Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6627/18.7T8ALM.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: ACIDENTE DESPORTIVO
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 Tendo a R. Ageas sido demandada com base em contrato de seguro de acidentes pessoais e não em contrato de seguro de responsabilidade civil, não lhe aproveita a prescrição invocada pelos demais RR.
2 Ser obrigado a celebrar contrato de seguro não significa ser civilmente responsável pelo acidente desportivo.
3 Para o início da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização, basta o conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, não sendo necessária a consciência da possibilidade legal do ressarcimento.
4 Não resultando da factualidade alegada pelo A. que houve um ataque intencional à pessoa do lesado ou uma violação grosseira das regras do jogo, tal factualidade não configura ilícito criminal.
5 A existência de causa de suspensão ou interrupção não tem de ser expressamente invocada pela parte a quem aproveita para o tribunal a considerar verificada, mas os factos suscetíveis de a integrar têm de ser factos alegados pelas partes e/ ou factos que o tribunal possa considerar ao abrigo do disposto no art. 5º nº 2 do C.P.C.
6 Só na modalidade de nomeação de patrono é que, formulado o pedido de apoio judiciário antes da propositura da ação, esta se considera proposta na data da apresentação do pedido de nomeação de patrono.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa



Na presente ação declarativa que A [Francisco …], em representação de B [Francisco P.….] , move contra C  [clube de Futebol da Trafaria], D [Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A.,], E [Associação de Futebol de Setúbal e F [Federação Portuguesa de Futebol], o A. interpôs recurso do despacho saneador na parte em que foi julgada procedente a exceção da prescrição e absolvidos os RR. do pedido.

Na alegação de recurso, o recorrente pediu que seja revogada a decisão recorrida e que seja substituída por outra que “ordene a continuação dos autos por inexistência de prescrição”, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A)–Conforme Douta Sentença Recorrida:
O Recorrente A no dia 28 de Setembro de 2018,  intentou ação Declarativa de Condenação contra os Réus, pedindo a condenação por responsabilidade solidária contratual e extra contratual dos mesmos, Clube de Futebol da Trafaria, Companhia de Seguros Axa (atualmente designado por AGEAS Seguros), Associação de Futebol de Setúbal e Federação Portuguesa de Futebol no pagamento ao menor sinistrado, B, em acidente desportivo (representado pelo seu pai, autor) da quantia de € 42.000,00 acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a título de ressarcimento por danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo relegado para execução de sentença os Danos Patrimoniais Futuros ainda não quantificáveis, correspondente à Incapacidade Permanente Parcial sofrida (I.P.P.), ainda não atribuída e quantificada.
No pagamento dos óculos de correção e demais despesas com outras necessidades do menor sinistrado, nomeadamente acompanhamento psicológico e demais assistências médicas, medicamentosas e quaisquer outras inerentes às lesões e sequelas sofridas.
B)Vieram as Rés, Clube de Futebol Trafaria, Associação de Futebol de Setúbal e Federação Portuguesa de Futebol, de entre outras exceções não acolhidas pelo douto Tribunal a quo invocar a referida exceção perentória da caducidade do direito de ação, o que foi acolhido e por consequência a absolvição de todas as Rés da ação.
C)A Douta Sentença proferida em sede de Despacho Saneador errou salvo melhor entendimento quanto ao enquadramento jurídico dos fatos alegados pelo A. e RR quanto à decisão de absolver os mesmos do pedido por ter ocorrido a prescrição do direito de Ação do A. Recorrente.

D)Interrupção e Suspensão da Prescrição:

Conforme Douta Sentença ora recorrida foi perfilhado o seguinte entendimento que se passa a transcrever:
“O prazo de prescrição do direito indemnizatório fundado em responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco é, em regra geral, de três anos – artigos 498º, n.º 1 e 499º do Código Civil.
O acidente no qual o autor funda a sua pretensão, e que, segundo alega, foi causa adequada dos danos sofridos e futuros, ocorreu em 26 de abril de 2014.
Assim, este prazo de três anos foi atingido em 26 de abril de 2017, sem que tenha ocorrido qualquer facto interruptivo do seu cômputo, que não foi alegado. (…)
Nos termos do disposto no artigo 33º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, o que no caso dos autos só veio a ocorrer em 12/10/2017, já após o termo do prazo prescricional.
A contrário sensu, é irrelevante para a contagem do prazo prescricional a formulação de apoio judiciário noutras modalidades.
…O autor teve conhecimento do seu direito indemnizatório na data em que o acidente ocorreu e causou, de imediato, danos, sendo também irrelevante, para este efeito, se tinha um conhecimento detalhado do regime jurídico da responsabilidade civil, ou dos contratos de seguro de que poderia beneficiar.
Ou seja, em suma, nada impediu a verificação da prescrição do direito indemnizatório do autor, sendo manifesta a procedência da exceção...”
E)O Recorrente discorda do Douto Entendimento do Tribunal a quo de não ter existido qualquer facto interruptivo de prescrição e de que o qual não foi alegado.
F)O facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, pese embora não tenha sido alegado pelo A/Recorrente é de conhecimento oficioso, neste sentido cifre-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
AC. Relação do Porto – 320-c/200l.L1-1-RL 94-10-2011; Com referência ao artigo 330º do C.C.:
“O tribunal não pode suprir de oficio a prescrição, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita…
Mas uma vez chamado a pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da exceção perentória não pode o tribunal deixar de decidir se ocorreu alguma causa de suspensão ou interrupção desde que o seu conhecimento não imponha factos carecidos de alegação por os respectivos elementos constarem do próprio processo” (…)
“… se o próprio processo fornece… constando dele os elementos necessários, fornecem ao juiz o conhecimento de uma determinada causa interruptiva ou suspensiva de prescrição o tribunal tem de apreciar oficiosamente…”

G)Conforme vertido nos artigos 2º, 3 º, 5º e 8º da PI :
- No dia 26 de Abril de 2014 pelas 12 horas e 50 m, no Clube de Futebol de Paio Pires, o menor B na qualidade de Jogador Federado do 1º Réu Clube de Futebol da Trafaria, enquanto decorria um jogo para o Campeonato, após remate de um jogador adversário, sofreu uma forte bolada e pontapé na cabeça o que fez o menor cair de imediato e após ajuda para se levantar, verificou que não estava a ver do olho direito.
- O Menor B foi de imediato transportado para o Hospital Garcia da Horta e face à gravidade das lesões oculares para o Hospital Santa Maria.

H)O que de imediato na mesma data, foi participado o Acidente desportivo ocorrido, pela Associação Futebol Setúbal, (através da Entidade Gestora de Sinistros SABCLIN) a qual transferiu a responsabilidade por acidente desportivo para a Companhia de Seguros AXA Portugal SA, pela Apólice nº 14-01007 conforme Doc. 2 junto com a PI.
I)A 30.10.2014 a Entidade Gestora de Sinistros SABCLIN envia para os serviços clínicos do Campo Grande comunicação, por via email, a autorizar a assistência ao menor sinistrado na especialidade de oftalmologia, conforme doc. 5 junto com a PI.
J)Considera-se, salvo melhor entendimento, que a aceitação pela Ré seguradora da responsabilidade da assistência ao menor sinistrado, na especialidade de oftalmologia, interrompeu a prescrição (primeiro ato interruptivo prescricional) inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo de três anos a partir do ato interruptivo – art. 326º, nºs 1 e 2 do CC.
k)Verifica-se que tendo o acidente ocorrido a 26.04.2014 e a referida assunção de responsabilidade a 30.10.2014, mesmo que o prazo prescricional fosse apenas de três anos, o mesmo ocorreria nesse caso só a 30.10.2017.
- Só por este fato interruptivo verifica-se que o pedido do autor junto do ISS, IP, o pedido do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono ocorrido em 12.10.2017 realizou-se antes do referido prazo prescricional de três anos, cujo terminus ocorreria em 30.10.2017.
L)Mais, a entidade gestora dos sinistros só veio a assumir a responsabilidade em 30.10.2014.
- Pelo que o menor conforme resulta dos art.º 7º, 8, 9º, 10º e 11º da PI foi acompanhado pelo Hospital Garcia de Horta, tendo a 04.05.2014 o médico da especialidade que acompanhou a reavaliação do menor sinistrado, conforme doc.6 junto com a PI e a 07.05.2014, o mesmo médico marca consulta para retina cirúrgica, conforme doc.7 junto com a PI.
M)E mais, conforme alegado no artº.19º e 20º da PI., o menor sinistrado após tardia autorização, foi acompanhado pelos serviços clínicos da Ré AXA, nomeadamente na clinica Lusíadas Almada e clinica do Campo Grande, na qual o Autor (pai do menor Sinistrado) só teve acesso à informação médica, à marcação de consulta e declaração emitida em 07 de Abril de 2015 pelo Dr. AF..
N)Sendo crucial o que vem alegado pelo A no art.º 20º, o qual se transcreve e que aqui se volta a reproduzir, refira-se emitida apenas a 07.04.2015 .
“… O B apresenta buraco macular OD, com acuidade visual de 0,2 OD e 1,0 OE.
Vai ser submetido a intervenção cirúrgica por vitrectomia OD…” (…) (doc 17).
O)São os próprios serviços da Ré AXA que comunicaram que o menor iria ser submetido a intervenção cirúrgica.
Decorre do alegado no referido art.º 20º que nesta data de 07 de Abril de 2015, os serviços clínicos da Ré Seguradora ao transmitirem que o réu sinistrado iria ser submetido a intervenção cirúrgica, notória e evidente se torna, que para o pai do menor, e em termos legais continuou a existir a assunção de responsabilidade pelas lesões e sequelas sofridas pelo menor sinistrado, nomeadamente a submissão à referida intervenção cirúrgica.
Existindo também por parte do A. a convicção legítima de que ao seu filho sinistrado estaria assegurada toda a assistência resultante da lesão sofrida e demais sequelas.
P)Como à data da comunicação de 7 de Abril de 2015, o menor sinistrado já tinha perdido primeiramente a capacidade visual de 50% e se tivesse sido submetido a intervenção cirúrgica na data do referido relatório emitido pelos serviços clínicos da Ré Companhia de Seguros, ter-se-ia salvaguardado pelo menos essa capacidade visual.
Q)Ou seja, um ano após o acidente, cujo conhecimento deste agravamento as Rés, não podiam deixar de ter conhecimento.
Conforme vertido nos artº. 26º, 27º, 28º, 29 e 30º da PI;
R)O requerente e então mandatária, Dra. CM em sua representação procederam a comunicações escritas para a Ré Seguradora e o Réu Clube de Futebol da Trafaria.
- A mandatária a 10 de abril de 2015 por via email envia uma comunicação ao Réu Clube de Futebol da Trafaria, solicitando as informações desportivas quanto à participação do acidente desportivo, junto da Companhia de Seguros, comunicações efetuadas e o estado do processo naquela data conforme doc. nº18 junto na PI.
- Em 4 de Maio de 2015, envia documentação, por via email, para a Sabclin (entidade gestora de sinistros) a questionar qual o ponto da situação relativo à autorização para intervenção cirúrgica por vitrectomia OD conforme docs nº 19 junto com a PI.
S)Em 7 de Maio de 2015, a SabClin envia resposta, via email, para a Mandatária, Dra. CM, com conhecimento para a Ré seguradora, na qual informa “... O valor de capital para despesas de tratamento abrangidas pela apólice em causa é de 5000,00€. A proposta de cirurgia tem o valor de 8 430,49€. Após análise ao processo podemos informar que o capital disponível é de 3 900,00€.” Conforme doc. nº 20 da PI
T)A referida comunicação de 7 de Maio de 2015 vem eximir–se da responsabilidade pelas lesões sofridas e sequelas do menor sinistrado, contrariamente ao supra exposto nestas alegações de recurso quanto à posição tomada e assumida pela Ré Seguradora.
U)Ora com esta não assunção da totalidade da responsabilidade pela cirurgia e demais assistências, na referida data de 7 de Maio de 2015, ocorreu novo prazo interruptivo da prescrição, pois que só partir desta data a Ré Seguradora e como adiante se demonstrara, o réu Clube de Futebol da Trafaria e de forma solidária as restantes Rés não vieram a assumir a responsabilidade contratual e extra contratual anteriormente assumida.
V)Pelo que todo o prazo decorrido desde a data do acidente até à presente data, é como se não tivesse existido, iniciando-se novo prazo de prescrição a contar do dia 7 de Maio 2015.
W)Termos em que no pressuposto de que nos casos concretos dos autos, seria apenas de 3 anos, a prescrição só teria lugar a 7 de Maio 2018.

X)Ainda conforme o art.º 30º, a 12 de Maio de 2015, a Mandatária Dra. CM, por via e-mail envia comunicação ao Réu Clube, na qual declara que e transcrevam-se partes fundamentais:
 “Em resultado do Acidente Desportivo ocorrido em 26.04.2014 e de acordo com a avaliação clínica realizada ao menor B, conclui-se pela necessidade urgente de realização de intervenção cirúrgica…o orçamento elaborado pelo serviço clinico onde o mesmo se encontra a ser seguido cifra-se no montante de € 8.430,49. No entanto, informou a empresa gestora do sinistro (SABCLIN) que a companhia de seguros AXA apenas assumirá o pagamento no montante global de € 3.900,00, por conta da cirurgia. Já que o capital máximo coberto pela apólice para tratamentos corresponde a € 5.000,00, dos quais já despendeu a quantia de € 1.100,00… Importa… que V. Exas. Se pronunciem… confirmando se o valor do capital máximo coberto pela apólice para tratamentos corresponde ao indicado pela gestora do sinistro e, em caso afirmativo, quanto à assunção da responsabilidade pelo pagamento do valor remanescente… salienta-se que o assunto… reveste a maior urgência, já que o atraso na realização da …cirurgia agravará as consequências do sinistro do menor…” (doc. n.º 21 – 2 págs.)
Y)De igual modo o A/ Apelante, conforme artº. 31º da PI, envia carta Registada com aviso de receção para o Réu Clube Futebol da Trafaria, o qual se volta a transcrever;
“… - O seu filho tem recebido acompanhamento médico por via do contrato de seguro subscrito pelo Clube, pela companhia de seguros AXA, tendo sido diagnosticado lesão ocular” buraco macular traumático OD, sendo urgente a realização da intervenção cirúrgica.
- Que o Serviço clínico onde o filho é acompanhado orçamentou a intervenção cirúrgica no valor de € 8.430,49.
- Tendo sido informado pela SABCLIN, que a Ré AXA, apenas assumiria parcialmente o pagamento da intervenção cirúrgica no valor de € 3.900,00 atenta a cobertura máxima coberta pela apólice no valor de € 5.000,00 dos quais já tinham sido despendidos a quantia € 1.100,00.
- Declarando ao Réu Clube de Trafaria de Futebol, que o mesmo não ignoraria a sua responsabilidade pelo “…ressarcimento dos danos emergentes do sinistro, na parte que excede, o capital seguro…”.
- Solicitando ao Réu que a confirmação do valor máximo coberto pelo seguro e a disponibilidade do mesmo para de forma voluntária proceder ao pagamento do remanescente do valor da intervenção cirúrgica. tendo anexado o doc. n.º 17, (docs. n.º 22 (2 págs), n.º 23 e n.º 24).
- Concluindo pela urgência da intervenção cirúrgica, alertando que o seu agregado familiar não tinha condições económicas para custear o valor remanescente, sendo que, o atraso na realização da cirurgia agravaria as lesões do seu filho, …” voltando a anexar doc. n.º 17 da PI, do qual não obteve qualquer resposta do Réu Clube Futebol da Trafaria.
Z)Ora temos que, pelo menos os 1º Réu Clube e 2º Ré Associação de Futebol de Setúbal, sabendo que tinham uma responsabilidade solidária pelos Danos sofridos pelo menor na parte não coberta pelo seguro, e máxime no pagamento do remanescente da operação no valor de € 4.530,49 não assumiram essa responsabilidade.
O que por consequência direta e necessária com a conduta dos 1º, 2º e 3º Réus, o menor sinistrado foi gradualmente agravando a sua incapacidade permanente parcial a nível ocular ficando com uma capacidade visual de apenas de 0,2 no olho direito, responsabilidade essa, solidária a nível contratual e extra contratual.
AA)O menor acabou por ser operado, a titulo gratuito, a 28 de Outubro de 2015, pelo Dr. JB, sendo assistido posteriormente nos hospitais Santo António dos Capuchos, São José e D. Estefânia, o qual já só tinha, como já referido, a capacidade de 0,2 no olho direito.
AB)Conforme vertido na PI, no art.º 78º, quanto à responsabilidade pelo risco do acidente desportivo, vigora o DL nº 10/2009 de 12 de Janeiro (lei de bases da atividade física e desportiva) conjugada com a Lei nº 15/2007 de 16 de janeiro que prevê no seu artigo 42º a instituição de um sistema de seguros obrigatórios para todos os agentes desportivos, um seguro para as instituições desportivas e um seguro para as manifestações desportivas.
No caso em concreto dos autos, conforme art.º 84 da PI, só tinha sido celebrado contrato de seguro ao menor sinistrado no montante de € 5.000,00.
AC)E conforme vertido no art.º 86º da PI é jurisprudência unânime que nestes Seguros Obrigatórios de Risco por Acidente desportivo não estão excluídos os Danos Não Patrimoniais, e as incapacidades permanentes parciais, e ainda que assim não fosse entendido quanto a estes danos, os Réus são responsáveis pela Responsabilidade Civil Extra--Contratual nos termos supra vertidos.
Para tanto cite-se o Douto Acórdão do JTRC processo n.º 165/06.8TBGVA.C1 de 08.09.2009, aplicável parcialmente ao caso em concreto dos autos.
“O Dec. Lei nº 146/93, de 26/04 (entretanto substituído pelo Dec. Lei nº 10/2009, de 12/01), sujeitou a cobertura dos riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva ao regime de seguro obrigatório.”
“O regime legal deste seguro abrange, obrigatoriamente, enquanto cobertura mínima, além da indemnização por morte, a indemnização por invalidez, total ou parcial, sem qualquer limitação percentual (artºs 4º do DL 146/93 e 5º do DL 10/2009), significando isto que qualquer percentagem de desvalorização funcional permanente estará, obrigatoriamente, coberta pelo seguro.”
“Uma cláusula inserta num contrato de seguro desportivo que cubra a obrigação de segurar estabelecida na lei (e que, por isso, se traduz num “seguro obrigatório”) não pode excluir a indemnização de desvalorizações funcionais permanentes inferiores a 10%.“
AD)Tal como vertido no artº 88º da PI, no caso dos autos o menor sinistrado como consequência direta do acidente desportivo sofrido, sofreu a lesão supra descrita da qual resultou a cegueira do olho direito, o que por inerência padece de uma Incapacidade permanente parcial ainda não atribuída, a qual terá que estar obrigatoriamente coberta pelo Seguro Obrigatório, atentos aqueles diplomas legais.
AE)Conforme alegado no caso concreto dos autos, vigora a Lei nº 15/2007 de 16 de Janeiro regime especial dos acidentes desportivos.
No entanto, para além deste regime especial do contrato de seguro desportivo, quanto ao regime prescricional, o mesmo rege-se pela lei geral dos contratos de seguro e do código das sociedades comerciais.
AF)Daí decorre que após a participação do sinistro, o prazo prescricional é de 5 anos e não de três anos.
Como também decorre da jurisprudência dominante sobre esta matéria.

AG)Por último volte-se a transcrever a douta sentença recorrida quando conclui:
“… Importa ainda aferir se é de aplicar o n.º 3 do artigo 498º do Código do Processo Civil (“Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”), do qual resultaria um prazo mais longo de prescrição, de pelo menos 5 anos, por força do disposto nos artigos 118º e 143º do Código Penal.
Ora, o autor não alega factos suficientes que permitam qualificar o facto ilícito como crime, designadamente o previsto no artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, porquanto o autor não alega factos que consubstanciem o dolo do agente, imprescindível a tal qualificação, por força do disposto no artigo 13º do Código Penal.
Concomitantemente, também não é possível qualificar o facto ilícito como ofensa à integridade física negligente, prevista no artigo 148º do Código Penal porquanto também não são alegados factos que consubstanciem a negligência do agente, nos termos previstos no artigo 15º do Código Penal.
O dolo e a negligência não se presumem, têm de ser alegados através dos factos pelos quais se manifestam.
Não tendo havido uma tal alegação, não pode o facto alegadamente gerador dos danos cuja indemnização é peticionada ser qualificado como um crime, e consequentemente, não pode o autor beneficiar de prazo prescricional mais longo. ( …).
AH)Salvo melhor e Douto entendimento o A. na sua P.I. alegou fatos integradores da prática por estes de uma conduta omissiva ilícita, sabendo que com essa conduta resultaria a cegueira do olho direito do menor sinistrado, conformando-se com a mesma, ora este fato alegado nos artigos 70º, 71º e 72º os quais aqui se reproduzem:
70º-Os Réus ao não custearem a intervenção cirúrgica de forma atempada, face á gravidade das lesões sofridas pelo menor e a urgência naquela, sabiam com perfeita consciência da ilicitude da sua conduta omissiva que a integridade física do menor estava em perigo agravando aquelas lesões.”
71º-Daí resultando também a sua responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, de acordo com o disposto no artigo 483º do C.C. que dispõe no seu n.º 1 o seguinte
“1- Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesse alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”
72º- Ora os Réus tinham perfeita consciência do agravamento das lesões do menor, e o resultado desse agravamento, pelo menos na maior perca visual e nada fizeram conformando-se com tal eventual resultado, que veio a culminar na cegueira do olho direito, constituindo uma ofensa à sua integridade física grave. (…)
AI)Pelo menos nestes 3 artigos da P.I., o A. alegou fatos tipificadores da prática pelos RR, de dolo eventual, previsto no aludido artigo 13º n.º 1 e nº 3 do C. Penal, que dispõe como requisitos essenciais da sua prática e existência na conduta do agente, a sua atuação representando um fato que preenche um tipo legal de crime, e ainda que representada como consequência possível da sua conduta e ainda assim o agente se conforma com aquela consequência ou resultado, existe dolo.

AJ)Por outro lado se atentarmos no conceito da Negligência prevista no artigo 17º do C. Penal temos como requisitos essenciais, que aquele que não agir com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz, age com Negligência, por uma das seguintes formas:
-a)-Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização; ou
b)-Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
AK)Em todos os factos articulados pelo A. e as circunstâncias em que os RR. agiram por omissão, resulta notório e evidente que estes, omitiram de forma contínua a realização atempada e urgente da intervenção cirúrgica a nível ocular do menor sinistrado, resultando a perca visual grave do seu olho direito.
- Deste facto estavam perfeitamente conscientes os 1º e 2º Réus através dos Exames clínicos e Relatório para necessidade de operação urgente, (doc. n.º 17) junto com a P.I.
AL)Daí o alegado pelo A. nos supratranscritos artigos 70º, 71º e 72º da PI. onde se alega que os R.R. ao não agiram como lhes era obrigado, na realização da intervenção cirúrgica, tendo o conhecimento efetivo das lesões sofridas, tinham perfeita consciência da Ilicitude da sua conduta omissiva, que a integridade física do menor encontrava-se em perigo, agravando as lesões sofridas.
AM)E como concorrem duas responsabilidades, a Contratual (Contrato de Seguro) e Extra- Contratual prevista no artigo 483º n.º 1 C.C. o qual o transcreveu.
AN)Concluindo a partir desta disposição legal no seu artigo 72º
Ora os Réus tinham perfeita consciência do agravamento das lesões do menor, e o resultado desse agravamento, pelo menos na maior perca visual e nada fizeram conformando-se com tal eventual resultado, que veio a culminar na cegueira do olho direito, constituindo uma ofensa á sua integridade física grave. –
- Sendo certo, que o A., ao alegar que a conduta dos RR, tendo constituído uma ofensa á sua integridade física grave, não alegou ou enquadrou tal conduta num tipo legal de crime de forma expressa ou mencionou a palavra “crime”.

AO)Não menos certo se torna, “que o A, fez o enquadramento jurídico da conduta dos Réus nesse sentido:
a)-A ilicitude (dolo eventual ou negligência grosseira).
b)-Culpa
c)-Nexo de Causalidade
d)-Dano
AP)Pelo que se considera salvo melhor e douto entendimento que, foram alegados factos consubstanciadores da prática pelos R.R. de forma solidária de um crime de ofensa à integridade física prevista no Artº 144º do Código Penal.
Sendo por via disso também o prazo prescricional de cinco anos e não de três anos, atento o disposto no nº 3º do Art.º 498º do Código Civil.»

A recorrida Associação respondeu à alegação do recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A-Andou bem o tribunal a quo ao decidir pela procedência da exceção de prescrição invocada, absolvendo os Réus do pedido, não merecendo a sentença qualquer censura, estando bem alicerçada na lei e tendo por base o que foi trazido aos autos.
B-O Autor intentou a presente ação em representação do seu filho menor em 28 de Setembro de 2018, com apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, sendo que de acordo com a petição inicial os factos narrados terão ocorrido em 26 de Abril de 2014, e o pedido de nomeação de patrono terá sido feito em 17 de Fevereiro de 2017.
C-O Autor alega que a prescrição não teria ocorrido, apesar de terem decorrido mais de 3 anos entre os factos e a propositura da ação, na medida em que com a nomeação de patrono se considera automaticamente proposta a ação, conforme artigo 33º nº 4 da Lei nº 34/2004.
D-Sendo certo que a lei diz isso, ao contrário do que alega o Autor, o pedido de nomeação de patrono não ocorreu em 17 de Fevereiro de 2017, mas apenas em 12 de Outubro de 2017, conforme refere expressamente o despacho de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, junto aos autos pelo mesmo Autor como Doc. 49.
E-De facto, o Autor tinha formulado o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo em 17 de Fevereiro de 2017, mas não tinha então formulado pedido de nomeação de patrono.
F-Temos portanto dois pedidos efetivos de apoio judiciário, um formulado em 17 de Fevereiro de 2017 e outro em 12 de Outubro de 2017.
G-O pedido de 17 de Fevereiro de 2017 foi deferido em 16 de Maio de 2017, pelo que o novo pedido formulado noutra modalidade em 12 de Outubro de 2017, é obviamente um pedido totalmente novo, até porque o seu deferimento ocorreu apenas em 12 de Fevereiro de 2018.
H-Portanto, resulta óbvio que a ação foi intentada fora do prazo dos 3 anos estipulados na lei no tocante à responsabilidade civil extracontratual (cfr. artigo 498º do Código Civil), que é aquela que de acordo com a petição inicial o Autor reclama da 3ª Ré, dado que entre a data do acidente e a data da interposição da ação (leia-se efetivação do pedido de apoio judiciário na modalidade correta, ou seja, nomeação e compensação de patrono), mediaram mais de 3 anos.
I-A prescrição constitui uma exceção perentória, que implica a absolvição do Réu do pedido, nos termos do disposto nos artigos 571.º, n.º 2, in fine, 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º, todos do Código de Processo Civil, conforme foi julgado pelo tribunal no saneador-sentença.
J-O Recorrente invocou a interrupção da prescrição, alegando que é do conhecimento oficioso, desde que os elementos relevantes constem do processo, citando jurisprudência sobre o assunto.
K-O Recorrente alegou que o processo fornece tais elementos, a saber: a)-A aceitação por parte da Ré Seguradora (2ª Ré) da responsabilidade da assistência ao menor sinistrado (autorização da assistência ao menor em oftalmologia em 30/10/2014), o que teria causado interrupção da prescrição – artigo 326.º, nºs 1 e 2 do CC; b)-A Informação da Ré Seguradora em 07/04/2015 (tardiamente no entender do Recorrente) acerca da submissão do menor a intervenção cirúrgica, o que significa que em termos legais continuou a existir a assunção de responsabilidade pelas lesões e sequelas sofridas pelo menor; c)-A comunicação em nome da Ré Seguradora datada de 07/05/2015, através da qual a mesma não assumiu a totalidade da responsabilidade pela cirurgia e demais assistências, o que teria provocado nova interrupção da prescrição; d)-O facto do regime especial dos acidentes desportivos (alegadamente) se reger em termos prescricionais pela lei geral dos contratos de seguro e pelo Código das Sociedades Comerciais, donde decorre que o prazo de prescrição é de cinco e não de três anos, conforme jurisprudência dominante (não citada); e e)-A alegação de factos típicos da prática pelos Réus de um crime de ofensa à integridade física prevista no artigo 144º do Código Penal, o que acarreta que o prazo de prescrição aplicável seja de cinco anos, nos termos da lei.
L-Quanto aos factos supostamente interruptivos da prescrição, a saber, pontos a), b) e c), não se vislumbra onde é que o Recorrente se baseou em termos legais para concluir nesse sentido, pois a lei é clara, ao determinar no artigo 323.º do CC que a interrupção da prescrição tem de ser promovida pelo titular por via judicial, e a jurisprudência é unanime quanto a tal questão.
M-Também não opera no caso concreto o artigo 325.º do CC, porquanto não existiu qualquer reconhecimento expresso ou tácito por parte de ninguém, e muito menos por parte da 3ª Ré, ora Recorrida, do suposto direito invocado pelo Recorrente.
N-Nada do que o Recorrente invoca nos pontos a), b) e c) corresponde a qualquer tipo de reconhecimento por parte dos Réus, incluindo a 3ª Ré, ora Recorrida, do direito que reclamou em juízo, mas tão-só a uma assunção de responsabilidades por parte da Seguradora dentro dos limites da apólice e em concreto no âmbito da assistência que foi prestada, e nada mais do que isso.
O-A 3ª Ré ora Recorrente nem sequer teve qualquer intervenção no processo para além da participação do sinistro que levou a cabo (cfr. doc. 2 junto com a PI), no âmbito da sua responsabilidade legal pela subscrição do seguro, pelo que nem sequer tem conhecimento do desenvolvimento do dito processo, não tendo certamente reconhecido qualquer responsabilidade pelos supostos danos reclamados pelo Recorrente.
P-Nenhum dos factos alegados pelo Recorrente e reproduzidos nos pontos a), b) e c) operou qualquer interrupção da prescrição, ao contrário do que o mesmo alega.
Q-No que respeita ao ponto d), o Recorrente tenta “esticar” o prazo de prescrição de três para cinco anos, em virtude dum suposto regime especial aplicável aos acidentes desportivos, que se regeria em termos prescricionais pela lei geral dos contratos de seguro e pelo Código das Sociedades Comerciais, donde decorreria que o prazo de prescrição é dos tais cinco anos em vez dos três do regime ordinário do CC, alegando que a jurisprudência dominante vai nesse sentido, embora não cite qualquer acórdão.
R-Não existe absolutamente nenhum regime com prazo prescricional de cinco anos relativo à responsabilidade civil (aquiliana) no âmbito da legislação atinente aos seguros, nem o Recorrente invoca qualquer artigo específico da lei sobre o assunto.
S-Relativamente ao Código das Sociedades Comerciais, o artigo 174º estabelece que os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, porém tal regime não tem qualquer aplicação ao caso dos autos.
T-Sob o ponto e), o Recorrente invoca ainda uma alegada “responsabilidade penal” dos Réus relativamente aos factos dos autos, concretamente no que toca à prática de crime de ofensa à integridade física previsto no Código Penal, o que acarretaria que o prazo de prescrição aplicável fosse de cinco anos, nos termos da lei.
U-Tal alegação é absurda, desde logo porque como bem disse a sentença, não foi alegado o dolo ou mesmo a negligência, e no caso da 3ª Ré sequer a prática (ou omissão) de factos típicos para o preenchimento de crime previsto e punido no Código Penal, seja de ofensa à integridade física, seja de qualquer outro.
V-O Recorrente alega que apenas o 1º e 2º Réus tinham conhecimento dos exames clínicos e relatório e consequente necessidade de operação urgente do menor, mas não deixa de concluir pela responsabilidade criminal de todos os Réus, o que atento o absurdo da imputação pode mesmo configurar no limite um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido no artigo 365º do Código Penal.
W-Claramente o Recorrente lança mão de tal alegação com o único e exclusivo intuito de tentar aumentar o prazo de prescrição, tendo perfeita noção de que não foi praticado qualquer crime pelos Réus.
X-Indo em concreto ao que diz o artigo 143.º nº 1 do Código Penal, “1-Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Y-Tratando-se dum crime de resultado, nem se concebe como é que de acordo com as alegações do Recorrente se poderia - ainda que em tese - configurar a prática dum crime de ofensa corporal por parte do 3ª Ré, ora Recorrida, nem bem assim por parte dos demais Réus, em bom rigor.
Z-Não foram praticados nem omitidos quaisquer atos típicos de qualquer crime previsto no Código Penal ou noutra lei, nem existe alegação nesse sentido em bom rigor, resultando óbvio que igualmente por aqui não se configura qualquer prazo de prescrição de cinco anos.»

A recorrida Federação respondeu à alegação do recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1.O presente Recurso de Apelação foi interposto pelo Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, datada de 19 de março de 2019, e mediante a qual não foi admitida a ampliação da causa de pedir e foi julgada procedente a exceção de prescrição invocada, absolvendo a Recorrida do pedido.
2.O Recorrente não cumpriu com o ónus de apresentação de conclusões de recurso, pelo que deve, desde logo, o requerimento de recurso ser indeferido, nos termos preceituados no artigo 641º, nº2, al. b), do CPC.
3.O Recorrente não pode requerer, nesta sede, que o Tribunal ad quem conheça a eventual existência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, pois tal é matéria nova que não pode ser conhecida em sede de recurso, como bem entende a nossa jurisprudência.
4.Ainda que assim não se entenda, e sem conceder, inexiste, in casu, qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição.
5.Não obstante a argumentação do Recorrente, não existiu, nem foi alegado ou provado, qualquer facto que permita concluir que houve o reconhecimento de um eventual direito do menor B, por parte de qualquer um dos RR/ Recorridos e, em especial, da Ré/ Recorrida Axa-Portugal Companhia de Seguros, S.A. Aliás, demonstrativo da falta de reconhecimento por daquele contra quem o direito pode ser exercido é, precisamente, o facto de a Sabclin, Lda. não ser parte na presente ação.
6.O Recorrente teve conhecimento do alegado direito indemnizatório na data em que o acidente ocorreu e causou, de imediato, danos, leia-se no dia 26 de abril de 2014 (artigo 498.º, n.º 1 do CC).
7.Por força do disposto no artigo 498º, n.º 1 do CC, é irrelevante para a contagem do prazo prescricional o desconhecimento da extensão integral dos danos, bastando o conhecimento do direito que lhe compete.
8.Assim, como bem entendeu a decisão recorrida, este prazo de três anos foi atingido em 26 de abril de 2017, sem que tenha ocorrido qualquer facto interruptivo do seu cômputo que, ademais, nem foi alegado. Ora, determina o artigo 33.º, n.º 4 da Lei do Apoio Judiciário, que a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, o que no caso dos autos só veio a ocorrer em 12 de outubro de 2017, já após o termo do prazo prescricional.
9.Acresce que, existindo responsabilidade civil da ora Recorrida – o que não se concebe e alega por dever de patrocínio – sempre seria, como bem entendeu o tribunal a quo, uma responsabilidade extracontratual pelo risco, pelo que dúvidas não existem que o prazo de prescrição é de 3 anos (artigo 498.º, aplicável ex vi artigo 499.º do Código Civil).
10.Desconhece-se de onde retira o Recorrente que do Regime Jurídico do Contrato de Seguro resulta um prazo prescricional de 5 anos, após a participação do sinistro. Pelo contrário, daquele regime jurídico resulta, nos termos do disposto no artigo 145.º, inserido sistematicamente no Capítulo II - Parte especial, Secção I - Seguro de responsabilidade civil, Subsecção I - Regime comum, que “aos direitos do lesado contra o segurador aplicam-se os prazos de prescrição regulados no Código Civil”, leia-se, os prazos de prescrição constantes do artigo 498.º, aplicável ex vi artigo 499.º do Código Civil.
11.Dúvidas não nos suscitam, destarte, que o fundamento da presente ação, tal como vem estruturada na petição inicial, radica da responsabilidade extracontratual ou por factos ilícitos (artigos 483.º e ss. do Código Civil), pelo que, o prazo prescricional de três anos foi atingido em 26 de abril de 2017.
12. Por último, o Recorrente entende que foram alegados factos integrados da prática pelos RR/ Recorridos de crime p. e p. pelo artigo 144.º do Código Penal [Ofensas à integridade física grave]. Destarte, existindo elementos integradores da prática de crime por parte dos RR/ Recorridos, o prazo prescricional seria de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 3 do CC.
13.Salvo o devido respeito, alegações vagas como as vertidas nos artigos 70.º, 71.º e 72.º da petição inicial, desprovidas de qualquer prova, não serviram (nem servirão), como bem entendeu o Tribunal a quo, para provar o preenchimento de todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de ofensa à integridade física grave.
14.Recaía, pois, sobre o ora Recorrente, o ónus de alegar e provar que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal fixa um prazo de prescrição mais alargado que o previsto no art.º 498º, n.º 1, do CC.
15.Em todo o caso, sendo a Recorrida uma pessoa coletiva, só existe responsabilidade criminal da mesma nos casos expressamente previstos na Lei, pelo que, nunca os factos em causa poderiam constituir crime previsto, no artigo 144.º, todos do Código Penal (v. artigo 11.º do Código Penal).
16.Ademais, a ora Recorrida parte ilegítima na presente ação, por não ser civilmente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente desportivo, uma vez que, para além de cumprir com todos os deveres legais a que se encontrava adstrita, o jogador FR encontrava-se abrangido por seguro desportivo válido - o seguro contratado pela Associação de Futebol de Setúbal com a Companhia de Seguros AXA Portugal.
17.Com efeito, não andou bem o Tribunal a quo ao entender que foram alegados factos dos quais resultam que, de acordo com a posição jurídica defendida pelo Autor/ Recorrente, esta Ré/ Recorrida pode ser responsabilizada pelos danos que sofreu. Na verdade, não existem, nem alegou o Autor, quaisquer factos em que se possa consubstanciar qualquer responsabilidade da Recorrida Federação Portuguesa de Futebol pelos danos eventualmente sofridos pelo menor FR e relatados nos presentes autos.
18.Assim, à exceção do que acima se aduziu quanto à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade, não existe nenhum vício que possa ser imputado à Sentença recorrida, pelo que, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta decisão recorrida.»
A 14 de março de 2022, foi proferida decisão sumária, pela qual foi julgada procedente a apelação e revogada a decisão recorrida.
Da fundamentação da decisão sumária consta que, “no caso dos autos a apreciação da excepção depende de prova a produzir”.
A recorrida Seguradora reclamou para a conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
- da prescrição.
*
Na decisão recorrida, foi dado como provado o seguinte facto:
“O autor formulou junto do ISS, IP o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que esteve na origem da nomeação da patrona subscritora da p.i. desta ação (processo n.º 159336/2016/ Setúbal), em 12 de outubro de 2017.”
*

Importa ainda ter presente o seguinte:

1– Na petição inicial, pode ler-se:
2º-No dia 26 de Abril de 2014 pelas 12 horas e 50 m, no Clube de Futebol de Paio Pires, o menor B na qualidade de Jogador Federado do 1º Réu Cube de Futebol da Trafaria, enquanto decorria um jogo para o Campeonato, após remate de um jogador adversário, sofreu uma forte bolada e pontapé na cabeça o que fez o menor cair de imediato e após ajuda para se levantar, verificou que não estava a ver do olho direito”.
5º-O que de imediato na mesma data, foi participado o Acidente desportivo ocorrido, pela Associação Futebol Setúbal, (através da Entidade Gestora de Sinistros SABCLIN), a qual transferiu a responsabilidade por acidentes desportivos para a Companhia de Seguros AXA Portugal, S.A., pela Apólice 14-01007, participação que ora se junta (veja-se doc. n.º 2).”
7º-Conforme se constará nos termos melhor adiante discriminados, o menor foi submetido a intervenção já de forma tardia, o que agravou as suas lesões e posteriores sequelas para o futuro para o resto da sua vida, pela recusa da Seguradora Responsável em assegurar o pagamento da mesma cujo valor era superior ao seguro contratado, e outras assistências de saúde a que estava e está obrigada e por consequência a titulo solidário as restantes entidades responsáveis aqui Rés, máxime o 1º Réu.”
32º-Pelo menos os 1º Réu Clube e 2º Ré Associação de Futebol de Setúbal sabendo que tinha uma responsabilidade solidária pelos Danos sofridos pelo menor na parte não coberta pelo seguro, e máxime no pagamento do remanescente da operação no valor de € 4.530,49 nos termos adiante melhor discriminados não assumiram essa responsabilidade.
33º-O que por consequência direta e necessária com a conduta dos 1º, 2º e 3º Réus, o menor sinistrado foi gradualmente agravando a sua incapacidade permanente parcial a nível ocular e o seu sofrimento físico, moral e psicológico, sofrimento este agravado pela idade que tinha à data, uma mera criança de 12 anos.”
69º-A Falta de Cobertura do Seguro Contratado, não isentava o Réu Clube da Trafaria, a Ré Associação de Futebol e a Ré Federação Portuguesa de Futebol, de autorizarem a suas expensas a intervenção cirúrgica do menor sinistrado, pois a isso estavam obrigados, a titulo da sua responsabilidade Solidária e Civil Extracontratual.”
71º-Daí resultando também a sua responsabilidade extracontratual por factos ilícitos…”
72º-Ora os Réus tinham perfeita consciência do agravamento das lesões do menor, e o resultado desse agravamento, pelo menos na maior perca visual e nada fizeram conformando-se com tal eventual resultado, que veio a culminar na cegueira do olho direito, constituindo uma ofensa à sua integridade física grave.”
“80º- No caso em concreto temos:
a)-O Club Réu Trafaria é uma associação privada sem fins lucrativos que desenvolve pelo menos a atividade desportiva de futebol.
b)-O Club Réu constituiu uma secção desportiva para dar formação a jovens na área do futebol e para participar em torneios e campeonatos concelhios, distritais e nacionais, dessa modalidade.
c)-Conforme vertido nesta peça processual, no dia 26 de Abril de 2014, o menor sinistrado era atleta amador, jogando futebol por conta do Club Réu Trafaria.
d)-Tinha por isso o estatuto de não profissional e pelo menos estava inscrito na Federação Portuguesa de Futebol.
e)-O Club R. era e é filiado na Associação de Futebol de Setúbal, aqui 3ª Ré.
…”
103º-O Requerente Progenitor por manifesta impossibilidade económica, fez o primeiro pedido de Nomeação de Patrono e isenção total do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, em 31/03/2015 na falta de resposta, fez o seguindo pedido a 21/09/2016 e mais uma vez na falta de resposta fez o terceiro pedido a 17/02/2017, o qual foi deferido em (vejam-se docs. n.º 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51)”.
106º-Ainda que só seja considerado o 3º pedido, o qual veio a ser deferido, datado de 17.02.2017, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional.”
2-Pela apólice 23.10.15376, a R. Federação transferiu para a R. Seguradora o risco de acidentes decorrentes de risco extra-profissional e exclusivamente no âmbito da prática (treinos e provas desportivas) de futebol, futsal e futebol de praia, ligada com o Futebol Amador Federado (cf. Doc. 1 junto pela R. Seguradora com a contestação por si apresentada).
3-Na resposta apresentada a 3 de janeiro de 2019, o A. requereu “a Ampliação da Causa de Pedir quanto aos factos constantes nos artigos 15º, 16º, 17º,18º, 19 º, 20º, 21º, 22º, 26º, 27º. 28º, 29º, 30º, 32º,33º, 37º, 38º, 39º ,40º e 41º, em resposta à Excepção Perentória de Prescrição deduzida pelas 1ª, 3ª e 4ª Rés.”
4- No despacho saneador, o tribunal recorrido decidiu não admitir a ampliação da causa de pedir.
*

Nos termos do art. 298º nº 1 do C.C., “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
“A prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade.”
“… a prescrição arranca, …, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito”.
“Por isso, embora a prescrição - tal como a caducidade - vise desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Há, portanto, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação do direito à situação de facto” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada, pág. 375 e 376).
Nos termos do art. 303º do C.C., “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
Consta do despacho recorrido que “todas as rés, exceto a Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A. invocaram a exceção de prescrição”.
Apesar de a R. Ageas não ter invocado a prescrição, o tribunal recorrido absolveu aquela R. do pedido, não constando da fundamentação do despacho recorrido qualquer justificação para tal absolvição.
Tendo a R. Ageas sido demandada com base em contrato de seguro de acidentes pessoais e não em contrato de seguro de responsabilidade civil, não lhe aproveita a prescrição invocada pelos demais RR.
No seguro de responsabilidade civil, são aplicáveis, por força do art. 145º do R.J.C.S., os prazos de prescrição regulados no Código Civil, enquanto que, no seguro de acidentes pessoais, é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 121º nº 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelo que a R. Ageas não podia beneficiar do prazo de 3 anos previsto no art. 498º nº 1 do C.P.C.

O art. 42º 1 da L 5/2007, de 16 de janeiro, dispõe o seguinte:
1-É garantida a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos agentes desportivos inscritos nas federações desportivas, o qual, com o objetivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protege em termos especiais o praticante desportivo de alto rendimento.
2-Tendo em vista garantir a proteção dos praticantes não compreendidos no número anterior, é assegurada a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório para:
a)-Infra-estruturas desportivas abertas ao público;
b)-Provas ou manifestações desportivas.
3-A lei define as modalidades e os riscos cobertos pelos seguros obrigatórios referidos nos números anteriores.”
Resulta do art. 43º al. c) da L 5/2007 que “as entidades que proporcionam atividades físicas ou desportivas, que organizam eventos ou manifestações desportivas ou que exploram instalações desportivas abertas ao público, ficam sujeitas ao definido na lei, tendo em vista a proteção da saúde e da segurança dos participantes nas mesmas, designadamente… no que se refere à existência obrigatória de seguros relativos a acidentes ou doenças decorrentes da prática desportiva”.
Resulta do art. 8º do DL 10/2009, de 12 de janeiro, que “as federações desportivas instituem um seguro desportivo de grupo, mediante contrato celebrado com os seguradores, ao qual é obrigatória a adesão dos agentes desportivos mencionados no artigo anterior nelas inscritos”.
Por força do art. 20º do DL 10/2009, “as entidades que incumpram a obrigação de celebrar e manter vigentes os contratos de seguro desportivo previstos no presente decreto-lei respondem, em caso de acidente decorrente da atividade desportiva, nos mesmos termos em que responderia o segurador, caso o seguro tivesse sido contratado”.
Tendo o A. invocado a celebração de contrato de seguro, não se compreende que tenha feito menção à norma atrás transcrita.
Assim, quanto aos RR. Clube, Associação e Federação, não é aplicável o prazo de 5 anos previsto no art. 121º nº 2 do R.J.C.S.
No que toca àqueles RR., o A. invocou a responsabilidade civil por factos ilícitos.

No preâmbulo do DL 10/2009, pode ler-se:
“O desporto, até por definição, é uma actividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo. Cobrir os riscos, através da instituição do seguro obrigatório, é uma necessidade absoluta para a segurança dos praticantes.
Para alcançar tal desiderato, no desenvolvimento da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, Lei de Bases do Sistema Desportivo, foi publicado o Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, diploma pelo qual se instituiu o regime jurídico do seguro desportivo, enquanto seguro obrigatório.
Com os seguros obrigatórios atende-se a uma necessidade social fundamental, a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura. É certo que um sistema de seguros não evita o risco, mas previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento.
A doutrina vem apontando um conjunto de riscos susceptíveis de serem abrangidos pelo seguro desportivo, nomeadamente os riscos sobre a integridade física dos praticantes, os riscos sobre a integridade física dos espectadores ou terceiros, os riscos a que estão expostos os recursos humanos afectos ao evento desportivo e, bem assim, os riscos inerentes à deslocação para o local onde se realiza o evento desportivo.”
Ser obrigado a celebrar contrato de seguro não significa ser civilmente responsável pelo acidente desportivo.
Conforme atrás referido, o contrato de seguro celebrado é um contrato de seguro de acidentes pessoais e não um contrato de seguro de responsabilidade civil.
No entanto, saber se se verificam ou não os pressupostos da responsabilidade civil não é questão a apreciar no presente recurso.
A questão que importa decidir é a da prescrição invocada pelos RR. Clube, Associação e Federação.
Nos termos do art. 498º nº 1 do C.P.C., “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”.
“Fixou-se o prazo da prescrição em três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu” (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 5ª edição, pág. 586).
Para o início da contagem do prazo de prescrição, basta o conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, não sendo necessária a consciência da possibilidade legal do ressarcimento (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 18 de abril de 2002, processo 02B950).
Conforme decorre do art. 498º nº 3 do C.C., “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
“Desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil” (Antunes Varela, obra citada, pág. 588).
“Este alongamento do prazo de prescrição depende apenas de o facto ilícito constituir, em abstrato, crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, isto é, basta para o efeito que a factualidade alegada geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, e não também que tenha sido ou seja efetivamente instaurado procedimento criminal” (https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli Acórdão do STJ proferido a 5 de maio de 2020, processo 1414.18.5T8CHV.G1.S1).
O A. alegou que, “no dia 26 de Abril de 2014, pelas 12 horas e 50 m, no Clube de Futebol de Paio Pires, o menor FR na qualidade de Jogador Federado do 1º Réu Cube de Futebol da Trafaria, enquanto decorria um jogo para o Campeonato, após remate de um jogador adversário, sofreu uma forte bolada e pontapé na cabeça o que fez o menor cair de imediato e após ajuda para se levantar, verificou que não estava a ver do olho direito”.
Estando em causa uma lesão no âmbito de atividade desportiva e não resultando da factualidade alegada pelo A. que houve um ataque intencional à pessoa do menor Francisco ou uma violação grosseira das regras do jogo, tal factualidade não configura ilícito criminal.

Na fundamentação do despacho recorrido pode ler-se:
“O acidente no qual o autor funda a sua pretensão, e que, segundo alega, foi causa adequada dos danos sofridos e futuros, ocorreu em 26 de abril de 2014.
Assim, este prazo de três anos foi atingido em 26 de abril de 2017, sem que tenha ocorrido qualquer facto interruptivo do seu cômputo, que não foi alegado.”
O recorrente defendeu que “o facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, pese embora não tenha sido alegado pelo A/ Recorrente é de conhecimento oficioso”.
“Uma vez chamado a pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da excepção peremptória da prescrição, por o respectivo beneficiário a ter invocado expressamente (como exige o cit. art. 303º do CC), o tribunal não pode deixar de decidir se ocorre alguma causa de suspensão ou interrupção da mesma, desde que o conhecimento da mesma não imponha a apreciação de factos carecidos de alegação, por os respectivos elementos constarem do próprio processo. Se o próprio processo fornece ao juiz o conhecimento de uma determinada causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, o tribunal tem de a apreciar oficiosamente” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 4 de outubro de 2011, processo 320-C/2001.L1-1).
A existência de causa de suspensão ou interrupção não tem de ser expressamente invocada pela parte a quem aproveita para o tribunal a considerar verificada, mas os factos suscetíveis de a integrar têm de ser factos alegados pelas partes e/ ou factos que o tribunal possa considerar ao abrigo do disposto no art. 5º nº 2 do C.P.C.
Nos termos do art. 325º nº 1 do C.C., “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”.
O reconhecimento do direito por parte da R. Seguradora é irrelevante.
Conforme resulta do art. 323º nºs 1 e 2 do C.C., “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo que, “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
Atenta a razão de ser da prescrição, compreende-se que a sua interrupção ocorra com o conhecimento pelo devedor, pela citação ou notificação judicial, da intenção do credor de exercer o direito, como previsto no nº 1 do art. 323º do C.C.
Porque esta solução pode ser excessivamente onerosa para o credor que, mesmo propondo ação com grande antecedência em relação ao termo do prazo de prescrição, pode ver o prazo expirado por circunstâncias às quais é alheio, a regra do nº 1 do art. 323º do C.C. foi atenuada pelo legislador no nº 2, ao garantir ao credor que a interrupção da prescrição ocorrerá, no máximo, ao quinto dia.
“O art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil, consagra assim um desvio à regra de que o facto interruptivo do prazo prescricional é o conhecimento pelo devedor, através de uma citação ou notificação, de que o titular do direito o pretende exercer.
A eficácia deste desvio depende da inexistência de causa imputável ao requerente na não efetivação da citação ou notificação.
Esta cláusula geral utilizada pela lei «por causa não imputável ao requerente» tem sido densificada em diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação, devendo a referida expressão legal ser interpretada em termos de causalidade objetiva” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 12 de setembro de 2018, processo 5282/07.4TTLSB.L1.S1).
Nos termos do art. 33º nº 4 da L 34/2004, de 29 de julho, “a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”.
“… só no caso de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono na pendência de acção judicial é que há lugar à interrupção do prazo que estiver em curso (artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000) e, também, só nessa modalidade é que, formulado o pedido de apoio judiciário antes da propositura da acção, esta se considera proposta na data da apresentação daquele pedido de nomeação de patrono” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 29 de novembro de 2006, processo 06S1956).
O tribunal recorrido deu como provado que “o autor formulou junto do ISS, IP o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, que esteve na origem da nomeação da patrona subscritora da p.i. desta ação (processo n.º 159336/2016/ Setúbal), em 12 de outubro de 2017”, facto este que o recorrente não impugnou e que está conforme com o documento 49 junto com a petição inicial, do qual resulta que a alteração da modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo para a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono foi requerida a 12 de outubro de 2017.
Nessa data, já havia decorrido o prazo de prescrição.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando o despacho saneador na parte em que absolveu a R. Seguradora do pedido, devendo os autos prosseguir quanto a esta R.
Custas do recurso pelo recorrente na proporção de ¾, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.



Lisboa, 9 de junho de 2022



Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Rui Moura- (vencido nos termos da declaração infra)
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Voto de vencido:
Vencido porque reitero a decisão singular que ora reproduzo.
Rui Moura