Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4780/06.1YXLSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: MARCAS
DENOMINAÇÃO SOCIAL
NULIDADE DE SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A(s) marca(s) tais com a(s) firma(s) ou denominação social são sinais distintivos do comércio, acrescendo também a estes sinais, o nome e insígnia do estabelecimento e o logótipo.
2 – O critério de distinção entre estes sinais radica-se, fundamentalmente, na eventualidade de indução em confusão ou erro.
3 – Para se poder aquilatar o risco de confusão teremos de fazer apelo ao homem médio, entendendo-se este como o consumidor ou utilizador final medianamente esclarecido.
4 - Existe risco de confusão no confronto entre a marca Medis e a denominação social Salumedis – semelhanças fonéticas e actividades parcialmente coincidentes, ambas ligadas ao fornecimento de prestação de serviços/cuidados de saúde.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Medis -, S.A., interpôs recurso contencioso, do despacho proferido pelo Sr. Director-Geral dos Registos e Notariado que indeferiu o recurso hierárquico apresentado contra a admissibilidade da denominação social Salumedis – Lda., emitido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, pedindo a revogação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico que admitiu a denominação social de Salumedis, Lda.
Alegou, em suma, que o despacho recorrido violou o princípio da novidade consagrado no art. 33 do DL 129/98 de 13/5.
Entre a marca Medis, registada sob o nº e a denominação social Salumedis –, Lda. existem suficientes semelhanças gráficas e fonéticas susceptíveis de induzirem o público em erro ou confusão.
A inclusão da marca Medis na denominação Salumedis –, Lda., é uma violação do direito ao uso exclusivo, pela recorrente, da sua marca registada.
Salumedis Lda. contestou concluindo pela improcedência do recurso com a consequente manutenção do despacho recorrido.
Sustentou que a sua actividade está relacionada com a prestação de serviços médicos, sendo que a sua designação não é confundível com a marca/designação da recorrente.

Foi proferida decisão que, julgando procedente o recurso contencioso, revogou o despacho do Sr. Director-Geral dos Registos e Notariado que admitiu a denominação social da Sociedade Salumedis - Lda. – fls. 115 a 120.

Inconformada Salumedis agravou formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª. O recurso contencioso submetido à apreciação do tribunal a quo teve por objecto o despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela recorrida contra a admissibilidade da denominação social da recorrente e não, propriamente o despacho que admitiu essa denominação.
2ª. O mesmo recurso contencioso, limitado que ficou ao conhecimento da matéria contida nas conclusões da alegação da recorrida, não teve por objecto a confundibilidade ou não confundibilidade entre as firmas ou denominações sociais da recorrente e da recorrida.
3ª. Questão essa apreciada no despacho impugnado, nos termos constantes designadamente do ponto nº 38 do despacho de sustentação em que se fundamenta.
4ª. E com que agora a recorrida manifestamente se conformou, delimitando o objecto do recurso contencioso à alegada existência entre a marca “Medis” e a denominação social “Salumedis -, Lda.” de “semelhanças gráficas e fonéticas susceptíveis de induzirem o público em erro e confusão” e à alegada violação do direito “ao uso exclusivo, pela recorrente da sua marca registada” pela também alegada, inclusão da marca Médis na denominação Salumedis – Lda.”.
5ª. Porém, o tribunal a quo, ao invés de se pronunciar sobre as referidas questões, desviou as suas atenções para os elementos constitutivos da firma ou denominação de ambas as sociedades, questão esta que, apesar de ter sido abordada pela recorrida no recurso hierárquico, ali foi resolvida e com que a recorrida se conformou.
6ª. Consequentemente, quer por omissão de pronúncia relativamente às questões vertidas nas conclusões do recurso contencioso e que devia apreciar, quer por excesso de pronúncia relativamente a questões de que, por não serem objecto do recurso contencioso, não podia tomar conhecimento, a sentença recorrida é nula nos termos do art. 668/ d) CPC.
7ª. Sendo certo que os factos elencados sob os nºs 2, 3 e 4 da decisão sobre a matéria de facto se encontram provados por documentos nos autos, já os factos elencados sob os nºs 1 e 5 da mesma decisão foram expressamente impugnados pela recorrente na contestação que apresentou e sobre eles não foi produzida qualquer prova pela recorrida, que foi quem os alegou.
8ª. Com efeito, a recorrida não juntou aos autos nenhum título ou certificado de conteúdo análogo comprovativos dos direitos de propriedade industrial que se arroga sobre a marca “Médis”.
9ª. Pelo que, ao tribunal a quo estava vedado julgar como assente a matéria como tal julgada sob o nº 1 da decisão sobre a matéria de facto – art. 364/1 CC e 655/2 CPC.
10ª. E nenhuma prova tendo sido produzida sobre os factos contidos no nº 5 da matéria de facto, o tribunal a quo também não os poderia julgar, sem qualquer justificação, como provados, pois tais factos são notórios, nem sequer, do conhecimento do tribunal em virtude do exercício das suas funções.
11ª. Consequentemente, a decisão sobre a matéria de facto deve ser revogada, suprimindo-se do elenco dos factos julgados assentes feitos constar pelo tribunal a quo sob os nºs 1 a 5 da decisão sobre a matéria de facto.
12ª. Por outro lado, é incontroverso no plano dos autos, que a recorrida só passou a incluir o vocábulo “Médis” na sua denominação em momento mais recente, relativamente àquele em que a recorrente adoptou na sua denominação o vocábulo “Salumedis”.
13ª. Pelo que, a proceder, todo o raciocínio desenvolvido pelo tribunal a quo relativamente à possibilidade de confusão entre a designação da recorrente com a da recorrida, só poderia levar à conclusão de que, afinal, a denominação da recorrida, porque mais recente, devia ceder perante a denominação da recorrente e, consequentemente, à improcedência do recurso contencioso.
14ª. E, mesmo que a recorrida tivesse provado, mas não provou, ser titular da marca “Médis”, tal como a configurou, o correspondente facto jamais justificaria a procedência do recurso contencioso.
15ª. Tal como aduzido no despacho de sustentação que fundamentou o despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado que indeferiu o recurso hierárquico perante ele interposto pela recorrida, nenhuma confusão é possível estabelecer entre as expressões “Médis” e “Salumedis”.
16ª. A sequência silábica “Médis” incluída na expressão “Salumedis” não coincide com a expressão “Medis”.
17ª. Foneticamente “Medis” também não coincide com “Médis”, porquanto a primeira tem por sílaba tónica “IS”, enquanto a segunda, por acentuada tem a sílaba tónica “Mé”.
18ª. Graficamente “Salumedis” também não coincide com “Médis”, o mesmo sucede foneticamente, pois, como palavra exdrúxula que é “Salumedis” tem a sílaba tónica na antepenúltima sílaba “LU”.
19ª. Na expressão “Salumedis” o que mais rapidamente se destaca aos ouvidos e aos olhos de quem a ouve ou lê é a sua parte inicial “Salu”.
20ª. Inexiste qualquer identidade de objecto sócia entre a recorrida e a recorrente, sendo distintos os sérvios prestados por uma e por outra, o mesmo sucedendo relativamente aos ramos de actividade em que se inserem, pelo que nenhuma confusão, sequer risco de associação, existe entre “Médis” e a denominação social ou firma “Salumedis”.
21ª. Sendo que esta última, Salumedis, expressão de fantasia que é, não incorpora qualquer marca pré-existente e vale como um todo.
22ª. E mesmo que se entenda que ela resulta da união entre “Salu” (de saúde) e “Medis” (de medicina), ambos assumem igual protagonismo na denominação social da recorrida e no seu reconhecimento público.
23ª. Afigurando-se muito improvável, mesmo impossível, que algum elemento do público associe ou confunda aquela expressão de fantasia com a alegada “marca Médis”, pois, de facto, uma nada, mesmo nada, tem a ver com a outra.
24ª. E nenhuma confusão existe entre as actividades desenvolvidas pela recorrente e as desenvolvidas pela recorrida.
25ª. A actividade de contratação de cobertura de riscos de saúde desenvolvida pela recorrida, nada, mas mesmo nada, tem a ver com a prestação de serviços médicos desenvolvida pela recorrente, não havendo qualquer possibilidade, por mais remota que ela seja, de, entre uma e outra, existirem riscos de confundibilidade, ou associação.
26ª. E a recorrida, face ao seu objecto, nem sequer tem capacidade para prestar serviços médicos ou de saúde, mas tão só para contratar seguros e resseguros que cubram os riscos desta e de outra natureza, com excepção do ramo “VIDA”.
27ª. A recorrida não tem capacidade para prestar aqueles primeiros serviços, nem os pode prestar salvo e na medida das coberturas ou dos sinistros que, no âmbito dos contratos de seguro que celebra, se obriga a assegurar ou a reparar.
28ª. A sentença recorrida viola, assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 10 nº 3 do Código das Sociedades Comerciais e 3, 33 e 35 do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas aprovadas pelo DL 129/98 de 13/3.
29ª. Assim, deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, anulada ou revogada a sentença recorrida nos termos e com os fundamentos aqui antes expostos.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram considerados assentes os seguintes factos:

1 – A sociedade Medis S.A. é titular da marca Medis nº, cujo pedido data de 13/4/95, classificação de Nice 42 – prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos.
2 – A sociedade Salumedis –, Lda., tem sede na Av. e por objecto social a prestação de serviços médicos, bem como o exercício de todas as actividades auxiliares, complementares ou relacionadas com os mesmos, incluindo de diagnósticos de terapêutica, de consultadoria, formação e investigação e ainda de comunicações, edições e publicações científicas, por qualquer método, meio ou suporte.
3 – Em 10/7/1998, foi emitido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, certificado de admissibilidade da denominação “Salumedis –, Lda.”.
4 – A 30/6/2006, foi publicado no DR. IIIª série, a constituição da sociedade com a denominação “Salumedis –, Lda”.
5 – O nome e marca Médis são reconhecidas pelo público associadas à prestação de cuidados de saúde que oferece aos seus clientes acesso a Médicos, Hospitais e a uma variedade de serviços e profissionais à saúde e medicina.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir.
Vejamos, então:
Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra o objecto de recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há lugar:
a) à nulidade da sentença – art. 668 d) – por excesso e omissão de pronúncia.
b) à alteração da matéria de facto (factos 1 e 5).
c) se a marca “Médis -, S.A.” e a denominação “Salumedis –, Lda.,” são confundíveis.

b) Alteração da matéria de facto (factos 1 e 5).

Tendo sido suscitada a questão da alteração da matéria de facto, a sua apreciação irá ser efectuada em primeiro lugar.

O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida – art. 712 a) CPC.
Importa desde já referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 655 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção – art. 653 CPC.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
A agravante insurge-se sobre a matéria assente sob os nºs 1 e 5 defendendo que estes factos não podem constar da matéria assente porquanto, estes factos, não obstante, alegados, foram impugnados, não tendo sido efectuada qualquer prova sobre os mesmos.
Considerou-se assente sob o facto nº 1 que: “A sociedade Médis - S.A. é titular da marca Medis nº, cujo pedido data de 13/4/95, classificação de Nice 42 – prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”.
E sob o nº 5 que: “O nome e marca Médis são reconhecidas pelo público associadas à prestação de cuidados de saúde que oferece aos seus clientes acesso a Médicos, Hospitais e a uma variedade de serviços e profissionais à saúde e medicina”.
Não obstante ser inexistente a fundamentação relativamente aos factos assentes, atentos os documentos junto aos autos, verifica-se que o facto provado sob o nº 1 é sustentado pelos documentos a fls. 24, 108 e 109, pelo que deve considerar-se assente.
No respeitante ao facto sob o nº 5 diremos que tal facto não pode constar da matéria assente uma vez que sobre ele não recaiu qualquer prova, não é um facto notório, nem é um facto de que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das sua funções (arts. 342 CC e 514 CPC).
Assim, procede parcialmente a conclusão.
Deste modo, consideram-se apenas apurados os seguintes factos:
1 – A sociedade Médis -, S.A. é titular da marca Medis nº, cujo pedido data de 13/4/95, classificação de Nice 42 – prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos.
2 – A sociedade Salumedis –, Lda., tem sede na Av. e por objecto social a prestação de serviços médicos, bem como o exercício de todas as actividades auxiliares, complementares ou relacionadas com os mesmos, incluindo de diagnósticos de terapêutica, de consultadoria, formação e investigação e ainda de comunicações, edições e publicações científicas, por qualquer método, meio ou suporte.
3 – Em 10/7/1998, foi emitido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, certificado de admissibilidade da denominação “Salumedis –, Lda.”.
4 – A 30/6/2006, foi publicado no DR. IIIª série, a constituição da sociedade com a denominação “Salumedis –, Lda”.

b) Nulidade da sentença – art. 668 d) – por excesso e omissão de pronúncia.

A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras … – art. 660 CPC.
O juiz deve conhecer, em regra, todas as questões suscitadas pelas partes.
Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama julgamento, um juízo lógico.
Pedido(s) não é só a questão principal, a existência ou não da relação litigiosa, pedidos são também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução daquela.
Pedidos não são unicamente os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do juiz, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga), são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa – vd. A. Reis. CPC anotado, Coimbra Editora, 81, V, p. 50 e sgs.
Para caracterizar e delimitar todas as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados, é necessário atender também nos fundamentos em que elas assentam, i. é, para além dos pedidos é necessário ter em conta a causa de pedir.
A acção é assim delimitada pelos sujeitos, objecto e causa de pedir (princípio da coincidência entre a acção e a sentença).
Para se determinar a extensão do julgado há que atender, antes de mais nada, à parte dispositiva da sentença, à decisão propriamente dita.
É aí que o juiz exprime a sua vontade quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes; em suma é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.
A alínea d) art. 668 CPC declara nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está em correspondência directa com o preceituado no art. 660 nº 2 CPC.
Se a sentença infringir este preceito a consequência é a sua nulidade.
Tendo em conta estes preceitos, a sentença da 1ª instância enferma do vício arguido pela apelante – omissão de pronúncia -, ou seja, não se pronunciou sobre as “alegadas semelhanças gráficas e fonéticas susceptíveis de induzirem o público em erro e confusão, entre a marca Médis e a denominação social da agravante Salumedis –, Lda.”, nem sobre “a alegada violação do direito ao uso exclusivo, pela agravante da sua marca registada pela inclusão da marca Médis na denominação Salumedis –, Lda.”
Atento o supra mencionado, atentos os factos dados como provados e a decisão recorrida, a conclusão que se extrai é a de que a sentença não enferma deste vício.
Na verdade, a sentença pronunciou-se sobre as questões que devia apreciar, nomeadamente estas que a agravante suscita no seu recurso, basta ler a análise e o explanado após o título “das semelhanças gráficas e fonéticas entre as denominações “Médis” e “Salumedis”.
Ainda que se considerasse ter havido uma deficiente apreciação da matéria de facto, o que não sucedeu, esta deficiência não constituiu nulidade.
Defende também a agravante a existência de excesso de pronúncia porquanto a “sentença desviou a sua atenção para os elementos constitutivos da firma ou denominação de ambas as sociedades, questão resolvida no recurso hierárquico”.
Quid juris?
Na verdade, a sentença faz referência à firma ou denominação social, mas fá-lo, tão só, para explanar e completar o seu raciocínio no que tange às questões que tinha e devia apreciar, inexistindo qualquer “desvio de atenção”, ou seja, excesso de pronúncia.
Assim, falece a conclusão da agravante.

c) Marca “Médis” e a denominação “Salumedis” são confundíveis?

A(s) marcas tais como a(s) firma(s) ou denominação social são sinais distintivos do comércio, acrescendo também a estes sinais, o nome e insígnia do estabelecimento e o logótipo.
Estabelece o art. 33 do DL 129/98 de 13/5 (RNPC) que: 1- As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas; 2 – Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas; 5 – Nos juízos a que se refere o nº 2 deve ser ainda considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
Por seu turno dispõe o art. 4/4 do Código da Propriedade Industrial (CPI) – Os registos de marcas, de nomes e de insígnias de estabelecimentos, de logótipos e de denominação de origem e de indicações geográficas constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo.
E o art. 258 do CPI que: O registo de marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos e serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor.
Estes preceitos exaram a preocupação/manifestação do legislador em evitar o risco de confusão ou erro no espírito do consumidor no confronto entre marcas, denominações, ou entre qualquer uma delas.
O critério de distinção entre estes sinais, radica-se fundamentalmente na eventualidade de indução em confusão ou erro.
Tal sucede - susceptibilidade de confusão ou erro -, sempre que se verifique uma situação em que um sinal seja tomado por outro - uma sociedade seja/é tomada por outra.
Também se verifica esta situação de confusão ou erro quando o público possa considerar a existência de identidade que os sinais pretendem distinguir ou que existe uma relação entre essas sociedades, nomeadamente, a existência e uma relação entre duas sociedades, quando tal relação é inexistente, o que pode acarretar um benefício do prestígio e crédito de uma por outra ou ao invés, o contrário.
Para haver essa semelhança é necessário que a semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada, que induza facilmente em erro e confusão o público, não podendo este distinguir uma da outra, sem ter de efectuar um confronto ou exame atento.
O cidadão médio quase nunca se defronta com os dois sinais ao mesmo tempo, um perante o outro, pelo que a comparação entre os dois não é simultânea, mas sim sucessiva.
Para apreciar o risco da confusão também é necessário ter em atenção a força distintiva dos dois sinais em causa - os sinais fortes tendem a perdurar na memória do público devendo ser apreciados numa visão de conjunto – sendo irrelevantes os respectivos elementos não distintivos.
A impressão do conjunto é que tem mais impacto, é que sensibiliza o público.
Assim, podem os vários elementos do sinal ser diferentes e, no entanto, considerados em conjunto, induzirem em erro ou confusão.
Pode até haver apenas um elemento comum entre os sinais, mas esse elemento ser de tal forma predominante que dê lugar a confusão - cfr. Ac. STJ de 25/3/2009, in www.dgsi.pt.
Quid juris quanto ao confronto entre a marca “Médis” e a denominação “Salumedis”?
Para podermos aquilatar o risco de confusão teremos que fazer apelo ao homem médio, entendendo-se este como o consumidor ou utilizador final medianamente esclarecido.
Verifica-se a existência, entre as duas, de um elemento comum – medis.
De notar que uma utiliza o elemento/termo só por si, com acento na palavra –Médis -, enquanto na outra o elemento precede Salu, formando a palavra Salumedis.
Se há diferença no aspecto gráfico, é evidente a identidade fonética entre ambas no respeitante ao sinal mais forte que é “Medis”.
Na memória de um cidadão médio, esse sinal, existente entre ambas, marca e denominação, não se distingue (a expressão “salu” desempenha uma função acessória).
Acresce ainda que, a sociedade Médis - S.A., tem como objecto a prestação de cuidados de saúde, integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos e a sociedade Salumedis – Lda., tem por objecto social a prestação de serviços médicos, bem como o exercício de todas as actividades auxiliares, complementares ou relacionadas com os mesmos, incluindo de diagnósticos de terapêutica, de consultadoria, formação e investigação e ainda de comunicações, edições e publicações científicas, por qualquer método, meio ou suporte.
Confrontando o objecto social de ambas verifica-se a existência de actividades parcialmente coincidentes, ambas ligadas ao fornecimento/prestação de serviços/cuidados de saúde.
Também aqui o cidadão/consumidor médio pode ser levado a pensar – risco de confusão – que ambas fazem parte do mesmo grupo empresarial, prestam os mesmos serviços e fornecem os mesmos produtos.
Assim, improcede a conclusão da agravante.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o agravo e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo agravante.

Lisboa, 17 de Setembro de 2009

Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes