Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
583/14.8JDLSB.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO
OBRA DE ARTE
PERÍCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- Tendo em conta o disposto no artº 109º nº1 do CP, no caso de a propriedade de obras de arte, neste caso de quadros, pertencerem a um terceiro, como é o caso, não tem justificação o apelo a critérios de culpa, ou proporcionalidade, mas unicamente relevará a perigosidade evidenciada pelo bem, sendo esta precisamente a situação configurada no caso em análise. Ou seja, a perda de instrumentos visa responder à perigosidade da própria coisa e não à perigosidade do agente, pelo que se deverá recorrer a juízos que nos façam concluir sobre a previsão razoável de que os objectos podem ser perigosos, pelo seu perigo imanente, à sua própria característica, ou pela ilícita renovação do uso. Ou seja, a perigosidade do objecto tem de aferir-se por  um ponto de vista objectivo, concreto, da coisa em si mesma considerada, mas atendendo às concretas condições em que pode ser utilizada para o cometimento de novos factos ilícitos típicos;
II-Nesta vertente, o despacho recorrido não encerra em si a suficiente e objectiva fundamentação no que respeita a estes requisitos. Assim, e, neste ponto de apreciação do caso concreto há que atender ao que consta dos relatórios periciais cujas conclusões foram resumidamente vertidas no despacho recorrido como: Em face da factualidade exposta supra e do teor do relatório pericial, cujo juízo técnico subjacente está em principio subtraído à livre apreciação do tribunal  nos termos do disposto no artigo 163.º nº 1 e 2 do CPP, conclui-se que as obras apreendidas e nas quais consta a identificação de «AA», não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA.;
III-Por outro lado, sendo evidente e ressaltando dos autos, que, mesmo os peritos em pintura, não convergem de forma inequívoca sobre a questão da originalidade das obras em causa,  terá que ser revogado o despacho recorrido que ordenou o seu perdimento, justificando-se tal discordância nos termos do nº 2 do artº 163º do C.P.P., tendo de ser assim revogado o despacho recorrido que ordenou o seu perdimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.       
No processo comum supra identificado, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Juízo de Instrução Criminal de Sintra - Juiz 2, veio o recorrente interpor recurso da decisão/despacho judicial, proferida em 03/12/2019.
O despacho em questão é do teor que a seguir se transcreve:
Nos presentes autos investigou-se a prática de crime de violação de direito moral, p. e p. pelo artigo 198.º do C. Penal em concurso com o crime de burla, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º do mesmo diploma legal.
Procedeu-se a inquérito findo o qual se concluiu que “(...), perante os exames directos às obras apreendidas e nas quais consta a identificação de AA, que se tratam de pinturas falsas, isto é, não são pinturas da autoria de AA, pintor português, nascido em 1946 e falecido em 2000, que habitualmente expunha as suas obras na Galeria 111 – Lisboa
(...)Contudo, a forte suspeita sobre, pelo menos, o conhecimento de BB de que as obras por si vendidas, identificadas como sendo da autoria de AA, não correspondiam a obras originais de tal pintor não é suficiente para que se possa imputar ao mesmo em termos de responsabilidade criminal a prática de condutas subsumíveis a crime, designadamente ao crime de falsificação de documento, e de burla qualificada” o que levou o Ministério Público ao arquivamento dos autos.
Sobre o destino dos objetos, promoveu-se, ao abrigo do disposto no art. 268 al. e), do CPP, e com observância dos arts. 178º, do CPP, e art. 109 nº1 e 2º, do Cód Penal, que sejam declarados perdidos a favor do Estado os quadros apreendidos nos autos, sendo posteriormente entregues PJ, caso venha nos autos a manifestar nisso interesse documental ou museológico (nos termos do DL n.º 11/2007, de 19 de Janeiro).
Foi declarada a perda das obras, como promovido, por decisão que veio a ser revogada por douto acórdão da Relação de Lisboa. Em cumprimento do aí doutamente ordenado foi cumprido o contraditório.
QQ opôs à declaração de perda das obras que lhe pertencem e que apresentou para exame nestes autos, a pedido das autoridades policiais. Alega para tanto que participou com o artista AA em exposições individuais e coletivas e com ele privou, de perto, durante décadas até à sua morte sendo, por isso, um profundo conhecedor da sua obra. Face à sua qualidade não está, seguramente enganado no que respeita à autenticidade das obras que lhe foram apreendidas. Detinha as obras há mais de 15 anos nunca praticou ou teve intenção de vir a praticar qualquer crime, nem tão pouco as referidas obras representam qualquer risco para a comunidade.
Foram realizados exames às obras apreendidas e ordenada a realização de perícia.
Foi realizado exame pericial a que seguiu a elaboração dos relatórios periciais ( um por cada obra).
Notificado dos relatórios veio o requerente QQ arguir a suspeição do perito por considerar que «(...) A “contaminação” a que o Perito se sujeitou lendo o que os outros peritos disseram no inquérito, bem como os comentários e qualificações que o Perito fez sobre os outros peritos que intervieram no inquérito, levantam sérias e fundadas dúvidas sobre a sua isenção»
Foi ordenada e teve lugar uma sessão de esclarecimentos ao Sr. Perito em que estiveram presentes o Ministério Público, Requerente e Consultor Técnico.
Cumpre decidir.
Quanto à suspeição; alega o requerente que após a realização do exame pericial e elaboração do respetivo auto, o perito consultou o inquérito e após a leitura que dele fez o sentido geral das declarações que fez aquando do exame pericial mudou. A avaliação deixou de ser clara, espontânea e baseada no conhecimento científico e passou a estar condicionada pela leitura do inquérito.
A contaminação a que se sujeitou lendo o que os outros peritos disseram no inquérito, bem como os comentários e qualificações que o perito fez sobre os outros peritos que intervieram no inquérito, levantam sérias e fundadas dúvidas sobre a sua isenção, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto nos artigos 470.º e 120.º n.º1 do C. P. Civil, ex vi artigo 4.º do CPP, requer que o perito seja declarado impedido e que, consequentemente, os dois relatórios periciais juntos aos autos em 30-05-2019 sejam declarados irregulares sendo a perícia constituída apenas pelo “Auto de exame pericial” ou que se realize nova perícia.
O tribunal convocou o perito para esclarecimentos diligência no decurso da qual foi confrontado com todas as questões que o requerente e o Ministério Público entenderam por convenientes, entre as quais as que o requerente suscita no seu requerimento. A todas elas o perito deu resposta.
O requerente vem invocar a seu favor os artigos 470.º e 120.º do CPP, este último contendo os fundamentos que permitem às partes opor suspeição ao juiz ( leia-se “perito”, no caso) quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente :
“(...)a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;
b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;
c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;
d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;
e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;
f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;
g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.
Analisado os argumentos do requerente não se vislumbra, nem o requerente alega, um único facto que possa fundamentar o juízo de suspeição do Sr. Perito que foi, de resto, nomeado por indicação da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, entidade que se nos afigura insuspeita.
As questões que opõem o requerente ao perito encontram resolução no âmbito do processo penal, sobretudo nas disposições que respeitam ao desempenho da função de perito - artigo 153.º do CPP
Sobre o desempenho da função de perito diz-nos o que referido preceito legal que o perito pode pedir escusa ou ser recusado a requerimento do Ministério Público, arguido, assistente ou pelas partes civis. Em qualquer dos casos, com fundamento na falta de condições indispensáveis para realização da perícia, entendendo-se como tal as que determinaram a sua nomeação, a saber, conhecimento técnico especial e a imparcialidade em relação aos sujeitos  processuais.
No caso vertente estará em causa a imparcialidade do perito revelada na circunstância de, após a realização do exame pericial e elaboração do respetivo auto, ter mudado o sentido geral das declarações que fez aquando do exame pericial, mudança que o requerente atribui ao facto do perito ter procedido à leitura do inquérito.
Ora, a esse propósito esclareceu o Sr. Perito no decurso da sessão de esclarecimentos, que o exame pericial resultou do primeiro contacto com as obras e da análise visual que delas fez. Após, fotografou-as. Da análise preliminar, baseada no olhar e conhecimento científico da obra do artista concluiu que as obras correspondiam a duas fases de AA. Contudo, nesse mesmo documento, antes da leitura do inquérito, o Sr. Perito deixou expresso ser necessária uma investigação mais alargada e aprofundada de caráter documental e comprovativo que forneça mais argumentos e elementos para a perícia, para a qual teria necessariamente de consultar o inquérito, o que fez posteriormente.
As questões suscitadas pelo Requerente foram esclarecidas pelo Perito e o teor dessas mesmas respostas estão gravadas na plataforma de apoio ao funcionamento dos tribunais.
Em síntese esclareceu o Perito que as obras encaixam bem em duas fases de AA, existem características formais e estéticas que não são estranhas à sua obra, mas essa conclusão não é absoluta. Enquanto historiador de arte reconheceu que as obras têm os elementos recorrentes de AA. Visualmente poderiam ser dele. Contudo, o percurso da obra, como chegou até aos dias de hoje não permitem estabelecer um vínculo com o autor (AA).
Embora nos relatórios periciais se aponte como proveniência das obras a venda em leilão, o que não corresponde à verdade, o certo é que as obras pertencentes ao requerente foram compradas a BB  fazendo parte, de acordo com o depoimento deste, ao mesmo lote da pintura que foi vendida em leilão e cuja autoria veio a apurar-se não ser de AA. De acordo com o referido BB a obra vendida em leilão bem como as que vendeu a QQ fazem parte de um conjunto de obras desse artista plástico, que adquiriu junto de uma empregada cuja identidade e contactos não se recordava, mas que trabalhou com uma senhoria do próprio pintor. Disse ainda o referido BB que antes de colocar para venda as pinturas contactou o requerente QQ, professor de belas artes, e especialista em pintura portuguesa, que considerou excelentes obras originais de AA, além de possuir um certificado passado pelo irmão do pintor, GG.
Mais evidenciam os autos que QQ, escultor de profissão, e docente na cadeira de Belas artes na Sociedade Nacional de Belas Artes, confrontado com o facto de ter ou não analisado obras de “AA” na posse de BB, reconheceu que examinou 3 obras assinadas pelo pintor AA, e que quanto à origem das mesmas o BB lhe disse que tinha adquirido a uma cliente residente em Cascais, que terá sido empregada na casa de uma senhoria de AA em Lisboa, e que teria dito à empregada para levar as pinturas. Das três pinturas recorda-se que duas eram sobre tela, e uma sobre platex, tendo adquirido as duas pinturas, a de platex, e uma de tela.
Como o próprio requerente reconheceu na fase de inquérito, as obras que lhe pertencem foram adquiridas a BB e este, por sua vez, adquiriu-as a uma empregada na casa da senhoria de AA em Lisboa que a autorizou a levar as pinturas.
Concluindo, a imprecisão dos relatórios periciais em nada abala os seus fundamentos pois a origem das obras do requerente é a mesma da obra que foi leiloada a que se faz referência naqueles documentos.
Inexiste, pelos motivos expostos, fundamento para duvidar da isenção e imparcialidade do Sr. Perito ou que abale as conclusões dos referidos relatórios.
*
Cumpre neste momento decidir o destino das obras apreendidas nestes autos.
Nos presentes autos investigou-se a venda a PC, em leilão realizado pela leiloeira Oportunity leilões, de uma obra do pintor AA, mais concretamente de um óleo sobre platex com 75x104 cm, assinado e datado de 1966 cuja autenticidade suscitou dúvidas.
Procedeu-se a inquérito no decurso do qual a obra foi alvo de exame por diversos peritos, Dr. JJ, MS, todos eles conhecedores da obra do artista plástico, AA que concluíram não ser a referida da autoria do pintor.
Foi inquirido AS, a fls. 106, o qual conheceu pessoalmente AA e a sua obra, tendo acompanhado todo o seu trajeto artístico e que, confrontado com o quadro vendido na Oportunity leilões, e apreendido nos autos, declarou nunca antes o ter visto e que, em sua opinião, não se tratava de uma obra que produzida por AA.
A obra foi colocada em venda por MG, também conhecida como MD que, conjuntamente com o seu marido BB, se dedica a restauração e comércio de pinturas e de obras de artes.
BB adquiriu a obra junto de uma empregada cuja identidade e contactos não se recordava, mas que teria trabalhado para uma senhoria do próprio pintor.
QQ ( 115 a 117), adquiriu a BB, nos anos de 2000 / 2002, duas obras que, por solicitação das autoridades policiais, entregou para exame, em 2 de março de 2015 ( fls. 125).
Procedeu-se à identificação das mesmas, apurando-se corresponderem:
1 - Um acrílico sobre platex, assinado “AA”, datado de 1966, e
2 - Um acrílico sobre tela, assinado “AA”, datado de 1972, (foto a fls. 126/127) E, do exame efetuado por MS, e MS, ambas conhecedoras da obra de AA, resulta, como decorre de fls. 133, que se tratam de pinturas falsas, o que determinou à apreensão das mesmas no âmbito dos autos, a fls. 137.
Do exame pericial efetuado, junto a fls. 49 dos autos, consta a conclusão de que a assinatura aposta na obra apreendida (auto de apreensão de fls.71) e alvo de apreciação não permite em comparação com outras assinaturas de AA resultados conclusivos.
Em resultado do exame efetuado por MS, e MS, ambas conhecedoras da obra de AA, resulta, as obras apreendidas a fls. 133, conclui-se que se tratam de pinturas falsas.
As obras apreendidas, pertencentes a QQ, foram também, examinadas pelos prof. Dr. CO e prof. Dr. HF, a fls. 201, que concluíram de igual modo, tratar-se de pinturas falsas.
As obras apreendidas foram ainda objeto de perícia tendo por finalidade a avaliação da sua autenticidade realizada pelo Prof. Auxiliar Fernando JD concluindo-se nos relatórios periciais que as obras apreendidas não oferecem garantias de ter sido realizadas pelo pintor AA.
Em face da factualidade exposta supra e do teor do relatório pericial, cujo juízo técnico subjacente está subtraído à livre apreciação do tribunal ( artigo 163.º do CPP) conclui-se que as obras apreendidas e nas quais consta a identificação de «AA», não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA.
As obras apreendidas a QQ não são autênticas.
Destarte, considerando que pela sua natureza as referidas obras oferecem sério risco de ser utilizadas para o cometimento de factos ilícitos, ao abrigo do disposto nos artigos 268.º n.º1 al e) e 109.º n.º1 e 2 do C. Penal, declaro-as perdidas a favor do Estado.
Notifique.
**
Inconformado com a decisão judicial acima transcrita, o recorrente/interveniente nos autos, QQ veio interpor recurso daquele despacho com os fundamentos constantes da motivação junta aos autos, cujas conclusões se transcrevem em seguida:
I. Por despacho o tribunal à quo declarou perdidas a favor do estado as duas obras apreendidas ao ora recorrente, em virtude de estas, pela sua natureza, oferecerem sério risco de serem utilizadas para o cometimento de factos ilícitos, ao abrigo do disposto nos art.° 268.° n° 1 al. e) e 109.° n° 1 e 2 do Código Penal, uma vez que as referidas obras analisadas em sede pericial "não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA."
II. Esta decisão viola o disposto no art.° 127 e art.° 163 n°1 ambos do Código do Processo Penal, e o disposto no art.° 110 do Código Penal, para além de errar na determinação da norma pela qual condena, uma vez que o tipo legal constante do art.° 268° n° 1 al. e) do Código Penal não está em apreciação nos presentes autos.
III. O tribunal à quo legítima a sua decisão no que dispõem o art.° 268 n° 1 al. e) do código Penal, no entanto esta disposição legal não contém qualquer alínea no corpo do seu número 1, sendo que a referida norma constante do Código Penal inclui-se
"CAPÍTULO II, Dos crimes de falsificação" , "SECÇÃO III, Falsificação de moeda, título de crédito e valor selado" e trata no seu número 1 do seguinte tipo legal:
"Quem, com intenção de os empregar ou de, por qualquer forma, incluindo a exposição à venda, os pôr em circulação como legítimos ou intactos, praticar contrafacção ou falsificação de valores selados ou timbrados cujo fornecimento seja exclusivo do Estado Português, nomeadamente papel selado de letra, selos fiscais ou postais, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos." , tendo como epígrafe
"Contrafacção de valores selados" ;
IV. Por conseguinte, resulta evidente que a norma em questão não podia justificar a decisão, uma vez que aqui apenas se discute se as duas obras apreendidas ao ora recorrente são ou não da autoria do Pintor AA e por causa desse facto devem ser perdidas a favor do estado, não restando dúvidas que o tribunal à quo erra da determinação da norma aplicável o que torna a decisão nula nos termos das disposições conjugadas do art.° 97, n° 5 e art.° 379°, n° 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, por fundamentar a sua decisão numa disposição legal que não é aplicável aos factos em discussão.
V. O tribunal à quo estribou a sua decisão na factualidade constante dos autos, nomeadamente no "teor do relatório pericial, cujo juízo técnico subjacente está subtraído à livre apreciação do tribunal (artigo 163.° do CPP)" ,
VI. Com o devido respeito, não podemos concordar com a interpretação feita do art.° 163 do Código do Processo Penal, uma vez que essa disposição não exclui a possibilidade de o tribunal divergir da perícia, essa disposição refere apenas que "O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador." (sublinhado nosso), trata-se de uma mera presunção ilidível.
VII. Nos autos existem elementos suficientes que permitem divergir da conclusão da perícia, não obstante ela própria não ser conclusiva, ao contrário do que é afirmado na decisão quando se diz que "as obras apreendidas e nas quais consta a identificação de AA», não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA." , o relatório pericial fls. 542 a 549, conclusão esta que resulta de inverdades produzidas pelo perito e que se relacionam com a origem das obras apreendidas ao ora recorrente.
VIII. A factualidade constante dos autos é bem diversa daquela que é dada como assente pelo tribunal à quo, o que permite afastar o valor probatório atribuído ao relatório pericial fls. 542 a 549, desde logo, quando no relatório pericial se afirma que os quadros pertencentes ao ora recorrente foram apresentados a leilão com caracter especulativo e comercial, afirmação essa que não corresponde à factualidade constante do processo.
IX. A fls. 115 a 117, podemos constatar que o ora recorrente havia adquirido dois quadros do Pintor AA entre os anos de 2000 e 2002 a BB pelo preço de 1.200.000$00 escudos (actualmente cerca de 6000,00€), e que este lhe disse que essas obras, o Platex de 1966 e a tela de 1972, tinham chegado à sua posse pela mão de uma criada que trabalhava em casa da senhoria do pintor.
X. A fls. 102 a 104, BB afirmou que as três obras que mostrou a QQ, ora recorrente, das quais este último lhe comprou duas, um Platex e uma tela, lhe haviam chegado pela mão de uma criada que trabalhava na casa da senhoria de AA.
XI. Da conjugação das declarações de BB, fls. 102 a 104, com as declarações do ora recorrente fls. 115 a 117 e ss, podemos constatar que tendo o ora recorrente visto três obras, duas telas e um Platex e destas obras que viu ficou com um Platex e uma tela, e sendo a obra apreendida fls. 29 e 30 um Platex, facilmente concluímos não existe qualquer relação entre a obra fls. 29 e 30 e as três obras que foram vistas pelo ora recorrente, a não ser a autoria da pintura.
XII. BB a fls. 102 a 104, disse que a obra apreendida a fls. 29 e 30, "faz parte de um conjunto de obras deste artista, que adquiriu há muitos anos" , disse ainda que deteve outras obras do pintor AA, "entre 12 a 16 pinturas" de diferentes origens, entre elas as pinturas que posteriormente vendeu ao ora recorrente, as quais terão sido adquiridas a uma criada, sem que tenha a certeza se fazia parte do mesmo lote da que se encontra apreendida a fls. 29 e 30, aliás é exatamente isso que resulta da expressão que usou, quando diz: "reafirma estar em crer que esta pintura pertence ao lote das que adquiriu em Cascais à tal senhora (••)" , a expressão estar em crer não encerra em si mesma um juízo de certeza, contendo sim um juízo de dúvida!
XIII.   Posição que é reforçada quando conjugamos as declarações de RR com as declarações do ora recorrente, o qual afirma que nunca viu a obra apreendida fls. 29 e 30, e que apenas viu três obras, duas telas e um Platex, dessas obras adquiriu um Platex e uma tela, cf. fls. 115 a 117, por conseguinte a obra apreendida a fls. 29 e 30, sendo um Platex, facilmente se percebe que essas obras não podem pertencer ao mesmo lote, nem tão pouco podem ter a mesma origem (a tal criada), uma vez que nos autos estão apreendidos dois Platex e uma tela, e as mostradas ao ora recorrente foram duas telas e um Platex, cf. fls. 125 a 127.
XIV. A fls. 112, 113 e 114, RM disse ainda que adquiriu obras de AA a outras pessoas, nomeadamente a AC e FF, o primeiro antiquário no Porto e o segundo comerciante de arte em Lisboa, ambos falecidos.
XV. A perícia deveria ter concluído que as obras adquiridas pelo ora recorrente não foram adquiridas e apresentadas em leilão com caracter especulativo, como afirmado no relatório pericial, conclusão essa que distorce a factualidade existente nos autos, sendo por essa razão falsa, mas que acabou por influenciar a apreciação global feita pelo perito, pois, como este referiu, sendo historiador, a origem da obra foi determinante para considerar que as obras "não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA" .
XVI. As declarações constantes dos relatórios a fls. 133, elaborados por MS, e MS, não oferecem a menor credibilidade, quando estas qualificam as obras do ora recorrente como falsas, porquanto MS, enquanto curadora da exposição de 1995 do pintor AA, no catálogo editado pela Fundação Calouste Gulbenkian para essa exposição utilizou as expressões "(••.) composições desordenadas e caóticas, (•••)" para tecer rasgados elogios à obra de AA, e volvidos vinte anos, no Auto de exame directo datado de 22-4-2015 que assina, a mesma pessoa conclui que o quadro é falso por "• • • trata-se de uma tentativa de recriação grosseira de pinturas de AA deste período, utilizando alguns dos seus elementos constitutivos, mas de um modo desordenado, caótico, sem estrutura habitual e consistente dos trabalhos do artista." , cf. fls. 422 a 450.
XVII. Acresce que nenhuma das referidas senhoras se dispuseram a prestar os esclarecimentos requeridos pelo ora recorrente sobre as afirmações que produziram, cf. fls. 133, comportamento idêntico foi assumido quer pelo Dr. CO e pelo Prof. Dr. HF, nos relatórios que produziram a fls. 201, estes classificaram as obras como falsas, mas recusaram-se a prestar os esclarecimentos suscitados pelo ora recorrente, os quais se afiguravam pertinentes em face às inverdades proferidas por estes dois professores.
XVIII. QS, ora recorrente não é um leigo, ou um curioso em arte, como o é MS, que apenas se diz conhecer a pintura de AA por ter sido casada com um reconhecido galerista proprietário da galaria 111, a contrário desta, o ora recorrente não é apenas "Escultor de profissão e docente na cadeira de Belas artes na sociedade Nacional de Belas Artes" , o ora recorrente é um reconhecido e conceituado Professor de Belas Artes, tendo desenvolvido e implementado o projecto pedagogicamente inovador para o "Curso de Desenho" , curso do qual foi coordenador e onde lecionou durante 21 anos. Pelo seu reconhecido mérito, o ora recorrente fez parte da Direção da Sociedade Nacional de Belas Artes, no decorrer do biénio de 2002/2004, ao longo da sua vida participou em exposições, individuais e colectivas, expondo, designadamente, com o artista AA, tendo por isso privado de perto durante décadas, até à sua morte, pelo que o Interveniente é grande conhecedor da obra do Artista, participou por convite, em exposições com AA, entre outros, nos anos de: 1974 — Salão de Março
SNBA — Lisboa;       1984 — Salão Ibérico de Arte Moderna — Campo Maior/Portugal; Museu de Arte Contemporânea — Cárceres/Espanha; 1987 — 80 Anos de Arte Moderna Portuguesa — Galeria de S. Bento/Lisboa. O ora recorrente tem portanto, 32 anos de docência universitária, tendo feito parte do órgão Directivo, na SNBA, e um vasto curriculum artístico, ambos de reconhecido mérito pedagógico, cultural e artístico, nacional e internacionalmente. O ora recorrente é na verdade uma personalidade conceituada, enquanto docente e artista, com provas reconhecidas nacional e internacionalmente, tendo, neste contexto conhecimentos técnicos acima da média de um cidadão comum, cf. fls. 377 a 414.
XIX. Foi exatamente com recurso a esses seus profundos conhecimentos em arte, e mais concretamente recorrendo aos seus conhecimentos da pintura de AA que o ora recorrente suscitou questões e juntou documentos, cf. fls. 422 a 450, os quais visavam contraditar as afirmações proferidas pelo Dr. CO e pelo Prof. Dr. HF, nos relatórios que produziram a fls. 201, porém, como já se disse, todas essas questões suscitadas ficaram por esclarecer, uma vez que os referidos professores optaram por recusar os esclarecimentos suscitados, fls. 467 e 468, o que frustrou o direito do ora recorrente ao contraditório, mas que dotou o tribunal à quo de factos que permitiam divergir dos relatórios produzidos a fls. 201.
XX. O Pintor SP, contemporâneo e amigo de AA, também declarou, na qualidade de testemunha, sob o nome de SM, a fls. 142, "conhece o pintor e bastante bem a sua obra." , "confrontado com as duas obras de QQ disse que não tem dúvidas de qualquer espécie que se tratam de originais da autoria de AA" , declarações que reforçou posteriormente através de escrito datado de 6 de Julho de 2016, mais afirmou, quando confrontado com a pintura fls. 41, nada tem que ver com a pintura de 1966 (Platex) de QQ, ora recorrente.
XXI. Por tudo isto, impunha-se que o tribunal à quo tivesse chegado a conclusão diversa, isto é, o tribunal à quo deveria ter divergido do sentido do relatório pericial, fls. 542 a 549, em especial dos esclarecimentos adicionais prestados entre fls. 544 a fls. 549, por esses esclarecimentos não encontrarem suporte factual e assentarem num erro sobre a origem das obras, o que o fez alterar a opinião manifestada no relatório inicial a fls. 542 a 543„ devendo ser este o sentido que o tribunal à quo deveria interpretar o art.° 163 do Código do Processo Penal, por conjugação com as regras das experiencia comum, como resulta do disposto no art.° 127 do Código de Processo Penal.
XXII.  Sem prejuízo do que vem expendido, a perda da obras a favor do estado, viola o preceituado no art.° 110° do Código Penal, porquanto as obras em questão não foram objecto da prática de qualquer crime pelo ora Recorrente, este adquiriu-as a Rogério Madeira, nos anos de 2000 a 2002" , cf. fls. 115 a 117.
XXIII. A investigação em curso nestes autos não visava o ora Recorrente, nem tão pouco este figurava como suspeito de ter contrafeito as obras ora apreendidas, estas foram solicitadas ao Recorrente pela Polícia Judiciária, com o propósito de este colaborar com a investigação em curso, obras essas que estavam há mais de 13 anos a decorar a parede da sua sala, apenas de lá saindo para serem entregues à Polícia Judiciária no dia 2/03/2015, cf. fls. 125;
XXIV. Como já se disse, o ora Recorrente tem uma carreira académica e profissional de reconhecido mérito, estas suas qualidades, conferem ao ora Recorrente, um especial conhecimento artístico e crítico, competência e sensibilidade, para conhecer e avaliar as obras que adquiriu a BB; este sempre entendeu, e continua a entender, que as obras são verdadeiras.
XXV.  Dos autos não resulta que o ora Recorrente tenha utilizado de forma censurável as obras em causa, nem tão pouco resulta que as tenha produzido, antes pelo contrário, ficou claro que as adquiriu, também não resulta do processo que o ora recorrente tenha obtido qualquer vantagem, antes pelo contrário, o ora Recorrente pagou as obras a BB, e nessa medida, eventualmente, poderia se estas fossem falsas considerar-se lesado.
XXVI. Tudo visto, ao caso em apresso não é aplicável o disposto no Art.° 109, do Código Penal, uma vez que o ora Recorrente é um terceiro de boa-fé e não praticou qualquer facto censurável, devendo-lhe ser aplicado o que dispõe o Art.° 110° do Código Penal, e nessa conformidade, devem-lhe ser devolvidas as 2 (duas) obras identificadas nas fls. 126 e 127.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXA MUI DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE O DESPACHO QUE DECRETA A PERDA A FAVOR DO ESTADO, DAS 2 OBRAS IDENTIFICADAS NAS FLS. 126 E 127, SER DECLARADO NULO POR FUNDAMENTAR A SUA DECISÃO NUMA DISPOSIÇÃO LEGAL QUE NÃO É APLICÁVEL AOS FACTOS EM DISCUSSÃO;
SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, PELAS RAZÕES SUPRA EXPOSTAS DEVE AQUELE DESPACHO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE FAÇA DEVOLVER AO RECORRENTE, AS REFERIDAS OBRAS.
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Respondeu ao recurso, o Mº. Pº, juntando a fundamentação onde conclui:
1. Os autos, no âmbito dos quais veio a ocorrer a apreensão das obras de pintura
(sendo que estas numa primeira fase foram juntas aos autos voluntariamente por QQ, só após se detectar que também correspondiam a obras contrafeitas / associadas pela assinatura nelas apostas por imitação a AA, vieram a ser apreendidas) foram instaurados decorrente de comunicação de MP, cunhada de AA (já falecido em 2000), informando da existência de obras associadas a este a serem negociadas na Leiloeira Oportunity Leilões. Com, colocada à venda por €39.000,00, por MG(também conhecida como MD, casada com RR, casal este contra o qual existiu acusação de venda de obras de pintores conhecidos e valorizados no mercado da arte, cujos autores não eram aqueles que figuravam identificados nas obras), cuja autenticidade lhe suscitava dúvidas, face a situações ocorridas no passado (é do conhecimento público, e consta de fontes abertas a existência de situações de venda de pinturas / obras nas quais constava, por imitação a assinatura de AA, e que eram expostas e vendidas como se fossem autênticas, Proc 265/12.5JDLSB,). De tal informação remetida pela cunhada de AA veio a apurar-se que tinha sido adquirido por PC, por €6.670, o quadro identificado nos autos a fls.11, que a acompanhar tinha o escrito "Declaro que esta obra (óleo sob platex) é do pintor AA.
2. Os autos a averiguar da existência de condutas subsumíveis aos crimes de violação do direito moral, previsto no art 198°, do Código do Direito de Autor e dos Direitos conexos, falsificação de documento, p.p. art 256° do Cod Penal e burla qualificada, 217° e 218°, do mesmo diploma, tendo-se apurado que a obra vendida a PC não era autêntica, conclusão resultante do exame feito àquela por JJ, MS, por serem conhecedores da obra de AA, como apurado nos autos, manifestando todos dúvidas quanto à autenticidade da obra. Também AS (fls. 106) que acompanhou o trajecto de AA, e é critico de arte expressou não ser a obra produzida por AA
3. A obra adquirida por PC obteve-se informação que lhe teria sido vendida por MD e BB, os quais expressaram que a obra em causa, adquirida por PC era pintura autêntica de AA, afirmando que tinha sido adquirida por RM através do contacto com uma empregada que trabalhou na casa da antiga senhoria do Pintor AA (empregada sem nome ou paradeiro conhecidos pelos mesmos).
4. BB alegou que antes de colocar as obras de AA à venda contactou com QQ, o RECORRENTE, professor de Belas Artes e especialista em Pintura Portuguesa, que considerou as obras excelentes originais de AA.
5. Perante as declarações de BB foi o RECORRENTE inquirido, e apurou-se no inquérito que também tinha adquirido obras a BB, pinturas que identificou como de AA e que pôs à disponibilidade de serem analisadas nos autos.
6. As obras que estavam na posse e disponibilidade do RECORRENTE, que lhe foram aprendidas, são as identificadas a fls. 119, tendo sido recebidas á ordem dos autos em 2/3/15 (fls. 125) a titulo voluntário, sendo que após os exames feitos a estas obras por MS, MS" , todos declararam não reconhecer o trabalho de AA, considerando-a uma pintura falsa'', o que veio a determinar a apreensão de tais obras de QQ o RECORRENTE.
7. Em auto de exame Directo, Dr CC e Prof Dr. HF, concluíram serem as obras apreendidas a QQ, o RECORRENTE, falsas. Em auto de exame pericial, fls. 542 (15/5/19), o prof auxiliar FD, aceitou que fosse uma obra de AA, necessitando de um estudo mais aprofundado de caracter documental e comparativo para expressar a sua posição, o que fez conforme teor do relatório pericial de fls. 546 a 549, concluindo por não oferecerem as pinturas observadas garantias de terem sido realizadas por AA.
8. Nos autos além de QQ sufragando o seu entendimento de serem as obras identificadas a fls. 119 como autênticas, apurou-se nos autos apenas SP (SP que foi indicado para ser inquirido pelo recorrente, como resulta de fls 140), e o seu consultor técnico, Pintor / critico de arte, Rogério EX, fls. 542 que expressou "parece-me ao primeiro olhar confirmado com a observação mais próxima e cuidada, (...) que a obra em apreciação sugere que seja autêntica. Corrobora esta análise a observação de alguma incipiência na colocação dos pigmentos, imprecisões na definição dos limites que são próprias da caligrafia pictórica deste autor."
9. As declarações de BB sobre a quem adquiriu as obras que vendeu ao recorrente não se vislumbraram totalmente credíveis, suscitando dúvidas face às regras da experiência que um comerciante / conhecedor de arte adquirisse quadros de artistas da forma quase displicente como aquela apresentada, sem se assegurar da apurar e manter registado o contacto de quem lhe vendeu a obra, comprovativo do pagamento feito, contudo não lhe foi imputada responsabilidade criminal.—face— ausência de demais elementos de prova que nos levassem a afastar o principio do in dúbio pro reo, demonstrando com a certeza necessária como ficou aquele na posse das pinturas que vieram a ser vendidas a PC, e a BB, e o grau de conhecimento que possuía sobre a obra de AA, o que determinou o arquivamento dos autos, por falta de indícios suficientes para imputação de responsabilidade criminal a quem perpetuou as condutas objecto de apreço, relacionadas com as obras apreendidas como se as mesmas tivessem sido da autoria de AA (cfr. Decisão final fls 275 e ss).
10. Não se alcança a pretensão da invocada nulidade pelo RECORRENTE, assente num erro na determinação da norma pela qual condena, o art 268 n°1 e), do Código Penal, por aplicação de norma não aplicável ao caso, dado que da leitura da decisão de fls 600 a 603, numa interpretação conjugada do seu teor resulta, entende-se que de modo percetível que o art 268 n°1 e), será do Cóc Proc Penal, e não do Cód Penal como ficou consagrado na frase que se transcreve: "Destarte, considerando que pela sua natureza as referidas obras oferecem sério risco de ser utilizadas para o cometimento de factos ilícitos, ao abrigo do disposto nos artigos 268 n°1 ate) e 109 n°1 e 2, do Cód Penal, declarando-as perdidas a favor do Estado". Cumpre nesta situação haver lugar a rectificação do erro de escrita, o qual é ostensivo e evidente, bastando ter presente o que estatui o art 268 n°1 e), do Cod Proc Penal, e que o art 268 n°1 e, do Cód Penal nunca nos autos foi mencionado. Estatui o art 268 n°1 al. E),do Cód Proc Penal, cujo teor se dá por reproduzido, matéria sobre os actos a praticar pelo juiz de instrução, dispondo a al e) sobre o poder de declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos, não estamos perante situação de nulidade.
Parafraseando o Ac da relação de Coimbra, de 01/02/2005 (...)A rectificação de erros materiais por lapso de escrita está prevista para as sentenças e despachos, nos artigos 667° e 666°, n° 3, do CPC(...) E, o Ac da Relaão de Évora, de 04/04/17 o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença, designadamente quando a mesma contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essência;
11. Mais, tão pouco se compreenderá a razão de afastar a presunção do relatório pericial e dos exames constantes nos autos, que determinaram, infelizmente face aos interesses do RECORRENTE, que as obras que lhe foram nos autos apreendidas não eram pinturas autenticas de AA, apesar da assinatura constante nas mesmas com tal nome e do seu entendimento. É certo que "o teor do relatório pericial, cujo juízo técnico subjacente está subtraído à livre apreciação do tribunal (artigo 163 do CPP)", mas não consta dos autos matéria que nos permita concluir pela razão de ciência que justificaria o afastamento das conclusões que imparcialmente foram transmitidas aos autos por aquele tiveram intervenção nos exames e perícia efectuadas às ditas obras.
12. Numa ponderação objectiva da realidade em causa, relacionada com a perda a favor do estado das duas pinturas entregues, numa primeira fase, a titulo devolutivo por Quintino Santos Correia e posteriormente apreendidas quando se detectou, após os exames directos de conhecedores e experts na obra de AA, serem pinturas associadas como da autoria de AA forjadas e não da autoria daquele, conclui o Ministério Público que sendo obras quanto às quais há suficientes indícios de serem contrafeitas não podem manter-se na esfera de privados, o que motivou a promoção de perda a favor do Estado, nos termos do art 178° do CPP e 109 n° 1 e 2, 110 n°1 a) e b) e 5°, do Cód Penal a ser conjugado com 111° n°2 b), e 4, do Cód Penal.
12. Os pressupostos de natureza formal e material da declaração de perda do objecto a favor do Estado, quanto aos quadros identificados a fls. 126/127, que estavam na posse e disponibilidade de QQ assentam na circunstância factual de serem tais pinturas instrumento e fruto de conduta criminosa de falsificação de documento, burla qualificada, ilícitos que se entende estarem suficientemente indiciados pela análise pericial e exames realizados nos autos, por pessoas reconhecidamente conhecedoras da obra de AA, e que expressaram as seus conhecimentos nos autos, nos exames directos realizados, de modo objectivo e imparcial.
13. E, em consonância com a posição exposta, de que as pinturas apreendidas ao RECORRENTE sendo as mesmas produto de acto subsumível a ilícito criminal levam-nos a manter a posição de que não podem ser entregues ao RECORRENTE, devendo-se manter a decisão de perda das mesmas a favor do Estado pelo risco de puderem ser vendidas como obras autenticas de AA. Porquanto não se pode justificar a entrega de obras ao QQ se está suficientemente indiciado nestes autos que são falsas, que o seu autor não foi o pintor AA, pelo que sua posse seria a posse de obra contrafeita.
14. As pinturas em apreço resultaram da prática de ilícito criminal, tendo sido produzidas por semelhança a traços e paletes de cores característicos do pintor AA, e assinadas como se tivessem sido da autoria do mesmo sem que tal correspondesse à realidade, a elevada credibilidade aferida ao exame directo feito por MS e MS, conhecedoras da obra daquele pintor levou a tal conclusão nos autos, e ao Ex° perito FD, levam a reiterar que se mantenha a declaração de perda a favor do Estado das duas obras apreendidas e que pertenciam ao requerente QQ.
Consequentemente
V. Exas farão acostumada justiça, dando improcedência ao recurso sub judice, mantendo a decisão proferida no despacho recorrido, nos seus exactos termos decisórios
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Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer aderindo à posição do Mº.Pº. na 1ª instância e acrescentando, o que, por relevante para a decisão, vamos transcrever:
(…)
Relativamente à suscitada questão de saber se as pinturas em causa deveriam ou não ser declaradas perdidas a favor do Estado, considerando que o ora Recorrente é adquirente de boa-fé não tendo praticado acto censurável, vamos dizer, corroborando a decisão do Tribunal e secundando a posição do Ministério Público, que   a perda de vantagens é determinada por razões de prevenção, independentemente de questões de culpa, tratando-se in concreto de prevenir o perigo da prática de futuros crimes.
Se comprovadamente ( estabelecida a verdade material/ processual ) uma pintura é obra contrafeita, a única via para salvaguardar o princípio da legalidade e velar pela protecção da propriedade intelectual é impedir que ela possa no futuro ser transaccionada como se fosse uma obra autêntica, pelo que forçosamente tem que ser alvo de apreensão por parte do Estado.
Por todo o exposto vai o nosso parecer no sentido de que devem V. Exas. manter integralmente a aliás douta decisão recorrida.
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Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.
II- MOTIVAÇÃO.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).
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No caso.
O recorrente impugna o despacho judicial que declarou o perdimento de obras de pintura de sua propriedade.
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Vejamos.
O Recorrente começa por invocar a nulidade do despacho judicial, por entender que foi fundado na norma legal do artigo 268 nº. 1 e) do Código Penal, que é inaplicável ao caso.
Mas, é por demais evidente que a situação alegada não se enquadra em qualquer tipo de nulidade, mormente na eventual falta ou erro de fundamentação, antes se traduz num claro erro de escrita. Ou seja:
Atentemos no que se dispõe no artigo citado no despacho, como pertencente ao Código Penal:
Artigo 268.º do Código Penal
Contrafacção de valores selados
1 - Quem, com intenção de os empregar ou de, por qualquer forma, incluindo a exposição à venda, os pôr em circulação como legítimos ou intactos, praticar contrafacção ou falsificação de valores selados ou timbrados cujo fornecimento seja exclusivo do Estado Português, nomeadamente papel selado de letra, selos fiscais ou postais, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 - Quem:
a) Empregar como legítimos ou intactos os referidos valores selados ou timbrados, quando falsos ou falsificados; ou
b) Com a intenção referida no n.º 1, adquirir, receber em depósito, importar ou por outro modo introduzir em território português, para si ou para outra pessoa, os referidos valores selados ou timbrados, quando falsos ou falsificados;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3 - Se, no caso da alínea a) do número anterior, o agente só tiver tido conhecimento de que os valores selados ou timbrados são falsos ou falsificados depois de os ter recebido, é punido com pena de multa até 90 dias.
4 - Se a falsificação consistir em fazer desaparecer dos referidos valores selados ou timbrados o sinal de já haverem servido, o agente é punido com pena de multa até 60 dias.
Ressalta desde logo a inexistência da mencionada alínea e) do nº. 1.
Para além de que, em investigação estavam ilícitos com previsão nos art.s 198°, do Código do Direito de Autor e dos Direitos conexos, falsificação de documento, p.p. art 256° do Cod Penal e eventualmente burla qualificada, 217° e 218°, do mesmo diploma, como resulta dos autos.
Por outro lado, a disposição legal com o mesmo número, mas pertencendo ao Código de Processo Penal, dispõe:
Artigo 268.º do Código de Processo Penal
Actos a praticar pelo juiz de instrução
1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
a) Proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 196.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público;
c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 3 do artigo 177.º, do n.º 1 do artigo 180.º e do artigo 181.º;
d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º;
e) Declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos, com expressa menção das disposições legais aplicadas, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º;
f) Praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução.
2 - O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.
3 - O requerimento, quando proveniente do Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, não está sujeito a quaisquer formalidades.
4 - Nos casos referidos nos números anteriores, o juiz decide, no prazo máximo de vinte e quatro horas, com base na informação que, conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, dispensando a apresentação dos autos sempre que a não considerar imprescindível.
Ou seja, contem a dita alínea e) e o nº. 1, precisamente a fundamentar a competência do Sr.Juíz de Instrução na prolação do despacho de perdimento dos bens.
Portanto, tratando-se, como é obvio, de um mero lapso de escrita- querendo dizer-se artigo 268 nº. 1 e) do Código de Processo Penal e não como consta do texto (artigo 268 nº. 1 do Código Penal), inexiste qualquer nulidade do despacho tal como vem invocada pelo recorrente.
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Vejamos agora a verdadeira questão objecto do recurso.
Sobre a perda de objectos por acto processual, regula o disposto no artigo 109.º do Código Penal.
Ali se dispõe:
Perda de instrumentos
1 - São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.
2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
3 - Se os instrumentos referidos no n.º 1 não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se a lei não fixar destino especial aos instrumentos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.
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Começaremos poi invocar o que foi dito pelo I. Prof. Figueiredo Dias:
«A finalidade atribuída pela lei vigente à perda dos instrumentos e do produto do crime é exclusivamente preventiva. Isso se revela pela circunstância de, nos termos do art. 107. °-1, nem todos os objectos que constituam instrumentos ou produto do facto deverem ser declarados perdidos, mas apenas aqueles que, «pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a mora ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes»: numa fórmula mais simples (mas de certo não menos rigorosa, uma vez que a «segurança das pessoas» e a «moral ou a ordem pública» não podem deixar de relevar apenas enquanto valores jurídico-penalmente protegidos, nessa veste e medida) aqueles instrumentos ou produto que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objectos perigosos.
Com base no critério apontado parece de afastar - porque desprovida de fundamento legal -, por exemplo, a perda da caneta com que foi falsificado um documento, ou do automóvel (ou da residência!) onde foi praticada uma violação. Mas já deverá ser declarada perdida a arma com que foi praticado o homicídio, os cunhos com que foi contrafeita moeda ou a própria moeda contrafeita. Questão é saber sob que ponto de vista deve ser avaliada a perigosidade referida: se sob o ponto de vista objectivo da coisa em si mesma considerada, ou antes sob o ponto de vista subjectivo, mais rigorosamente, sob o ponto de vista do relacionamento entre a coisa e um determinado sujeito.
O ponto de vista objectivo parece dever impor-se como ponto de partida. Não é fácil, com efeito, determinar com a indispensável clareza os critérios em função dos quais um objecto, em si insignificativo do ponto de vista da sua perigosidade, se torna em «objecto perigoso» em função da pessoa que o detém. O objecto mais anódino (um lençol, uma meia de seda, um lápis ou uma caneta; pode tornar-se em objecto hoc sensu «perigoso» quando detido por um indivíduo perigoso. Declarar a perda nestes casos, porém, significaria procurar atalhar a perigosidade do agente, não - como é finalidade do instituto - a perigosidade do objecto: para atalhar a perigosidade do agente dispõe a lei de outros recursos e de outros institutos que nada têm a ver com a perda dos instrumentos e dos producta sceleris. Em primeira linha, por conseguinte, deve ser a perigosidade do objecto em si mesmo considerado, independentemente da pessoa que o detém - o tratar-se de uma arma, de um explosivo, de moeda contrafeita ou de cunhos para a fabricar, etc. – que justificam a perspectiva político-criminal, a perda.
Sem prejuízo do que fica dito, a referida perigosidade do objecto não deve ser avaliada em abstracto, mas em concreto, isto é, nas concretas condições em que ele possa ser utilizado (às «circunstâncias do caso» se refere expressamente o art. 107 °-1). Um revólver, p. ex., é um objecto «em si» perigoso; mas que terá deixado de o ser se, após o tiro que constituiu meio de cometimento do ilícito-típico, a engrenagem tiver ficado danificada por forma irreparável. Esta conexão entre a perigosidade do objecto e as concretas circunstâncias do caso pode acabar por «implicar uma referência ao próprio agente» (ponto de vista subjectivo). Por exemplo, uma liga de um metal corrente, que qualquer pessoa possa deter, pode tornar-se em coisa perigosa se for detida por alguém conhecedor de uma fórmula que a transforme em substância explosiva. Esta «referência ao agente» não deixa, de resto, de apoiar a interpretação restritiva, feita no § 987, do disposto no art. 107.°-2».[1]
Isto é, a perda é uma espécie de medida de segurança, operando somente naqueles casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento, sendo, por conseguinte, fundamental a existência de um perigo típico, de repetição da prática de novos factos ilícitos, o qual não pode ser aferido em abstracto, sob pena de se colocar em causa o princípio constitucional da presunção de inocência. Sobretudo se o objecto nem sequer é propriedade do eventual autor do ilícito conexo ao instrumento, nem o proprietário deu qualquer contribuição para a prática de qualquer ilícito.
Ainda que se entenda, como refere o Exmº. Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer, que os quadros enquanto obra contrafeita, devam ser declarados perdidos por ser essa a única via para salvaguardar o princípio da legalidade e velar pela protecção da propriedade intelectual e impedir que ela possa no futuro ser transaccionada como se fosse uma obra autêntica, nesta perspectiva haverá que ponderar o critério de proporcionalidade entre a gravidade do crime e a configuração da intervenção do bem apreendido pois que está em causa a prevenção em qualquer uma das suas modalidades; porém, também aqui, no caso de a propriedade pertencer ao agente do crime, pois que, se o bem pertencer a um terceiro (como é o caso), não tem justificação o apelo a critérios de culpa, ou proporcionalidade, mas unicamente relevará a perigosidade evidenciada pelo bem. Esta é, precisamente a situação configurada no caso em análise. Ou seja, a perda de instrumentos visa responder à perigosidade da própria coisa e não à perigosidade do agente, pelo que devemos recorrer a juízos que nos façam concluir sobre a previsão razoável de que os objectos podem ser perigosos, pelo seu perigo imanente, à sua própria característica, ou pela ilícita renovação do uso. Dizendo de outro modo, a perigosidade do objecto tem de aferir-se por um ponto de vista objectivo, concreto, da coisa em si mesma considerada, mas atendendo às concretas condições em que pode ser utilizada para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Nesta vertente, o despacho recorrido não nos elucida já que nele não encontramos a suficiente e objectiva fundamentação no que respeita a estes requisitos.
Assim, e, neste ponto de apreciação do caso em concreto há que atender ao que consta dos relatórios periciais cujas conclusões foram resumidamente vertidas no despacho recorrido como: Em face da factualidade exposta supra e do teor do relatório pericial, cujo juízo técnico subjacente está subtraído à livre apreciação do tribunal ( artigo 163.º do CPP) conclui-se que as obras apreendidas e nas quais consta a identificação de «AA», não oferecem garantias de terem sido realizadas por AA.
Por outro lado, é patente dos autos que mesmo os peritos em pintura, não convergem de forma inequívoca sobre a questão da originalidade das obras em causa.
O recorrente é Escultor de profissão e docente na cadeira de Belas artes na sociedade Nacional de Belas Artes, desde 1977.
Neste circunstancialismo e pela natureza dos objectos, (repete-se, sobre cuja originalidade não  existe consenso pericial) faz sentido, em termos de proporcionalidade, a declaração de perda dos instrumentos?. Ou seja, haverá que sacrificar os direitos, liberdades e garantias em que consistem os princípios da proporcionalidade em relação aos fins obtidos, para a justa adequação, necessidade e prossecução dos fins visados pela lei e assim privar das suas obras o seu dono e apreciador qualificado (estamos a falar de alguém entendido em arte). Pensamos que não.
Concluimos assim do exposto que inexistem fundamentos inequívocos que possam atestar a perigosidade objectiva dos instrumentos ou das condições da sua utilização.
Concluímos portanto pela procedência do recurso com a consequente revogação do despacho recorrido.
III – DECISÃO.
Acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que declare a entrega dos quadros ao seu proprietário.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)
                                                                       
Lisboa, 10/09/2020
Maria do Carmo Ferreira
Cristina Branco

[1] Direito Penal, II “As consequências jurídicas do crime”- 613-620.