Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
62/19.7JBLSB.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCURSO APARENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: –Tendo os factos ocorrido entre Abril e Setembro de 2019, sendo que os atos respeitantes ao crime de violação tiveram lugar em Julho de 2019 (introdução do pénis na vagina da ofendida) e em 6/09/2019 (introdução dos dedos da mão e, logo a seguir, do pénis, na vagina da ofendida), a redação do artigo 164.º, do CP, que vigorava à data dos factos era a anterior à Lei n.º 101/2019, de 6/9, porquanto, esta lei apenas entrou em vigor no dia 1/10/2019.

–O atual n.º 1 do mesmo artigo 164.º, cuja redação foi introduzida pela aludida Lei n.º 101/2019, provém do anterior n.º 2, respeitando aos atos sexuais que tiverem lugar contra a vontade cognoscível da vítima, mediante constrangimento desta por outros meios diferentes da violência, ameaça grave, ter sido a vítima colocada em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir.

– Havendo violência, como é o caso dos autos – porquanto, resulta dos factos provados que o arguido, nos momentos que imediatamente antecederam a relação sexual, deu empurrões à vítima, desferiu socos, cotoveladas, pancadas no corpo, manteve-a imóvel, forçou-a a ter tais relações, para além de ter arremessado o telemóvel da ofendida contra a parede, partindo-o -, a situação é subsumível ao atual n.º 2, cuja redação é a do anterior n.º 1.

–Tendo o tribunal recorrido entendido que há um concurso aparente (subsidiariedade expressa) entre o crime de violência doméstica e o crime de violação agravada, punindo-se o arguido com a pena deste último, por ser a mais grave, o que acontecerá sempre que com o de violência doméstica concorrerem outros crimes puníveis com pena superior a 5 anos de prisão, o que fará com que a punição por algum destes crimes afaste a punição pelo crime de violência doméstica, nada temos a objetar a tal posição, nem ela é colocada em crise pelo recorrente.

Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:



I–Relatório:


1.–Sob acusação do Ministério Público, o arguido D. foi submetido a julgamento, em processo comum e perante tribunal coletivo, na Instância Central Criminal de Cascais (J3), Comarca de Lisboa Oeste.

No final, foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo (transcrição da parte relevante):
“Nestes termos, julga-se a acusação parcialmente procedente e provada, e, em consequência:
- Absolve-se o arguido D. da prática do crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°., nº.1, do Código Penal, que lhe vinha imputada.
- Sem custas neste parte (que se computa em ¼), por não serem devidas.
- Operando requalificação jurídica dos factos, condena-se o arguido D. , pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de violência doméstica, pp. pelo artº. 152º., nº.1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente, numa relação de subsidiariedade, com a pena aplicável ao apurado crime de violação, pp. pelo artº. 164º., nº.1, al. a), do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, efectiva.
- Condena-se o arguido D. no pagamento à ofendida RC da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação indemnizatória pelos danos não patrimoniais sofridos por esta, nos termos do artº-82º-A, do CPP, e no pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado desta decisão, até efectivo e integral pagamento.
- Condena-se, ainda, o arguido no pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa no montante de 4 UCs, nos termos do artº. 8º., nº. 5, do RCP e da tabela III anexa ao mesmo, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
…”

2.–Inconformado, o arguido D. recorreu daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
I.- O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Douto Acórdão proferido nos presentes autos.
II.-O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material na forma consumada de um crime de violência doméstica, pp. pelo artº.152º., nº.1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente, numa relação de subsidiariedade, com a pena aplicável ao apurado crime de violação, pp. pelo artº.164º., nº.1, al. a), do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, efectiva. 
III.-Mais se condenou o arguido D. ao pagamento à ofendida RC da quantia de €-10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação indemnizatória pelos danos não patrimoniais sofridos por esta, nos termos do artº 82º-A, do CPP, e no pagamento dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado desta.
IV.-O presente recurso tem como objeto toda a matéria do acórdão condenatório proferido nos presentes autos visando a alteração dos factos dados como provados, uma vez que, no entender do recorrente, foram dados como provados diversos factos que se encontram sem suporte na prova produzida e sobre os quais não pode ser aplicado meramente o princípio da livre apreciação da prova, sob pena de se dar como provados factos sobre os quais não foi in totum produzida qualquer prova.
V.-Resulta, igualmente da análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que se procedeu a uma errónea análise da respectiva prova.
VI.-Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorretamente e de forma pouco rigorosa factos que vieram a ser dados como provados, porquanto, em relação aos mesmos não foi produzida prova, conforme acima demonstrado no argumentário da análise crítica da prova testemunhal, nomeadamente das declarações para memória futura da ofendida. 
VII.-Ou seja; dúvidas subsistem que os bens jurídicos protegidos e tutelados pelo Direito, como a autonomia e a autodeterminação sexual da ofendida, enquanto projeção da sua liberdade individual e respeito pela sua vontade, tenham sido objectivamente violados e ofendidos pela actuação do arguido, por remissão ao depoimento da ofendida na descrição das circunstâncias de tempo, modo e lugar dessa actuação. 
VIII.-O principio «in Dúbio pro reo» pretende garantir, a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos de facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligencia do seu autor", Cristina Líbano Monteiro" perigosidade de inimputáveis e «in dúbio pro reo», Universidade de Coimbra Editora, 1997, p.11
IX.-Da lista de factos considerados provados não detetamos um único que com toda a segurança demonstra o preenchimento dos elementos dos crimes em que o arguido foi condenado.  
X.-Aliás, parte da fundamentação do acórdão ora objeto de recurso na realidade não se estriba em factos dados como provados, 
XI.-É, salvo o devido respeito, antes consequência de uma construção, aparentemente, lógica dedutiva desfasada quanto à factualidade apurada.
XII.-Assim o tribunal a quo decidiu tendo como base factos, que para além de não totalmente provados, não foram escalpelizados de molde a servir de suporte probatório à Douto decisão.   
XIII.-É, assim, evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
XIV.-Estamos, sem dúvida, perante a violação do principio "in dúbio pro reo", segundo o qual o juiz deve decidir "sobre toda a matéria que não o seja afetada pela dúvida" de forma que quanto aos factos duvidosos, o principio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório, Cristina Líbano Monteiro, "perigosidade de inimputáveis …"p 54.
XV.-O arguido recorrente foi condenado pela prática, em autoria material na forma consumada de um crime de violência doméstica, pp. pelo artº. 152º., nº.1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente, numa relação de subsidiariedade, com a pena aplicável ao apurado crime de violação, pp. pelo artº.164º., nº.1, al. a), do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, efectiva. 
XVI.-O crime de violência doméstica na forma consumada, p.p pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) dispõe: 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a)- Ao cônjuge ou ex-cônjuge; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
XVII.-O arguido veio a ser condenado pelo crime de violência doméstica p.p pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) a que corresponde a moldura penal de um a cinco anos de prisão, e em concurso aparente, numa relação de subsidiariedade expressa, num crime de violação p.p pelo artigo 164.º n.º 1 alínea a), dispondo este último;
XVIII.-Ou seja; tendo-se apurado a prática de um crime de violação a que corresponde uma pena mais grave (de um a seis anos de prisão), o crime de violência doméstica cometido pelo arguido é punido com a pena aplicável ao crime de violação.
XIX.-Ocorrendo factos integradores do crime de violência doméstica e de violação, entre cônjuges (e ou equiparado a cônjuges) e, apesar dos factos integradores deste último revestirem autonomia, o certo é que a lei, cfr. artigo 152.º/1 C Penal, quis expressamente e criou uma relação de subsidiariedade entre ambos, devendo o agente ser punido, pela globalidade dos factos, apenas pelo crime de violação, por ser o mais grave.
XX.-Não contestando a relação de subsidiariedade entre os dois crimes, o certo é que o Douto Tribunal a quo veio a condenar o arguido na pena de cinco anos e seis meses de prisão, tendo por referência o critério ínsito no normativo legal – artigo 164.º n.º 2, alínea b) do Código Penal, onde a moldura penal aplicável é de 3 anos a 10 anos de prisão, para o crime de violação na forma agravada: 
XXI.-Ora, a medida concreta da pena que o Tribunal a quo veio a encontrar in casu, fez-se com base numa moldura penal abstracta diversa da que é imputada ao arguido, por um lado, e pela condenação, por outro (de 1 ano a 6 anos de prisão), porque mais elevada (de 3 anos a 10 anos de prisão) nos seus limites mínimos e máximos.
XXII.-E, se bem sufragamos o entendimento que ao Tribunal Superior cabe a sindicância da decisão da determinação da medida da pena, pelo Tribunal a quo, quanto aos seus procedimentos e factores relevantes/irrelevantes, a título de exemplo, bem como, quanto à forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, todavia, já não o pode fazer relativamente ao quantum exacto das penas que ao legislador coube definir.  
XXIII.-A medida que veio a ser encontrada de cinco anos e seis meses de prisão, pelo Douto Tribunal a quo, ainda que, subsumida ao critério do artigo 70.º - critério da escolha da pena e artigo 71.º - Determinação da medida da pena, ambos do Código Penal, teve como matriz uma moldura penal abstracta diversa e excessiva, ao crime em apreço, vedando desde logo ao julgador aferir da possibilidade da aplicação do Instituto da suspensão da pena de prisão efectiva na sua execução, o que in casu e pelas razões acima aduzidas ficou excluída, pelo facto do arguido vir a ser condenado por pena de prisão efectiva superior a cinco anos.
XXIV.-Ora, para estabelecer o equilíbrio entre as circunstâncias agravantes e atenuantes, designadamente, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, as condições do arguido, pessoais, sociais, profissionais e económicas, as exigências de prevenção geral e especial face à moldura penal aplicável, poderia admitir-se no contexto do artigo 50.º do Código Penal a eventual suspensão da sua execução, bastaria para tanto, graduar a pena de prisão para os cinco anos de prisão, tendo como moldura penal abstracta pelo crime pelo qual o arguido veio a ser condenado, vir a ser fixada entre o mínimo de 1 ( um ) ano e 6 ( seis) anos de prisão.
XXV.-A nível infraconstitucional e em sede de processo penal, o dever de fundamentação, enquanto princípio geral, encontra-se previsto no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal.
XXVI.-Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 
XXVII.-Por seu turno, dispõe o art. 379º, nº 1, a) do mesmo código, na parte que para o caso releva, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do art. 374º do mesmo código. 
XXVIII.-Em suma, o acórdão em crise observou o disposto no art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal?, sendo que na negativa, o Acórdão é nulo por violação das menções referidas no art. 374.º do mesmo diploma. 
Sem prescindir,
XXIX.-Sopesando o critério lógico-dedutivo e as regras de experiência comum, entende a defesa que estas circunstâncias valorativas não foram devidamente interpretadas de acordo com o normativo legal, uma vez que o julgador se baseou num juízo de prognose desfavorável ao arguido, consolidando, como já foi dito, tal juízo, numa reconstrução factual exígua, donde não resulta totalmente explícito e insofismável o cometimento/participação do arguido, nos crimes pelos quais foi condenado.
XXX.-O juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos. 
XXXI.-Segundo o relatório social do arguido; nos últimos anos parece à DGRSP ter invertido os comportamentos socialmente desajustados, pelo que actualmente apresenta sobretudo um conjunto de factores de protecção – padrão de comportamento aparentemente ajustado socialmente, competências escolares e hábitos laborais e um ambiente familiar normativo e estruturado. 
XXXII.-Para além de que, o Código Penal traça um sistema punitivo, tendo como corolário filosófico de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador, sem esquecer as finalidades de prevenção geral e especial. 
XXXIII.-E, são as necessidades de prevenção especial de socialização do arguido que prevalecem sobre a escolha da pena a aplicar. 
XXXIV.-Equilibrando o conteúdo pedagógico e reeducador das penas, cremos ajustar-se ao caso concreto, o recurso ao instituto da suspensão da pena a aplicar ao arguido regulada no artigo 50.º do C.P., sujeita a regime de prova.

Nestes termos, deve ser revogado o douto acórdão proferido e fixada pena concreta em medida mais benéfica para o arguido, e que se situe numa medida não privativa da sua liberdade, através da aplicação do Instituto de suspensão de medida privativa da liberdade, na sua execução.
 
3.–Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:

1.-Parecendo resultar das conclusões XXV a XXVII menção ao dever de fundamentação da decisão e à nulidade da mesma, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, cumpre atender a que do douto acórdão recorrido consta a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, tudo em conformidade com o disposto no art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
2.-Aliás, a decisão recorrida evidencia um raciocínio lógico que permite a completa restituição dos procedimentos que presidiram à solução encontrada e determinou que certos factos fossem dados como provados, tendo sido feita uma análise crítica dos depoimentos e dos outros meios de prova, de modo a formar a convicção do tribunal, a qual foi formada com base na valoração lógica e racional da prova produzida, segundo o bem senso e as regras normais da experiência comum, e preenchendo a factualidade a solução de direito adoptada, pelo que não se verificando padecer de qualquer vício.
3.-O que o recorrente realmente pretende é pôr em crise a livre convicção do tribunal, que levou a que se tivesse convencido da credibilidade de determinados meios de prova, em contrário à versão apresentada pelo próprio.
4.-Com efeito, o tribunal deverá formar a sua convicção relativamente à factualidade apurada com base na prova pericial, documental e testemunhal, em regra produzida em audiência de julgamento, com observância do disposto nos art.ºs 355.º e 129.º do Código de Processo Penal, e segundo a regra da livre apreciação da prova vertida no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
5.-O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
6.-No caso concreto, atenta toda a determinante prova produzida e que fundamentou a decisão da matéria de facto provada, extensamente explicitada na motivação do acórdão recorrido quanto à decisão da matéria de facto, não assistem quaisquer dúvidas, como não assistiram, correctamente, ao tribunal a quo, quanto à veracidade dos factos dados como provados, impondo-se a condenação do ora recorrente.
7.-Quanto à qualificação jurídica, da factualidade provada verifica-se que estão preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de violência doméstica, quer a título objectivo, quer subjectivo, na forma consumada.
8.-Como, de resto, o recorrente admite, o tribunal a quo considerou que tal crime integra, em concurso aparente, os factos atinentes aos crimes de injúria, ofensa à integridade física, dano, violação e rapto (este último tendo em conta a alteração da qualificação jurídica comunicada na última sessão da audiência de discussão e julgamento).
9.-No caso em apreço, como bem se explicita no acórdão recorrido, tendo-se apurado a prática de crime de violação, previsto e punível pelo art.º 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com pena de 1 a 6 anos de prisão - afigurando-se como mero lapso de escrita a menção a pena abstracta de 3 anos a 10 anos de prisão que consta do texto do acórdão -, em relação de subsidiariedade expressa com o crime de violência doméstica, mais tendo em conta o disposto no art.º 152.º, n.º 1, in fine, do Código Penal, será aplicável a pena abstracta prevista para o crime de violação, por ser a mais alta das penas dos mencionados crimes em apreço.
10.-No que concerne à medida da pena aplicada ao ora recorrente, não se revela a mesma excessivamente severa, não se verificando qualquer violação dos art.ºs 40.º, 42.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, e revelando-se, antes, ser a decisão justa, adequada às necessidades de prevenção em causa, e suficiente às finalidades da punição, bem como às finalidades de reinserção social do arguido, devendo ser mantida a pena aplicada ao arguido recorrente.
11.-Em face de tudo o que foi referenciado, o douto acórdão não padece de irregularidades ou ilegalidades, tendo sido proferida a decisão correcta quanto ao ora recorrente, pelo que deve ser mantido in totum, afigurando-se não dever ser dado provimento ao recurso do arguido e manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

4.–Subidos os autos, nesta Relação de Lisboa o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu, ao abrigo do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o seguinte douto parecer:
« … acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, pugna-se, igualmente, pela improcedência do recurso e a subsequente manutenção da decisão do acórdão recorrido».

5.–Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente nada acrescentou.

6.–Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mencionado Código e teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

***

II.–Fundamentação:

1.-Perante as conclusões formuladas pelo recorrente e que acima transcrevemos na íntegra - as quais, como tem sido recorrentemente afirmado, delimitam e fixam o objeto do recurso -, aquele impugna a decisão quanto aos factos e ao direito, invocando a existência de nulidade por falta de fundamentação, insuficiência da matéria de facto para a decisão, erro na análise da prova, violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo e ainda que houve erro na aplicação do direito quanto à escolha da moldura penal abstrata correspondente ao crime cometido, à escolha concreta da pena e à suspensão da sua execução.

***

2.-Vejamos o teor da decisão recorrida no que concerne à matéria de facto provada e não provada e correspondente motivação (transcrição da sentença, na parte respectiva):

«FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1-O arguido e RC iniciaram um relacionamento amoroso em Novembro de 2018. 
2-Em meados de Abril de 2019, na sequência de uma discussão, e porque RC bloqueou o arguido na rede de conversação "WhatsApp", este insistiu para que aquela desbloqueasse o aparelho. 
3-Em meados de Junho de 2019, RC decidiu terminar o relacionamento com o arguido, uma vez que o mesmo mantinha uma relação amorosa com outra pessoa. 
4-Apesar de separados, o arguido e RC continuaram a manter contacto. 
5-Após, em meados de Julho de 2019, o arguido avistou RC no Centro Comercial Allegro Alfragide, concelho de Oeiras, acompanhada de um indivíduo do sexo masculino. 
6-O arguido seguiu RC até ao estacionamento do local, retirou-lhe o telemóvel e exigiu que a mesma entrasse na sua viatura automóvel, empurrando-a.
7-De seguida, o arguido desferiu vários socos e cotoveladas na zona da cabeça e no corpo de RC, agarrando a sua mão para que desbloqueasse o código (apondo impressão digital) do telemóvel. 
8-Após, o arguido conduziu a viatura automóvel para Algés, junto ao rio, e exigiu novamente a RC que desbloqueasse o telemóvel, desferindo-lhe pancadas pelo corpo. 
9-O arguido conduziu então a sua viatura automóvel para Carnaxide, para um local ermo, e disse a RC que queria manter relações sexuais com esta. 
10-Como RC recusou, o arguido empurrou o assento da ofendida para trás e deitou o banco, colocou-se em cima desta, desapertou-lhe as calças, enquanto a mantinha imóvel, e introduziu o seu pénis na vagina desta, vindo a ejacular. 
11-Após, o arguido levou RC a casa. 
12-Como RC começou a trabalhar numa mercearia junto à residência do arguido, este passou a dar-lhe boleia quase diariamente e, numa ocasião, em data que não se conseguiu concretamente apurar, mas situada em Agosto de 2019, voltou a retirar o telemóvel daquela, exigiu-lhe que desbloqueasse o aparelho e desferiu-lhe vários socos e cotoveladas. 
13-Devido ao comportamento do arguido, RC deixou de trabalhar na mercearia em 1/09/2019. 
14-Nesse dia, o arguido deixou RC em Carnaxide e retirou-lhe novamente o telemóvel, verificando que a mesma estaria a falar com um indivíduo identificado por "L. ".
15-No dia 06/09/2019, o arguido foi ao encontro de RC em casa desta, exigiu saber que tipo de relacionamento mantinha com L. , empurrou-a para cima da cama e forçou-a a manter actos de natureza sexual, introduzindo os seus dedos na vagina desta. 
16-De seguida, retirou-lhe o telemóvel, que arremessou contra a parede, partindo-o e colocou-se sobre RC, enquanto dizia: "é isto que se faz com as putas", momento em que a despiu e introduziu o seu pénis na vagina daquela. 
17-Após, o arguido levantou-se e cuspiu na direcção da ofendida.
18-No dia 8/10/2019, o arguido abordou RC junto à residência desta e disse-lhe: "pensavas que não me ias ver mais", empurrando-a para o interior da sua viatura automóvel. 
19-O arguido conduziu então a sua viatura automóvel, passou por L., que aguardava a ofendida, e parou num parque de estacionamento do Jamor, questionando aquela sobre a sua relação com o referido indivíduo.
20-Então, o arguido foi à bagageira do automóvel buscar uma tesoura e, fazendo uso desse objecto, cortou o cartão bancário e documentos pessoais de RC, enquanto dizia: "começa a falar, começa a falar, porque é que estás com ele, dão-te dinheiro, vamos acabar com esse cabelo".
21-Acto contínuo, o arguido começou a cortar o cabelo de RC, atingindo esta na zona do polegar com a tesoura, assim lhe provocando uma ferida. 
22-O arguido retirou-lhe o telemóvel e os referidos documentos.
22A-Como RC conseguiu gritar por ajuda, o arguido colocou-se em fuga.
23-RC permaneceu, antes de o arguido fugir, cerca de 30 minutos no interior do veículo automóvel, contra a sua vontade. 
24-No dia 13/11/2019, foram encontrados na posse do arguido, no interior da sua residência, sita na Rua ..., em Caxias, os seguintes objectos, que lhe pertenciam:
-01 (uma) faca com 15 cm de comprimento, com punho em material sintético a imitar osso e pomo em ferro, acondicionada numa bainha improvisada com fita isoladora, de cor preta; 
-20 (vinte) munições de arma de fogo, de calibre 09 mm, próprios para armas de fogo com canos de alma lisa; 
-01 (um) invólucro/cartucho já deflagrado, de cor azul, compatível com as munições especificadas no ponto precedente;
- 01 (um) Tablet, da marca HUAWEY, modelo AGS2-W09, com o número de série U8BBBI9119151373, de cor preta, acondicionado numa capa protectora, própria para dispositivo Tablet, de cor igualmente preta, da marca “PURO”. 
25-Nesse mesmo dia, no interior do veículo automóvel marca Renault Clio, de matricula XX-XX-XX, pertencente ao arguido, e que se encontrava estacionado junto à residência deste, foi encontrado na sua posse:
-01 (uma) faca, com 12 centímetros de comprimento, da marca IVO, de fabrico nacional, com o punho em material sintético de cor vermelha, acondicionado numa bainha improvisada com fita isoladora, de cor preta;
- 01 (uma) chave em metal, com comando eletrónico, da marca Volkswagen, e com um autocolante que contém a inscrição manuscrita da matrícula .... 
26- Nestas ocasiões e em todas as outras que RC teve de suportar, agiu o arguido com intuito de molestar física e psicologicamente a sua ex-namorada, causar-lhe as lesões verificadas, atemorizá-la, diminuir a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si proferidas são adequadas a causar medo e inquietação de que pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física, como efectivamente causaram, e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação. 
27-Quis ainda o arguido manter relações sexuais com a ofendida, contra a vontade desta, fazendo uso da força e intimidando-a para assim levar avante os seus intentos, o que conseguiu. 
28-Agiu ainda o arguido com o intuito de forçar a sua ex-namorada a permanecer no interior do veículo automóvel, naquele local e na sua companhia, o que bem sabia não corresponder à vontade da mesma, bem sabendo que empregava, contra ela, violência física e ameaça, querendo agir desse modo. 
29-Mais quis retirar à ofendida os objectos mencionados em 22) supra, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade daquela.
30-Agiu sempre o arguido de forma livre e deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei. 

Mais se provou que:
D. em contexto de entrevista, apresentou uma postura colaborante com a DGRSP e facultou-lhe os elementos necessários à elaboração do relatório social.
O seu processo de desenvolvimento e sociabilização decorreu junto do agregado de origem, composto pelos progenitores e dois irmãos germanos, um dos quais faleceu aos catorze anos de idade.
A dinâmica familiar foi pautada pelos abusos físicos perpetrados pelo progenitor do arguido sobre o cônjuge.
A progenitora do arguido foi descrita por este como afectuosa, atenta e preocupada com a transmissão de valores e regras prossociais aos descendentes.
A nível económico o agregado subsistia com constrangimentos no domínio da satisfação das necessidades básicas, através do rendimento proveniente do exercício da atividade profissionais do progenitor na Câmara Municipal de Oeiras.
Os progenitores separaram-se quando o arguido tinha cerca de dezoito anos, tendo a família permanecido em situação de precariedade económica num bairro de realojamento social.
No período da adolescência D. revelou desmotivação para estudar, privilegiando o convívio com os amigos. 
Após um período em que abandonou os estudos, veio a completar o 12º ano de escolaridade através do programa RVCC.
Em termos de percurso laboral o arguido desempenhou atividades na área de segurança privada, na empresa “Tabaqueira” e como operador de máquinas.
Desempenhou ainda atividades indiferenciadas, sendo o seu percurso laboral caracterizado pela mobilidade profissional.
Interrompeu a atividade laboral devido a ter sido incorporado no Exército, onde permaneceu seis meses.
Foram referidos períodos posteriores de desemprego, contudo, de curta duração.
A nível afectivo relata uma relação de namoro com SP há cerca de catorze anos, sendo descrita pelo casal como estável e gratificante, não obstante a situação de infidelidade ligada à relação com a vítima dos presentes autos. 
No que respeita a esta situação a namorada SP referiu à DGRSP que a mesma está ultrapassada e que apoia o arguido incondicionalmente. 
O arguido tem um filho de dezanove anos de idade, fruto de uma anterior relação, com o qual mantém laços afectivos.
No que respeita à situação de saúde do arguido não foram referidos problemas.
Na área social convivia com a namorada, familiares e um grupo de pares, alegadamente normativos.
Dedicava parte do seu tempo à prática de futebol, frequentando ainda um ginásio na cidade de Lisboa.
Relativamente às suas características pessoais o arguido foi descrito pelas fontes da DGRSP como um indivíduo trabalhador, sociável, tranquilo e assertivo. 
Todavia em relatório social elaborado em 2014 foi caracterizado como possuindo traços de personalidade impulsivos, com dificuldades ao nível do autocontrolo, tendo referido à técnica que elaborou esse relatório: “fervo em pouca água”.
Confrontado pala DGRSP com estas características da sua personalidade, o arguido salientou que se tornou uma pessoa muito mais tranquila, tendo adquirido maiores competências de resolução de conflitos.
Regista anteriores contactos com o sistema de justiça, relacionados com a sua imaturidade e convívio com pares com comportamentos criminais.
À data da privação de liberdade, o arguido encontrava-se integrado no agregado de origem constituído pelo próprio, progenitora e um sobrinho de dezassete anos de idade. 
A família mantinha-se a residir em Caxias numa habitação social T3, pela qual pagam cerca de vinte e euros. 
A progenitora encontra-se desempregada há cerca de dois anos, beneficiando de apoios estatais e o arguido trabalhava como motorista de turismo de forma regular.
O sobrinho recebe abono de família no valor de setenta euros a que se soma uma pensão de alimentos decidida por Tribunal, no valor de cento e quarenta euros.
Neste contexto a família não vivia com constrangimentos financeiros relevantes, situação que foi alterada com a prisão do arguido, tendo a progenitora do arguido relatado que estará a passar por uma situação económica difícil, tendo em conta que o arguido seria o principal sustento da família.
No domínio afectivo continuava a manter a relação de namoro com a aludida S..., estando o casal a projetar a sua autonomização dos respetivos agregados familiares, pelo que essa namorada está em vias de contratualizar o arrendamento de um apartamento. 
Aquela trabalha como esteticista, auferindo cerca de mil euros mensais a que se somam comissões, pelo que segundo relatou, até o arguido conseguir autonomia financeira, poderá financiar as despesas de ambos.
D. denota vinculação afectiva com a progenitora, filho, sobrinho e namorada S..., sendo o relacionamento entre os diversos membros pautado por laços de união e interajuda. 
A dinâmica familiar aparenta ser funcional e estruturada, demonstrando a progenitora e dita namorada grande preocupação pela actual situação do arguido.
Em termos pessoais D. aparenta ser um indivíduo com capacidade de avaliar as situações em que se envolve, contudo, denota lacunas ao nível da capacidade para antecipar as consequências do seu comportamento. 
Revela ainda aptidões ao nível da comunicação e interação com o outro, apresentando um discurso fácil e coerente. 
Pese embora verbalize crítica face à tipologia criminal em apreço, demarca-se de responsabilidades face ao crime de que vem acusado.
D. encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional instalado junto à Policia Judiciária de Lisboa, encontrando-se à ordem dos presentes autos, não lhe sendo conhecidos processos pendentes.
O arguido tem consciência da gravidade da situação processual em que se encontra envolvido, contudo, não receia o desfecho do processo.
A nível institucional o seu comportamento é isento de reparos, não está inserido em ocupação laboral devido à sua situação jurídico-penal. 
Mantém contacto regular com a família e namorada S....
Referiu como impacto negativo o facto de ter perdido o posto de trabalho, considerando, no entanto, que não terá dificuldade em voltar a inserir-se no mercado de trabalho.
O processo de sociabilização do arguido decorreu no agregado da família de origem, que veio a desestruturar-se durante a adolescência de DS.... 
Inserido no agregado familiar da mãe, desenvolveu-se com referências normativas e alguma motivação para a aquisição de competências de valorização pessoal e profissional.
D. regista no seu percurso vivencial contactos com o sistema judicial, relacionadas com a imaturidade e com fraca capacidade de antecipar e prever as consequências dos seus atos.
Nos últimos anos parece à DGRSP ter invertido os comportamentos socialmente desajustados, pelo que actualmente apresenta sobretudo um conjunto de factores de protecção – padrão de comportamento aparentemente ajustado socialmente, competências escolares e hábitos laborais e um ambiente familiar normativo e estruturado.
D. revela capacidade para entender o bem jurídico em causa, contudo não se revê na acusação de que é alvo, pelo que, caso seja condenado no presente processo, a DGRSP considera importante que se promova junto do mesmo uma intervenção técnica com ênfase na consciencialização da gravidade e consequências negativas do seu comportamento, no sentido de prevenir a reincidência.

O arguido já foi condenado:
1-No P. 108/00, por factos de 20/3/2000, sentença de 1/10/2001, transitada, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, pp. no artº. 3º., nº.1, do DL 2/98, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 600 escudos, perfazendo multa de 36.000 escudos; tal pena foi declarada extinta pelo pagamento por decisão de 10/4/2002; 
2-No P. 541/99, por factos de 7/3/1999, sentença de 3/2002, transitada em 20/3/2002, pela prática de crime de ofensa simples à integridade física, pp. no artº. 143º., do CP, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 4€, perfazendo multa de 600€; tal pena foi declarada extinta por prescrição, com efeitos reportados a 11/1/2010;
3-No P. 289/03, por factos de 8/4/2003, sentença de 3/2004, transitada em 19/4/2004, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, pp. no artº. 3º., nº. 2, do DL 2/98, e de um crime de desobediência, pp. no artº. 348º., do CP, na pena única de 179 dias de multa, à taxa diária de 3€; tal pena foi declarada extinta pelo pagamento por decisão de 14/9/2007;
4-No P. 623/05, por factos de 29/1/2005, sentença de 5/2008, transitada em 16/6/2008, pela prática de crime de ameaça e outro de ofensa simples à integridade física, pps nos artºs.143º e 153º., do CP, na pena única de 45 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 225€; tal pena foi declarada extinta pelo pagamento com efeitos reportados a 30/4/2009;
5-No P. 982/12, por factos de 29/9/2012, sentença de 10/2012, transitada em 22/10/2012, pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, pp. no artº. 292º., do CP, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 200€ e em inibição de conduzir por 3 meses; esta pena acessória foi declarada extinta pelo cumprimento com efeitos reportados a 1/3/2013; a pena de multa foi, por decisão de 24/2/2015, substituída por 40 horas de trabalho a favor da comunidade; esta pena veio a ser declarada extinta, pelo pagamento da pena de multa originária, com efeitos reportados a 26/8/2016; e
6-No P. 343/10, por factos de 22/9/2010, sentença de 10/2014, transitada em 24/11/2014, pela prática de crime de detenção de arma proibida, pp. no artº. 86º., nº. 1,als. c) e d), do RJAM, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 7€, perfazendo 2.100,00€; esta pena de multa foi, por decisão de 12/2/2015, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade; esta pena veio a ser declarada extinta, pelo cumprimento, com efeitos reportados a 21/8/2017;

O arguido nasceu em 1980.

Provou-se ainda que:
O arguido em audiência admitiu parte da factualidade imputada, mas negou a generalidade da factualidade imputada.
Do imputado supra apurado resultou na ofendida medo do arguido, humilhação e dores.
A mesma temeu pela sua integridade física e sentiu-se envergonhada.
O arguido em sede de declarações finais disse ter cometido dois erros: ter traído a sua namorada (S...) e ter-se envolvido com a ofendida.

*

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou qualquer outro facto relevante para a decisão da causa, para além ou em contrário dos supra vertidos, nomeadamente os demais imputados ou aventados em audiência, como que a ofendida fosse excompanheira do arguido; que o arguido tenha querido fazer seus os objectos que retirou à ofendida mencionados supra em 22); que o arguido não tenha praticado os factos imputados; e as demais condições pessoais do arguido.

*

MOTIVAÇÃO:
 
(…)

***

3.– Conhecendo do objecto do recurso:

3.1.-Não se detectam nulidades de que cumpra neste momento conhecer, nomeadamente do acórdão (artigo 379.º, n.º 1, do CPP), apesar do invocado pelo recorrente nas conclusões 25 a 28.
Sem afirmar a existência de nulidade, aquele pergunta se «o acórdão em crise observou o disposto no art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal?», acrescentando logo em seguida que, em caso de resposta negativa, «o Acórdão é nulo por violação das menções referidas no art. 374.º do mesmo diploma».
Todavia, a decisão impugnada respeita todos os requisitos exigidos pelo aludido artigo 374.º, do CPP, nomeadamente os constantes dos números 2 e 3, contendo a enumeração dos factos provados e não provados, a indicação das provas que serviram para formar a convicção do julgador e correspondente exame crítico, dessas mesmas provas, bem como uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, fazendo a subsunção jurídica dos factos provados com menção expressa das normas legais aplicáveis, determinando a pena a aplicar ao arguido pelos factos ilícitos cometidos e demais consequências, contendo, pois, decisão condenatória quanto a determinados crimes e absolutória quanto a outro dos que vinham imputados ao arguido.
Pelo que, não falta nenhum dos elementos cuja omissão poderia eventualmente traduzir a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1 al. a), do CPP, assim como não se verifica nenhuma das situações previstas nas demais alíneas b) e c) do mesmo normativo.

3.2.-O acórdão recorrido também não padece de qualquer vício dos previstos no art. 410.º, n.º 2, do referido Código, seja do referido pelo recorrente nas conclusões 9 a 13 – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -, seja de qualquer um dos demais referidos nas alíneas b) - contradição insanável - e c) - erro notório na apreciação da prova -, do mesmo artigo, numa apreciação oficiosa destes.

A invocação do aludido vício assenta na seguinte alegação:
«- Da lista de factos considerados provados não detetamos um único que com toda a segurança demonstra o preenchimento dos elementos dos crimes em que o arguido foi condenado.  
- Aliás, parte da fundamentação do acórdão ora objeto de recurso na realidade não se estriba em factos dados como provados, 
- É, salvo o devido respeito, antes consequência de uma construção, aparentemente, lógica dedutiva desfasada quanto à factualidade apurada.
- Assim o tribunal a quo decidiu tendo como base factos, que para além de não totalmente provados, não foram escalpelizados de molde a servir de suporte probatório à Douto decisão.   
- É, assim, evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. »

Para que se verifique o invocado vício da alínea a) da norma atrás mencionada, «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» (Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 339 in fine e 340). Ou seja, há “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contêm, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

Tal como os demais, tem o aludido vício de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, e «só existe quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada».

Tributário do princípio acusatório, tem aquele de ser aferido em função do objeto do processo (Ac. da Rel. do Porto de 26/5/1993, proferido no Proc. nº 9350062 in htpp//www.dgsi.pt), traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia. Isto significa que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará o mesmo.

Porém, aquele não se confunde «com a eventual omissão de apuramento de factos ou circunstâncias que seriam suscetíveis de conferir à decisão um sinal ou sentido diferente; nessa hipótese, a decisão não assenta em matéria fáctica deficitária, insuficiente para a suportar, mas podia ser outra se não tivesse havido omissão de investigação de alguns dos vários factos suscetíveis de concorrer para a correta decisão da questão» (Ac. da Rel. do Porto de 10/12/1997, proferido no Proc. nº 9610493 (cujo sumário pode ser consultado no site htpp//www.dgsi.pt)..

Em suma, tal vício só existe quando o tribunal se vê perante a impossibilidade de decidir, porque a matéria de facto provada é tão escassa que o não permite, situação que nada tem a ver com a insuficiência da prova produzida – a qual poderá justificar a impugnação dos factos provados -, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito, caso em que também poderá haver erro, todavia este respeitará à qualificação jurídica daqueles mesmos factos e conduzirá à não verificação do crime e consequente absolvição, caso aqueles sejam insuficientes para o preenchimento dos respetivos requisitos típicos, contrariamente aos vícios da decisão, que conduzem ao reenvio do processo para novo julgamento se não puderem ser supridos pelo tribunal de recurso.

No presente caso, os factos declarados provados mostram-se, porém, suficientes para que uma decisão seja proferida, não sendo apontados pelo recorrente quaisquer outros, diferentes dos alegados e daqueles que foram apreciados pelo tribunal, que possam ser reputados como essenciais à decisão da causa e que tenham sido esquecidos pelo tribunal na investigação que realizou, com vista à descoberta da verdade material.

Conclui-se, pois, pela não verificação do invocado vício, ou de qualquer outro dos expressamente previstos na norma em causa. 

3.3.–Passemos, pois, à questão subsequente de entre as suscitadas pelo recorrente, que é a impugnação dos factos provados.
Subscrevemos, nesta matéria, o afirmado no Acórdão de 15/07/2014, proferido no Proc. 290/97.4 GGSNT.L1-5, deste Tribunal e Secção, no sentido de que «o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430°), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento».

Vigora em processo penal o “princípio da livre apreciação da prova”, significando que esta «… é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» (art. 127.º), razão pela qual, caberá ao tribunal de recurso, essencialmente, verificar se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do supra mencionado princípio, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar ao veredicto de facto, sendo que, tal apreciação deverá ter por base a motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação daquela que foi a sua opção, ao dar cumprimento ao disposto o art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Não se vislumbra que a apreciação da prova, no presente caso, tenha infringido as regras da experiência, pois, nenhum dos factos provados, de per si ou no conjunto da matéria de facto que foi fixada pelo tribunal a quo, viola tais regras.

Tem sido recorrentemente afirmado que a garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude aquele primeiro normativo processual penal terá de bastar-se com a necessária explicitação objetiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efetuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.

Sendo certo que convicção livre não é, nem pode equivaler, a livre arbítrio na formação dessa convicção, antes terá de ser o reflexo de uma apreciação objetiva das provas produzidas, permitindo um controle por parte dos interessados e do tribunal de recurso, é manifesto que o presente caso não revela qualquer arbítrio ou discricionariedade na análise da prova, tendo sido respeitados os princípios atinentes.

Não podemos esquecer também que, na apreciação da prova, intervém sempre uma componente subjectiva, com especial relevância no que concerne à credibilidade da prova pessoal, a qual será bem melhor aferida pelo tribunal de primeira instância, por força da imediação na sua produção, do que pelo tribunal de recurso, onde falta tal imediação.

Por força dessa condicionante (e não só), a censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar, “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”, conforme salientado pelo Tribunal Constitucional no seu Ac. n.º 198/2004, DR II série, de 2/6/2004 (cuja jurisprudência tem sido seguida pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente, por esta Relação de Lisboa – cfr. Acórdão de 7/11/2007, Proc. 4748/07).

A reapreciação da prova, dentro de tais parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, não podendo essa alteração ter lugar quando apenas permitam, mas não imponham, uma decisão diferente da proferida. Porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada, apresentando-se como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, aquela deve prevalecer, na medida em que, não ocorrerá, nesse caso, erro de valoração ou violação das regras e/ou princípios de direito probatório.

Por outro lado, a lei impõe ao recorrente determinados ónus de especificação em sede de recurso da matéria de facto, que decorrem do disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, por força do qual, aquele deverá indicar:
-os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
-as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
-as provas que devem ser renovadas (se for caso disso);
-as concretas passagens das gravações da prova oralmente prestada em audiência, por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, do CPP.

Alega o recorrente que o tribunal errou na análise da prova, «julgou incorretamente e de forma pouco rigorosa factos que vieram a ser dados como provados, porquanto, em relação aos mesmos não foi produzida prova, conforme acima demonstrado no argumentário da análise crítica da prova testemunhal, nomeadamente das declarações para memória futura da ofendida», invocando ainda os princípios da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo.

A verdade é que, o recurso em matéria de facto não se pode limitar a uma simples negação do afirmado na decisão. O recorrente tem o ónus de demonstrar que os dados objectivos que se apontam na convicção não existem, que o conteúdo das provas não corresponde ao que foi apreendido pelo julgador, ou que houve violação das regras de aquisição ou de produção de algum meio de prova, de que resulte a proibição da sua valoração.

In casu, não foi produzido nenhum meio de prova que possa considerar-se proibido. Também não se demonstra que o teor das declarações e depoimentos não corresponda ao conteúdo que nos é dado a conhecer na motivação da decisão de facto. Aliás, nesta é transcrito quase integralmente o depoimento prestado pela ofendida em declarações para memória futura, dele se extraindo que esta corrobora a factualidade que foi declarada como provada. Tal depoimento está sujeito ao referido princípio da livre apreciação da prova, sendo que o mesmo é complementado pelos depoimentos de várias outras testemunhas, relativamente a factos ocorridos em variadas situações, o que dá ainda maior credibilidade ao afirmado pela ofendida.

Todos os meios de prova em que assentou a decisão do tribunal foram produzidos em audiência de julgamento e o recorrente não aponta nenhum segmento da matéria de facto provada - cujos factos não concretiza nas conclusões - que não tenha tido qualquer suporte nessa prova, ainda que apenas baseado, em algumas situações, nas declarações da ofendida.

Assentando a sua irresignação quase exclusivamente numa alegada falta de credibilidade da ofendida relativamente a factos e situações que o arguido nega que se tenham verificado, o certo é que nenhuma demonstração é feita no sentido de que os mesmos não podiam ter ocorrido nos termos em que por aquela foram relatados.

No que concerne a credibilidade, o factor determinante é o que decorre da imediação da prova, ninguém estando em melhores condições para avaliar da mesma do que o tribunal perante o qual a prova foi produzida.

Da nossa parte e perante o alegado pelo recorrente, não vemos razões plausíveis para retirar às declarações da ofendida o crédito que lhe foi concedido pelo tribunal de primeira instância e conceder maior credibilidade às declarações do arguido do que aquela que lhe foi concedida pelo mesmo tribunal, estando a posição deste solidamente justificada na fundamentação da respectiva decisão, como já afirmámos supra, sem que o recorrente consiga demonstrar o contrário.

E não é pelo facto de haver duas versões contraditórias, ou mesmo de a versão da acusação ser sustentada fundamentalmente pela ofendida, havendo outra prova, nomeadamente, as declarações do arguido, em sentido diverso, que se impõe uma decisão favorável a este, com base no princípio in dúbio pro reo.

Por força deste, se o tribunal, depois de produzida a prova, ficar com dúvidas sérias e inultrapassáveis quanto à verificação de determinado facto desfavorável à defesa e essencial à procedência da acusação, deverá declará-lo não provado e, consequentemente, absolver o arguido.

Isto porque, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência» (Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. I, pág. 84).

Assim, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido «à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível», outra alternativa não é deixada ao julgador senão aplicar o aludido princípio. O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).

Todavia, no presente caso, não resulta da fundamentação da decisão de facto que o julgador tenha ficado com quaisquer dúvidas quanto à verificação ou não dos factos que julgou provados, de molde a justificar a aplicação do aludido princípio, antes pelo contrário, a decisão de facto foi proferida com base numa convicção, que se apresenta como segura e sem dúvidas, formada com base em provas suficientemente sólidas e convincentes, das quais é possível concluir que os factos ocorreram nos moldes supra relatados, juízo que não podemos deixar de acompanhar, perante o teor das provas produzidas em audiência de julgamento e devidamente documentadas nos autos.

Em conclusão, o tribunal recorrido fundamenta detalhadamente a respectiva decisão em matéria de facto, relativamente a cada uma das ocorrências, sustentando a sua posição nas provas validamente produzidas em julgamento, conforme decorre da transcrição da fundamentação da sentença, na parte respectiva. Por outro lado, o alegado pelo recorrente e o conteúdo das demais provas que por este foram indicadas na motivação do recurso não impõem decisão diversa quanto à factualidade impugnada, nem ocorre ter havido violação do aludido princípio in dúbio pro reo.

Em consequência, a impugnação da matéria de facto não pode deixar de ser indeferida.

3.4.–
Fixada a matéria de facto provada, passemos à respetiva subsunção jurídica.
O tribunal recorrido concluiu pela «condenação do arguido pela prática de um crime de violência doméstica, pp. pelo artº. 152º., nº. 1, al. a), do Código Penal, em concurso aparente, numa relação de subsidiariedade, com a pena aplicável ao apurado crime de violação, pp. pelo artº. 164º., nº. 1, al. a), do Código Penal».
O recorrente não põe em causa tal qualificação jurídica, mas apenas que houve lapso na determinação da respetiva moldura abstrata correspondente ao aludido crime de violação, defendendo que este é punível com pena de um a seis anos de prisão.
No acórdão recorrido refere-se expressamente que se trata do crime de violação agravada, que lhe era imputado.

Tal imputação era pelo n.º 1 do art. 164.º, do CP.
Os factos ocorreram entre Abril e Setembro de 2019, tendo os atos respeitantes ao crime (ou crimes) de violação lugar em Julho de 2019 (introdução do pénis na vagina da ofendida) e em 6/09/2019 (introdução dos dedos da mão e, logo a seguir, do pénis, na vagina da ofendida).
A redação do artigo 164.º, do CP, que vigorava à data dos factos era a anterior à Lei n.º 101/2019, de 6/9, porquanto, esta lei apenas entrou em vigor no dia 1/10/2019.
Conforme decorre da redação do aludido artigo que é transcrita no acórdão, essa mesma versão anterior foi a considerada pelo tribunal recorrido como sendo a preenchida pela conduta do arguido, dela resultando que a pena aplicável, a quem, «por meio de violência, constranger outra pessoa a sofrer ou praticar consigo cópula», ou a «sofrer introdução vaginal de partes do corpo», é de três a dez anos de prisão.

O atual n.º 1 do mesmo artigo 164.º, cuja redação foi introduzida pela aludida Lei n.º 101/2019, provém do anterior n.º 2, respeitando aos atos sexuais que tiverem lugar contra a vontade cognoscível da vítima, mediante constrangimento desta por outros meios diferentes da violência, ameaça grave, ter sido a vítima colocada em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir.

Havendo violência, como é o caso dos autos – porquanto, resulta dos factos provados que o arguido, nos momentos que imediatamente antecederam a relação sexual, deu empurrões à vítima, desferiu socos, cotoveladas, pancadas no corpo, manteve-a imóvel, forçou-a a ter tais relações, para além de ter arremessado o telemóvel da ofendida contra a parede, partindo-o -, a situação é subsumível ao atual n.º 2, cuja redação é a do anterior n.º 1.

Assim, apesar da alteração ocorrida no mencionado artigo, nenhuma modificação houve quanto à punição da apurada conduta do arguido, não se apresentando a nova lei mais favorável do que a vigente à data dos factos, sendo a pena precisamente igual em ambas as versões, apenas mudando a respetiva norma punitiva do n.º 1 para o n.º 2 do artigo 164.º, do CP, sendo certo que, em tais circunstâncias, deve aplicar-se a redação vigente à data dos factos (artigo 2.º, n.º 1, do CP), ou seja, a anterior à Lei 101/2019, tendo sido essa a opção do tribunal de primeira instância.

Em suma, a pena aplicável ao crime de violação cometido pelo arguido era e continua a ser de 3 a 10 anos de prisão e não de 1 a 6 anos, como ele pretende.

No capítulo respeitante ao crime de violência doméstica, dúvidas inexistem em como o arguido o cometeu, sendo a respetiva conduta subsumível ao disposto no artigo 152.º, n.º 1 alínea b) – sendo dele vítima a pessoa com quem o arguido manteve relação de namoro – e n.º 2 al. a) – alguns dos factos ilícitos foram cometidos no domicílio da vítima -, do Código Penal, correspondendo-lhe pena de 2 a 5 anos de prisão.

Perante a expressão que consta da parte final do n.º 1 do artigo 152.º do CP, em que, a seguir à pena aplicável, se refere «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal», entendeu o tribunal recorrido que há um concurso aparente (subsidiariedade expressa) entre o crime de violência doméstica e o crime de violação agravada, punindo-se o arguido com a pena deste último, por ser a mais grave. Tal acontecerá sempre que com o de violência doméstica concorrerem outros crimes puníveis com pena superior a 5 anos de prisão, o que fará com que a punição por algum destes crimes afaste a punição pelo crime de violência doméstica, posição que tem sido amplamente defendida, quer na doutrina, quer na nossa jurisprudência (cfr. a título exemplificativo, os acórdãos da Relação de Guimarães de 17/05/2010 e de 21/10/2010, nos processos 1379/07.9PBGMR.G1 e 353/11.5GDGMR.G1, respetivamente; desta Relação de Lisboa de 13/12/2016, no processo n.º 1152/15.0PBAMD.L1 e da Relação do Porto, de 27/9/2017, no processo n.º 1342/16.9JAPRT.P1, todos em www.dgsi.pt; Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal …”, 2008, pagina 407, onde podem ser encontradas referências a outras posições, no mesmo e em diferente sentido, na doutrina).

Nada temos a objetar a tal posição, nem ela é colocada em crise pelo recorrente, pelo que, a pena a aplicar terá de situar-se dentro da aludida moldura de 3 a 10 anos de prisão.

3.5.–No que concerne à medida concreta da pena, a pretensão de redução da mesma para montante inferior a 5 anos de prisão, de molde a permitir a suspensão da sua execução, fundava-se no pressuposto de que a moldura abstrata a considerar seria de um a seis anos de prisão, tendo em conta a atual redação do n.º 1 do artigo 164.º, do CP, pretensão que não teve acolhimento, como acima demonstrámos.

No que concerne aos critérios de determinação da pena concreta e às circunstâncias relevantes a ponderar para tal efeito, o recorrente nada alega que justifique a pretendida redução.

Excluindo a possibilidade de atenuação especial da pena, sendo inaplicável, nomeadamente, «o regime especial para jovens», o tribunal recorrido justificou a pena que aplicou apoiando-se no elevado «grau de ilicitude dos factos», na «intensidade do dolo directo, reconhecido nos factos», nas condições pessoais e económicas do arguido e «sua conhecida inserção social», nas «exigências de prevenção geral e especial»,  na inexistência de circunstâncias atenuantes, tais como, ausência de confissão dos factos, de arrependimento e de primariedade, verificando-se, em contrapartida, a agravante da sucessão de crimes, face às várias condenações anteriores que já sofreu.

Perante tal circunstancialismo e tendo em conta a moldura penal aplicável ao crime cometido, entendemos que a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente não é excessiva ou desadequada, antes pelo contrário, consideramos que a mesma é justa e adequada à gravidade dos factos e ao grau de culpa do arguido, na medida em que, não excedendo esta, situa-se dentro da denominada moldura de prevenção - cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, cabendo à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente -, não admitindo, pois, qualquer redução, sob pena de não serem atingidas as finalidades da punição e saírem frustradas as expectativas da comunidade no que concerne à reposição da validade das normas jurídicas violadas pela conduta do arguido.
Porque excede os 5 anos de prisão traçados como limite inultrapassável pelo artigo 50.º, n.º 1, do CP, para que seja possível a suspensão da sua execução, esta não se mostra possível, improcedendo o recurso, também nesta parte.

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III.–Decisão:

Nos termos expostos, julga-se improcedente o presente recurso do arguido D. , confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
Notifique.


Lisboa, 16/02/2021


(Elaborado em computador e posteriormente revisto pelo relator).


José Adriano
Vieira Lamim


Decisão Texto Integral: