendo o requerente da mesma e obter uma ata para com ela se dirigirem aos bancos onde aí pretendem remover o dinheiro da Associação;
- Existem direitos relevantes (fumus bonis iuris) a acautelar com a presente providência cautelar, designadamente o direito à estabilidade financeira da requerente que ascende a cerca de € 1.500,000,00/ano emergente dos contratos celebrados com os Agrupamentos de Escolas constituídos pelo Ministério da Educação e com as Câmaras Municipais e a garantia de pagamento aos respetivos professores; O interesse público consubstanciado pelo direito de milhares de famílias e crianças que dependem da execução dos contratos celebrados pela requerente com os Agrupamentos de Escolas do Ministério da Educação e com Câmaras Municipais e de milhares de crianças (mais de 10 milhares de alunos e cerca de mais 8 mil famílias) que dependem da atividade da requerente no âmbito de execução desses contratos.
- A convocatória da assembleia-geral é nula ou inexistente. A própria reunião da assembleia-geral é nula por o secretário da mesa ter sido impedido de participar na mesma e o requerente ter sido impedido de fazer declarações para a ata. A participação do 2.º requerido nas deliberações, votando é nula, por o mesmo não ser associado;
- As deliberações tomadas na assembleia-geral são nulas, ou inexistentes por contrariarem os estatutos e a lei, pelo que são anuláveis, o que de imediato se irá requerer em sede de ação judicial apropriada.
E juntou prova documental, nomeadamente a ata da Assembleia-geral de 23/12/2011, a fls.113 segs., e testemunhal.

Citados, vieram os 2º e 3º Requeridos deduzir oposição, nos termos que se mostram a fls. 356 segs., pugnando pelo indeferimento da providência.
Também a 1ª Requerida apresentou oposição, aderindo à que foi apresentada pelos co-Requeridos.
Posteriormente foram as partes notificadas nos termos do artº 3º nº 3 CPC para se pronunciarem, querendo, sobre a eventual ilegitimidade das partes, uma vez que se entendeu disporem os autos dos elementos necessários à decisão da providência, sem produção de prova.
E, após resposta do Requerente a fls. 615 segs., foi proferido o despacho de fls. 628 a 633, no qual se considerou carecer o Requerente de legitimidade substantiva e indeferiu o procedimento cautelar.
Deste despacho veio o Requerente interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A) O apelante invocou na P.I. a sua qualidade de Presidente da Direção da associação requerida e a sua qualidade de associado fundador tendo em vista a suspensão das deliberações de 23.12.2001.
B) A lei não restringe o direito de requerer a suspensão de deliberações das associações a qualquer dos associados, apenas restringe esse direito relativamente à impugnação das deliberações, o que não é o caso, e apenas quando estas sejam anuláveis e nos limites em que o artº 177º dispõe, pelo que o apelante tem legitimidade para requerer a suspensão das deliberações anuláveis e/ou nulas.
C) O Presidente da Direção tem sempre o direito e dever de requerer a suspensão e impugnar as deliberações que entender ser anuláveis e/ou nulas, impondo-se este dever até por razões de ordem pública.
D) Sendo as associações pessoas coletivas como o são as sociedades e as cooperativas, não existem quaisquer normas legais que lhes altere essa natureza nem lhes confira restrições diferentes das sociedades e cooperativas, pelo que qualquer norma que faça uma discriminação negativa dos direitos dos associados de uma associação será inconstitucional por violar os princípios da igualdade e de acesso aos tribunais previsto nos artºs 13º e 20º da CRP.
E) Não sendo o disposto no artº 178º nº 1 inconstitucional, como se entende que não é, e no respeito pelas citadas normas constitucionais, não se pode interpretar esta norma no sentido de impedir quem vota contra ou se abstém relativamente a uma deliberação como não tendo legitimidade para impugnar as deliberações ou requerer a sua suspensão, porquanto quer nas sociedade quer nas cooperativas os sócios e cooperantes que votem contra as deliberações têm esse direito.
F) A expressão “que não tenha votado a deliberação” tem o sentido de “quem não aprovou a deliberação”, pois é esse o sentido que o legislador lhe quis atribuir, aliás, sendo também o entendimento Supremo Tribunal de Justiças (Cfr Acórdão 072681 JSTJ00002134 de 5.6.1985 in BMJ 348º 388), sob pena de outra interpretação ferir esta norma de inconstitucionalidade, o que desde já se invoca por mera cautela.
G) Nesta conformidade, a decisão recorrida, decidindo que o apelante não tem legitimidade para requerer a suspensão das deliberações por ter votado contra as mesmas, violou o princípio da igualdade e do direito de acesso aos tribunais ao restringir o direito de requerer a suspensão das deliberações e de impugnar as deliberações apenas àqueles associados que tenham estado ausente da assembleia geral.
H) Acresce ainda, e seguindo de perto a bondade dos argumentos do Acórdão 0433183 JTRP00037037 de 1.7.2004 consultável em www.dgsi.pt, “entendemos, tal como entendeu Vasco da Gama Lobo Xavier “in” Anulação de Deliberação Social e deliberações Conexas 1998, pgs 194 e 195, em nota, que seguiremos de perto, que a anulabilidade dos atos de uma associação quando o seu objeto for ilegal não pode ser afirmada como princípio invariável, nem sequer como regra geral”.
I) Dados os interesses por eles protegidos, a infração de um sem número de preceitos legais (v.g. de direito público) através do conteúdo das deliberações das associações é indubitavelmente suscetível de determinar a respetiva nulidade.
J) Dito de outro modo e conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado em anotação ao referido artº 177º “as irregularidades a que o artigo se refere são as resultantes das regras dos artºs 174º e 175º”, relativas à convocação e funcionamento da assembleia geral.
K) Do que se conclui que pode haver irregularidades de deliberações de uma assembleia-geral de uma associação que constituem nulidades.”
L) Continuando a acompanhar e a aderir a este acórdão, não se pode olvidar que o requerente aqui apelante na P.I. suscitou expressamente a nulidade por participação na deliberação de uma pessoa que não era nem é associado, no caso, o 2º requerido, conforme decorre dos artºs 29º e 41º da P.I., configurando-se exatamente a mesma situação que no citado acórdão.
M) Trata-se manifestamente de um vício grave, violador de um interesse de ordem pública – seriedade de um ato eleitoral – e que podia influir no resultado da eleição, sendo por isso as deliberações nulas.
N) Não restando qualquer dúvida que o apelante invocou a nulidade das deliberações com o fundamento de o 2º requerido não ser associado e por isso estar impedido de participar nas votações, o apelante tem pois legitimidade para requerer, não só a suspensão das deliberações, como ainda de as impugnar.
O) Finalmente, e com o devido respeito, a matéria de facto dada por assente peca por escassa, porquanto não se devia dar por provado apenas uma parte do conteúdo da ata que contem as deliberações de que se requer a suspensão, mas todo o conteúdo desse documento.
P) Com efeito, decorre desse documento que o apelante lavrou nessa ata devida e extensamente fundamentado o seu protesto, manifestando uma declaração de vontade no sentido de que a sua participação na assembleia seria por mera cautela, declarando expressamente que iria exercer o seu direito de impugnar as deliberações e de requerer a sua suspensão.
Q) O Apelante emitiu um comportamento declarativo, com receio que lhe fosse imputado, por interpretação, um certo sentido. Para impedir isso, e ao emitir o seu protesto, o declarante afirmou abertamente não ser esse o seu intuito.
R) O protesto assim lavrado, tem também a natureza de reserva consistente na declaração de um comportamento, e não significa a renúncia a um direito próprio, ou ao reconhecimento de um direito alheio, e os tribunais superiores têm admitido os protestos e reservas, ou a falta deles, como produtores de efeitos sobre as declarações negociais em sede de votação de deliberações (cf. acórdão 0452518 JTRP 00036869 de 17.5.2004 consultável em www.dgsi.pt, e Apelação nº 1193/09.7TBSTS-3ªSec. de 13.10.2010 em www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel_1193/09.7tbsts).
S) Para efeitos do disposto no artº 236º do Código Civil o apelante deixou bem claro e expresso que participaria na assembleia à cautela e sob protesto, por não se conformar com os termos em que foi convocada (que não se tratou de mera irregularidade, mas de nulidade da mesma), com a falta de informação que devia acompanhar a convocatória, com os termos dos pontos a deliberar, com os termos do seu funcionamento, e, a culminar tudo isso, com o que o apelante, a final, acabou por se deparar: um não associado, a votar.
T) Ora, o sentido jurídico da atuação do apelante foi inequivocamente no sentido de não se conformar com a realização da assembleia (não reconhecimento do direito dos requeridos), tendo a sua manifestação de vontade sido expressa em tempo e por meio juridicamente relevante (não renúncia ao seu direito de impedir a produção de efeitos das deliberações que viessem a ser tomadas, exercendo esse direito no próprio dia, pelas 17H00).
E concluiu, porque decisão recorrida violou o disposto nos artºs 13º e 20º da CRP, artºs 177º e 178º do Código Civil, artº 236º do Código Civil, pedindo a revogação da decisão, devendo em consequência ser proferida decisão que, reconhecendo legitimidade ao apelante para interpor o procedimento cautelar e impugnar as deliberações, ordene o prosseguimento destes autos nos termos e para os efeitos do art.º 386º do CPC.
Os 2.º e 3.º Requeridos contra-alegaram, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso.
Como é sabido o teor das conclusões formuladas pelo recorrente definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso  -  arts. 660.º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil.
Assim, perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente constata-se que o thema decidendum consiste em saber se o apelante tem ou não legitimidade substantiva para instaurar a presente providência cautelar.

III – Fundamentação.
A) Matéria de facto.
Na decisão recorrida considerou-se, apenas, a seguinte factualidade:
1 - O Requerente participou na Assembleia-geral de 23/12/2011;
2 - O Requerente votou contra todos pontos da ordem de trabalhos daquela Assembleia.
Porém, importa ainda considerar, porque relevante, e demonstrada documentalmente (fls. 113 e segs) a seguinte matéria de facto:
3- Consta da referida ata, que antes da votação, o associado Mário pediu a palavra, tendo efetuado a seguinte exposição:
“Ponto 1 – Esta assembleia não se pode realizar porque a convocatória é nula ou inexistente na medida em que viola o artigo 173.º n.º 1 do Código Civil e os estatutos da associação, que nunca foram objeto de impugnação e que por isso estão em pleno vigor entre as partes desde o dia 01/09/2010 e até à celebração da escritura de alteração e respetiva publicação, tendo a partir daquela escritura passado também a vincular terceiros (artigo 168.º do Código Civil), nos termos destas disposições, tem competência para convocar a assembleia geral a administração da associação, pelo que a convocatória foi feita por quem não tem essa competência.
            …
Ponto 4 – Não obstante considerar absolutamente ilegal, nula ou inexistente a convocatória desta assembleia, à cautela, irei participar na mesma sob protesto, salvaguardando desde já o meu direito de requerer a imediata suspensão das deliberações que vierem a ser tomadas e bem assim a respetiva impugnação judicial, o que farei ainda hoje.
Em conclusão, esta assembleia-geral não se pode realizar, salvo se todos os associados estiverem de acordo, o que não é o caso, pois eu oponho-me à realização da assembleia-geral.
Acresce ainda que a designação dos órgãos sociais de 01/09/2010 é válida porquanto foi efetuada após a deliberação das alterações aos estatutos, que nunca foram impugnadas e estão em pleno vigor.

B) O Direito.
Como supra referido, a questão a decidir consiste em saber se o Apelante tem ou não o direito de pedir a suspensão das deliberações tomadas em Assembleia-geral de associados da 1ª Requerida, realizada em 23 de dezembro de 2011, e não se a providência deve ou não ser decretada.
Vejamos, pois.
Antes, porém, importa descrever o regime legal da presente providência, enunciado os respetivos pressupostos.
Reza o art.º 396.º, n.º1 do C. P. Civil, que “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
Assim, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, procedimento nominado, assenta na verificação cumulativa dos seguintes requisitos: Que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou deliberação; que essa deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social;  que a execução dessa deliberação possa causal dano apreciável. ([1])
 Como é sublinhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8.11.2011, e citado no Acórdão desta Relação de 8/3/2012, Processo 10903/11.2TBBNV.L1-8, o primeiro requisito constitui pressuposto de legitimidade ativa e os dois restantes são constitutivos da causa de pedir, onde se refere:
“[…] O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade ativa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação.[…] A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade […] O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respetivo processo”.
Como ensina Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 680, o requerente da suspensão tem de justificar a sua qualidade de sócio; mostrar que a deliberação é ilegal; e alegar que da execução dela pode resultar dano apreciável.
E porque de providência cautelar se trata, cuja decisão tem natureza provisória e destinada a antecipar o efeito jurídico duma providência definitiva em relação ao periculum in mora, o juízo que sobre ele incidir é de simples probabilidade, ou seja, que o requerente é titular aparente do direito e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito forte, da verificação da ameaça do dano jurídico ( ibidem).
Com efeito, sendo a suspensão de deliberações sociais uma providência cautelar nominada ou especificada na lei, pretende-se, como as demais, combater o denominado periculum in mora - o grave prejuízo causado pela demora inevitável do processo de anulação dessas deliberações que o sócio requerente irá instaurar, com vista à sua anulação - , a fim de que a sentença que vier a ser decretada favoravelmente não perca o seu efeito útil; e tem por fundamento o “fumus bonni iuris”, ou seja, a mera aparência da realidade do direito invocado – que se traduz no conhecimento através de um exame e instrução indiciários (“summaria cognitio”), ou como sublinha Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 230, “(… implica necessariamente uma apreciação sumária da situação através de um procedimento simplificado e rápido”.
E quanto ao periculum in mora, ensina Miguel Teixeira de Sousa, ob. citada, pág. 232, “ Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada. Quer dizer: esse periculum é elemento constitutivo da providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento daquela”.
Daí a sua instrumentalidade, visto que a decisão a proferir na providência cautelar é transitória, fica a aguardar a decisão definitiva a proferir na ação principal que terá obrigatoriamente que ser proposta e dela depende – art.º 383.º do C. P. Civil.
É que com a providência cautelar pretende-se “garantir quem invoca a titularidade de um direito contra a ameaça ou risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efetivação de um interesse juridicamente relevante através de um processo executivo se for caso de instaurá-lo” (apud Prof. A. Palma Carlos – “Procedimentos cautelares antecipadores”, in “O Direito” 105º-236).
Também Miguel Teixeira de Sousa, ob. citada, pág. 229, refere: “ O objeto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respetivo procedimento”.
A propósito da natureza instrumental da presente providência cautelar escreveu Carlos Olavo, “Impugnação das Deliberações Sociais”, in Col. Jur. 1988, T-3, pág.29:
“ É que uma ação de declaração de nulidade ou de anulação implica um decurso de tempo relativamente longo, que pode pôr em causa a respetiva eficácia prática.
Com efeito, é possível que, no decurso do processo principal, os efeitos práticos da deliberação impugnada se consolidem em termos de retirar conteúdo útil à sentença que vier a ser proferida, a qual seria uma decisão puramente platónica.
Por isso, a lei estabelece um meio de evitar tal consolidação, no âmbito das deliberações dos sócios, que é o de obter a respetiva suspensão… Nessa perspetiva, o pedido de suspensão de deliberação social funciona como dependência do pedido de declaração de nulidade ou de anulação da deliberação, a requerer preliminarmente ou como incidente da respetiva ação” (e no mesmo sentido pode ver-se Moitinho de Almeida, Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 179).
Por isso que art.º 396.º/1 do C. P. Civil, exige que o sócio requerente demonstre que a execução da deliberação ilegal possa causar um dano apreciável que justifique a sua imediata suspensão.
Como foi sustentado no Acórdão do S. T. J., de 20/5/1997, BMJ, 467.º-529, “dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da ação de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela ação”.
Ora, a ação principal de que depende a presente providência, a instaurar pelo sócio, está prevista no art.º 178.º/1, do C. Civil, que prescreve:
“A anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação”.
E tem a sua justificação no regime previsto no art.º 177.º do mesmo diploma legal, onde prevê que “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis”.
Decorrentemente, urge concluir que só o sócio detentor de legitimidade substantiva para instaurar a ação principal de anulação da deliberação social terá a mesma legitimidade para, em sede de providência cautelar de suspensão dessa deliberação, pedir a suspensão da sua execução.
Como refere Alberto dos Reis, ob. citada, pág. 675, “a suspensão só pode ter lugar nos casos em que a ação anulatória é admissível”, posição igualmente defendida por Moitinho de Almeida, ob. citada, pág. 183, sublinhando que “ os sujeitos da relação jurídica na ação cautelar de suspensão de deliberações sociais são, de uma maneira geral, os mesmos da ação anulatória de deliberações sociais”.
Na verdade, sendo a providência cautelar instrumental e dependente da ação principal, não faria sentido que o sócio pudesse requerer a suspensão da execução da deliberação tida por ilegal mas não para instaurar a ação principal de anulação.
No caso em apreço, o Apelante veio pedir a suspensão da execução das deliberações tomadas em Assembleia-geral de associados da 1ª Requerida, realizada em 23 de dezembro de 2011, por as considerar contrárias à lei e estatutos.
 A divergência está, pois, no sentido normativo do citado n.º do art. 178.º do C. civil, na parte que refere “por qualquer associado que não tenha votado a deliberação”.
Porque o apelante esteve presente na assembleia-geral, ainda que votasse contra as deliberações, levou o tribunal “a quo” a considerar que carece de legitimidade substantiva para instaurar a presente providência.
Na decisão recorrida considerou-se:
“(…) Efetivamente, o Requerente, pese embora todos os vícios que aponta à convocatória da Assembleia e às deliberações nela tomadas, entendeu exercer o seu direito de voto. Votando contra todas as deliberações, é certo, e fazendo declarações de voto relativamente a todos e cada um dos pontos da ordem de trabalhos.
Acontece, porém, que ao exercer o seu direito de voto afastou a sua legitimidade – substantiva, que não processual – para o exercício do direito de impugnação.
Na verdade, o artº 178º nº 1, in fine, do C. Civil, é claro ao prescrever que a anulabilidade prevista nos artigos anteriores – entre as quais se conta a das deliberações contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por irregularidades na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia – pode ser arguida no prazo de seis meses por qualquer associado que não tenha votado as deliberações anuláveis por qualquer daqueles fundamentos.
Ora, independentemente da eventual bondade dos argumentos expendidos pelo Requerente, o certo é que o mesmo, ao optar por exercer o seu direito de voto – mesmo que para votar contra, fez precludir o direito de impugnação das deliberações em cuja votação participou, afastando a sua legitimidade substantiva para tanto, a qual constitui um pressuposto de admissibilidade e de viabilidade da própria providência”.
Assim, para o tribunal “a quo”, o facto do apelante ter votado contra a deliberação, exerceu o seu direito de voto, o que fez precludir o direito de requerer, na ação principal, a anulação dessa deliberação e, consequentemente, de pedir a suspensão da sua execução.
Obviamente que não podemos partilhar com este entendimento, visto que se fez uma interpretação indevida da expressão “que não tenha votado a deliberação”.
A Assembleia-geral é, sem dúvida, o órgão deliberativo por excelência, a quem cabe a formação da vontade interna da associação, composto pela totalidade dos seus associados, competindo-lhe eleger os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha, sendo necessariamente da sua competência a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo – art.º 170.º/1 e 172.º/2 do C. Civil.
E o n.º 1 do art.º 178.º do C. Civil, confere a qualquer sócio que não tenha votado a deliberação o direito de arguir a sua anulabilidade.
Ora, “votar a deliberação” só pode ser entendido como tendo votado favoravelmente essa deliberação, ou seja, no sentido dessa deliberação.
Votar” significa “aprovar algo por meio do voto”.
A votação é um processo de formação da decisão do ente colectivo, no qual os associados expressam a sua opinião por meio de um voto.
Por isso que só faz sentido excluir o sócio que haja votado favoravelmente essa deliberação, não aquele que, apesar de ter estado presente e participado na votação, haja exteriorizado, com o seu voto, uma vontade contrária à aprovação da deliberação.
Outro entendimento, tal como seguido na decisão recorrida, conduziria ao resultado absurdo de se exigir ao sócio que não manifestasse a sua vontade, o seu sentido de voto, ainda que contrário ou contra o conteúdo dessa deliberação, apesar de estar presente.
Dito doutro modo, não faria sentido o legislador tratar da mesma forma duas situações diametralmente opostas: o sócio que vota favoravelmente a deliberação e aquele que vota contra a sua aprovação.
Daí que a expressão “não tenha votado a deliberação”, só possa significar que “não tenha expressado a sua concordância nessa deliberação”, “não tenha contribuído favoravelmente, com o seu voto, para a sua aprovação”.
Neste mesmo sentido se pronunciou o S. T. J., no seu Acórdão de 5/6/1985, BMJ, 348.º-388, onde refere “ face ao disposto no n.º1 do art.º 178.º do C. civil, deve entender-se que o direito de arguição da anulabilidade só é vedado a quem votou favoravelmente a deliberação” ( sublinhado nosso) ([2]).
Nem outra coisa podia ser.
O art.º 9.º/3 do C. Civil, ao determinar que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, admite uma interpretação em benefício das soluções mais acertadas, e embora o legislador mande presumir que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, concede que uma formulação imperfeita acabe por ser o verdadeiro espelho das soluções acertadas. E um dos princípios fundamentais decorrentes da boa hermenêutica jurídica é justamente o de que “não pode haver interpretação que conduza a resultados injustos ou absurdos”.
Aliás, idêntica solução vem consagrada no art.º 59.º/1 do C. S. Comerciais, embora aí o legislador seja mais expressivo ao esclarecer que a ação de anulação da deliberação pode ser proposta por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
E é este, também, o sentido a que nos temos vindo a referir.
Sobre essa solução legal escreve Carlos Olavo (ibidem), “ a este propósito, a lei estabelece uma restrição, cuja razão de ser é evidente, a saber, impõe que o sócio não tenha votado no sentido que fez vencimento”(nosso sublinhado).
Ora, o Apelante participou na Assembleia-geral de 23/12/2011 e votou contra os pontos da ordem de trabalhos, não sem que antes da votação pedisse a palavra e fizesse uma exposição, nomeadamente referindo o seguinte:
Esta assembleia não se pode realizar porque a convocatória é nula ou inexistente na medida em que viola o artigo 173.º n.º 1 do Código Civil e os estatutos da associação, que nunca foram objeto de impugnação e que por isso estão em pleno vigor entre as partes desde o dia 01/09/2010 e até à celebração da escritura de alteração e respetiva publicação, tendo a partir daquela escritura passado também a vincular terceiros (artigo 168.º do Código Civil), nos termos destas disposições, tem competência para convocar a assembleia geral a administração da associação, pelo que a convocatória foi feita por quem não tem essa competência.

“Não obstante considerar absolutamente ilegal, nula ou inexistente a convocatória desta assembleia, à cautela, irei participar na mesma sob protesto, salvaguardando desde já o meu direito de requerer a imediata suspensão das deliberações que vierem a ser tomadas e bem assim a respetiva impugnação judicial, o que farei ainda hoje.
Em conclusão, esta assembleia-geral não se pode realizar, salvo se todos os associados estiverem de acordo, o que não é o caso, pois eu oponho-me à realização da assembleia-geral”.
Demonstrado inequivocamente está que o apelante não se conformou com as deliberações, votando contra e, além disso, previamente, manifestou desde logo a vontade de requerer a sua anulação e suspensão, como flui da respetiva ata junta nos autos.
A propósito deste protesto, Alberto dos Reis, ob. citada, pág. 679/680, esclarece que foi abolida a formalidade do protesto prévio como condição do pedido de suspensão, e que embora o não proíba, dispensou-o, pelo que o sócio pode lavrar o seu protesto apesar dele não ser necessário, nem ser necessário o protesto como condição de se pedir a anulação da deliberação.
A razão está, pois, do lado do Apelante, pelo que a decisão recorrida não poderá ser mantida.
E porque vencidos na apelação suportarão os apelados as respetivas custas, nos termos do art.º  446.º/1 e 2 do C. P. Civil.

IV. Sumariando, nos termos do art.º 713.º/7 do C. P. C.
1. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, a que alude o no art.º 396.º/1 do C. P. Civil, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou a deliberação; que essa deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social;  e que a sua execução possa causal dano apreciável.
2. Só o sócio detentor de legitimidade substantiva para instaurar a ação principal de anulação da deliberação social terá a mesma legitimidade para pedir a suspensão da execução dessa deliberação.
3. O art.º 178.º, n.º1, do C. Civil, confere o direito de arguição da anulabilidade da deliberação ao sócio que expressou o seu sentido de voto contrário a essa deliberação, ou seja, só o sócio que votou favoravelmente fica impedido de exercer tal direito.

V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos, produzindo-se a prova que se revele necessária e posterior decisão final, nos termos do art.º 397.º do C. P. Civil.
Custas pelos apelados.

Lisboa, 11 de outubro de 2012

Tomé Almeida Ramião
Vítor Amaral
Fernanda Isabel Pereira      
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([1]) Neste sentido, veja-se, entre outros, os Ac desta Relação de 20.12.1990, 17.11.2009, e de 8.11.2011, todos in www dgsi/ TRL.
([2]) E que o Acórdão do S. T. J., de 2/12/2008, proferido no Proc. n.º 08A3228E, disponível em www.dgst.pt/jstj, e citado na decisão recorrida em abono da posição sustentada, em parte alguma contraria.