Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1525/11.8TYLSB-K.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO
DOCUMENTO
INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – Um oficio comunicando a transferência do produto da venda de imóveis, efetuada em execução fiscal, para a massa insolvente, não pode ser considerado um documento que, por si só, seja suscetível de alterar a natureza de créditos já verificados e graduados como comuns por sentença transitada em julgado nos termos da al. c) do art. 696º do CPC.
2 – A junção, anterior à prolação da sentença revidenda, de documentos que evidenciam a existência de garantias, a incorreção do julgamento da matéria de facto, ou a nulidade da sentença a rever, são possíveis argumentos para um recurso ordinário, mas não para um recurso extraordinário de revisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
A e mulher B, foram declarados insolventes por sentença de 10/04/2012, transitada em julgado.
Foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do disposto no art. 140º do CIRE, em 27 de setembro de 2012.
Em 22/11/2012 X, Lda, intentou ação de verificação ulterior de créditos nos termos do art. 145º do CIRE, a qual foi processada como apenso D, pedindo o reconhecimento de crédito no valor de 270.732,19 €, acrescidos dos juros de mora à taxa legal comercial, contabilizados deste a data da entrada das acções executivas em Juízo até a data da declaração de insolvência, no montante global de € 397.924,61.
Alegou, em síntese, ter intentado contra os insolventes duas ações executivas, as quais vieram a ser suspensas dada a declaração de insolvência, devendo os créditos exequendos ser reconhecidos.
Por sentença de 17 de junho de 2015, transitada em julgado, foi julgada procedente, por provada a ação e, em consequência, julgado verificado e reconhecido o crédito reclamado por X, Lda., sobre a massa insolvente, no montante de € 397.924,61, para ser graduado a par dos restantes créditos comuns, já reconhecidos por sentença proferida no Apenso B em 27.09.2012.
X, Lda veio interpor recurso de revisão da sentença proferida no apenso de verificação ulterior de créditos, nos termos da alínea c) do art. 696º, 697º e 698º do CPC,  pedindo a respetiva revisão e a declaração de que reveste a qualidade de credora privilegiada, por ter um crédito com garantia real, alegando, em síntese, ter sido notificada, por oficio de 07/11/2016, do Serviço de Finanças de (…), de que o produto da venda dos imóveis ali penhorados e vendidos ia ser transferido para a massa insolvente, sendo que detinha naqueles autos de execução fiscal a posição de credora com garantia real resultante de hipoteca sobre os bens ali vendidos. Ao ser graduada como credora comum nestes autos perdeu a posição como credora privilegiada, com o que não se pode conformar.
Mais alegou ter efetuado ao insolvente fornecimentos não pagos, tendo os insolventes confessado por escritura pública de 12/12/2004, uma dívida de € 165.889,91 à X, Lda, e constituído hipoteca para garantia da mesma sobre dois prédios rústicos e uma quota de € 16.000,00 no capital da X, Lda, detida pelo insolvente marido.
Intentou injunção à qual foi aposta formula executória e execução contra os insolventes nomeando à penhora os prédios sobre os quais detinha garantia, relativamente aos quais veio a ser sustada a execução por já se encontrarem penhorados em processo de execução fiscal, na qual veio a reclamar créditos juntando documentos comprovativos da sua posição de credora com garantia real. Os bens foram vendidos em 29/03/2011 e a credora ficou a aguardar a graduação de créditos e entrega daquele montante, expetativa que ora vê frustrada pela transferência do produto da venda para a massa insolvente.
Tem uma garantia real sobre os imóveis vendidos e só agora teve a informação de que o produto da respetiva venda não lhe vai ser disponibilizado, sendo que na insolvência está graduada como credora comum, pelo que requer a revisão da sentença proferida.
Por decisão de 11/07/2017, foi indeferido o requerimento de interposição de recurso de revisão.   
Inconformado o credor X, Lda apresentou reclamação, “nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 699.º ex vi n.º 1 e n.º 6 do artigo 641.º e 643.º todos do Código do Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, pedindo a admissão da Reclamação e a revogação da decisão de que recorre, admitindo-se o recurso de revisão da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos, e formulando as seguintes conclusões:
1. A presente Reclamação é interposta do despacho que decide indeferir o requerimento de interposição de recurso da ora Reclamante, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 699.º do CPC;
2. A Reclamante não se conformando com a decisão reclamada requer a reapreciação da decisão tendo em vista a sua revogação ou substituição por outra mais favorável à Reclamante – a admissão do Recurso de Revisão da sentença de verificação e graduação de créditos;
3. O Tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento de Recurso de Revisão da sentença de verificação e graduação de créditos da Reclamante porquanto, esta deveria ter alegado na petição inicial a natureza dos seus crédito, o que no seu entender não fez. Também considerou o Tribunal a quo que a Reclamante só agora em sede de recurso alega a existência de processos de execução fiscal, nos quais a Reclamante viu a natureza dos seus créditos serem reconhecidos como garantidos por hipoteca e a existência do ofício da Repartição de Finanças de (…) datado de 07.11.2016;
4. No humilde entendimento da Reclamante tal não é verdade, pois ao interpor a ação de verificação ulterior de créditos na insolvência dos Senhores A e mulher B, alega expressamente na P.I. que instaurou contra os Insolventes duas ações executivas, identificando os números de processo, mais discriminando a penhora de bens imóveis que tinha efetuado, designadamente:
“3.º
No âmbito destes autos foi pedida a penhora de vários bens imóveis, a saber:
1 – Prédio Rustico denominado (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (…) sob o n.º 375 e inscrito na matriz sob o artigo 3.º - Secção V, bem que estava hipotecado a favor da X, Lda – doc. n.º 2 que se junta.
2 – Os direitos sobre o prédio Rústico denominado (…), sito na freguesia (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o n.º 00275 e inscrito na matriz sob o artigo 013.0014.0000 (com a área de 23,900 hectares), onde os insolventes eram à data, comproprietários de 1/3 – doc. n.º 3 e 4 que se junta.
3 – Os direitos sobre o prédio Rústico denominado (…), sito na freguesia do (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o n.º 00872 e inscrito na matriz sob o artigo 013.0007.0000 (com a área de 190,343 hectares), onde os insolventes eram à data, comproprietários de 1/3. – doc n.º 5 e 6 que se junta.
4 – Prédio Rustico denominado (…), sito em (…) descrito na Conservatória do Registo Predial da (…) sob o n.º 1338 e inscrito na matriz sob o artigo 123 - Secção N, bem que estava hipotecado a favor da X, Lda – doc. n.º 2 que se junta.
5 – Os insolventes são ainda sócios da sociedade Autora X, Lda, onde detêm a seguinte quota:
QUOTA : 16.000,00 Euros
TITULAR: A
Estado civil : Casado(a)
Nome do cônjuge: B
Regime de bens : Comunhão geral.”
5. A Reclamante identificou expressamente os bens imóveis sobre os quais detinha hipoteca registada, tendo inclusivamente junto os documentos comprovativos de tais factos naquela P.I., e bem assim, nas alegações de recurso, conforme Doc. n.º 19, 3, 4, 5 e 6, para lá se remetendo por uma questão de economia processual;
6. A Reclamante identificou expressamente na P.I. da ação de verificação ulterior de créditos na insolvência dos Senhores A e mulher B, que detinha um crédito sobre os insolventes consubstanciado em quantias monetárias e devidamente quantificadas nas duas ações executivas a correr termos contra aqueles e que detinha sobre bens imóveis de pertença dos executados/insolventes registadas garantias reais, as hipotecas;
7. Devido à Reclamante ter alegado a existência do registo de hipoteca sobre imóveis não pode aceitar e concordar que o seu crédito tenha sido reconhecido como comum nos presentes autos, ao invés de crédito garantido, pelo que há uma clara violação das mais elementares regras de direito;
8. Por outro lado, e quanto à alegada falta de indicação do processo de execução fiscal na P.I. da ação de verificação ulterior de créditos, no qual a Reclamante viu os seus créditos reconhecidos e onde alegadamente a sua posição estaria acautelada, tal não corresponde à verdade, pois nos processos de execução fiscal inexiste sentença de verificação e graduação de créditos;
9. Muito embora, atenta a prova carreada pela Reclamante naquele processo de execução fiscal fosse indubitável para ser saldado o crédito da Reclamante com o produto da venda dos bens imóveis, sobre os quais tinha constituído a seu favor garantias reais;
10. Aliás, no dia 30.05.2011, a aqui Reclamante apresentou um requerimento, junto do Serviço de Finanças, requerendo que se procedesse à verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do disposto no artigo 245.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - cfr. Doc. n.º 15 junto ás alegações de recurso. Diligência que o Serviço de Finanças da (…) não realizou atempadamente, não obstante, as insistências da Recorrente, através de requerimentos, e contactos presenciais e telefónicos, até que volvidos mais de 5 anos desde o dia 29.03.2011, recorde-se da venda dos imóveis identificados, vem a Reclamante a ter conhecimento que não irá receber valor algum relativamente ao produto dessa, porque por determinação do Sr. Administrador de Insolvência dos insolventes o produto da referida venda iria ser transferido para a massa insolvente;
11. Em bom rigor, a Reclamante nunca chegou a ser notificação de qualquer sentença de verificação e graduação de créditos, pelo que, não é verdade como se refere na decisão de que ora se reclama que “a sentença proferida nos autos deverá ser objecto de revisão em virtude de nos processos de execução fiscal a natureza dos seus créditos ter sido reconhecida como garantidos por hipoteca.”;
12. A verdade é que, no âmbito dos processos de execução fiscal onde ocorreram as vendas referidas no Ofício do Serviço de Finanças datado de 07.11.2016, a Reclamante tinha uma posição de credora com garantia real sobre os mesmos, resultante dum crédito hipotecário sobre os bens imóveis que foram alienados;
13. Apesar da inexistência da sentença de verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal, a verdade é que a Reclamante carreou aos presentes autos factos e prova documental suficientes e claros da existência das garantias reais registadas em seu nome, pelo que, deverá ser revogado o despacho ora reclamado e substituído por outro que admita o recurso em causa de revisão da sentença de verificação e graduação de créditos, devendo os créditos da Reclamante serem reconhecidos com garantia real sobre o produto da venda dos bens imóveis alienados pelo Serviço de Finanças da (…), com as demais consequências;
14. Requer-se a revogação do despacho ora reclamado e seja substituído por outro que admita o recurso de revisão da sentença de verificação e graduação de créditos, devendo os créditos da Reclamante serem reconhecidos com garantia real sobre o produto da venda dos bens imóveis alienados pelo Serviço de Finanças da (…);
15. Deste modo, entende a Reclamante que a decisão a quo viola normas que deveriam ter sido aplicadas e/ou outras interpretadas de outra forma, tomando-se em consideração a interpretação da relação material controvertida estabelecida pelo que, em consequência, a sentença ora recorrida claudicou na aplicação do Direito aos factos, tendo realizado:
i. Incorreta valoração da peça processual da Reclamante e da prova documental junta aos autos, o que levou a uma incorreta decisão sobre a matéria de facto alegada pela Reclamante e ao indeferimento da aceitação do recurso;
ii. Violado o disposto no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, uma vez que a sentença recorrida não discrimina os factos que considera provados e não indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, ou seja, analisada a Petição Inicial e a decisão final, constata a Reclamante que existem factos que não foram atendidos em sede de decisão final;
iii. Violado o n.º 3 e 4 do artigo 615.º do CPC atenta a falta de fundamentação da sentença, bem como, devido à existência clara da contradição lógica entre a matéria alegada na petição inicial da ação de verificação de créditos e a decisão;
iv. Violado as normas constantes dos artigos 47.º e 48.º do CIRE, relativamente ao conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência, assim como, o disposto no artigo 146.º do CIRE.”
Não foi apresentada qualquer resposta nos termos do disposto no nº2 do art. 643º do CPC.
Por despacho de 11/03/2020 foi ordenada a subida da reclamação a este Tribunal da Relação.
Por despacho da relatora de 22 de junho de 2020 foi considerado que, tendo o recurso extraordinário de revisão sido admitido e conhecido de mérito, da decisão proferida cabia, não reclamação mas sim recurso de apelação, existindo um erro na forma de impugnação, tendo-se determinado a notificação das partes para, querendo, se oporem “ao aproveitamento do requerimento de reclamação apresentado ao abrigo do art. 643º do CPC como requerimento de interposição de recurso, advertindo que, nada sendo oposto no prazo assinalado, se considerará que não se opõem.”
Não tendo sido deduzida oposição e tendo a reclamante procedido ao pagamento do complemento de taxa de justiça devido, por despacho da relatora de 20 de julho de 2020 foi decidido:
Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 6º do CPC, e ponderando a não oposição, determino que o requerimento de impugnação da decisão proferida no apenso K em 11/07/17, corporizado nas alegações ref.ª 26476200 apresentadas em 27/07/17 seja apreciado como recurso de apelação, atento que preenche todas as respetivas condições formais, ou seja:
Foi tempestivamente interposto de decisão recorrível, e por quem tem legitimidade para o efeito, sendo um recurso de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos (de revisão) e com efeito meramente devolutivo - arts. 629º, 697º nº6, 631º nº1, 638º nº1, 644º nº1 al. a), 645º nº1, al. a) e 647º nº1 e nº3, a contrario, todos do Código de Processo Civil e 14º nºs, 2, 5 a contrario e nº 6, al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Mais verifico que foi também devidamente cumprido o contraditório previsto no art. 643º nº2 do CPC e que não foi apresentada qualquer resposta, pelo que se considera devidamente exercido o contraditório previsto no art. 638º nº5 do CPC.
Notifique.
*
Em consequência da decisão proferida, e lançando mão do disposto no art. 547º do
CPC:
- solicite ao tribunal recorrido o envio eletrónico do apenso K, onde a apelação será conhecida nos próprios autos do apenso;
- satisfeito, incorpore o presente apenso no apenso K, a ser atribuído à signatária como apelação (e tendo o cuidado de verificar se se mantém o acesso eletrónico a todo o processo, que se reputa de essencial);
- conclua o apenso de apelação à signatária, após o período de férias judiciais.
*”
Cumprido o despacho proferido foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a decidir é a da conformação do recurso de revisão interposto pelo ora recorrente, nomeadamente a verificação de se os documentos juntos preenchem a previsão da alínea c) do art. 696º do CPC.
*
3. Fundamentos de facto:
Resultam dos termos dos autos, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1 - A e mulher B, foram declarados insolventes por sentença de 10/04/2012, transitada em julgado.
2 - Foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do disposto no art. 140º do CIRE, em 27 de setembro de 2012 – cfr. apenso B.
3 - Em 22/11/2012 X, Lda, intentou ação de verificação ulterior de créditos nos termos do art. 145º do CIRE, a qual foi processada como apenso D, pedindo o reconhecimento de crédito no valor de 270.732,19 €, acrescidos dos juros de mora à taxa legal comercial, contabilizados deste a data da entrada das acções executivas em Juízo até a data da declaração de insolvência, no montante global de € 397.924,61, conforme requerimento inicial constante do apenso D, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde juntou cópia de dois requerimentos executivos, de escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca, certidões de registo predial, peças processuais de execuções e uma certidão de registo comercial.
4 - Por sentença de 17 de junho de 2015, transitada em julgado, foi julgada procedente, por provada a ação e, em consequência, julgado verificado e reconhecido o crédito reclamado por X, Lda, sobre a massa insolvente, no montante de € 397.924,61, para ser graduado a par dos restantes créditos comuns, já reconhecidos por sentença proferida no Apenso B em 27.09.2012, conforme sentença proferida no apenso D, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5 – Foram juntos com o requerimento de recurso extraordinário de revisão, os seguintes documentos:
Doc. n.º 1 – Sentença proferida no processo n.º 1525/11.8TYLSB-D, de 17.06.2015;
Doc. n.º 2 – Ofício n.º 1459, de 2016.11.07 do Serviço de Finanças de (…);
Doc. n.º 3 – Escritura pública de Confissão de dívida com hipoteca, lavrada a 12.12.2004, no Segundo Cartório Notarial de (…) e respectivos registos junto da Conservatória do Registo Predial;
Doc. n.º 4 – Requerimento de Injunção n.º 586/2005, com data de entrada de 27/12/2005;
Doc. n.º 5 – Requerimento executivo que deu origem ao processo n.º 1404/06.0TBTVD, enviado por correio registado com data de 05/05/06;
Doc. n.º 6 – Certidão, datada de 03/12/2017, emitida pelo Tribunal Judicial de (…) relativa a requerimento executivo que deu origem ao processo n.º 3823/06.0TBTVD;
Doc. n.º 7 – Citação de credor com garantia real dirigida à aqui requerente, no âmbito do processo n.º 1404/06.0TBTVD, 1.º juízo cível, Tribunal Judicial de (…), com data de 10/11/2007;
Doc. n.º 8 – Reclamação de créditos da Requerente no âmbito do processo n.º 1404/06.0TBTVD, 1.º juízo cível, Tribunal Judicial de (…), enviada por correio registado datado de 16/11/2007;
Doc. n.º 9 – Despacho do Tribunal Judicial de (…) proferido no processo n.º 1404/06.0TBTVD-A, de 16.01.2009, com a Ref.ª 2548724;
Doc. n.º 10 – Sentença de reconhecimento e graduação de créditos proferida no processo n.º 1404/06.0TBTVD-A, proferida em 15/12/2009, notificada em 18/12/2009;
Doc. n.º 11 – Ofício n.º 149 de 2011.01.24 do Serviço de Finanças da (…), com o Assunto: Convocação de credores com garantia real;
Doc. n.º 12 – Reclamação de créditos apresentada, a 01.02.2011, pela Requerente junto do Serviço de Finanças da (…) nos processo de execução fiscal que ali correram termos;
Doc. n.º 13 – Auto de abertura e aceitação de propostas relativo à venda do prédio rústico, inscrito sob o artigo 3, secção V, da freguesia de (…), elaborado pelo Serviço de Finanças da (…), com data de 29/03/11;
Doc. n.º 14 -  Auto de abertura e aceitação de propostas relativo à venda do prédio rústico inscrito sob o artigo 123, secção N, da freguesia de (…) elaborado pelo Serviço de Finanças da (…), com data de 29/03/11;
Doc. n.º 15 – Requerimento apresentado junto do Serviço de Finanças da (…) de 30.05.2011;
Doc. n.º 16 – Despacho do Tribunal Judicial de (…), 1.º juízo, proferido no processo n.º 1404/06.0TBTVD, de 10.09.2012
Doc. n.º 17 - Despacho do Tribunal Judicial de (…), 1.º juízo, proferido no processo n.º 3823/05.0TBTVD, de 16.10.2012
Doc. n.º 18 – Anúncio n.º 10599/2012, publicado no dia 15.05.2012, no DR, 2.ªsérie, n.º 94, relativo à declaração de insolvência de A e mulher;
Doc. n.º 19 - Acção de verificação ulterior de créditos apresentada pela Requerente no âmbito do processo n.º 1525/11.8TYLSB que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa Norte – V. Franca de Xira – Instância Central – Secção de Comércio – J4.
*
4. Fundamentos do recurso
Como já ensinava o prof. Alberto dos Reis, “O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado. Há uma sentença transitada em julgado, cercada, portanto, da força, do prestígio e do respeito que merecem as decisões que atingiram tal grau de segurança.”[2]
E buscando a justificação do instituto, prosseguia o saudoso Professor, que estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências de justiça e a necessidade de segurança ou certeza. A sentença pode “ter nascido em circunstâncias tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança.”[3]
Como se escreveu no Ac. TRC de 02/12/14 (relator Carvalho Martins)[4] “O recurso extraordinário de revisão foi criado pelo CPC de 1939, previsto no art. 771.º do CPC (696º NCPC), admitindo, nas situações aí taxativamente indicadas, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material.”
O recurso extraordinário de revisão visa, assim, reparar um vício ou anomalia processual especialmente grave, de um elenco taxativo, sendo limitados os fundamentos pelos quais se pode atacar uma sentença coberta pelo caso julgado.
Estrutura-se, em fase rescindente, na qual se visa afastar a decisão transitada em julgado, e a fase rescisória, que se segue à anulação daquela decisão.
Os fundamentos do recurso de revisão encontram-se taxativamente enumerados no art. 696º do CPC, no qual se estabelece, com interesse para o caso sob apreciação:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
(…)
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;»
Como melhor se escreveu no Ac. STJ de 19/10/17[5] (relatora Fernanda Isabel Pereira):
“O documento a que alude a al. c) do art. 696.º do CPC, para fundamentar a revisão, tem que revestir dois requisitos cumulativos: (i) a novidade (que significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde dele socorrer-se); e (ii) a suficiência (que implica que o documento constitua um meio de prova susceptível de, por si só, demonstrar ou infirmar facto ou factos relevantes por forma a conduzir a decisão mais favorável ao recorrente).”
O acesso ao recurso de revisão só é, assim, possível quanto não tenha sido possível à parte, objetiva ou subjetivamente, apresentar o documento a tempo de influenciar a decisão revidenda. Já Alberto dos Reis[6] referia serem três as hipóteses:
1ª o documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele;
2ª o documento já existia, a parte sabia da existência dele, mas não teve possibilidade de o obter;
3ª o documento não existia, formou-se posteriormente ao termo do processo anterior.
Na essência, o credor recorrente alega como documento fundamento da peticionada revisão o oficio da Repartição de Finanças de (…) de 7 de novembro de 2016, agora junto como documento nº2.
E, de facto, apenas esse documento é posterior ao processado da ação de verificação ulterior de créditos e à sentença revidenda, nada tendo sido alegado pelo recorrente no sentido de desconhecimento ou impossibilidade de obtenção de qualquer daqueles. Aliás, parte relevante dos documentos ora juntos – nomeadamente a escritura de confissão de dívida e as certidões prediais das quais constava o registo de hipoteca, foram juntos com os articulados da ação em que foi proferida a sentença cuja revisão foi peticionada.
Ou seja, a alegação produzida insere-se na terceira hipótese, o documento não existia e formou-se posteriormente ao termo da ação de verificação posterior de créditos.
O documento em causa é um oficio do Serviço de Finanças de (…) no qual se informa que o produto da venda dos bens ali penhorados vai ser transferido para a massa insolvente.
Este documento não é, muito claramente, um documento que «por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida», porquanto em nada contribui para a aferição da natureza do crédito reconhecido à recorrente (se garantido, privilegiado, comum ou subordinado).
É mesmo bastante duvidoso que a ora recorrente se possa considerar parte vencida, já que na sentença que coloca em crise, o pedido que formulou foi julgado integralmente procedente – o crédito foi integralmente reconhecido e foi classificado como comum por não ter sido invocada qualquer garantia ou privilégio.
Mesmo que se entendesse – não sendo o caso – que o facto de o crédito ter sido reclamado como garantido noutro processo seria suficiente para que, nesta sede, se considerasse reclamado como tal, isso implicaria que este documento, por si só, não era suficiente para atingir tal conclusão, tendo que ser combinado com outros para se obter o resultado pretendido.
Não preenche este fundamento de recurso de revisão a apresentação de documentos que apenas em conjugação com outros elementos de prova, produzidos ou a produzir, poderiam modificar a decisão transitada em julgado – cfr. Acs. do STJ de 11/09/07, 20/03/14 e 07/04/11[7].
O documento em causa corporiza um efeito necessário da declaração de insolvência, sequer surpreendente ou inesperado.
Estabelece o art. 149º do CIRE:
«Artigo 149.º
Apreensão dos bens
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.»
Estando pendente uma execução, mesmo uma execução fiscal, em que haviam sido penhorados e vendidos bens dos devedores, entretanto decretados insolventes antes do pagamento aos credores, por imposição legal, o produto da venda teria que ser apreendido para a massa insolvente – transferido para a massa insolvente – regra integralmente aplicável também às execuções fiscais[8].
Assim sendo, como refere o tribunal recorrido, o que o credor deveria ter feito era reclamar os seus créditos invocando todas as garantias e caraterísticas dos mesmos, dando integral cumprimento ao disposto no nº1 do art. 128º do CIRE, dado o carater universal da insolvência – cfr. art. 1º nº1 do CIRE.
Note-se que o argumentário de que já se encontravam nos autos documentos que atestavam a existência de garantias, de que foi incorretamente julgada a matéria de facto, ou mesmo de nulidade da sentença a rever, seriam possíveis argumentos para um recurso ordinário, mas não para um recurso extraordinário de revisão – só entrando na fase rescisória se poderia avaliar, e apenas se tais factos derivassem dos “novos” documentos na ponderação dos respetivos efeitos na decisão.
Assim, e tal como o tribunal recorrido, concluímos que, sendo o recurso de revisão apresentado ao abrigo da alínea c) do artigo 696º, e não sendo o documento invocado, um documento que, por si só, levaria a uma decisão mais favorável para o credor recorrente, deve ser mantida a decisão recorrida de indeferimento do presente recurso extraordinário de revisão.
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A presente apelação improcede integralmente.
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Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso (ao tempo, à reclamação) – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [9].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação, decidindo-se manter a decisão recorrida.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.
                
Lisboa, 10 de novembro de 2020
Fátima Reis Silva
Vera Antunes
Amélia Sofia Rebelo
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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 115.
[2] Em Código de Processo Civil Anotado, vol. VI (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pg. 335.
[3] Local citado na nota anterior, pg. 336.
[4] Disponível em www.dgsi.pt.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Local citado, pg. 354.
[7] Citados por Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 499, nota 732.
[8] Ver o nº2 do art. 181º do CPPT.
[9] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.